As Alegrias da Maternidade | Buchi Emecheta

O livro “As Alegrias da Maternidade”, de Buchi Emecheta, foi publicado pela primeira vez em 1979 na Inglaterra. No entanto, recebeu a sua primeira tradução para o português brasileiro pela editora Tag Livros em 2017, através do clube de assinatura “Tag Curadoria” que tem a intenção de publicar obras inéditas no Brasil. Contudo, como a editora em questão possui circulação restrita aos assinantes, a editora Dublinense lançou outra versão da obra em 2018, ambas as publicações são frutos da tradução de Heloísa Jahn. As notas aqui apontadas, resultam da leitura dessa edição.

Florence Onyebuchi “Buchi” Emecheta foi uma autora e intelectual nigeriana, nascida em 1944 em Lagos. Ao longo da sua infância estudou em colégios cristãos sendo que, aos 11 anos de idade, se tornou órfã, tendo que ir morar em sua comunidade ancestral com parentes. Em 1962, já casada desde os 16 anos, mudou-se com esposo e filhos para a Inglaterra em busca de trabalho. O casamento perduraria até 1966, quando se separou de seu marido abusivo e violento, e criando sozinha seus cinco filhos, em um país estrangeiro. Mesmo com tantas responsabilidades e dificuldades, Emecheta conseguiu se graduar em Sociologia em 1974, realizar o mestrado em 1976 e em 1991, concluir seu doutorado em Educação, na Universidade de Londres. Ao ganhar reconhecimento pela sua obra, a autora foi convidada para lecionar em várias universidades estadunidenses. Aos 72 anos, Buchi Emecheta faleceu vítima de uma demência. Leia Mais

Pariremos com prazer | Casilda Rodrigáñez Bustos

Casilda Rodriganez
Charla Casilda Rodrigáñez Bustos | Imagem: Instituto Europeo de Salud Mental Perinatal

Casilda Rodrigañez Bustos nasceu na cidade de Madrid na Espanha, em 16 de maio de 1945. bióloga, escritora e feminista, em seus livros ela abordou questões sobre o corpo das mulheres, o parto, a maternidade, as culturas pré-patriarcais, a análise crítica do patriarcado relacionando a desconexão das mulheres com seus corpos, entre outros assuntos dessa natureza. No Brasil, dois de seus livros foram publicados pela Editora Luas: A Matrística: aqui e agora e o livro resenhado. Dentre suas obras, escreveu El asalto al HadesLa sexualidad y el funcionamiento de la dominaciónLa Represión del deseo materno y la génesis del estado de sumisión inconsciente, além de vários artigos e ensaios – todos estes ainda sem tradução para o português brasileiro. Os originais desses textos encontram-se disponíveis no site da autora: https://sites.google.com/site/casildarodriganez/.

Pariremos com prazer aborda positivamente o útero como potência de vida, reconectando-o ao prazer e anunciando os meandros da invenção do parto com dor. O livro engloba as discussões: “Pariremos com prazer”, “Parto orgásmico: testemunho de mulher e explicação fisiológica” e “Estender a teia”. Na primeira parte do livro, “Pariremos com prazer”, Casilda apresenta a tese do parto com prazer e a renúncia à dor no parto como significado de reapropriação feminista do poder fisiológico do útero descontraído e exercitado para o orgasmo. Em “Parto orgásmico: testemunho de mulher e explicação fisiológica”, analisa a capacidade autoerótica das mulheres nos antigos rituais voltados para o exercício uterino e a preparação para o parto natural. Ela analisa, em imagens artísticas, a aparição destes rituais. E, finalmente, “Estender a teia” aborda a reconquista e o reaprendizado dos movimentos uterinos, tais como sentir sua pulsação e cadenciar seu fluxo em todo o corpo para recuperar a maternidade como local de afeto e de empoderamento. Para apresentar a tradução, a Editora Luas convidou a ginecologista feminista Halana Faria e a terapeuta reichiana Cláudia Rodrigues para escreverem o Prefácio. Leia Mais

Ser mãe é… A maternidade normalizada pelo discurso jornalístico | Ariane Carla Pereira

Qual a melhor temperatura para a água do banho? O que fazer se ele engasgar? Se eu comer abobrinha ele vai ter cólica? Essas, entre outras perguntas e respostas, a autora Ariane Pereira buscava em leituras de revistas especializadas, desde o momento em que descobriu sua gravidez, em 2006. Dos vários periódicos com que teve contato, destacou-se a revista Pais & Filhos, publicada pela editora Bloch, a qual dedicava-se mensalmente em publicações para quem espera e/ou tem um bebê.

Quatro anos mais tarde, os discursos da revista, que soavam como um manual da maternidade, foram dando espaço para o olhar analítico de uma jornalista e pesquisadora da área de comunicação. Assim, as inquietações da autora a levaram a examinar quatro décadas de publicações de Pais & Filhos (1968-2008), resultando em sua tese de doutorado em Comunicação e Cultura, defendida na UFRJ, em 2014. As mais de 450 edições do periódico foram foco de uma investigação que teve como principal objetivo analisar como os discursos jornalísticos são capazes de moldar a sociedade de uma determinada época, construindo práticas discursivas identitárias. Com efeito, a obra de Ariane Pereira pôs em debate os modos de objetivação/subjetivação da mulher, procurando pensar acerca de como o jornalismo intervém em práticas sociais e discursivas que condicionam a constituição da mulher-mãe na contemporaneidade. Identidades maternas que ora remetem à mãe capaz de resolver todos os problemas, movida pelo amor materno, incondicional; ora a uma mãe que busca a superação a todo instante, mas caso venha a fracassar, sua identidade é marcada pela culpa. Leia Mais

Contra os filhos – MERUANE (REF)

MERUANE, Lina. Contra os filhos. Vidal, Paloma. São Paulo: Todavia, 2018. Resenha de ÁVILA, Alana Aragão. Armadilhas da culpabilização materna. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.28 n.2 2020.

Abordar a maternidade e o instinto materno enquanto construções sociais permanece sendo tarefa árdua. Desde Simone de Beauvoir ([1949] 2016), passando por Elizabeth Badinter (1985) até Silvia Alexim Nunes (2000) e Lurdes Fidalgo (2003), a discussão sobre esses temas é recebida de forma controversa na arena quase sacralizada da construção da feminilidade pela via do papel materno. Propondo uma discussão atualizada não apenas sobre a maternidade em suas diversas formas e práticas, mas também sobre seus efeitos produtivos, Lina Meruane entrou para a miríade de autoras que desafiaram as convenções em torno do tema.

O mais recente livro de Lina Meruane a chegar no mercado brasileiro leva a provocação para além do título. Contra os filhos se propõe a ser um ensaio que discute o local privilegiado em que os filhos foram colocados na atualidade. Meruane revisita o “ideal do dever-ser-da-mulher” (Lina MERUANE, 2018, p. 17) e anuncia que esse imaginário está tomando novas formas, a saber, “sua encarnação contemporânea agita os pés entre fraldas e berra sem descanso junto a nós” (MERUANE, 2018, p. 17). Leia Mais

Malas madres. Aborto e infanticidio en perspectiva histórica | Juleta di Corleto

En Malas madres, editado por Didot, Julieta di Corleto presenta lo que fue en esencia su tesis para obtener el título de doctora en Historia por la Universidad de San Andrés (Buenos Aires, Argentina). Su trabajo se propuso estudiar la delincuencia femenina en la capital argentina en las últimas décadas del siglo XIX y las primeras del XX con el centro en los abortos e infanticidios como delitos «privativos de ellas». En estas acciones perseguidas penalmente, las mujeres casi hegemonizaron los ingresos carcelarios, lo que generó una asociación casi inmediata con esta figura a pesar del predominio de los ilícitos contra la propiedad en sus entradas a prisión. De todas formas, concluye, su peso en las estadísticas criminales fue escaso, lo que por otra parte fue utilizado recurrentemente como fundamento para la reducida atención dedicada a la delincuencia femenina. En su presentación, Di Corleto da cuenta del atraso con que las obras dedicadas a la experiencia femenina han llegado al terreno académico argentino. Particularmente si se le compara con el importante desarrollo que ha tenido la historiografía relativa a la delincuencia y el castigo masculino. Precisamente, en el apartado dedicado a estudiar la cuestión criminal en ese país considera los límites de la producción, tanto local como internacional, que sería explicable de alguna manera por la falta de autonomía existente. Igualmente, parece pertinente no dejar de mencionar la relevancia de las investigaciones latinoamericanas sobre el tema con los trabajos de historiadoras como Elisa Speckman Guerra, Fabiola Bailón, María José Correa Gómez o Yvette Trochón por solo citar algunas obras dedicadas al estudio de una diversidad de acciones vinculadas con la delincuencia protagonizada o vinculada a las mujeres. Leia Mais

História das mulheres e do gênero em Minas Gerais / Cláudia Maia e Vera L. Puga

Escrever a história das mulheres e do gênero ainda é uma tarefa ousada. Desde os anos 1980, o tema chega ao Brasil e se consolida como um campo definido de pesquisa para as/os historiadoras/es ganhando visibilidade, apesar de ainda sofrer restrições no interior das instituições acadêmicas. O número significativo de publicações revela gradativo fortalecimento desse campo, como atesta o crescimento das publicações de livros, artigos em revistas especializadas, teses, dissertações e simpósios temáticos versando sobre o tema. O que significa escrever uma história das mulheres e do gênero? A história se tornou o lugar a partir do qual o feminismo questionou o sujeito universal moderno (homem, branco, heterossexual e cristão), fazendo emergir uma vasta gama de sujeitos históricos em suas especificidades de gênero, étnico-raciais, sociais e sexuais.

O livro História das mulheres e do gênero em Minas Gerais, organizado por Cláudia Maia (UNIMONTES) e Vera Puga (UFU) resulta de uma parceria de longa data entre as organizadoras, que são pesquisadoras conceituadas e bastante atuantes nos simpósios sobre “História das mulheres e do gênero” na Associação Nacional de Professoras/es Universitários de História (ANPUH). Cláudia Maia é doutora em História pela Universidade de Brasília, na área de Estudos Feministas e de Gênero, e pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa. Atua como professora adjunta do Departamento de História e dos Programas de Pós-graduação em História e de Letras/Estudos Literários, da Universidade Estadual de Montes Claros. Vera Puga é doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), desde 1998, e atualmente faz parte de algumas comissões: do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (ENADE-Formação Geral) e da Secretaria de Políticas para as Mulheres (Comitê Técnico-Institucional, questões de gênero). É professora Associada II da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde atua no Programa de Mestrado e Doutorado em História Social, no Núcleo de Estudos de Gênero e Mulheres (NEGUEM) e na Revista Caderno Espaço Feminino, como editora.

O livro em questão conta ainda com a participação de pesquisadoras/es de vários estados brasileiros que se debruçaram sobre  diferentes momentos da história das mulheres em Minas Gerais, partindo de variados tipos de fontes e abordagens metodológicas. Foi publicado pela Editora Mulheres e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Trata-se de uma coletânea de 552 páginas, organizada em quatro partes que indicam os múltiplos olhares sobre as mulheres mineiras: 1) transgressoras e insubmissas mineiras; 2) damas, donas do sertão; 3) saberes e fazeres femininos; 4) casamento e maternidade: mecanismos de um destino social.

A primeira parte da obra é constituída por textos que tratam das variadas ações de mulheres mineiras em diferentes temporalidades e espaços, para romper com as amarras das tradições patriarcais. Através da escrita sensível da pesquisadora Diva do Couto Muniz, conhecemos professoras mineiras cujo conjunto de ações “insubordinadas, indóceis e indisciplinadas” fincaram um marco de resistência ante o conjunto das estratégias elaboradas nas Minas oitocentistas, para circunscrevê-las a um ideal de mestra, recatada e submissa. Encontramos também as mulheres que ousaram contrariar regras “sagradas” e constituíram famílias com padres, mesmo estando sujeitas a sanções sociais, conforme divisou Vanda Praxedes. Mulheres mineiras livres ou escravizadas com suas práticas e estratégias em favor da abolição, como a escravizada Catarina que se destacou pela “astúcia empreendida em seus projetos de liberdade” (p.87), são desveladas por Fabiana Macena. A mineira Maria Lacerda de Moura, sua trajetória e escrita libertárias compõem o texto escrito por Cláudia Maia e Patrícia Lessa. Os três últimos textos discorrem sobre a escrita feminina: Maura Lopes Cançado e sua vida marcada pela insanidade e transgressão das normas de gênero, cuja obra Hospício é Deus foi discutida de forma densa por Márcia Custódio e Alex Fabiano Jardim. Contribuindo para visibilizar as mulheres negras e suas escritas, Constância Duarte nos presenteia com uma análise belíssima de parte da obra da escritora mineira Conceição Evaristo. Nos contos analisados, as personagens negras nos convidam a conhecer suas trajetórias, nas quais a intersecção entre gênero, etnia e classe se fazem presentes nas suas estratégias, vivências e resistências cotidianas. Fechando a primeira parte, conhecemos Márcia, prostituta de Pouso Alegre, cujas cartas são analisadas por Varlei do Couto a partir da noção foucaultiana de escrita de si. Vivendo e lutando num contexto em que as campanhas de moralização e higienização sociais têm como foco seu local de trabalho e residência, Márcia elabora táticas de resistência, enquanto troca correspondências com pessoas de sua estima, nas quais fala de si e de sua posição frente à sociedade em que vive.

Na segunda parte da obra, intitulada “Damas, donas do sertão”, os olhares das/os pesquisadoras/es se voltam para as regiões consideradas mais distantes de Minas Gerais: os sertões longínquos, tradicionalmente considerados como espaços do desmando e poderio falocêntricos, agora são relidos sob novo viés. Assim, conhecemos por meio do texto de Gilberto Noronha as imagens contraditórias construídas sobre Joaquina de Pompéu e sua atuação no Oeste de Minas Gerais, entre os séculos XVIII e XIX. Em alguns discursos, ela é a mulher reta, recatada e justa; em outros, figura como “caudilho de saias” ou “sinhá Braba”, colérica, descomedida sexualmente e cruel com seus subordinados. Dona Tiburtina de Andrade Alves é outra mulher cuja posição ativa suscitou inúmeras representações: seu envolvimento em episódio sangrento da política de Montes Claros, no início do século XX, foi lido e relido ao longo do tempo a partir de várias perspectivas, sendo ora louvada, ora criticada, conforme destacam as autoras Maria de Fátima Nascimento e Filomena Cordeiro Reis. Correndo mundo através da literatura, as personagens femininas de Guimarães Rosa, tão vivazes quanto os viventes de carne e osso, em suas ações destecem o tecido da tradição falocêntrica e conduzem os destinos por caminhos por elas mesmas traçados. Zidica, Rivília e “Dlena, aranha em jejum” apresentam possibilidades de “desarticular o estabelecido” e nos são apresentadas com sua astúcia, pela pena sutil de Telma Borges.

Os textos que compõem a terceira parteda obra, denominada “Saberes e fazeres femininos”, têm em comum o cuidado das/o autoras/res em ouvir as próprias mulheres acerca de seus conhecimentos e práticase das formas pelas quais atuaram em suas comunidades. As falas das narradoras são permeadas de satisfação em rememorar suas trajetórias de vida e, ao mesmo tempo, reiteram sentidos tradicionais sobre as atividades consideradas como apanágio feminino ou masculino. Através do texto de Lúcia Helena da Costa, acessamos as narrativas das parteiras do norte de Minas Geraiscujas práticas de partejar sofreram a interferência dos médicos no processo de medicalização da saúde das mulheres e dos recém-nascidos, a partir dos anos de 1950. No texto de Cairo Katrib e Fernanda Naves, nas memórias de mulheres congadeiras em Ituiutaba se entrelaçam trajetórias pessoais e a prática cultural do Congado. Durante muito tempo silenciadas pela tradição judaico-cristã, as vozes das mulheres que atuaram na fundação de Igrejas pentecostais no Norte de Minas Gerais são enfim ouvidas por meio da pesquisa de João Augusto dos Santos. A ligação entre os fazeres considerados como femininos ligados à cozinha e aos hábitos alimentares mineiros são discutidos por Mônica Abdala. Ainda sobre saberes, temos as narrativas das mulheres trabalhadoras rurais no Triângulo Mineiro, visibilizadas por Maria Andréa Angelotti. A exclusão feminina do acesso à educação formal é discutida por Leila Almeida, que se debruça sobre as narrativas de mulheres de Januária acerca de suas trajetórias de escolarização. As hierarquias de gênero que comumente estabelecem restrições diversas às mulheres marcaram a vida de muitas das narradoras, que foram impedidas de estudar durante a juventude por maridos ciumentos e obrigações domésticas. Encerrando a terceira parte, conhecemos a luta pela terra travada pelas mulheres negras remanescentes de um Quilombo em Paracatu, através da pesquisa de Maria Clara Machado e Paulo Sérgio da Silva.

O casamento e a maternidade têm sido apontados enfaticamente como formas de aprisionamento das mulheres, transformados em destinos social e biológico circunscrevendo as mulheres na esfera da casa e da família, submetidas a cerceamentos e violências. A quarta e última parte do livro se caracteriza por discutir os dispositivos sociais responsáveis por restringir as mulheres às funções de esposas e mães, bem como as estratégias encontradas por muitas para se livrarem de situações de violência em casamentos infelizes. Helen Ulhôa Pimentel examina documentação do século XVIII do tribunal eclesiástico instalado em Paracatu. A autora estuda o papel da Igreja quanto ao casamento e a possibilidade de anulação do mesmo. Entre a documentação encontrou vários casos nos quais as mulheres resistiram às imposições da Igreja e a procuravam buscando se livrar de situações intoleráveis, como casamentos violentos, o caso, por exemplo, de Joana de Souza Pereira. Na sequência, também tratando de casamento e divórcio, temos o texto de Dayse Lúcide Santos, que discute a legislação brasileira, do final do século XIX e início do século XX, acerca do tema e analisa alguns processos de separação ocorridos em Diamantina. Uma das conclusões a que chega é a de que havia um descompasso entre as normas instituídas pelo Estado e pela Igreja e as vivências de homens e mulheres, o que levava a transgressões da norma. Os discursos produzidos no início do século XX sobre os papéis das mulheres na formação dos cidadãos nas regiões do triângulo mineiro constituem foco da pesquisa de Florisvaldo Ribeiro Júnior. As mulheres eram “alvos de prescrições físicas e morais de jornalistas, médicos, intelectuais, políticos e padres”, que procuravam estabelecer normas e controle sobre os seus corpos e condutas. Temos, aqui, excelente análise a respeito da relação entre as representações de gênero e os projetos de Nação Moderna do período. Na sequência, os discursos de mães adolescentes sobre maternidade e casamento, em Uberlândia, são analisados por Carla Denari, que percebe um descompasso entre os discursos do Estado acerca da gravidez na adolescência e os sentidos positivos que as mães adolescentes atribuem à maternidade e ao casamento. A educação enquanto espaço de produção das diferenças de gênero é objeto de Vera Lúcia Puga que percorre criticamente o processo educacional dicotômico, desde o século passado, com os internatos separados por sexo, até o presente, com a permanência da educação binária que se evidencia pelo funcionamento da escola deprincesas em Uberlândia.

Enfim, o livro como um todo oferece uma importante contribuição paraa história eos estudos de Gênero; seu diferencial é a abordagem centrada nas mulheres mineiras de várias regiões do estado, suas atuações em cada contexto ondese inseriram na luta pela liberdade de existir e agir. Se por um lado a obra congrega estudos variados que pretendem visibilizar as ações das mulheres mineiras, por outro tem nessa diversidade de perspectivas a emergência de alguns problemas: em alguns textos percebe-se que as mulheres estão subsumidas nas condições históricas de suas sociedades, em outros é possível vislumbrar a ideia de predestinação de determinadas mulheres para a atuação política em seus contextos. Notam-se também algumas lacunas no que tange às mulheres indígenas e às lesbianas, denotando uma ausência de estudos sobre essas mulheres em Minas Gerais e apontando, por outro lado, para a possibilidade de exploração destes campos pelas novas levas de historiadoras/es feministas. As brechas apontadas não diminuem o mérito da obra, visto que, nós historiadoras/es feministas somos conscientes de que todo texto histórico é parcial. Nesse sentido, as organizadoras na apresentação explicam que o “livro não teve a pretensão de percorrer o conjunto dos estudos que têm sido desenvolvidos sobre mulheres e gênero em Minas Gerais no campo da História, mas é uma pequena mostra desses estudos”1. Dentro do proposto, o livro contribui imensamente para que se conheça um pouco mais da história das mulheres mineiras.

Rosana de Jesus dos Santos – Doutoranda em História na Universidade Federal de Uberlândia.Bolsista Fapemig.E-mail: mariabunitaxxi@yahoo.com.br.


MAIA, Claúdia; PUGA, Vera Lúcia (Org.). História das mulheres e do gênero em Minas Gerais. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2015. 552p. Resenha de: SANTOS, Rosana de Jesus. História histórias. Brasília, v.3, n.6, p.223-227, 2015. Acessar publicação original. [IF]

Madri di uomini e di dèi. La rappresentazione della maternità attraverso la documentazione numismatica di epoca romana | Anna Lina Morelli

A Profª Anna Lina Morelli atua como docente de Numismática do Departamento de História Antiga da Università degli Studi di Bologna (Itália) e se insere, com tal trabalho, no projeto para a realização do Lexicon Iconographicum Numismaticae Classicae et Mediae Aetatis (LIN). Neste projeto conjunto, promovido pelas Universidades de Messina, Bolonha, Gênova e Milão, a autora se distingue por ter colocado em foco o papel da mulher no império romano; particularmente, através da coletânea de todas as moedas que trazem a representação dos membros femininos da domus imperial, pesquisa a ideologia que conduz à sucessão dinástica centralizada na figura da Mater e na própria idéia de maternidade em suas múltiplas acepções: desde que a concessão do título de Mater correspondia à designação oficial do Filius e a legitimação do poder imperial em âmbito dinástico. Mater era aquela que havia concebido e dado à luz, e ainda à qual o papel materno era atribuído juridicamente, com base no sistema da adoptio. Mas também era quem que assumia a função de maternidade social e institucional, da qual derivam ações de proteção e tutela dos exércitos (Mater Castrorum), do Senado ou mesmo da Pátria, sendo este último um papel paralelo à paternidade da figura do imperador.

A Autora reconstruiu e evidenciou não só a representação da figura da Mater (mãe do Augusto ou dos Augustos, mãe dos filhos mortos e divinizados, mãe adotiva de filhos destinados à sucessão imperial), mas também seu domínio semântico, ligando-o a aspectos jurídicos, militares, religiosos, éticos e ideológicos; e se entrelaça com questões complexas como a sucessão, a gestão do poder, o controle social e a realidade institucional.

Os documentos recolhidos (moedas) são exaustivamente examinados e criteriosamente apresentados, pois foram cunhadas não somente na casa da moeda central de Roma, mas ainda nas casas de moeda provinciais e periféricas, desde a época tardo-republicana até Otacília Severa, a última Augusta identificada como Mater. A Autora analisa as diferenças no emprego de metais e nominais como forma de estabelecer uma hierarquia no papel dessas imperatrizes, os diversos papéis iconográficos de seus retratos, em confronto com os dos imperadores, bem como os tipos monetários: estes últimos ressaltam a relação das mães da domus imperial com as mães divinas (deusas), geradoras no que diz respeito aos ciclos da natureza e da fertilidade da terra; e especificamente com relação à esfera política, como geradoras divinas da estirpe imperial, e transmissoras do poder real. Em seu caráter alegórico, numa dimensão de Fecunditas, seja genética, seja moral, a Mater é vista ainda como a base da Concordia familiar, por sua vez fundamento da Aeternitas do império e garantia de Felicitas Temporum.

Assim, o elemento feminino da domus imperial, em todas as suas acepções e manifestações icônicas foi recordado, através de excelente análise no plano histórico, exímia metodologia de pesquisa, e pleno domínio da interpretação iconográfica; além disso, mostra a suma relevância do papel da moeda nas estratégias de comunicação, propaganda e manutenção do poder.

O plano da obra se apresenta com o Prefácio da renomada Profª Maria Caccamo Caltabiano (Università di Messina), Premissa e Introdução da Autora. A análise histórica se inicia com o uso político da maternidade e as premissas da idade republicana, a figura da mater em época Augustana, e consequentemente de Lívia, mãe de Tibério e ícone da legitimação. Ainda dedicados à dinastia Júlio-Cláudia são os capítulos sobre Agripina Maior (enquanto mater do imperador Calígula), Antônia Menor (“a maternidade calada” da mãe de Cláudio) e Agripina Menor, mãe, irmã e mulher de imperadores (de Nero, de Calígula e Cláudio, respectivamente). Sobre o período dos Flávios, encontramos um estudo sobre Domícia (mulher de Domiciano), Júlia (filha de Tito) e sua ausente descendência dinástica. Subsequentemente, a estudiosa enfoca Plotina, mulher de Trajano, e Sabina, mulher de Adriano (as chamadas “mães adotivas”) e as Augustas Antoninas, entre maternidade genética, tutela social e implicações religiosas. Os últimos capítulos são dedicados a Júlia Domna (mulher de Septímio Severo), mãe de homens e de deuses, e as outras Augustas dos Severos; e enfim Otacília Severa (mulher de Felipe I), a última Augusta identificada como mater, como já dito antes.

Seguem-se as Conclusões e uma Tabella de equivalência extremamente útil, com as ocorrências dos termos mater / meter nas legendas e nas iconografias correspondentes, nas emissões oficiais e locais. A Bibliografia é exaustiva, atualizada e de altíssimo nível, e as 83 Figuras de moedas exemplificam os diversos capítulos com precisão e competência, algumas dentre as várias qualidades da Autora. O volume traz precioso conteúdo de pesquisa, e não exclusivamente para estudiosos de Numismática, mas ótimo documento de consulta, de amplo espectro, para os que se dedicam à História e à Arqueologia romana, e à Antiguidade em geral.

Maricí Martins Magalhães –  Museu Histórico Nacional.


MORELLI, A.L. Madri di uomini e di dèi. La rappresentazione della maternità attraverso la documentazione numismatica di epoca romana. Collana Ricerche 1. Bologna: Ante Quem soc. coop., 2009. Resenha de: MAGALHÃES, Maricí Martins. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.9, n.9, p. 182-184, 2013. Acessar publicação original [DR]