As cores da masculinidade: Experiências interseccionais e práticas de poder na Nossa América | Mara Viveros Vigoya

Mara Viveros Vigoya Imagem America Latina Globa
Mara Viveros Vigoya | Imagem: America Latina Globa

Os estudos de gênero, em sua maioria, estiveram centrados nas mulheres. Desde os anos 1970, porém, os Estudos das Masculinidades vêm se consolidando como um novo campo de pesquisa. Em Cores da Masculinidade: Experiências interseccionais e práticas de poder na Nossa América, Mara Viveros Vigoya, ao investigar as masculinidades de um ponto de vista interseccional, traz novas e importantes contribuições para os estudos de gênero, em particular para as(os) estudiosas(os) que buscam enfatizar a dimensão relacional do conceito, a fim de investigar as dinâmicas de poder.

Ao centrarem nas condições das mulheres, as pesquisas feministas, em geral, deixam de lado as análises sobre o grupo social dominante. Para Mara Viveros, isso se dá pela denúncia do viés androcêntrico do conhecimento produzido sobre as mulheres, bem como por uma certa desconfiança em relação aos motivos do envolvimento dos homens nas lutas pelos direitos das mulheres. Feministas que pesquisam os homens, por sua vez, desafiam o senso comum segundo o qual gênero equivaleria às mulheres. Enfatizam, assim, que os homens são, também, constituídos pelo gênero, reconhecendo desse modo a dimensão relacional do conceito. Leia Mais

Masculinity and Danger on the Eighteenth-Century Grand Tour | Sarah Goldsmith (R)

Englishmen have always travelled. According to French Abbé Le Blanc, they travelled more than other people of Europe because `they look upon their isle as a sort of prison; and the first use they make of their liberty is to get out of it’.(1) For young elite males who travelled to France and Italy for up to five years, the Grand Tour was, most historians agree, ‘intended to provide the final education and polish’.(2) There is, however, less agreement about what that ‘education’ entailed. Most scholarly investigations have focused on the fashioning of Grand Tourists’ taste and connoisseurship, or on their learning to develop ‘social ease through exposure to different places and peoples.’(3) Stephen Conway’s suggestion that the Tour was ‘essentially a European education’ is compelling, given that eighteenth-century English aristocracy cultivated a ‘cosmopolitan cultural style’.(4)  The Tour, he argues, encouraged a ‘specifically European outlook’which included polish and refinement, appreciation of classical art and architecture, theatre and music as well as continental cuisine, wine and fashion.(5) Above all, elite youth went on the Grand Tour to perfect their French since it was spoken at all European courts and was the language of diplomacy.(6) No English gentleman could be considered accomplished if he did not speak French. All this education was ultimately meant to shape an individual who would be ‘resolutely British’ and understand classical civilization’s supposed commitment to public spirit’.(7)

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As cores da masculinidade: experiências interseccionais e práticas de poder na Nossa América | Mara Viveros Vigoya

Por qual razão uma teórica feminista deveria dirigir sua produção para os estudos das masculinidades? É com esse questionamento que Mara Viveros Vigoya inicia sua mais recente obra As cores da masculinidade: experiências interseccionais e práticas de poder na Nossa América (2018). A autora, antropóloga colombiana e professora titular na Universidade Nacional da Colômbia, possui uma extensa produção nos Estudos de Gênero Latino-americanos. Ademais, pelo menos desde 2002, vem desenvolvendo pesquisas sobre homens, masculinidades e relações de gênero na Colômbia, temática que se materializa nessa obra, na qual Vigoya se dirige aos homens e fala sobre eles “com uma voz feminista que os desafia, mas sem diminuí-los” (p. 21).

Ao localizar o gênero masculino nos paradigmas de raça e classe, a interseccionalidade se torna um pilar para a pesquisa da autora, pois permite pensar as relações de dominação como um processo complexo e contraditório (p. 23). É, portanto, muito a partir dos caminhos teóricos já construídos por R. W. Connel que a autora produz suas próprias conclusões sobre as masculinidades no continente latino-americano. Aliás, é também a socióloga australiana a responsável pelo prefácio do livro, oportunidade na qual exalta a apresentação realizada por Viveros do panorama das pesquisas sobre masculinidades por toda a Nuestra América – denominação utilizada pela autora colombiana como forma de reconhecer as lutas pela reapropriação e ressignificação da nossa identidade continental (p. 29). Leia Mais

Nunca você sem mim – TEIXEIRA (REF)

TEIXEIRA, Analba Brazão. Nunca você sem mim: homicidas-suicidas nas relações afetivo-conjugais. São Paulo: Annablume, 2009. 192 p. Resenha de: COSTA, Patrícia Rosalba Salvador Moura; GROSSI, Miriam Pillar. Violências de gênero: assassinos/as impiedosos/as ou enlouquecidos/as pela dor do amor? Revista Estudos Feministas v.18 n.2 Florianópolis May/Aug. 2010.

Em tempos de Lei Maria da Penha, a violência de gênero ganha maior visibilidade junto à sociedade civil e reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, dos diversos problemas que são gerados em consequência de tais atos.

Há muito que pesquisadoras e a militância feminista se debruçam sobre o tema para mostrar as faces e interfaces das variadas violências que atingem as mulheres, e para marcar um espaço de luta em busca de proteção dos direitos humanos, direitos das mulheres. Várias foram as conquistas no campo das políticas públicas: criação das delegacias das mulheres, em 1985; promulgação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340), em 2006;1 e, em 2009, promulgação da nova Lei do crime de estupro (Lei 12.015),2 que altera a redação de alguns crimes sexuais previstos no Código Penal Brasileiro. Essas e outras alterações têm contribuído para que a violência perpetrada contra as mulheres saia do espaço privado e se insurja na tela dos espaços públicos com tonalidades de indignação e cores de esperança. Esperança de que essas práticas deixem de fazer parte das estatísticas institucionais e que o reconhecimento dos direitos das mulheres esteja na pauta de toda a sociedade. Leia Mais

A construção social da masculinidade | Pedro Paulo de Oliveira

Focar a masculinidade enquanto objeto de reflexão de gênero, ainda pode ser considerada uma perspectiva inovadora. Esse conceito foi sistematicamente tangenciado na medida em que se fixava a idéia da existência de uma masculinidade hegemônica inquestionável, baseada na irrestrita dominação masculina. Os esforços para pôr em discussão esse conceito antes “despercebido” são bastante recentes na sociologia e ainda mais recentes na historiografia. É visto que uma das mais ricas formas de abordar a masculinidade é através do diálogo teórico-conceitual dentre os diversos campos das ciências humanas, em especial: História, Sociologia, Antropologia, Letras, Filosofia e Psicologia. No intuito de se transitar dentre essas diversas disciplinas se apresenta a obra de Pedro Paulo de Oliveira. Embora “A Construção Social da Masculinidade” (2004) seja fruto de sua tese de doutorado defendida no Departamento de Sociologia da USP, seus diálogos transcendem as fronteiras disciplinares ao passo que o autor realiza as mais diversas incursões teóricas, perpassando inclusive pela historiografia.

É nesse sentido que a presente resenha propõe uma leitura, também por parte de dos historiadores, dessa obra que trilha diversos caminhos das Ciências Humanas, criando um dos mais ricos panoramas teóricos acerca do assunto no Brasil.

Oliveira define, ainda que provisoriamente, masculinidade enquanto “um lugar simbólico\ imaginário de sentido estruturante nos processos de subjetivação […] que aponta para uma ordem de comportamentos socialmente sancionados” (2004, pp. 13). Partindo desse pressuposto, o autor passa a vasculhar os conhecimentos históricos, filosóficos, psicológicos, antropológicos e sociológicos em busca da “construção social da masculinidade”.

No primeiro capítulo intitulado “Macho divinizado” há um diálogo entre as pesquisas do historiador George Mosse e do sociólogo Norbert Elias que estabelece “uma sociogênese moderna” da masculinidade. Oliveira contrasta o ideal masculino do bravo, ousado, destemido, rude e passional cavaleiro da idade média com o comedido e autocontido cavalheiro burguês da idade moderna. Dessa relação eleva-se o ideal moderno de masculinidade, incentivada pelo estado nacional e por diversas instituições sociais, como as religiões, a família nuclear, as leis, os esportes, a psicanálise, a medicina e a própria ciência iluminista.

No segundo capítulo que o autor intitulou “Capitalismo cósmico”, podemos encontrar ampla discussão acerca dos paradigmas norteadores da pós-modernidade. Para Oliveira, a ascensão de tal pós-modernidade proporcionou instabilidade, incertezas e crises da maioria dos valores nacionais e burgueses que amparavam o discurso mitificador da masculinidade. A compreensão da fragmentação e das mudanças promovidas por essa nova configuração social, cultural e econômica seria fundamental para que se pense em uma “crise da masculinidade”, ou seja, uma decadência contemporânea dos fabulosos valores masculinos junto dos ideais modernos que os sustentavam.

Delineada essa suposta crise dos valores masculinos, possibilitou-se questionar ou reafirmar tais valores: destoantes discussões acadêmicas e políticas são delineadas no terceiro capítulo do livro. Os discursos dos conservadores, dos cristãos, do movimento Gay, dos “homens vitimizados”, são indiciados a fim de se mapear os contornos e proporções que essa suposta crise da masculinidade havia tomado. Oliveira tece suas “Críticas Teóricas à Visão Vitimaria” afirmando que as posições teóricas que sustentam a menção de uma crise nos valores masculinos estão baseadas em argumentos “psicologizantes”, desprovidos de uma base empírica sólida. A proposição do autor é a de relativizar ou até mesmo abandonar a perspectiva da crise da masculinidade, pois “Antes de ser vítima, o homem é beneficiário do sistema de gênero vigente” (OLIVEIRA, 2004, pp. 190). A hipótese de que a masculinidade não sofreu, necessariamente, uma crise estrutural desencadeia a arguição do quarto capítulo, no qual Oliveira aborda as permanências da masculinidade sobrevivente a todas as crises do século XX. O argumento é que a interação social é um elemento relativizador da concepção de masculinidade decadente, pois nos baixos estratos sociais mantêmse a visão valorativa dos elementos constitutivos do discurso masculino, diferentemente das crises presentes nos homens das classes médias e altas, freqüentadores de consultórios psicológicos. Oliveira se utiliza do conceito Deleuziano de “falocentrismo” ao argumentar que as relações de gênero apontam para uma cultura supervalorizadora da simbologia do falo e da virilidade, causando um desequilíbrio na balança do poder em que o sujeito enquadrado nas prescrições da masculinidade é beneficiado, em detrimento de todos os sujeitos alheios a tais prescrições.

No quinto e último capítulo, Oliveira dá seqüência à sua argumentação na medida em que traça as relações e vivências intersubjetivas masculinas. Isso abre espaço para a utilização de seu conceito de masculinidade enquanto um “lugar simbólico\imaginário de sentido estruturante” (OLIVEIRA, 2004, pp. 245). A identidade masculina passa a ser uma construção subjetiva baseada em signos de honra, prestígio e dominação, que se afirma através das vivências interacionais e intersubjetivas. Tais vivências são propiciadas através de condutas específicas, muitas vezes violentas, perigosas e excludentes. A legitimação da identidade masculina é reproduzida pela mídia, pelas “fofocas” e por diversas outras formas de comunicação, que por sua vez, funcionam como formas de controle social, a partir do momento em que estabelecem determinados códigos masculinos assumidos como legítimos e adequados. Trata-se de uma opinião compartilhada que deve ser reiterada por todos os agentes a serem considerados estabelecidos [87]. Isso possibilita a satisfação existencial desses, ao passo que categoriza os alheios a tais normas enquanto “outsiders”.

Consecutivamente, Oliveira defende a hipótese de um “inconsciente sexuado” em que todos os homens confiscam um valor positivo em relação aos próprios signos constitutivos da masculinidade, ainda que alguns desses homens não os defendam conscientemente. Isso dá vazão à convergência entre “masculinidade” e “poder simbólico”, reafirmando o argumento da “Dominação Masculina” de Bourdieu (1999).

O autor encerra seu livro discutindo sobre a necessidade de se fugir dos estereótipos e se estudar mais profundamente a masculinidade, enquanto uma perspectiva de gênero. Oliveira reitera sua posição de que há uma disparidade entre os gêneros que ainda não foi superada, sendo necessária ampla reflexão desses a fim de reduzir as disparidades sociais.

Há muitas contribuições apresentadas por essa obra, delimito duas: a primeira, e mais específica, é a argumentação teórica utilizada que proporciona instrumentalização às pesquisas que se pretendam focar no estudo da masculinidade. A segunda contribuição, essa mais ampla, é a própria abordagem acerca da “Construção Social da Masculinidade“, trazendo a compreensão de que a masculinidade não é uma edificação sólida ou um conceito a priori [88] , antes disso, é literalmente uma construção social, passível de questionamentos, de discursos, de desconstruções. Essa abordagem, problematizadora, transporta a masculinidade para o centro das discussões acadêmicas das ciências humanas, uma vez que traz à tona um importante e delicado debate que articula a masculinidade com as construções subjetivas e com as relações de poder intergêneros.

Notas

87 Uso o termo de acordo com a concepção de Norbert Elias (2000), ao passo que os estabelecidos, como o próprio nome já diz, é um grupo identitário que se auto-afirma através da utilização de significações sociais comuns. Tal auto-afirmação serve como uma ferramenta de exclusão dos outsiders, ou seja, dos que não compartilham dos mesmos códigos propostos pelos estabelecidos.

88 Uso o conceito “a priori” em stricto sensu como “independente de qualquer experiência empírica”.

Referências

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade, Rio de Janeiro: Zahar, 2000. pp.17-50.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 20.ed. Rio/Brasília: José Olympio/INL, 1980.

Fernando Bagiotto Botton86 – Bolsista PET\MEC-SESU e graduando do curso de História da Universidade Federal do Paraná.

OLIVEIRA, Pedro Paulo de. A construção social da masculinidade. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2004. Resenha de: BOTTON, Fernando Bagiotto. Cadernos de Clio. Curitiba, v.1, p.121-123, 2010. Acessar publicação original [DR]