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Partos, parteiras e maternidade: tecnologias e políticas do corpo / Revista de História Regional / 2016
Parto e maternidade / História – Questões & Debates / 2007
Desde a publicação dos livros de Simone de Beauvoir (O segundo sexo, 1949) e de Betty Friedan (Mística feminina, 1963), as relações entre os estudos feministas e a maternidade têm sido marcadas pela contradição e pela polêmica. Se o feminismo da primeira onda (finais do século XIX e primeiras décadas do século XX) foi majoritariamente maternalista – apesar de algumas vozes dissonantes –, o feminismo da segunda onda (1960-1970) dividiu-se em relação à maternidade. Ora explicada como uma experiência ética e valorizada, ora denunciada como uma peça fundamental da opressão feminina, sobre a maternidade não se pode dizer que pairou o silêncio ou a negligência intelectual, muito pelo contrário.
Entre as décadas de 1970 e 1980, multiplicaram-se os estudos sobre esse tema que abrangiam diferentes domínios das ciências humanas, o que resultou em artigos, livros e coletâneas nos quais a problematização da maternidade tinha entre seus objetivos criticar as interpretações históricas e deterministas, inserindo experiências como a sexualidade, a gravidez, o parto, a amamentação e a maternagem no terreno da cultura e da história. Esses estudos contribuíram para a desconstrução de verdades estabelecidas sobre o corpo feminino, bem como sobre temas espinhosos para o feminismo, como identidade e cultura femininas. As experiências do corpo, da reprodução, do nascimento e dos cuidados deixaram o terreno da biologia e dos instintos e adentraram no terreno das relações sociais, dos sistemas simbólicos e da dimensão temporal que possibilita pensar historicamente tais experiências.
As historiadoras têm contribuído para esse debate. A história da maternidade é um domínio relativamente recente, mas tem produzido vários trabalhos individuais e coletivos nos dois lados do Atlântico. As abordagens são bastante diversificadas, como a história social, a história cultural, a história política, mas também o recorte cronológico, com estudos que se inserem na longa duração e outros de recorte mais contemporâneo e conjuntural. O dossiê Parto e Maternidade, que apresentamos na revista História: Questões & Debates, visa contribuir com os estudos sobre essa temática numa perspectiva interdisciplinar e de maior amplitude temporal. Instituição que presta serviços de atendimento a famílias em dificuldades, localizada na ilha d’Yeu (França). Fernanda analisa especificamente o que significam a gravidez e o parto para as mulheres que vivem nessa instituição.
Parto e maternidade são analisados neste dossiê como experiências que, para além da dimensão subjetiva – corporal e psicológica –, constituem pontos críticos de interseção do indivíduo e da sociedade, da racionalidade e dos sentimentos, das práticas sociais e das ideologias. Convidamos os leitores a compartilhar destas reflexões.
Neste número também contamos com três artigos que abordam questões referentes ao espaço urbano e à memória, além de práticas políticas e conhecimento. O artigo de Fernando Gaudereto Lamas aborda o contrato das entradas para as Minas Gerais no século XVIII, tanto sob a ótica administrativa quanto sob a econômica. O autor defende que um estudo sobre a ação dos contratadores esclarecerá as peculiaridades do sistema colonial português, bem como as particularidades da economia das Minas Gerais. Também sobre o século XVIII, o artigo de Clarete da Silva Paranhos analisa as Viagens filosóficas do naturalista João da Silva Feijó, correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa. A autora se debruça sobre o levantamento dos recursos naturais realizado pelo naturalista em viagem à Capitania do Ceará em 1799. Já o artigo de Edmilson Santos apresenta uma reflexão sobre os campos de várzea, como espaços urbanos de lazer popular.
Iniciamos com a tradução do artigo da historiadora italiana Claudia Pancino sobre a produção iconográfica dos fetos e nascituros desde a época dos anatomistas renascentistas até a contemporaneidade da transparência dos corpos pela tecnologia das imagens médicas. A autora nos mostra como se constrói a relação entre conhecimento e imaginário, levantando questões bastante instigantes sobre as relações entre o corpo materno e os fetos no processo de produção das imagens anatômicas.
Das imagens da vida e da morte, passamos para o artigo de Georgiane Garabely Heil Vázquez a respeito do aborto. A autora aborda essa questão a partir do conhecimento médico, da interpretação e das reações dos médicos a respeito das mulheres que por motivos diferentes tiveram que recorrer a essa prática para interromper uma gravidez indesejada, senão impossível, para aquele momento de suas vidas.
O artigo escrito pelas pesquisadoras do Instituto de Saúde de São Paulo e da PUCSP aborda a temática do parto e da maternidade através da profissão exercida pelas parteiras diplomadas que atuaram em São Paulo entre 1878 e 1920. Esse artigo é também uma contribuição para a historiografia da imigração, por divulgar fontes pouco conhecidas sobre as parteiras estrangeiras que exerceram seu ofício no país.
As relações entre médicos e mães são o tema do artigo de Ana Laura Godinho Lima, que analisa os manuais de puericultura escritos pelos médicos brasileiros na primeira metade do século XX com o intuito de ensinar as mães a bem cuidar dos filhos sob a égide do saber médico-higienista da puericultura. Terreno de conflitos, pois de um lado está o saber médico amparado nos conhecimentos das ciências biológicas; de outro lado, as práticas e os saberes femininos colocados em suspeição e mesmo condenados pelos pediatras. Desses conflitos, Ana Laura nos apresenta o esforço de aculturação empreendido pelos médicos e seus manuais de bem cuidar das crianças.
A educação também é o tema do artigo de Maria Simone Vione Schwengber. Fundamentada nas contribuições teóricas do pós-estruturalismo, a autora analisa o processo de educação dos corpos grávidos. Utilizando como fonte principal a revista Pais & Filhos no período de 1968 a 2004, Maria Simone estuda os processos de subjetivação através do que se tem denominado de politização da maternidade.
Fechando este dossiê, temos o artigo de Fernanda Bittencourt Ribeiro, no qual são analisados os dados de uma pesquisa etnográfica realizada numa
Ana Paula Vosne Martins – Organizadora do dossiê.
MARTINS, Ana Paula Vosne. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.47, n.2, jul./dez., 2007. Acessar publicação original [DR]