Da direita Moderna à Direita Tradicional | Cesar Ranqueta Júnior

Cesar Ranqueta Junior Imagem Unipampa 2
Cesar Ranqueta Júnior | Imagem: Unipampa

De autoria de Cesar Ranqueta Jr, o livro Da direita Moderna a Direita tradicional, publicado em 2019, tem duas ambições. A primeira delas é reconstituir historicamente o conceito de Direita, sistematizando argumentos e compilando autores que são ícones para sua fundamentação no mundo ocidental. A segunda é, a partir de uma análise dessa corrente de pensamento no Brasil, apresentar suas fragilidades, incongruências, antinomias e propor, a partir dessas análises, uma fundamentação teórica a ser seguida.

Da direita moderna a direita tradicionalO interesse do autor por essa questão tem como base uma dupla crítica que é por demais razoável em uma sociedade cada vez mais polarizada e marcada por uma naturalização de conceitos do campo da política. A primeira é a recusa aos autores filiados ao pensamento de direita, assim como às suas ideias nos círculos especializados de debate, implicando em seu desmerecimento. A segunda está na forma pela qual esses pensadores tendem a ser adjetivados: “fascistas” e “anacrônicos”. Para Ranqueta, esta última é uma clássica estratégia da esquerda em desmerecer seu maior rival ideológico. Para nós, trata-se de um problema de metodológica científica. Leia Mais

Las nuevas caras de la derecha | Enzo Traverso

Enzo Traverso Foto ULF AndersenGamma RaphoGettyO Globo 2
Enzo Traverso | Foto: ULF Andersen/Gamma-Rapho/Getty/O Globo

O que me levou a ler o livro de Enzo Traverso não foi apenas o título referente a esse dossiê de resenhas sobre “novas direitas”. O fato de ele ser um dos poucos historiadores de ofício a estudarem o fenômeno e de fazê-lo com ferramentas típicas de historiador – a categoria “regimes de historicidade” – foi o que pesou na escolha. Las nuevas caras de la derecha (2021) é a tradução argentina de Les nouveaux visages du fascisme (2017). O título em francês retrata com maior fidelidade o conteúdo desse livro do historiador italiano, atuante na Holanda, França e nos Estados Unidos da América (EUA): a narrativa do processo de transição do fascismo ao pós-fascismo, vivenciada por europeus e estadunidenses nos últimos vinte ou trinta anos, e comunicada imediatamente após atentados terroristas na França, como o massacre do Charlie Hebdo.

Las nuevas caras de la derecha 2O livro é um agregado de entrevistas concedidas ao antropólogo Régis Meyran, em Paris (2016), sobre temas correlatos, atravessados pelo conceito de “pós-fascismo”. O prólogo à edição castelhana, contudo, é inteiramente dedicado a outro conceito: “populismo”. As constantes referências à expressão durante as entrevistas e forte apelo dos estudiosos de Filosofia e História Política ao conceito (em sua visão, já enfraquecido academicamente) levaram-no, provavelmente, a dispender duas páginas para diferenciar populismo e “tendências regressivas solidamente arraigadas” na Europa e nos EUA no século XXI.

Na tipologia, curiosamente, Traverso o reintegra como categoria, quando afirma que o populismo argentino e peronista (nacionalista, messiânico, carismático, autoritário e idealizador do povo) difere dos “populismos reacionários” estadunidense (D. Trump) e francês (M. Le Pen e E. Macron). O primeiro distribui riqueza entre os pobres e os insere no sistema democrático. Os segundos são orientados pela entrega da nação “las fuerzas impersonales del mercado”. (p.21). O primeiro, acrescentamos, foi gestado no imediato pós-guerra em mundo bipolar. O segundo, reitera o autor, foi gestado na “era da globalização neoliberal”. O primeiro, por fim (como vários movimentos políticos do século XIX), pode continuar a ser designado “populismo”. O segundo, entretanto, deve ser tipificado como “pós-fascismo”.

O primeiro capítulo do livro – “¿Del fascismo al posfascismo” – é dedicado à definição dessa nova categoria. O que vemos nas duas primeiras décadas do século XX, segundo Traverso, não é um resíduo nem um prolongamento do fascismo, ou seja, não é o caso de se falar em “neofascismo”. Os fascismos clássicos (italiano ou alemão) eram antidemocráticos e os pós-fascismos (ao menos o de Le Pen) querem “transformar el sistema desde dentro” (p.27). Os fascismos clássicos eram estatistas, imperialistas e queriam criar uma “terceira via entre liberalismo e comunismo” e os pós-fascismos (ao menos o de Trump) são neoliberais. Os fascismos clássicos possuíam uma visão de mundo e um “modelo alternativo de sociedade”, enquanto os pós-fascismos (o de Trump é, novamente o exemplo) não tem programa ou se reduz a um “Make America Great Again”. Os fascismos clássicos estavam fundamentados em uma “ideologia forte” e o pós-fascismo, exemplificado por Macron, significa o “grau zero de ideologia”.

Com as sucessivas comparações, somos levados a definir o pós-fascismo a partir de traços ideológicos na esfera política, econômica e social: combate à democracia, defesa do livre mercado, ausência de projeto societário e de ideologia forte. Traverso, contudo, acrescenta uma marca diacrítica fundamental: “Lo que caracteriza al posfascismo es un régimen de historicidade específico – el comiezo del siglo XXI – que explica su contenido ideológico fluctuante, inestable, a menudo contradictorio, en el cual se mezclan filosofias políticas antinómicas.” (p.26).

A oralidade que marca o texto e a interrupção do entrevistador, provavelmente, o impede de detalhar esse novo “regime de historicidade”. Tomando como base o seu livro anterior (citado pelo apresentador, Régis Meyran), somos induzidos a compreendê-lo como um tempo sem futuro (horizonte de expectativas), algo que explicaria, inclusive, o caráter instável e contraditório das ideologias e as recorrentes antinomias em termos de “filosofia política” no interior dos movimentos e partidos. Esse auxílio, contudo, é insuficiente para relevar as contradições do próprio Traverso nas definições de pós-fascismos por meio de exemplos.

Afinal, se as antinomias são o caráter dos movimentos pós-fascistas, poderíamos rotulá-los como antidemocráticos? Se os fascismos italiano e alemão reuniam “corrientes diferentes, desde las vanguardias futuristas hasta los neoconservadores, de los militaristas más belicosos a los pacifistas muniquenses etc.” as antinomias deveriam continuar traço diferenciador dos movimentos e partidos do século XXI? Se as categorias “horizonte de expectativa” e “espaço de experiência” estão fundadas na ideia de continuidade passado/presente/futuro, porque afirmar peremptoriamente que as novas direitas do século XXI, exemplificadas na figura de Trump, não representariam uma continuidade histórica e nem uma herança com o fascismo histórico (mesmo que o sujeito citado não as reivindicasse conscientemente)?

O segundo capítulo – “Políticas identitarias” – expressa concepções de Traverso sobre o emprego da categoria “identidade”, acompanhada de suas críticas aos discursos identitários difundidos, principalmente, pela Frente Nacional (FN) e o “Partido de Indígenas de la República” (PIR). Sua ideia de identidade é remetida (entre outros referenciais) a P. Ricoeur – que lhe inspira na caracterização das identidades veiculadas pelos partidos de esquerda (ipseidade – identidade histórica) e de direita (mesmidade – identidade essencial). Em termos abstratos, Traverso elogia as políticas identitárias de esquerda que reivindicam o “reconhecimento”, ao passo que as de direita reivindicam a “exclusão”.

A esquerda radical (Traverso lamenta) nunca soube conciliar diferentes pautas identitárias, pondo o fator econômico (a classe) acima das identidades de raça, gênero e religião. Nesse sentido (ainda que de modo irônico, para Traverso), a nova direita representada pela FN, por exemplo, é mais eficiente, pois associa a defesa dos “blancos humildes”, manifestando, assim, a sua simpatia pela categoria interseccionalidade. Quanto às críticas às políticas de direita, estas não são nada genéricas. O laicismo, as identidades nacionais e étnicas difundidos pela FN são reacionárias (defensivas), ilógicas, antieconômicas e antissociais.

A melhor parte da discussão entabulada por Traverso, nesse capítulo segundo, está nas razões que ele aponta para esse reacionarismo. As políticas identitárias das novas direitas (que geram a exclusão de migrantes), o laicismo autoritário de Estado (que negam a cidadania plena aos ex-colonizados e que prometem o retorno à Europa anterior ao Euro) são produtos da própria República e do Colonialismo. Assim, não se pode acusar a FN de antirrepublicana, posto que as exclusões do tipo fazem parte da história da República francesa recente. Nesse trecho, quase que ouvimos Traverso declarar que não há (não houve) um germe ultradireitista. Foi a própria serpente (a República francesa) que pariu os identitarismos excludentes dos novos reacionarismos.

Aqui, vemos como o autor põe grupos de esquerda e de direita sob o mesmo solo – que gera as mesmas distorções. Ele avança ainda mais na indicação de semelhanças quando afirma que as “direitas radicais”, os “expoentes liberais e conservadores” não mais buscam “legitimar uma política” por meio da “ideologia”, que “se improvisa a posteriori”. Chega a empregar a expressão “pós-moderna” para tipificar esse traço do nosso tempo. Mesmo que esteja entre aspas, essa expressão não cabe na passagem.

Se ele admite a legitimidade política não ideológica como consequência de uma relação pós-moderna dos humanos com o tempo, as continuidades de ideias e práticas das novas direitas com as ideias e práticas de direitas do século XIX e XX não mais se sustentam. Se, ao contrário, ele reitera a interpretação das novas direitas dentro dos quadros de um novo regime de historicidade, a condição “pós-moderna” não faz nenhum sentido no seu texto.

Além desse deslise teórico, Traverso revela um misto de idealismo em relação à ideia de partido político, em prejuízo, inclusive da sua abordagem historicista (realista) sobre as novas direitas. A vida partidária, mesmo em tempo anterior ao século XXI, é marcada por estratégias de sobrevivência que resultam em diferentes comportamentos, desde a manutenção de um programa, passando pela captura dos eleitores, até a manutenção do poder, quando à frente do Executivo.

No terceiro capítulo do livro – “Antissemitismo e islamofobia” –, as questões identitárias ganham ainda maior espaço. O entrevistador parece determinado a extrair de Traverso uma crítica às definições dos termos em pauta e uma comparação entre os dois fenômenos, tomando-os em seus elementos aparentemente similares: o antissemitismo na primeira metade do século XX e a islamofobia no início do século XXI. O autor resiste várias vezes a compreendê-los como fenômenos simétricos e, implicitamente, a considerá-los “ideologias”. É certo, julga ele , que as afinidades existem: para os antissemitas dos anos 30 do século passado, judeus e bolchevistas eram um “outro” ameaçador, enquanto para os islamofóbicos, os mulçumanos e os terroristas islâmicos são um novo outro inimigo; o antissemitismo estruturava os ideais nacionalistas do início do século XX, enquanto a islamofobia estrutura os nacionalismos europeus do início do século XXI.

Essas similitudes, contudo, são menos expressivas quando observadas caso a caso, com destaque para a experiência francesa. Para Traverso, a “judeofobia” é combatida pelo Estado francês que, por sua vez, legitima a islamofobia. Os judeus estão integrados econômica, social e culturalmente, enquanto africanos e asiáticos e seus descendentes, mesmo nascidos na França, experimentam uma cidadania de segunda categoria. Nos anos 60 do século passado, ao lado dos negros, judeus marcharam em luta contra o racismo e pelos direitos civis. Hoje, organizações civis que congregam judeus confundem o Estado de Israel e comunidade judaica, oprimindo palestinos em suas próprias terras: “La memoria del Holocausto se há convertido en una religión civil republicana, en tanto que la memoria de los crímenes coloniales sigue negada o acallada, como en el caso de las controvertidas leyes de 2005 sobre el ‘papel positivo’ de la colonización.” (p.88). A emergência da islamofobia contemporânea, conclui o autor, não pode ser reduzida ao racismo clássico dos séculos XIX e XX ou ao fator imigração. O colonialismo entranhado na República é o que explica (na certeira expressão de Meyran) o “racismo de pobre” em vigor na França.

Observem que não apresentei nenhum senão ao capítulo terceiro e o mesmo ocorre com o quarto capítulo – “¿Islamismo radical o islomofascismo? El Estado Islãmico a la luz de la historia del fascismo”. Nele, novamente, Meyran tenta extrair de Traverso uma posição sobre a potência heurística da categoria (“islamofascismo”) e, consequentemente, sobre a validade de tipificar o Estado Islâmico (EI) com expressão do fascismo. Ele  rechaça a proposição, embora reconheça semelhanças entre os fascismos italiano, alemão e francês e as ações do EI.

Elas estariam principalmente, nos contextos de emergência do primeiro e do segundo fenômeno (desestabilização da Europa pós Primeira Guerra Mundial e desestabilização de países árabes pós invasões soviéticas, estadunidenses e europeias no Iraque e Afeganistão, por exemplo) e no caráter conservador das suas revoluções (o emprego da tecnologia para propagandear uma sociedade “obscurantista”, baseada em um “passado imaginário”. As diferenças, contudo, superam as similaridades mais gerais, quando, segundo Traverso, o analista aborda os fenômenos diacronicamente e em suas particularidades.

hemos visto surgir fascismos en América Latina, es decir, fuera de Europa: ahora bien, estos se instalaron en el poder gracias al apoyo de los imperialismos, las grandes potencias. En Chile, uno de los peores regímenes fascistas latinoamericanos se instaló mediante un golpe de Estado organizado por la CIA. […] La fuerza del EI, al contrario, radica en el hecho de mostrarse ante los ojos de muchos musulmanes como un movimiento de lucha contra el Occidente opresor. Eso vuelve problemático definir este movimiento como fascista.

Henry Kissinger e Augusto Pinochet 1976 Imagem Ministerio de Relaciones Exteriores de ChileWikipedia

Henry Kissinger e Augusto Pinochet (1976) | Imagem: Ministerio de Relaciones Exteriores de Chile/Wikipédia

Fascismo é conceito histórico, não devendo ser usado como categoria analítica. Totalitarismo (de H. Arendt) é categoria analítica adequada ao exame do EI, mas limitada à sua natureza abstrata (de categoria), a exemplo da categoria nacionalismo. O nacionalismo fascista é cimentado pelo “culto ao sangue” (Itália) e “culto ao solo” (Alemanha) e o nacionalismo do EI é “universalista”; o fascismo (categoria ou conceito histórico?) do Chile foi apoiado pelo imperialismo estadunidense que combate agora as ações do EI; o fascismo da Itália e da Alemanha emergem como alternativa à democracia liberal, enquanto o EI emerge em território que nunca praticou a democracia; o fascismo da Itália e da Alemanha eram anticomunistas enquanto o EI nunca encontrou a resistência de “uma esquerda radical”.

Ao listar meia dezena de razões para não tipificar o EI como fascista, Traverso demonstra os perigos das conclusões sobre causas e consequências de fenômenos históricos com base apenas no emprego de categorias (sobre todo os tipos ideais). Ideologias são apenas uma variável. Não é a religião que explica o EI: “hay que estudiar l la relacion que existe entre Marx, el marxismo, la Revolución Rusa y el estalinismo […] resulta evidente que el EI no es la revelación del islan ni la única expresión posible del islam, pero si uma de sus expresiones […] la Inquisición no es la única expresión posible del cristianismo, !también existe la teologia de la Liberación”. (p.92) Traverso, por fim, deixa implícito que quando cientistas sociais e historiadores tomam a ideologia como causa eles enviesam os resultados. Quando estrategistas e políticos agem dessa forma, o prejuízo é em escala. Eles criam “espantalhos”, omitem o assentimento popular ao EI, o financiamento ocidental ao EI, a contribuição ocidental midiática à banalização da violência (adotada pelo EI), a instrumentalização das ideias de direitos humanos, liberalismo e democracia para exterminar os movimentos emancipatórios de povos africanos e asiáticos.

Nas conclusões do livro – “Imaginario político y surgimento del posfascismo” –, mais uma vez, o leitor perceberá a tensão entre o reiterar de uma tese (a falência das utopias do século XX, a exemplo do comunismo e do fascismo, dá vasão às investidas pós-fascistas, encarnadas pelas novas direitas e o terrorismo islâmico), a instabilidade da aplicação dos conceitos (o “modelo antropológico do neoliberalismo”, também referido como “idolatria do mercado”, é ou não uma ideologia dos últimos 20 anos?) e a atribuição de valor na causação das novas direitas (a extinção das ideologias do século XX, a precariedade socioeconômica de grandes segmentos populacionais, na Europa, Ásia e África ou os dois condicionantes simultaneamente?).

Da mesma forma, ainda na conclusão, Traverso consolidará,  sinteticamente, as principais ideias que se propôs a defender durante a entrevista: 1. Novas direitas (ou direitas radicais) e islamismos não são fascistas; 2. Novas direitas e islamismos são “sucedâneos” reacionários (passadistas e xenófobos) das utopias do século XX; 3. Movimentos sociais e partidos políticos de esquerda (com suas iniciativas, ironicamente, dispersas em um mundo globalizado) não são capazes, no curto prazo, de preencher esse vazio utópico; 4. “Religiões cívicas” como o republicanismo francês pós massacre Charlie Ebdo e memorialismo anti-holocausto, respectivamente, acrítico e vitimista, são incompetentes como freios às novas direitas. Sua percepção de futuro, contudo, é otimista: “no hay inexorabilidade alguna. Pueden myy biente aparecer en cualquer momento mentes creadoras, dotadas de una poderosa imaginación, y proponer una alternativa, outro modelo de sociedad.” (p.116).

No início desta resenha, anunciei a razão da minha escolha: queria observar o que caracterizaria o trabalho de um historiador de formação e ofício que estuda o fenômeno das “novas direitas”. A resposta serve como avaliação geral do livro. Em Las nuevas caras de la derecha o noviço de história é beneficiado, talvez, pelo gênero textual (marcado pelos diálogos entre Meyran e Traverso) que elimina a organização lógica de um texto e (se o noviço aceita participar como observador) em benefício da liberdade de suspender a leitura e refletir sobre o lido sem perder o fio da meada (já que as questões ou temas se encerram ao final de uma ou duas intervenções do entrevistador).

Esse expediente possibilita a percepção das várias tensões que atravessam o livro e que ensinam de modo mais realista como trabalha um historiador que se ocupa do referido tema, obviamente, aos que estão predispostos a aprender: a tensão sobre as escolhas de variáveis para a comparação (sobre o que serve e o que não serve para fazer analogias, se mais as semelhanças, se mais as diferenças) e as justificativas políticas empregadas para fazê-lo; a tensão sobre a adequabilidade e a eficácia do emprego do conceito histórico e da categoria analítica; a tensão da escolha entre se comportar como historiador tipicamente historicista (examinando múltiplas variáveis e construindo contextos prováveis a partir de múltiplos pontos de vista) e um cientista social (empregando modelos/tipos e fazendo generalizações sobre sujeitos concretos a partir de categorias/abstrações); a tensão de perceber a oportunidade para problematizar uma situação concreta, mediante antinomias ou explicações unilaterais, e de encontrar o melhor momento para reiterar a sua tese sobre os estados de coisas nos quais estamos envolvidos no início do século XXI (Estado Islâmico, Trump, Le Pen): fenômenos pós-fascistas resultam do fracasso das revoluções do século XX e da crise do capitalismo como fornecedores de horizontes de expectativas para populações alijadas da globalização e vitimadas pelo colonialismo.

Sumário de Las nuevas caras de la drecha

  • Prefacio a la edición castellana
  • 1. Prólogo
  • 2. ¿Del fascismo al posfascismo
  • 3. Políticas identitarias
  • 4. Antisemitismo e islamofobia
  • 5. ¿Islamismo radical o “islamofascismo”? El Estado Islámico a la luz
  • de la historia del fascismo
  • Conclusión. Imaginario político y surgimiento del posfascismo
  • Sobre el autor

Para citar esta resenha

TRAVERSO, Enzo. Las nuevas caras de la drecha. Buenos Aires: Titivillus, 2021. 234p. Resenha de: FREITAS, Itamar. As recentes direitas de um historiador. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. esp. (Novas Direitas em discussão), ago. 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/3237/>.

O patriarcado do salário | Silvia Federici

Silvia Federici Imagem Outros Quinhentos
Silvia Federici | Imagem: Outros Quinhentos

Nascida em Parma, Itália, em 1942, Silvia Federici mudou-se para os Estados Unidos em 1967 onde estudou filosofia na Universidade de Buffalo, Nova York. No ano de 1972 a filósofa participou da fundação do Coletivo Feminista Internacional (International Feminist Colletctive), uma organização que impulsionou a campanha que pauta o salário para o trabalho doméstico. Juntamente com outras ativistas e intelectuais como Mariarosa Dalla Costa, Selma James, Maria Mies e Vandana Shiva, Federici tem se debruçado a pensar teoricamente a reprodução sexual, o trabalho reprodutivo e de cuidado, como fio condutor das relações de classe e as dominações.

Publicado em 2021 no Brasil, o livro O patriarcado do salário, escrito por Silvia Federici, nos dá subsídios para pensarmos a relação entre feminismo e marxismo a partir da discussão da reprodução social. O volume é composto por sete ensaios escritos entre os anos de 1975 a 2008, nos quais a autora retoma importantes discussões feitas por Karl Marx e Friedrich Engels sobre a questão do trabalho, articulando-a à luz da teoria feminista. Leia Mais

Construir soberanía. Una interpretación económica de y para América Latina | Theotonio dos Santos

La presente antología presenta un conjunto de textos sobre el científico social brasilero Theotonio Dos Santos (1963-2018), especialmente sus aportes sobre la formación económica y social de Brasil como latinoamericana a partir del marxismo nacionalizado que adoptó en sus análisis. Como destaca Mónica Bruckman en una introducción a la obra, los escritos del brasilero pueden datarse en cuatro momentos cronológicos: la apropiación del marxismo, la dinámica de la dependencia, el papel de la revolución científico-técnica y las preocupaciones sobre la economía mundial. Estos ejes que atraviesan la obra de Dos Santos, se tornan de especial importancia en nuestros días teniendo en cuenta los problemas de desarrollo, integración política y lucha contra la desigualdad que enfrentará la región luego de la pandemia por COVID-19.

A partir de los años 1960 Dos Santos comenzó a formarse en el marxismo y a vincularse con importantes intelectuales como Aníbal Quijano, Fernando Enrique Cardoso, Francisco Weffort, Pedro Paz, entre otros. Aquí se sitúan sus primeros análisis y publicaciones en torno a las clases sociales en Brasil y el desarrollo desde un punto de vista político. Luego vinieron los años en la Universidad de Brasilia donde Dos Santos se apropiará de la teoría marxista de la dependencia y su posterior exilio a Chile tras el golpe de 1964 donde seguiría trabajando con reconocidas figuras como Ruy Mauro Marini y André Gunder Frank. En una tercera etapa iniciada con el golpe de Estado en Chile en 1973 vino la desarticulación de los estudiosos de la dependencia y el exilio a México para desempeñar labores en la Universidad Nacional Autónoma de México donde se dedicó a estudiar la revolución científica tecnológica y su impacto en el desarrollo de las fuerzas productivas a nivel global. Fueron los años en que Dos Santos aportó al conocimiento del capitalismo global y al papel de la ciencia en el desarrollo de industrias y la intervención el Estado en ese proceso. Por último, viene el núcleo de estudios en torno al desarrollo y el proceso civilizatorio desde perspectivas históricas donde profundizó el enfoque de Kondrátiev y cuestionó a teóricos de renombre como a Immanuel Wallerstein y a Giovanni Arrighi en torno a la formación capitalista mundial. Leia Mais

Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória | Enzo Traverso

Enzo Traverso
Enzo Traverso | Foto: O Globo
Melancolia de esquerdaNa história oficial do marxismo, tornou-se comum a celebração dos triunfos conquistados das revoluções socialistas. Ressaltar a dimensão redentora dos seus êxitos, seja de personagens “heroicos” e ou de movimentos “gloriosos”, parecia assegurar a concretização de uma “etapa” previsível, ob­jetiva e petrificada na locomotiva linear do “progresso”.

Uma contrapartida dessa odisseia de vitórias repousa justamente no outro lado da moeda: o prisma das derrotas e seus efeitos políticos e epis­temológicos na história do socialismo e do marxismo. Eis aqui a proposta da coletânea de ensaios Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória, de Enzo Traverso (2018), originalmente publicado em francês, em 2016, com edições em inglês, alemão, espanhol e, finalmente, uma cuidadosa edição em português, organizada pela editora ítalo-brasileira Âyiné. Embora seja seu primeiro livro traduzido no Brasil, o autor construiu uma sólida agenda de pesquisa nas últimas três décadas e é considerado um dos maiores especia­listas em história política e intelectual contemporânea.

Professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, Traver­so reconhece a irredutível pluralidade de correntes políticas, tendências estéticas e intelectuais da “cultura de esquerda”, que mescla um conjun­to de experiências, ideias e sentimentos. Concentra seus esforços na tra­dição marxista, apontada como a “expressão dominante dos movimentos mais revolucionários no século XX” (TRAVERSO, 2018, p. 15), sem, com isso, reduzi-la a uma doutrina codificada em textos canônicos. Ao contrá­rio, Melancolia de esquerda apresenta análises sobre uma fascinante galeria de testemunhos (livros e cartas), teorias (políticas e filosóficas) e imagens (filmes, pinturas, cartazes de propaganda política). Esse recorte possibi­lita uma leitura inquietante, moldada pela riqueza de insights presentes no livro e pelos (novos) horizontes abertos em sua narrativa fluída que, com paixão e simplicidade, consegue despertar “iluminações profanas”. Leia Mais

A arquitetura fractal de Antonio Gramsci: história e política nos Cadernos do cárcere | Marcus Vinícios F. S. Oliveira (R)

Antonio Gramsci, indubitavelmente, é considerado, por muitos, um dos teóricos mais importantes da tradição marxista do pós-Segunda Guerra Mundial. Milhares são as obras e dezenas são as teorias que procuram ver nos trabalhos gramscianos a chave interpretativa que auxilia na compreensão da dinâmica sociopolítica contemporânea. Por meio das mais diferentes linhas de pensamento, Gramsci está associado ao modo como o fazer e o pensar políticos estão relacionados a todo um arcabouço cultural, que envolve as sociedades atuais. Desse modo, seus escritos encontram-se muito mais associados aos estudos marxistas ligados à filosofia da práxis. Como exercício comparativo, podemos perceber uma clara diferença com relação às linhas de pensamento marxistas ligadas à teoria crítica. Generalizadamente, embora ambas deem uma importância significativa ao elemento cultural das sociedades modernas, os estudos gramscianos encontram na esfera da política e do universo do político, o lugar de confrontos e consensos para suas análises. No caso da Escola de Frankfurt, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin, entre outros, o universo do político espraia-se em outras dimensões da contemporaneidade, como os meios de comunicação e o mundo da arte. Leia Mais

This life: secular faith and spiritual freedom | Martin Hägglund

Filosofia e Historia da Biologia 3
Martin Hägglung | Foto: SSE |

“You realize the sun doesn’t go down It’s just an illusion caused by the world spinning ‘round” — The Flaming Lips, “Do You Realize??” [1]

 SCOTT The common wind 4 Why aren’t there life expectancy protests? I asked myself this question often while reading Martin Hägglund’s This Life: Secular Faith and Spiritual Freedom, which begins with an atheistic confrontation with our mortality and builds toward a philosophical argument on behalf of democratic socialism. In some countries, and conspicuously in the United States, where I live, there are powerful correla- tions between wealth inequality and inequality of life expectancy. In some cases, the disparity in life expectancy stretches beyond a decade, equaling thousands of days of life. Writing in the New York Times in April 2020, David Leonhardt and Yaryna Serkez observed, “Rich and poor Americans used to have fairly similar lifespans. Now, however, Americans in the bottom fourth of the income distribu- tion die about 13 years younger on average than those in the top fourth.” [2] Why don’t we see organized political movements that target the link between wealth and longevity and protest the fact that without a strong system of socialized medicine, a healthy bank balance and secure employment are the only means to ensure not longevity—long life is never certain—but treatment for the injuries and diseases that cut life short? Why don’t we protest the fact that the wealthy tend, as a group, to live longer than the rest of us?

One plausible answer is that life expectancy simply lags after food and shelter, not to mention other basic necessities, in most people’s hierarchies of needs. But even when we are fed and housed, length of life might be too abstract a matter to motivate protests. We need a specific threat to our collective health if we are going to rise up. Exemplary threats might include a government failure to clean up environmental contaminants, the closure of a much-needed hospital, or the state cutting aid programs. Longevity itself often seems too inchoate a thing, and perhaps too personal a matter, to rally people around. I suspect that the idea of life expectancy protests just sounds silly. Still, I ask my questions: if this mortal life is so important, why do we not get more collectively animated about the measure of our years and advocate so that each of us can live as long as is healthfully possible? And why isn’t inequality of life expectancy across class differences an issue to march over? To be clear, these are my questions, not Hägglund’s. His interest in mortality is not exactly about lifespan; it is instead about the way our mortality gives us (in his view) a powerful reason to commit ourselves to worldly projects while abandoning religion’s promise of salvation. According to the reli- gious imagination, he argues, mortal life derives its dignity from its relationship with immortal life. Hägglund wants us to instead see the end of life as the only horizon against which our lives can mean anything at all—not despite the vulner- ability, interdependence, and finitude of our lives but because of them. Through a series of engagements with literary, philosophical, and political readings (among them Søren Kierkegaard and Karl Ove Knausgaard, Karl Marx and Martin Luther King Jr.), Hägglund argues that the value of mortality lies in its power to make us choose the specific commitments that will define our temporal lives. In par- ticular, we should commit ourselves to overcoming capitalism, which forces us to sell our time piecemeal and keeps us from achieving the truer democracy we might have if we could make decisions about our own time. Where Hägglund’s insistence on commitment seems strongly influenced by Martin Heidegger, his arguments that mortality ought to lead us to democratic socialism are strongly influenced by Hegel and Marx. This Life is a passionately argued skein woven out of two strands of originally European thought: Existenzphilosophie and Marxism. Hägglund does not detain himself with the matter of those strands’ past conflicts but charges ahead to demonstrate how they might cooperate in the liberation of our personal and collective time.

In this review essay, I want to simultaneously express empathy for Hägglund’s account of mortality, sympathy for his argument on behalf of democratic social- ism, and deep doubts about his presentation of religion as an effort to transcend this world, which I think is historically underinformed, perhaps on purpose. But first I want to note something curious about his idea of “secular faith.” In asking us to treat our mortality itself as the source of revelatory experiences that compel us to reorganize our lives, Hägglund may ask for too much. Certainly, reminders of one’s mortality are a constant feature of life. I write this review essay during the COVID-19 pandemic, which has killed about half a million people worldwide as of late June 2020. The news recalls to us each day our mortal fragility and our literal ability to kill one another by transmitting a lethal virus. Because so many COVID-19 carriers are nonsymptomatic, we may not even know we’re doing it. But the news is still full of reports of people taking stupid risks by socializing in public without wearing masks. Even during less fraught times, it seems surprising that human mortality doesn’t motivate us more than it does. Many people have difficulty getting much Du mußt dein Leben ändern out of everyday reminders of aging, like grey hairs, wrinkles, and the chorus of “Mother’s Little Helper” by The Rolling Stones (“What a drag it is getting old”).[3] This is why I became so intrigued by the idea of life expectancy protests, an entirely counterfactual notion that would involve people organizing collectively in hopes of living a little (or a lot) longer, thus making our mortality into a feature of our politics. Hägglund hopes that entirely secular accounts of mortality, such as the one he offers, can motivate us to make radical change. As Knox Peden points out in a review of This Life, in Hägglund’s view, the question underlying any normative determina- tion we make is, “what should I do with my time?” [4] Hägglund describes himself gazing out at the landscape of his ancestral home in northern Sweden, seagulls flapping against the horizon. “The horizon” is one of Hägglund’s terms for our mortality, too, and the visible horizon is readily recruited as a figure for a limit to life, encompassed by the human gaze in a way that the totality of an individual’s experiences cannot be (200). But horizons are tricky. I borrowed this essay’s epigraph from the song “Do You Realize??” by the band The Flaming Lips; the song is about mortality and the ineluctable passing of life. But as the song sug- gests, human perspectives have their limits. The horizon isn’t really the edge of the world. The sun doesn’t actually go down—“It’s just an illusion caused by the world spinning ‘round.” The fact that life ends may occasionally fill us with a sense of urgency, but mortality can’t tell us what to do. The book opens with an image of the Hägglund family’s house on the Baltic sea: “The dramatic landscape—with its sweeping forests, ragged mountains, and tall cliff formations looming over the sea—is carved out by the descent of the ice from the last glacial period, twelve thousand years ago.” “The rocks under my feet are a reminder of the geological time in which we are but a speck,” Hägglund explains (3). Anyone who is familiar with Heidegger’s interest in landscape and place may feel a certain resonance. From there, Hägglund introduces his book’s core argument on behalf of “secular faith”: “To have secular faith,” he writes, “is to be devoted to a life that will end, to be dedicated to projects that can fail or break down” (5-6). Secular faith is juxtaposed against religious faith because, according to all religions, our finitude is a lack or imperfection that heaven or nirvana will eventually fix. The proper objects of secular faith are the kinds of things that would disappear without our effort: “the object of devotion does not exist independently of those who believe in its importance and who keep it alive through their fidelity” (7). To put this a bit differently, the essence of secular faith is personal commitment to norms and activities that we define and embrace consciously because they serve our needs and purposes. One obvious example is a marriage bond, which is supported by the secular faith of those wedded; another is the current wave of support for democratic socialism in the US, which is mani- fest in the rise of the Democratic Socialists of America after the 2016 presiden- tial election. To our freedom to choose what we embrace through secular faith, Hägglund gives the label “spiritual freedom,” as opposed to the merely natural freedom of animals like seagulls. All we have is secular faith, spiritual freedom, and the time of our lives itself.

“Secular faith” may seem plausible enough as a model for personal commit- ment and a principle on which to lead a life of worldly purpose, but there is a twist: much depends on how much freedom we retain to do anything besides committing ourselves. If Hägglund’s secular faith means that we have a kind of obligation, in the face of our mortality, to the particular style of valuation and commitment that his secular faith implies, then we aren’t fully free at all. And here the tone of Hägglund’s book is worth mentioning. If given only one word to describe it, I would choose “insistent.” He seems to enjoin the reader to embrace his mode of valuation, but I couldn’t help but experience the constant injunctions to involvement, attachment, and engagement as limiting rather than enhancing my spiritual freedom. Drawing energy and interest from worldly pleasures and human connections, as I do, does not make me think that they can be the sum of my freedom. I can, for example, find value in the very ascetic and world-tran- scending projects Hägglund seems to abhor. Or I can find value in things without naming them as substantial commitments worthy of a lofty term like “secular faith.” If I enjoy listening to pop music or baking bread, the way that I enjoy them matters; I like to do them without thinking to myself, “life is too short for this, I ought to be reading Kant.” Not all of our preferences and desires have much to do with the motif of authentic commitment implied by “secular faith,” and it isn’t obvious that activities are better for us when authenticity motivates and organizes them. “In the prison of his days / Teach the free man how to praise,” W. H. Auden wrote in “In Memory of W. B. Yeats,” but we prisoners do more than praise.[5] This is not our failure to commit but rather a sign of our greater emotional range. In a response to This Life, Robert Pippin noted that Hägglund seems to be asking for “a massive transformation of the emotional economy of the human soul.” [6] This is exactly right.

The book is in two parts. The first, which is titled “Secular Faith,” meditates on the implications of the idea of secular faith, in part through close studies of Augustine and Kierkegaard. The second, titled “Spiritual Freedom,” is more primarily concerned with our freedom in the world we share, and it contains an extended reading of Marx, focusing on the idea of human time as the source of all value, and the claim that this idea can set us free. The book concludes with a Hegelian reading of Martin Luther King Jr.’s activism as a form of “secular faith,” surprisingly (and for some, I imagine, offensively) against the grain of King’s self-presentation as a man of God whose activism—indeed, whose social- ism—was an extension of his ministry rather than in conflict with it. It is not so much religion itself that seems to trouble Hägglund as religion as the promise of otherworldly salvation, which he thinks distracts us from worldly engage- ment. In the midst of all this, he seems to argue that even religious faith must, in essence, be secular faith, essentially because we are temporal beings who are incapable of caring for anything (including redemption) that unfolds outside of time.[7] Hägglund’s readings of texts are nuanced and scholarly, and they include stirring meditations on the experience of time, a topic Hägglund has treated in previous works.[8] Especially notable is his examination of Knausgaard’s My Struggle, which he establishes as a response both to Augustine’s Confessions and to Marcel Proust’s In Search of Lost Time. Hägglund’s meditations on the way the fragility of our lives seems to demand care are often quite moving; reading him, I was sometimes reminded of Emmanuel Levinas, a student of Heidegger who constructed an ethics out of the vulnerability of other people.

In the second half of the book, Hägglund—through a prolonged reading of Marx—argues that capitalism is the form of life in which we fail to understand what really matters, which is our time itself. A crisis of value results from this, and the idea of freedom “demands that we overcome the social form of wage labor” (237). However, socialism alone does not resolve the problem because merely changing the way the fruits of our labor are distributed among us cannot resolve that crisis of value; it is democratic socialism that allows us to state our values and work together to understand what norms we should collectively share. That’s the utopian hope beneath This Life. Socialism, for Hägglund, is the eman- cipation of our time, which capitalism forces us to sell off and which religion, as the opiate of the masses, once encouraged us to simply give away. Indeed, Hägglund’s argument could be understood as a logical extension of Marx’s view that all criticism begins with the criticism of religion. Fredric Jameson called Marxism “the collective struggle to wrest a realm of Freedom from a realm of Necessity.”[9] Hägglund seems to hope that we can accomplish something similar, understanding mortality as the ultimate substrate of “Necessity.” Democratic socialism, Hägglund thinks, is the kindest and wisest answer to the brevity of life.

It is over the problem of secular versus religious faith that Hägglund often sacrifices nuance. Hägglund reduces all religious thought and experience to the devaluation of this world in preference of the next one. “To have religious faith,” he writes, “is to disown our secular faith in a fragile form of life” (52). As Peter E. Gordon has pointed out in his own review of This Life, even traditions that seem fixated on overcoming death through the salvation of the soul, such as Christianity, have more complicated histories than this suggests.[10] Christianity incorporates not only God’s incarnation in a mortal body but also the Divine experiencing finitude through the suffering of Christ, Jesus. “Even the eternal,” Gordon writes, “cannot remain unscathed.” The resulting attunement to mortal suffering has inspired many Christians to aid the poor and even to conceive of Christianity as having a special option for the poor. The Vatican contains many treasures, but Latin American liberation theologians like Gustavo Guittiérez have led a movement that speaks of wealth inequality as a systematic sin and calls for the faithful to push against that sin—and all this without rejecting the notion of salvation. Other examples abound in other traditions Buddhism, Islam, and Judaism all have their engaged, worldly activists. That Hägglund ignores this fea- ture of religion cannot be a sign that he is ignorant of it—liberation theology, for example, is quite well known—but perhaps it is simply inconvenient for his argu- ment. Or maybe Hägglund wants something that the history of religion seldom provides: a consistency between philosophical intention and worldly practice, a kind of total authenticity—something Heidegger also praised. For Hägglund, the deeds of religious charities are actions taken in bad faith, especially in light of do-gooders’ failure to abjure the world to come. Did I call Hägglund’s book “insistent”? Another word to describe it would be “devout.”

As Gordon also argues, Hägglund often appears to have elevated death to the status of an ens realissimum in the place of God. This, in turn, suggests that he still operates within the metaphysical structures (if not the content) established by Christianity, just as his tone and his key term “secular faith” suggest. This sheds light on the way the idea of “secular faith” seems to secularize an originally religious style of value-claim. I think this is a line of thought worth developing. Gordon seems to imply that Hägglund, for all his avowed atheism and material- ism, still has a tacit metaphysics, one in which there is still something transcen- dental (death, rather than God) that we grant dominion over our lives. This yields a rather flat picture of our moral universe and of our moral options. Since Hägglund writes as though his truth-claims simply outflank those of the religious, this sim- ply makes his truth-claims the inverse of the claims that religious orthodoxies use against unbelievers. This is secularism as dogmatism, so we are entitled to ask questions. I understand that, in Hägglund’s terms, it is because of death that our time seems to have value. But why should our eventual death be the measure of our actions in this life? Does this mean that those actions are not praiseworthy in and of themselves but are so only because they allow us to pursue our desired ends? I don’t think that Hägglund wants to open the door for a consequentialist morality, in which the value of our actions registers in their effects (he is too attached to the idea of the value of our will for this to be the case), but I found myself alert to the possibility. It’s odd when a tacit metaphysical argument opens the way to a form of consequentialism, but the history of philosophy has contained stranger things.

Hägglund seems to turn an is (our mortality) into something with the force of an ought. Or to reason through it more slowly, our mortality gives us a power- ful incentive to turn our various worldly desires, and especially what Hägglund suggests is our spiritual freedom to pursue them, into oughts. All normative determination, he tells us, should stem from our mortality, from our sense that life is too short. But again, mortality doesn’t tell us what’s right any more than it tells that to the seagulls. Perhaps more importantly, it isn’t clear that we’re at our best when dealing with the vertiginous prospect of our mortality; some clas- sic midlife recommitments are the equivalent of a flashy motorcycle or a poorly chosen affair. And sometimes invocations of mortality are a rhetorical cudgel. Life may be too short for bad coffee, but “life is too short for bad coffee” is still an advertising slogan.

What would life look like under Hägglund’s version of democratic social- ism? Although This Life doesn’t spell this out, it is clear that we would reorga- nize our means of production, and social reproduction, in ways that yield more freedom. It’s thus appropriate that late in the book Hägglund engages in a criti- cal reading of Theodor W. Adorno’s essay “Free Time.” [11] In this essay, Adorno observes that in the developed West, our free time has increased and seems likely to continue increasing; industrialization and technological change are the unnamed but implied lever of change. But Adorno finds free time on its own quite inadequate. He calls it “vacuous.” [12] For Adorno, real freedom isn’t just free time; it’s free time plus the material and social resources to pursue activi- ties that are ends in and of themselves rather than forms of consumer behavior. Real freedom isn’t defined by hobbies, however much I enjoy my bread baking or pop music listening (the former may, in fact, be what Adorno calls a “pseu- do-activity,” a parody of productive behavior).[13] Instead, it involves activities in which we have something personally at stake because in their fulfillment we recognize something of ourselves. At the end of his essay, Adorno claims to detect, in people’s pleasure at free-time entertainments, an element of disbelief or reservation. He hopes that this might be a sign of maturity (Mündigkeit) and the ability to eventually move from free time to freedom. As Pippin puts it, “What we need is not mere free time. In Hegelese that would be mere negative freedom within an insufficiently determinate institutional structure. Rather, we need socially significant and productive (and respected) work, loving rela- tionships and genuine mutuality.” [14] We need time, yes, but it takes more than time and free will to learn to recognize ourselves in our activities and through reciprocal relationships with our activity partners. Indeed, our finitude isn’t jus our mortality but our other personal limitations, and out of those limitations comes our need for other people. Taken to its fullest extension, an account of our interdependence might produce a picture of the human as simply not fully human outside of the polis, a current in philosophy that runs from Aristotle to Hegel and beyond.

Was I right, earlier in this essay, to say that there’s no such thing as a life expectancy protest? Yes and no. As I write this review, one particular political slogan is very much in circulation: “Black Lives Matter.” Although it’s true that people don’t organize politically in order to live longer or make equality of life expectancy their central issue, a concern for life and its fragility have stood behind the protests that have swept the US following the police killing of a Black man named George Floyd on 25 May 2020. The slogan “Black Lives Matter” is explicitly particularist rather than universalist (the universalist version is “All Lives Matter”) for good reason. Black Americans suffer disproportionately from violence, including at the hands of the police; because of the correlations between race and income distribution, they often have shorter life expectancies too. All this demands recognition. Solidarity in support of the struggles of Black Americans isn’t about the length of life, of course; Black Lives Matter isn’t a life expectancy protest. But it certainly involves protesting the unequal degree to which many Black Americans are exposed to violence, and violence is one way to make life itself an unevenly distributed good. This is one of the most remarkable waves of political protest this country has seen in support of Black lives, even as the COVID-19 pandemic rages. One must imagine Hägglund happy.

Notes

  1. The Flaming Lips, “Do You Realize??” by Wayne Coyne, Steven Drozd, Michael Ivins, and Dave Fridmann, track 9 on Yoshimi Battles the Pink Robots, Warner Brothers, 2002.
  2. David Leonhardt and Yaryna Serkez, “America Will Struggle After Coronavirus,” New York Times, 10 April 2020.
  3. The Rolling Stones, “Mother’s Little Helper,” by Mick Jagger and Keith Richards, track 1 on Aftermath, Decca, 1966.
  4. Knox Peden, “Philosophy in Troublous Times,” Sydney Review of Books, 26 May 2020.
  5. W. H. Auden, “In Memory of W. B. Yeats,” in The Norton Anthology of English Literature, ed. M. H. Abrams, 6th ed. (New York: W. W. Norton and Company, 1993), 2:2269.
  6. Robert Pippin and Martin Hägglund, “Limited Time: Robert Pippin and Martin Hägglund on This Life,” The Point, 22 May 2019.
  7. See Peden, “Philosophy in Troublous Times,”
  8. See, for instance, Martin Hägglund, Dying for Time: Proust, Woolf, Nabokov (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2012).
  9. Fredric Jameson, The Political Unconscious: Narrative as a Socially Symbolic Act (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1981), 19.
  10. Peter E. Gordon, “Either This World or the Next,” The Nation, 23 September 2019.
  11. Theodor W. Adorno, “Free Time,” in The Culture Industry: Selected Essays on Mass Culture, ed. J. M. Bernstein (London: Routledge, 2001), 187-97.
  12. Ibid., 191.
  13. Ibid., 194.
  14. Pippin and Hägglund, “Limited Time.”

Benjamin Aldes Wurgaft – Cambridge, Massachusetts.


HÄGGLUND, Martin. This life: secular faith and spiritual freedom. New York: Pantheon, 2019. 464.p. Resenhado por: WURGAFT, Benjamin Aldes. Seagulls! On MartinHägglund’s This life: secular faith and spiritual freedom. History and Theory, v.60, n. 1, p.177-184, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].

Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória | Enzo Traverso

Na história oficial do marxismo, tornou-se comum a celebração dos triunfos conquistados das revoluções socialistas. Ressaltar a dimensão redentora dos seus êxitos, seja de personagens “heroicos” e ou de movimentos “gloriosos”, parecia assegurar a concretização de uma “etapa” previsível, objetiva e petrificada na locomotiva linear do “progresso”.

Uma contrapartida dessa odisseia de vitórias repousa justamente no outro lado da moeda: o prisma das derrotas e seus efeitos políticos e epistemológicos na história do socialismo e do marxismo. Eis aqui a proposta da coletânea de ensaios Melancolia de esquerda: marxismo, história e memória, de Enzo Traverso (2018), originalmente publicado em francês, em 2016, com edições em inglês, alemão, espanhol e, finalmente, uma cuidadosa edição em português, organizada pela editora ítalo-brasileira Âyiné. Embora seja seu primeiro livro traduzido no Brasil, o autor construiu uma sólida agenda de pesquisa nas últimas três décadas e é considerado um dos maiores especialistas em história política e intelectual contemporânea. Leia Mais

¿Reconocimiento o redistribución? Un debate entre marxismo y feminismo | Judith Butler e Nancy Fraser

Introducción

La presente reseña tiene como objetivo problematizar el debate Fraser-Butler, no a través del análisis de los dos postulados principales, sino a través de la crítica de los mismos y de las posibilidades que en ellos se encierran. Este ejercicio lo que pretende problematizar es la relación entre genitalia-sexo-género, con el capitalismo y la disolución de las certezas ontológicas con la pérdida de vigencia de lo denominado como moderno.

Tanto el debate Fraser-Butler, surgido en la New Left Review en el año 2000 y convertido en libro en 2017, como el debate filosófico en torno a la modernidad, aparecido en las primeras décadas del siglo XX, no son nuevos. Sin embargo, las problemáticas que abordan siguen estando vigentes, sobre todo, ahora, que los feminismos autodenominados radicales están en plena ofensiva reaccionaria poniendo en riesgo las vidas de las personas trans y lanzándose a una aventura colonizadora sobre aquellos cuerpos que consideran abyectos. Esto hace necesario señalar cómo determinadas articulaciones feministas pueden constituirse como represivas, donde una interpretación falaz de la relación entre género y sexo puede llegar a funcionar como vehículos de la dominación. Esto permitiría a grupos feministas enrocarse en el biologicismo y el etnocentrismo para instrumentalizar la lucha por la liberación y convertirla en su monopolio. De este modo, garantizarían, a través de la defensa de una feminidad cis y blanca, la invisibilización, persecución y represión de los colectivos más desfavorecidos. Es esta labor represiva de determinadas articulaciones feministas con vocación universalista y eurocéntrica, que se amparan en interpretaciones falaces de la realidad, la que constituye el objetivo de crítica de esta reseña. El texto de Fraser nos serán muy útiles para comprender este tipo de posiciones reaccionarias, sin que esto suponga que acusemos a Fraser en el presente por las afirmaciones teóricas mantenidas hace veinte años. Leia Mais

El marxismo en México. Una historia intelectual | Carlos Illades

“No hay gobiernos cartesianos, guerrilleros platónicos, ni sindicatos hegelianos” constata Terry Eagleton, esta certeza también es el punto de partida del último libro de Carlos Illades. En El Marxismo en México. Una historia intelectual se reconstruye el desarrollo de una corriente de pensamiento que sí fundamentó gobiernos, inspiró movimientos emancipatorios en todo el mundo y estuvo en las entrañas de la formación de organizaciones políticas, culturales y de trabajadores en México. El investigador de la Universidad Autónoma Metropolitana presenta el primer estudio histórico general —tanto por su sistematicidad como arco temporal— del marxismo como corriente de pensamiento en la tierra de Vicente Lombardo Toledano y José Revueltas. El Marxismo en México avanza los estudios de Illades sobre la historia intelectual y social de la izquierda mexicana. El autor previamente publicó Hacia la República del Trabajo (1996), en el cual trazó los orígenes de la cuestión social y la acción colectiva de los trabajadores y artesanos decimonónicos; en Rhodakanaty y la formación del pensamiento socialista en México (2002) y Las otras ideas (2008) asentó la introducción y desarrollo de los postulados del socialismo a partir de la segunda mitad del siglo XIX; De la Social a Morena. Breve historia de la izquierda en México (2014) fijó la periodización histórica de la corriente política hasta la actualidad; mientras en la Inteligencia Rebelde (2011) delineó los debates fundamentales de la izquierda nacional a lo largo de la segunda mitad del siglo XX a partir de sus principales revistas (Cuadernos políticos, Coyoacán y Economía y Sociedad). El sólido trabajo de Carlos Illades sobre la historia de la izquierda en México, fraguado en más de 25 años de estudio, queda de manifiesto con las dos obras que flanquean a El marxismo en México, la compilación Camaradas. Nueva historia del comunismo en México (2017) y El futuro es nuestro. Historia de la izquierda en México (2018). A pesar de ser una obra que se inserta en un itinerario intelectual más amplio, el último libro de la profusa producción del miembro de la Academia mexicana de la historia, se lee como una unidad armónica y coherente en sí misma. El libro semeja una brújula, ya que funciona para ubicar generaciones, ideas, traducciones, movimientos sociales, trayectorias militantes, instituciones, debates y combates dentro del marxismo en México; en palabras del propio autor, la finalidad es que “[…] sirva para quienes se interesen en la tradición marxista, que funcione como instrumento para identificar temas, autores, problemas, obras y enfoques […]”1. El Marxismo en México. Una historia intelectual logra su objetivo. Illades construye la obra a partir de la conceptualización gramsciana de intelectual orgánico2. La descripción de la labor que los marxistas mexicanos desarrollaron desde la década del treinta del siglo XX, lo lleva a dar cuenta del desarrollo del Estado mexicano y sus aparatos ideológicos; la estructura socio-económica de las sociedades prehispánicas; la función de las universidades y la ciencia en México; la división social durante la Colonia; el “ser” del mexicano; el lugar de la clase obrera; el Cardenismo; el movimiento de 1968 y las interpretaciones sobre la democracia en México. Un espacio central es ocupado por los debates, caracterización y consecuencias de la Revolución mexicana y el régimen que de ella se malogró. Es así como la historia intelectual que nos propone el autor para abordar las trayectorias del marxismo en México, se entrelaza — como buen escudriñamiento de ideas— con un gran cumulo de dimensiones políticas, sociales y culturales del contexto mexicano e internacional. Para dar cuenta de todas estas dimensiones con coherencia, el libro sigue un orden generacional en su exposición. El autor ubica cinco generaciones de marxistas en México: la de los pioneros que tuvieron como referentes a la Revolución rusa y la Tercera Internacional; los humanistas que reinterpretaron las verdades del Diamat a la luz de la Revolución cubana, el joven Marx y el antimperialismo; la generación de la década del setenta que vinculó marxismo y ciencias sociales; los críticos que repensaron el marxismo a partir de nuevas lecturas de El Capital y a las luz del 68 mundial, las dictaduras latinoamericanas, el eurocomunismo y el ascenso de las luchas sociales y políticas nacionales; por último, Illades, da cuenta de la generación de marxistas que vivió y pensó la derrota producida por la caída del muro de Berlín, el ocaso de las organizaciones socialistas en México y la hegemonía neoliberal. Entre los marxistas analizados — y autores de referencia — a lo largo de esas cinco generaciones se podrá encontrar agudos comentarios sobre la obra e ideas políticas de Vicente Lombardo Toledano, Wenceslao Roces, José Revueltas, Adolfo Sánchez Vázquez, Eli de Gortari, Pablo González Casanova, Alonso Aguilar Monteverde, Ángel Bassols Batalla, Enrique Semo, Arnaldo Córdova, Adolfo Gilly, Jorge G. Castañeda, Ruy Mauro Marini, Carlos Pereyra, Bolívar Echeverría, Roger Bartra, Adolfo Sánchez Rebolledo y Alfredo López Austin. Tal o cual más pudo ser omitido, si bien es precisamente la intención del libro abrir senderos de reflexión para situarnos en el análisis, más que llegar a juicios concluyentes sobre la familia (díscola) que conforma históricamente al marxismo mexicano. Las ideas, desarrollo y debates del marxismo en México son enmarcados en un contexto global que introduce tendencias, conexiones y redes internacionales para entender los postulados y preocupaciones nacionales. En esa medida el lector de El Marxismo en México encontrará información sobre la Academia de Ciencias de la URSS, Elmar Alvater, la invasión de Bahía de Cochinos, Rudolf Bahro, la Biblioteca de pensamiento socialista de Argentina, la Comuna de Paris, el Che Guevara, el Buro latinoamericano de la Cuarta Internacional, la École Normale Supérieure, Solidarność, Orlando Fals Borda, el Partido Comunista Italiano, la Revolución alemana de 1923,Rudi Dutschke, el XX Congreso de PCUS o Gerard Pierre-Charles, entre muchos más. El marxismo en México viene a llenar un hueco dentro de la historiografía sobre el pensamiento de izquierdas en México. El libro de Illades cumple una función para el ámbito nacional equiparable a los clásicos de Perry Anderson que situaron las continuidades y transformaciones del marxismo como teoría social crítica en el mundo occidental, principalmente en Estados Unidos y Europa occidental3. En los últimos capítulos de la investigación también se entrevé un uso del texto como bisagra histórico-analítica, al conectar a las generaciones clásicas del marxismo mexicano con desarrollos analíticos, problemas actuales y nuevas propuestas teóricas. En ese sentido, también la obra se emparenta con las aportaciones que Göran Therborn y Razmig Keucheyan hicieron a la izquierda en el plano internacional después de la recesión de 20084. Al cumplir esta doble función, El marxismo en México. Una historia en intelectual suma reflexiones para volver a hilvanar el “hilo rojo” que estaba bastante deshilachado después de la crisis del socialismo realmente existente, la imposición del sentido común neoliberal y la implosión del campo cultural de la izquierda en México. Al poco tiempo transcurrido del bicentenario de Karl Marx, el mejor regalo que le podemos hacer es releer su obra junto a los desarrollos marxistas subsecuentes, para afrontar los graves problemas de nuestro presente. La reedición de El Capital por el Fondo de Cultura Económica o la nueva compilación de las obras completas de pensador de Tréveris van en ese sentido. En la misma lógica, la obra de Carlos Illades reconstruye una historia general del marxismo como pensamiento para la acción política y la organización social, al presentarnos una constelación de ideas y autores que en México incorporaron los tópicos, herramientas analíticas e intereses del fundador del marxismo; ideas que sirvieron para explicar su presente, conocer el pasado nacional y ensayar cambiar el futuro. Leia Mais

Textbooks as Propaganda: Poland under Communist Rule: 1944-1989 – WOJDON (IJRHD)

WOJDON, Joanna. Textbooks as Propaganda: Poland under Communist Rule: 1944-1989. Routledge, 2018. Resenha de: VAJDA, Barnabas. International Journal of Research on History Didactics, n.40, p.265-260, 2019.

How did a Communist political system, the Polish one, deal with primary school textbooks? How did it try to influence teaching and learning through Marxist political messages? How did it deliberately distort the content of all school textbooks in order to make an impact on the minds and thinking of future generations? Joanna Wojdon’s Textbooks as Propaganda. Poland under Communist Rule, 1944- 1989 gives us a thorough and detailed explanation which goes well beyond Poland’s historical experience. Even if her starting point is that ‘schools were supposed to install communist ideology and a positive attitude toward the Soviet Union’ (p. 140), in fact, I am convinced that the lessons we can learn from this book stretch far beyond the post-Communist countries.

Certainly, we have already known many things. In fact, there is no need to prove that communist regimes wanted schools to indoctrinate young people even from the very first grades. And Joanna Wojdon’s book gives us a substantial amount of proof that neither the Polish nor other Eastern European communist regimes even tried to hide their intentions. On the contrary, they openly declared their ideological goals. She rightly touches upon a general rule as an overall context for communist textbooks: ‘The term “doing a textbook” was coined to characterize the flow of many lessons’, i.e.

to follow the book step by step, and she reaches an extremely important conclusion that ‘textbooks, not curricula, were what teachers and pupils actually “did”’ (p. 1).

It has also long been known that Eastern European communist school systems used to have a significant amount of teaching content in textbooks inserted purely for political reasons. Anybody with just the slightest experience form those pre-1989 years could remember the achievements of the Soviet natural sciences and especially space research, the presentation of workers’ achievements of those times – and not only in history textbooks! And this is one of the features that places Joanna Wojdon’s book on the top of our bookshelves, i.e. ‘She explores the ways in which propaganda was incorporated into each school subject, including mathematics, science, physics, chemistry, biology, geography, history, Polish language instructions, foreign language instructions, art education, music, civic education, defense training, physical education, and practical technical training.’ (p. i) Joanna Wojdon has rightly chosen primary textbooks as the source and subject of her research since she reconstructs the universal message of the communist regime aimed at ‘the youngest citizens’ who as the youngest readers are vulnerable and ‘therefore more susceptible to propaganda messages’ (p. 2). The author who is an Associate Professor of History at the University of Wroclaw, Poland, and who follows in the steps of her earlier book The World of Reading Primers: The Image of Reality in Reading Instruction Textbooks of the Soviet Bloc’(2015), nicely explores the most significant ideological strategy of the times, the all-present and omnipotent workers’ perspective which used to be the foundation of mass-oriented communist indoctrination. This one-sided world view, where the imaginative ‘worker’ was the alpha and the omega of all arguments, produced for instance ‘in the history of the Roman Empire the reason for its collapse was reduced to, the characteristics of its social classes and the rebellions of its slaves’ (p. 111).

Since Joanna Wojdon has researched almost all Polish textbooks of the selected time period (from 1944 to 1989), we can be curious to know if there was a special ideological stress in history textbooks? There certainly was. I regard as extremely fascinating how the author explores the great variety of distortions and biases in the books surveyed. Completely distorted topics such as ‘the imperialist First World War’ (p. 111) and the fact that WW I was dealt with from the universal perspective of the constant struggle of the working class rather than from the Polish national(ist) view, perfectly fits into a general pattern typical of most Eastern European communist textbooks. It is no surprise that in these textbooks, often written from the Soviet point of view (p. 118), little attention was paid to Polish national(istic) ideology (p. 114). More precisely, the nationalist layer in the textbooks was intentionally selective. One only needs to look at the fact that while on the one hand the Polish textbook omitted any trends of Russification, on the other hand they massively stress Germanization. But the most interesting discovery by Joanna Wojdon is the constant appearance of pictures of the enemy in communist Poland. It was ‘the Christian church as general, and Jesuits in particular, as exploiters of the workers’ society’ and as stubborn representatives of ‘retrograde conservativism’ (p. 115).

To measure the quality of propaganda is not an easy task, and to research the specific means and methods of propaganda in school textbooks is a huge scientific challenge. Many propaganda tricks are hidden in the language. Selective language (and branding) for national affiliation of some historical personalities was typical. It concerned for instance Charles Darwin as a ‘famous English biologist’, Dmitri Mendeleev as a ‘great Russian chemist’, and Wilhelm C. Roentgen who was left without a nationality (p. 117).

It is even more difficult to spot and identify latent language structures, i.e. deliberate omissions, or as I call them, the ‘structures of silence’. Let us be no naive, language tricks happened on purpose, deliberately and in a systematic way (p. 140). In Polish textbooks researched by Joanna Wojdon there are many well-known omissions, such as the system of Gulags or the Katyn massacre, eastern borders of Poland, as well as dozens of other ‘sensitive’ issues. As the author puts is: ‘The textbooks’ narratives […] did leave out certain historical facts, figures, processes and phenomena’ (p. 108). The same tendency to deliberate omission is true for the imagological apparatus. As a result one would rarely see church buildings as illustrations is many Eastern European textbooks. And I think that all these ‘structures of silence’ contribute to the general amnesia and harmful silence about social and historical problems.

Probably the greatest challenge for any researcher identifying the ideological burden in a history textbook is of a semiotic character, as the author puts it, ‘propaganda motives, topics and techniques intertwined in the text’ (p. 119). In other words, spotting covert messages, and especially those which are hidden not in the text but in the didactical apparatus (questions, tasks, photo captions, etc.) of the textbooks, that make both descriptive text and didactical apparatus almost cognitively indigestible. In this field Joanna Wojdon rightly states that in methodological terms, Polish communist ‘textbooks made clear judgements on everything from the past, and left children with no doubts or ambiguity’ (p. 109). It may sound weird but it is my own experience that the Marxist ideological burden was palpable in the text, nevertheless it is very, very difficult to prove it scientifically. And yet, it was a pre-calculated effect which contradicted the true nature of history as a science because for professional history ‘either – or’ situations, disquieting questions and constant doubts are fundamental. What can we say about a school textbook which entirely switches off critical thinking or multiperspectivity over people and their deeds in the past, and compels a one-sided worldview? No contradictory opinions were allowed (p. 143) in order to change societal opinion en masse, and in order to attempt to change cognitive structures from where divergent thinking is excluded (p. 143).

Since the time period selected by Joanna Wojdon is the era of the Cold War, it is worth asking how did these textbooks handle the superpower rivalry? To what extent did Polish communist textbooks present anti-Western orientation or indoctrination? What about anti- Americanism? As the author states, ‘The world as presented in geography textbooks was thus bipolar, black and white. It was an arena of battle between capitalism and socialism’ (p. 78), and there is no doubt that ridiculous comparisons between the USA and the USSR were present: ‘What monstrous amounts of pollution New York, Chicago and Los Angeles must produce each year!’ versus ‘On the wide and clean streets of Moscow there is much traffic at all hours of the day’ (p. 76). And this leads us to a contemporary question regarding current East-West cultural tensions. Was the Communist ideology in the textbooks intentionally anti-Western? If it was, has it contributed to the tensions that can be observed between current Western and Eastern Europe? Joanna Wojdon’s book is a very valuable contribution to general and international textbook research, reaching well beyond the Polish experience. In fact, she gives us a clear list of typology of the specific means of ideological indoctrination: Marxism, socialism, enemies of the system, presentist interpretations, politechnization, etc. (These are Joanna Wojdon’s expressions from pages 109-110.) I would be curious to know if these are common Eastern European patterns? There are surely subtle similarities that strongly offer themselves for international comparative textbook research. There is evidently much to offer for Eastern European readers, especially for those who are engaged in comparative analysis of history textbooks. Giving just one example: On the level of phraseology, for instance, in Poland the abbreviations ‘Before Christ’ and ‘Anno Domini’ were replaced with ‘before our era’ and ‘of our era’. The same kind of de-Christianized terminology in communist Czechoslovakia used ‘before’ and ‘after our time’. Joanna Wojdon’s typology is surely a useful ‘toolbox’ for coming-soon textbook researchers. Clearly the author is well aware of less of those textbooks research involving Tatyana Tsyrlina-Spady & Alan Stoskopf (2017), Milan Olejník (2017), Karina Korostelina (2009), Ibolya Nagy Szamborovszkyné (2013a, 2013b) and others, who have produced very valuable books and papers on textbook propaganda in the Soviet Union and its political orbit.

Joanna Wojdon’s book ends with a short and poignant Conclusion (p. 140-148) in which she raises one of the most neglected section of textbook research, i.e. ‘the question of the effectiveness of textbook propaganda is most problematic’ (p. 145). For many pupils textbooks are ‘boring’; formal schooling is not omnipotent; and education has never been only limited to schools. What’s more, we know that quite a lot of contemporary teachers did refuse to follow senseless ‘ideological rules’ (p. 147), and this kind of disobedience has had a rather strong impact on many pupils – as it is shown in some rare interview based research materials. If one considers the deep and general social apathy in Soviet bloc countries in the 1970s and 1980s (p. 145) (definitively in Czechoslovakia and Hungary), the failure of overwhelming indoctrination at schools seems to be quite clear.

There might be no doubt that the communist school textbook system, with its no-choice and competition-free textbook regime, all around Eastern Europe, was an integral part of a carefully designed social engineering system. Similar propaganda content and similar patterns ‘can be observed in other countries of the Soviet Bloc’ (p.

143) which leads us to a very contemporary problem: How should we consider those European countries where the state is the major (sometimes exclusive) sponsor of school textbooks; where there is a limited (if not entirely closed) textbook market; and where the teachers’ choice is limited to the one and only available textbook? And I think Joanna Wojdon knows this exactly. For in places she winks at us when she writes that ‘school history is notorious for being used as a tool of indoctrination, not only in Poland and not only under Communism’ (p. 108).

At least one extremely illuminating message of Joanna Wojdon’s book is clear: Democratic school systems have to maintain the power of schools (in fact, teachers) to choose their textbooks because this is the only real and significant professional force in and around schools that can compensate for any ideological push that may occur from time to time.

References

Korostelina, K. (2009) ‘Defining National Identities – The Role of History Education in Russia and Ukraine’, Lecture at Woodrow Wilson Institute, Washington, D.C., 9.02.2009.

Olejník, M. (2017) Establishment of communist regime in Czechoslovakia and an impact upon its education system, Košice: Centrum spoločenských a psychologických vied SAV, Spoočenskovedný ústav Košice.

Szamborovszkyné Nagy, I. (2013a) Oktatáspoitika és történelemtanítás a Szovjetunióban és Ukrajnában. I. rész, Szovjetunió 1945-1991 [Education policy and history teaching in the Soviet Union and Ukraine. Part 1., The Soviet Union 1945-1991], Ungvár: Líra Poligráfcentrum.

Szamborovszkyné, Nagy, I. (2013b) Oktatáspoitika és történelemtanítás a Szovjetunióban és Ukrajnában. II. rész, Ukrajna 1990-2010 [Education policy and history teaching in the Soviet Union and Ukraine. Part 2, Ukraine 1990-2010], Ungvár: Líra Poligráfcentrum.

Tsyrlina-Spady, T. & Stoskopf, A. (2017) ‘Russian History Textbooks in the Putin Era: Heroic Leaders Demand Loyal Citizens’, in: J. Zajda, T. Tsyrlina- Spady & M. Lovornet (eds) Globalisation and Historiography of National Leaders: Globalisation, Comparative Education and Policy Research, Dordrecht: Springer, 15-33.

Barnabas Vajda

Acessar publicação original

[IF]

 

Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem – VOLÓCHINOV (B-RED)

VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017, 373p. Resenha de: PISTORI, Maria Helena. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.13 n.2 São Paulo May/Aug. 2018.

Poucos duvidam que há muito precisávamos da tradução de Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem (MFL), feita diretamente do original russo. E é suficiente a observação da referência bibliográfica completa, registrada acima, para constatar estarmos diante de um importante e competente trabalho, e não apenas de uma nova tradução daquela que é, possivelmente, a mais conhecida obra do Círculo de Bakhtin entre nós, brasileiros. Aliás, uma tradução realizada por pesquisadoras brasileiras comprometidas com o pensamento bakhtiniano, conhecidas e reconhecidas na área dos estudos do discurso.

O texto que temos agora responde ampla e muito especialmente a nosso tempo-espaço: são 39 anos depois da primeira edição de MFL, pouco mais de 40 anos que nós, brasileiros, temos contato com a obra do Círculo (Cf. Brait, 2012, p.219). E isso nos deu tempo para buscar compreendê-la em maior profundidade, estudá-la, buscar-lhe a contextualização, dialogar com pesquisadores daqui e de outros espaços que dela também se ocuparam, dialogar mais detidamente com ela e com algumas traduções dela no Ocidente. Tudo isso nos permite afirmar que a recepção de MFL, hoje, é bem diferente daquela da década de 70: não há mais a novidade e a surpresa, ou o impacto causado pelas obras do Círculo que aos poucos foram sendo descobertas pelos primeiros estudiosos brasileiros. Em nossa academia, há muitos pesquisadores que fundamentam seus estudos da linguagem e da literatura, ou mesmo de educação e em outras ciências humanas, no pensamento haurido em fontes bakhtinianas; diferentes grupos de pesquisa que estudam Bakhtin e o Círculo, de norte ao sul do país. Na área dos estudos da linguagem, a Análise Dialógica do Discurso/ADD (Cf. Brait, 2010, p.9-31), de inspiração no pensamento do Círculo, alcança muitos estudiosos, ajudando-nos a compreender o discurso responsivamente. Mais ainda: temos, aqui no Brasil, um periódico acadêmico, bilíngue, cujo foco são os estudos bakhtinianos, de forma específica e em seu diálogo com outras áreas do conhecimento: Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. Nosso tempo-espaço é outro, e esta tradução responde a muitas das questões que, ao longo dos anos, foram levantadas pela anterior. Não é possível tratar de tudo isso neste texto: escolhemos partir dos dados da referência bibliográfica e fazer algumas comparações entre esta e a anterior. Ao final, trataremos brevemente do Ensaio introdutório, de Sheila Grillo, sem dúvida um texto brilhante e alentado que emoldura1 esta tradução e, por meio dele, permite novas leituras de MFL.

Autoria. Várias questões nos chamam a atenção na referência. Em primeiro lugar, a autoria da obra. Se, na conhecida versão brasileira do francês para o português, cuja primeira edição é de 1979, constava a autoria de Mikhail Bakhtin (V. N. Volochínov), agora temos VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). As tradutoras nos esclarecem: nos originais russos que foram a fonte da tradução (primeira edição de 1929 e segunda de 1930), a autoria é de Valentin Nikoláievtch Volóchinov. Nos parênteses, o Círculo de Bakhtin sinaliza ao leitor o âmbito em que foi produzida a obra, o que ainda nos remete aos variados debates acerca da autoria, sobretudo no Ocidente, desde que os trabalhos bakhtinianos começaram a ser conhecidos na Europa e Américas. Aliás, muito contribuíram para esse debate os textos de Roman Jakobson (e de Marina Yaguello), autores do Prefácio e da Apresentação daquela primeira edição, especialmente a conhecida frase de Jakobson: “Acabou-se descobrindo que o livro em questão e várias outras obras … foram na verdade escritos por Bakhtin…” (1981, p.9). Atualmente conhecemos várias das obras e ensaios de Volóchinov, respeitado linguista do grupo, com quem Bakhtin, Medviédev e outros membros certamente dialogaram. A autoria de MFL, colocada dessa forma, parece fazer jus à realidade daquele momento. No final do livro, consta ainda um “Sobre o autor”, com dados biográficos de Volóchinov (1895-1936), que possibilitam ao leitor conhecer um pouco de sua trajetória de vida, na Universidade de Leningrado (atualmente Universidade Estatal de São Petersburgo), no Instituto de História Comparada das Literaturas e Línguas do Ocidente e do Oriente (ILIAZV) e no Círculo de Bakhtin, como linguista, crítico de música, de arte e literatura.

Tradução. Voltando à referência inicial, observamos que a tradução, notas e glossário são de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Caso o leitor não as conheça, o livro traz, ao final, um “Sobre as tradutoras”. A primeira – Sheila Grillo, doutora em Linguística pela USP, professora associada da FFLH/USP, tendo realizado pesquisas em diferentes universidades francesas, no Instituto Górki da Literatura Mundial (Moscou), em arquivos de Valentín Volóchinov em São Petesbrugo e na Biblioteca Lenin (Moscou); é ela a autora do primoroso Ensaio introdutório. A segunda – Ekaterina Vólkova Américo, também é doutora pela USP, em Língua e Literatura Russa e professora da Universidade Federal Fluminense/UFF. Além das publicações individuais, ambas assinam a tradução de outros trabalhos do Círculo: O método formal nos estudos literários, de Pável Medviédev, e Questões de estilística no ensino da língua, de Mikhail Bakhtin. Na realidade, conhecem profundamente o pensamento bakhtiniano, não apenas a língua russa; e o leitor brasileiro, do qual são parte. Em relação a ele, em artigo que comentam o trabalho de traduções brasileiras de autores do Círculo, Grillo e Américo (2014) reconhecem a tensão entre a fidelidade ao texto russo e o contexto de recepção na língua portuguesa e afirmam:

Temos em mente um leitor estudioso da obra do Círculo de Bakhtin, isto é, um leitor ávido por compreender conceitos produzidos em um contexto intelectual preciso, em um tempo e em uma cultura distantes” (p.82).

Pretendem, assim, uma tradução que evite a “aproximação indevida da teoria do autor com correntes semióticas ocidentais […]” (p.81), mas que esteja atenta ao distanciamento temporal e cultural da produção de MFL. Nessa busca, no cap.2 O problema da relação entre a base e a superestrutura, já observamos muito maior clareza em relação à questão dos gêneros discursivos, preocupação dos membros do Círculo desde a década de 20 e pouco explicitada na tradução anterior, o que se tornou alvo de críticas recorrentes. Se temos ali “A psicologia do corpo social é justamente o meio ambiente inicial dos ‘atos de fala‘ de toda espécie […]” (1981, p.42), na nova tradução temos “[…] a psicologia social é justamente aquele universo de discursos verbais multiformes que abarca todas as formas […]” (2017, p.107). E adiante: “A psicologia do corpo social se manifesta essencialmente nos mais diversos aspectos da ‘enunciação’ sob a forma de diferentes modos de discurso, sejam eles interiores ou exteriores” (1981, p.42). Na nova tradução: “Na maioria das vezes a psicologia social se realiza nas mais diversas formas de enunciados, sob o modo de pequenos gêneros discursivos, sejam eles internos ou externos, que até o presente momento não foram estudados em absoluto” (2017, p.107). Ou, ainda, o título do capítulo A interação verbal (1981, p.110) é substituído por A interação discursiva, com a justificativa de estar ali presente o mesmo adjetivo russo do famoso texto de Bakhtin – Os gêneros do discurso (2017, p.201). Todos esses cuidados, porém, também respondem a críticas e debates que se seguiram e continuam surgindo em relação aos textos e conceitos elaborados pelos membros do Círculo. Assim, se num primeiro momento, num contexto francês (e depois brasileiro), a obra respondeu às teorias linguísticas daquele momento, com elas dialogando, aquiescendo, complementando, concordando, discordando, agora o diálogo continua, sob novas bases. Como afirma Brait, na orelha da nova tradução, reiterando sua importância e pertinência:

No estágio atual dos estudos bakhtintinianos, as (re)traduções , no Brasil e no exterior, devem-se à consciência de que o pensamento dialógico exige o conhecimento dos contextos de produção e de reprodução, para melhor situar os trabalhos, sua originalidade, seu diálogo polêmico ou não com outras vertentes do conhecimento. Nessa busca, a acessibilidade das fontes russas, arquivos e bibliotecas, possibilita a descoberta de primeiras edições, trabalhos não publicados, esboços preparatórios, documentos que atestam a vida profissional e acadêmica dos autores. […] os (re)tradutores são especialistas que se debruçam sobre as fontes primárias não apenas para divulgar obras e autores, mas para esclarecer a gênese e o alcance do pensamento. E as leituras se ampliam, enveredando por novos caminhos.

Notas. As notas representam, a meu ver, um ganho precioso para o leitor. Fiéis aos originais consultados, são em número bem maior do que aquelas que conhecíamos na primeira tradução: na atual tradução, 163: 107 do autor e 56 das tradutoras; na tradução anterior, 107: 96 notas do autor, 05 trazidas do tradutor do russo para o francês e 06 dos tradutores do francês para o português. No Prólogo na versão anterior, tínhamos apenas uma explicação da tradutora para o francês do que seria o “Skaz”, a partir da tradução francesa de La poétique de Dostoïevski; na correspondente Introdução atual, temos a oportunidade de um rico diálogo com Volóchinov nos comentários que ele mesmo adiciona ao texto principal. Assim, conta-nos que MFL é o “único trabalho marxista sobre a linguagem” que havia até então (1929), na nota de rodapé 1 (p.83); ou nos conta como os “fundadores do marxismo definiram o lugar que a ideologia ocupa na unidade da vida social”, na nota de rodapé 2 (p.84); apresenta sua visão acerca do positivismo e “o culto do ‘fato’ […] como algo inabalável e firme” (p.84), na nota de rodapé 3; ou destaca a pertinência do estudo que propõe na terceira parte – “o problema do enunciado alheio”- como um diálogo com os teóricos da literatura, nota de rodapé 10 (p.88).

As notas de rodapé são ainda um lugar privilegiado de diálogo com as tradutoras, que nos fornecem informações valiosas à compreensão do texto, ora por meio de notas históricas: “Aqui o autor se refere à abolição da servidão que, apesar de ocorrida em 1861, expressa um processo em curso desde o final da primeira metade do séc. XIX […]” (nota de rodapé 8, p.105); literárias, como a nota 7 (p.104), sobre a personagem principal de um romance de Turguêniev, ou a nota 66, sobre a obra de Dostoiévski, na tradução em português, “Pequenos retratos” em Diário de um escritor (1873): meia carta de um sujeito […] (p.235), entre outras. Ainda há aquelas que justificam a escolha de termos para a tradução, como a nota de rodapé 12 (p.117), a respeito do debatido/controvertido termo russo perejivánie, “tradução da palavra alemã Erlebnis, que pode significar ‘vivência’ ou ‘experiência'”. Nesse sentido, importante ressaltar um princípio que guiou as tradutoras, em contraposição às opções anteriores de diferentes traduções, expresso por Grillo e Américo: “As escolhas dos tradutores [das versões em francês – dialectologie sociale, e inglês – behavioral speech genres da expressão rietchevye jiznennye jánry] parecem revelar que eles estavam menos preocupados com os termos empregados em russo, do que em encontrar paralelos com o contexto intelectual da época em que realizaram as traduções” (2014, p.80). Princípio que, sem dúvida, responde a críticas realizadas ao longo dos anos a noções como intertextualidade, gêneros do discurso e outras, que tiveram seu entendimento prejudicado em virtude de traduções anteriores que obliteraram o sentido do termo em russo. Bem interessantes para nós, estudiosos da linguagem, são as notas de n.28 e 29 (p.166-7), em que as tradutoras comentam as “dificuldades” de Volóchinov na tradução dos termos saussureanos, já que o Curso de linguística geral foi traduzido na Rússia apenas em 1933, depois da publicação de MFL, portanto. É sempre o respeito ao leitor, a resposta antecipada a questões correntes entre os estudiosos, e a contextualização cuidadosa de termos, noções e obras.

Glossário. Considerando a ampla divulgação do pensamento bakhtiniano, o fato de que suas obras não foram conhecidas do público na ordem em que foram produzidas ou mesmo traduzidas nas várias línguas, o glossário é precioso, além de preciso e redigido por pesquisadoras que conhecem o conjunto das obras do Círculo. Nas palavras de Grillo e Américo (2014, p.81), sua elaboração: “[…] nos auxiliará na manutenção de uma coerência na tradução dos conceitos bem como na compreensão do núcleo conceitual de MFL pelo leitor brasileiro”. Assim, os verbetes primeiramente são apresentados no original russo (em transliteração), com as páginas em que apareceram na presente edição; a seguir, as autoras não só o definem, mas colocam em diálogo o conceito com a própria obra em questão, por vezes com o todo do Círculo e ainda com o contexto de sua produção. Três exemplos:

Ato discursivo individual e criativo ou ato individual de fala, ou ato discursivo (individuálno-tvórtcheski akt riétchi ou individuálni ákt govoriénia, p.140, 148, 153, 200, 225, ou retchevói akt, p. 200) – conceito que se origina na obra de Humboldt e é posteriormente desenvolvido na de Potebniá. A língua é um processo constante de criação individual por meio dos atos discursivos dos seus falantes, diferentemente da sua concepção como conjunto de regras gramaticais e de seu léxico, ideia que Humboldt associa ao resultado do trabalho do linguista. Em Marxismo e filosofia da linguagem (MFL), o enunciado ora é equiparado ao ato discursivo ora é concebido como um produto deste (p.200) (p.353).

Fundo de apercepção (appertseptívni fon, p.254) – também traduzido por “fundo aperceptivo”, termo proveniente da psicologia e da filosofia. O termo aparece em trabalhos posteriores de Bakhtin como O discurso no romance (Teoria do romance I) e Os gêneros do discurso, e compreende as vivências interiores em que o discurso alheio é percebido (p.359).

Signo ou signo ideológico (znak, p.91, ou ideologuítcheski znak, pp.92-4) – dividem-se em signo interior (vnútrenni znak) e signo exterior (vniéchni znak), sem traçar um limite preciso entre ambos. O signo interior é a vivência no contexto de um psiquismo individual, determinado por fatores biológicos e biográficos. O signo exterior existe em um sistema ideológico coletivo e surge no processo de interação entre indivíduos socialmente organizados. Suas formas são condicionadas pela organização social desses indivíduos, pelas condições mais próximas da sua interação, do horizonte social da época e de dado grupo social: ou seja, a existência determina e refrata-se no signo. O signo é a realidade material da ideologia. Os objetos que chamam a atenção da sociedade entram no mundo da ideologia, se formam e se fixam nele, tornando-se signos ideológicos ao adquirirem uma ênfase social. A realidade que se torna objeto do signo constitui o seu tema. Uma vez que as diferentes classes sociais compartilham os mesmos signos, neles se cruzam ênfases multidirecionadas e portanto um signo se torna o palco da luta de classes. O signo pode tanto refletir quanto distorcer a realidade (p.366-7).

Anexo. O trabalho de tradução revela não apenas os estudos profundos das tradutoras como também a pesquisa nos arquivos originais, sobretudo no arquivo pessoal de Valentin Nikoláievitch Volóchinov, preservado no Arquivo Estatal da Federação Russa, em Moscou. É assim que o leitor é brindado com um Anexo, não expresso na Referência bibliográfica, que apresenta o Plano de trabalho de Volóchinov para a elaboração de MFL, constituído pelo terceiro relatório que produziu no ILIAZV, entre janeiro de 1927 e maio de 1928. São 27 páginas valiosas, em que podemos verificar como foi projetada a escritura de MFL, comparar o projeto com sua realização, conferir alterações (poucas), etc., observar o método de trabalho investigativo/produtivo do autor.

Ensaio introdutório. É o derradeiro texto que emoldura esta tradução. Sem dúvida, o texto de uma pesquisadora séria e competente (admirável!), Sheila Grillo, o ensaio nos mostra que a obra é uma “resposta à ciência da linguagem do séc. XIX e início do século XX” na Rússia. Como o prefácio de Patrick Sériot3, que também acrescenta um profundo estudo à tradução francesa mais recente de MFL4, o ensaio destaca a importância de ler no contexto original da obra, mas não se detém na questão da existência ou não do Círculo de Bakhtin, foco daquele prefácio. Aqui, a autora vai reconstruir a “biblioteca virtual” de Volochínov, por meio dos textos citados por ele em MFL, com o generoso objetivo de dar “acesso a novas camadas de sentido” (GRILLO, 2017, p.8) ao leitor brasileiro. Para compreender a posição teórica que ocuparam aquele tempo-espaço da linguística russa, a autora envereda por dois caminhos: (1) a leitura de manuais de linguística e de história da linguística contemporâneos russos (como os linguistas russos interpretam o período); (2) a observação do diálogo entre tais autores, os textos citados em MFL e a posição de Volóchinov. Desse modo, só podemos lhe agradecer por ter ajudado a nós, brasileiros, a preencher a lacuna que tínhamos em relação àquele fecundo período da linguística russa. É um texto obrigatório para todos aqueles que desejam se aprofundar nos estudos bakhtinianos.

Enfim, esta resenha não pôde disfarçar o tom apreciativo entusiasmado e altamente positivo em relação à nova (e tão esperada, necessária) tradução. Nós, os leitores, certamente acrescentaremos novas “contrapalavras” (1981, p.132) em nosso diálogo com o enunciado concreto que temos em mãos; ou buscaremos “antipalavras” (2017, p.232) às palavras da nova tradução. No grande tempo que nos separa da época da(s) primeira(s) publicação(s) – 1929/1979, ainda que não tão grande, os sentidos renascem e se renovam5, no novo cronotopo, este espaço-tempo que é o Brasil do início do séc. XXI.

1Compreendemos o texto-moldura “como parte constituinte de um enunciado concreto, no sentido bakhtiniano, o que implica, para a produção de sentidos, tanto o texto principal quanto o conjunto de textos que o apresentam, que o cercam verbal e/ou visualmente” (BRAIT; PISTORI, 2016, s.p).

2Grillo utiliza a tradução para o português nas citações de Saussure (tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein, São Paulo: Cultrix).

3Recentemente traduzido para o português: SÉRIOT, P. Vološinov e a filosofia da linguagem. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2015. Sobre o Prefácio, cf. SOBRAL. A.; Giacomelli, K. MFL em contexto: algumas questões, in: Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. São Paulo, 11 (3), p.154-173, Set./Dez. 2016.

4SÉRIOT, P. Préface. In: VOLOSINOV (Vološinov) Valentin Nikolaevic. Marxisme et philosophie du langage. Les problèmes fondamentaux de la méthode sociologique dans la science du langage. Édition bilingue traduite du russe par Patrick Sériot et Inna Tylkowkski-Ageeva. Limoges: Lambert-Lucas, 2010.

5BAKHTIN, M. Por uma metodologia das ciências humanas. In: Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas / Mikhail Bakhtin; organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo Editora 34, 2017.

Referências

BAKHTIN, M. (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Prefácio de Roman Jakobson. Apresentação de Marina Yaguello. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 1981. [ Links ]

BRAIT, B. Orelha. In: VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017. [ Links ]

________. A chegada de Voloshinov/Bakhtin ao Brasil na década de 1970. In: ZANDWAIS, A. (Org.). História das ideias. Diálogos entre linguagem, cultura e história. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2012, p.216-243. [ Links ]

________. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2010, p.9-32. [ Links ]

BRAIT, B. & PISTORI, M. H. C. Recepção de Bakhtin e o Círculo: modos de ler. Comunicação oral em Encontro Anual Nacional GT/ANPOLL/Estudos Bakhtinianos – XI Jornada do Grupo de Pesquisa/PUC-SP/CNPq Linguagem, Identidade e Memória. 29 de junho a 01 de julho de 2016. Universidade de Campinas/UNICAMP. [ Links ]

GRILLO, S. V. Ensaio Introdutório. In: VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017, p.7-80. [ Links ]

GRILLO, S. V. C.; AMÉRICO, E. V. As traduções brasileiras de Bakhtin, Medviédev e Volóchinov. In: BRAIT, B. MAGALHÃES, A. S. Dialogismo: teoria e(m) prática. São Paulo: Terracota Editora, 2014, p.-89. [ Links ]

JAKOBSON, R. Prefácio. In: BAKHTIN, M. (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Prefácio de Roman Jakobson. Apresentação de Marina Yaguello. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 1981, p.9-10. [ Links ]

Maria Helena Cruz Pistori – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo, São Paulo; Brasil. Editora Associada de Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso; mhcpist@uol.com.br.

El capital en el siglo XXI – PIKETTY (CSS)

PIKETTY, Thomas. El capital en el siglo XXI. Madrid: FCE, 2014, 663p. Resenha de: CUESTA, Raimundo. “El capital en el siglo XXI”. Pasado y presente de la desigualdad en la era del capitalismo. Con-Ciencia Social – Anuario de Didáctica de la Geografía, la Historia y las Ciencias Sociales, Salamanca, n.20, p.121-126, 2016.

“El capital no es una cosa, sino determinada relación de producción social, correspondiente a determinada formación social histórica”. (Karl Marx, 1973, p. 10)

“Capitalismo”: un concepto recurrente

El “capitalismo” es, y ha sido, un concepto estratégico de primer orden en las guerras semánticas por el dominio del mundo simbólico.

En efecto, desde sus orígenes esta noción ha demostrado una entidad fluida y recurrente, y ha experimentado múltiples representaciones (a menudo peyorativas) en la conciencia colectiva de los grupos humanos, conforme la cambiante temperatura de los movimientos sociales marca el auge o declive de las expectativas de emancipación en las sociedades industriales de la modernidad.

Empero, en sus orígenes, “capital” y “capitalista” traslucían una concepción espontánea y simplista equivalente a dinero o a riqueza genérica y a sus poseedores.

Como señala F. Braudel (1984), la mutación semántica de estas dos palabras se opera en el tramo temporal que lleva de Turgot a Marx, que abarca desde la Ilustración hasta la crítica del nuevo sistema económico forjado en la modernidad, época paroxística que presencia la gestación y aceleración del cambio conceptual, ocurrido entre mediados del siglo XVIII y mediados del siglo XIX.

En ese lapso se erige el edificio de categorías del que todavía nos valemos. Entonces “capital” empieza a absorber una función más amplia que la de la mera acumulación de bienes pecuniarios y así pasa a entenderse como aquella parte de la riqueza que se pone a disposición de producir más riqueza.

El capital, de este modo, deviene en un medio de producción y, más tarde, el vocablo “capitalismo” acabaría aludiendo al régimen económico general que se basa en el movimiento del capital para la ampliación sin límites de sí mismo.

Thomas Piketty, el autor del libro que comentamos (El capital en el siglo XXI), opta por llevar a la cabecera de su texto el vocablo “capital”, quizás en un inconsciente y vano intento de emular la obra magna de Marx (que solo ocasional y tardíamente empleó el término “capitalismo”). A pesar de que la problemática de la desigualdad social ha sido y es el núcleo común de las tradiciones ideológicas izquierdistas, los supuestos teóricos y las categorías económicas empleadas por Piketty poseen una cercanía muy notoria a la norma categorial de la ciencia económica estándar.

Con todo, es muy poco frecuente que un libro de economía de 663 páginas, publicado originariamente por la editorial Seuil en francés en 2013, se convierta en un rotundo y clamoroso éxito transnacional. El texto de Thomas Piketty, El capital en el siglo XXI, ha aparecido en plena vorágine de las consecuencias de la crisis de 2008. Todo un síntoma del renacido interés actual por el capitalismo como sistema y por algunas de sus secuelas más dañinas. Que alguien trate de desentrañar los mecanismos ocultos que generan desigualdades de ingresos y patrimonios, y que su argumentación (muy consistente) sea recibida con avidez, no exenta de polémica, es un hecho expresivo del descontento reinante en nuestros días, desazón que afortunadamente ha ido erosionando el legado mental de la “revolución conservadora y neoliberal en ascenso desde los años ochenta del siglo pasado. Por ejemplo, sintagmas como “gran divergencia” de Paul Krugman o “gran brecha” de Joseph E. Stiglitz, ofrecen pistas del nuevo interés por las desigualdades socioeconómicas, que para estos autores, como para el propio Piketty, ponen en peligro la supervivencia del propio capitalismo.1 Así pues, la obra del joven, brillante y afamado economista francés se inscribe en un cierto giro, dentro de un sector del campo académico de los economistas, hacia posiciones críticas respecto a las consecuencias más negativas del capitalismo, aunque sin ánimo de enmendar la totalidad el modelo económico vigente. Más bien su libro se une a la opinión de aquellos que piensan que “el capitalismo es tal vez el mejor sistema económico que ha inventado el ser humano, pero nadie ha dicho nunca que vaya a crear estabilidad” (Stiglitz, 2015, p. 83). Este tipo de opiniones “progresistas” distinguen un buen capitalismo de otro malo e incluso a veces, Stiglitz dixit, se alude a “capitalismo de pacotilla”, expresión engañosa semejante al “capitalismo de amiguetes” con la que en España se llenan la boca los regeneracionistas de derechas. Sea como fuere, la implacable hegemonía conservadora ha sufrido en los últimos años un cierto retroceso en el campo de la economía profesional, merced al surgimiento de una porción de economistas renuentes a la ortodoxia neoliberal.

Desde luego, Piketty se aleja muchas millas del significado que otorgara Marx (1973, p. 11) al término en El capital (“El capital no es una cosa, sino una relación social mediada por cosas”). En su caso, empequeñece su alcance: “El capital no humano, al que llamaremos simplemente ‘capital’ en el marco de este libro, reúne pues todas las formas de riqueza que, a priori, pueden ser poseídas por individuos (o grupos de individuos) y transmitidas o intercambiadas en un mercado de modo permanente” (Piketty, 2014, p.

61). Esta simplista equivalencia entre capital y riqueza preside, sin embargo, una muy sugerente obra que no pretende problematizar las categorías analítico-conceptuales de la ciencia económica estándar (la norma conceptual imperante). No busque, pues, el lector o lectora una enmienda a la totalidad del sistema económico. Eso no lo encontrará pero sí hallará un magnífico arsenal de ideas, datos, información histórica, comparaciones espaciales, etc., que facilitan extremadamente la labor de quienes, más proclives a la radicalidad del pensamiento crítico, pueden nutrirse del material empírico que se exhibe a lo largo del texto.

Anatomía panorámica de la desigualdad en la era del capitalismo

Thomas Piketty publica su obra cumbre en 2013, cuando apenas superaba los cuarenta años de edad. Habían transcurrido por entonces dos décadas desde que diera a la luz su tesis académica sobre la distribución de la riqueza. Aquel joven y brillante investigador llegaría a rector de estudios en la École des Hautes Études en Sciences Sociales y a ejercer la docencia en la École de Économie de Paris. Hijo de sesentayochistas, su sólida formación es la quintaesencia de la elite francesa, la que su compatriota Pierre Bourdieu diseccionó y calificó como “nobleza de Estado”.

Tras cursar el bachillerato, fue normalien (ENS, de calle Ulm) de sólida formación matemática y económica y, con experiencia como profesor en el Instituto Tecnológico de Massachusetts, renunció a hacer carrera en Estados Unidos. Admirador del pensamiento social francés, apostó por la solvente tradición de historia económica serial (al estilo de F. Simiand o E. Labrousse). Su celebridad pública ha alcanzado cotas muy altas y también ha sido evidente su proximidad a la izquierda, aunque el joven viera caer el Muro de Berlín sin añoranza alguna. Su objeto se circunscribe a los aspectos socialmente más repudiables del capitalismo. Pero su tesis subyacente, al fin y a la postre, postula que dentro de ese sistema hay salvación siempre y cuando se garantice más democracia y más control del mercado. Siguiendo los ecos de la excelente y ya clásica obra de Polanyi (La gran transformación), argumenta que si el sistema económico se deja al albur del libre mercado, camina hacia una situación caótica de desigualdades inasimilables y quizás hacia su propia destrucción. En consecuencia, este razonamiento genérico no se aparta demasiado de la tradición socialdemócrata, no en vano él mismo ha asesorado experiencias gubernamentales de signo socialista en Francia. Claro que el mérito de El capital en el siglo XXI va mucho más allá de las inclinaciones políticas de su autor.

En efecto, el libro ofrece una gama diversificada y muy rica de herramientas analíticas para el estudio actual del capitalismo y su historia, en la perspectiva de la larga duración (desde el primer capitalismo industrial hasta el actual). Trata de cómo el sistema económico vigente hoy ha generado en el curso de su historia (no siempre en el mismo grado y con semejante intensidad), y sigue ocasionando, desigualdad entre los poseedores de capital y el resto, entre el ingreso total de la sociedad y las rentas y patrimonios provenientes del capital. Su tesis central se formula como una contradicción persistente entre el rendimiento del capital y el crecimiento total de la economía. Cuando la tasa de aumento del rendimiento del capital es superior a la tasa de crecimiento del conjunto de la economía (r > g), nos encontramos ante la primera y principal ley del capitalismo. Frente a la visión pesimista de los economistas clásicos, o de Marx, contrapone las posibilidades de mejora real y colectiva dentro del actual modo de producción, porque históricamente ha proporcionado los cambios tecnológicos y educativos que han asegurado un crecimiento de la productividad y una progresiva movilidad social. Pero tal posición dista de comulgar con las tesis de optimistas recalcitrantes como las de Simon Kuznets, premio Nobel de Economía en 1971. Este economista fue pionero de los análisis de la riqueza a largo plazo en Estados Unidos, senda que, a otra escala espacial más ambiciosa y con pretensiones ideológicas diferentes, prosigue Piketty. En plena Guerra Fría y en mitad de la espectacular expansión capitalista de posguerra (Los “Treinta gloriosos” años de crecimiento), se pasaría de los apologistas de la catástrofe (Malthus, Ricardo, Marx) al “cuento de hadas” que anunciaba la “curva de Kuznets”, según la cual la desigualdad describiría una forma de campana (empezaría creciendo con la revolución industrial pero acabaría descendiendo). En cambio, el economista francés señala cómo la desigualdad no es un fenómeno natural ni está sometida a ninguna ley del progreso (como parece sugerir la célebre curva), sino que son las condiciones sociales y políticas las que la frenan o la aceleran: “La dinámica de la distribución de la riqueza pone en juego poderosos mecanismos que empujan alternativamente en sentido de la convergencia y de la divergencia” (Piketty, 2104, p. 36).

Según sus estimaciones, hoy estaríamos experimentando el regreso a unas cotas de desigualdad anteriores a la Primera Guerra Mundial cuando el mundo capitalista estaba dominado, como refleja la novelística del XIX (a la que acude nuestro autor como fuente literaria para dibujar la cara del capitalismo entonces existente), por una burguesía patrimonialista profundamente rentista y escindida por un abismo de desigualdad del resto de la sociedad. Las guerras mundiales y la Gran Depresión rompieron esta situación de forma que, después de 1945, se consolida una era de convergencia de ingresos solo rota en el último tercio del siglo XX merced al triunfo del capitalismo global y a la voluntad de destrucción del Estado social, lo que no ha hecho más que agravarse con la crisis de 2008.

Son, pues, prácticas humanas las que actúan imprimiendo una dirección convergente o divergente. De ello se infiere que para nuestro autor la desigualdad no es una maldición divina ni un destino ciego, es, en cambio, efecto de circunstancias históricas susceptibles de ser cambiadas (aunque no de cualquier manera). Para él, la equidad es factible dentro de las reglas de una sociedad democrática avanzada y en el marco del llamado Estado de derecho. Como ya podrá suponer el lector o lectora, si el capitalismo, como demuestra el economista francés, ha sido y es fuente insaciable de desequilibrios entre el capital y el trabajo, solo queda recurrir al sistema fiscal y a la educación para enderezar lo que el propio sistema tiende a torcer. El remedio, nada original, residiría en diseñar un esquema fiscal pronunciadamente progresivo sobre ingresos y patrimonios, bajo el control democrático del Estado nacional, pero también amparado por una disciplina internacional que evitara el riesgo de opacidades y fugas de capitales a paraísos fiscales.

Precisamente sería misión de la economía como ciencia social, siempre atenta a la historicidad de los fenómenos económicos, dar a conocer los mecanismos que hacen más menos desiguales a las sociedades de ayer o de hoy. La dimensión histórica aparece, pues, como inseparable del análisis propiamente económico, no en vano el autor se muestra heredero agradecido de la historiografía económica francesa. Y así es como Piketty, a pesar de la complejidad de algunas partes de su libro, de lectura difícil para no iniciados, y de la extraordinaria aportación de datos y cálculos económicos, no cae nunca en el formalismo retórico habitual dentro del campo académico de referencia.

Por el contrario, a partir de una multitud de fuentes estadísticas (principalmente fiscales) realiza una reconstrucción histórica de los ritmos de crecimiento y de desigualdad desde el siglo XVIII hasta hoy, aportando una serie de información relevante en el tiempo largo de la historia del capitalismo.

De ahí que el mérito de su libro resida en el impresionante esfuerzo de elaboración y tratamiento de fuentes, y, como él mismo afirma, “la novedad del trabajo propuesto aquí es que se trata, a nuestro entender, de la primera tentativa de volver a situar en un contexto histórico más amplio la cuestión del reparto capital-trabajo y la reciente alza de la participación del capital, subrayando la evolución de la relación capital/ingreso desde el siglo XVIII hasta principios del siglo XXI” (Piketty, 2014, p. 243). Con todas las reservas que puedan hacerse a una reconstrucción tan larga y a veces referidas a periodos pre-estadísticos muy poco fiables, el resultado es muy valioso y digno de encomio.

Otra cosa es que, desde una perspectiva crítica, se puedan compartir (o no) sus supuestos analíticos y conceptuales. Como ya se dijo, y como el libro exhibe desde de la primera parte, los conceptos de “capital”, “ingreso nacional”, “riqueza”, “ahorro”, “trabajo”, etc. quedan presos dentro de la malla discursiva heredera de los economistas clásicos y neoclásicos. En efecto, el autor da por naturales y ahistóricas esas nociones convencionales hoy hegemónicas dentro de la ciencia económica estándar. Pero un afán crítico más profundo demandaría evitar esta clase de método conceptual, en virtud del cual para analizar la variable desigualdad se mantienen como constantes válidas las categorías clásicas y neoclásicas, convirtiéndolas en una especie de a priori irrefutable. De esta forma el brillante quehacer de Piketty se encierra voluntariamente en una cárcel categorial impermeable a la impugnación profunda de su utillaje terminológico. Encierro que resulta asaz llamativo cuando observamos que pasa de puntillas sobre temas tan relevantes como la dimensión ecológica de la economía o sobre el legado de K. Marx.

Por eso mismo no cabe mostrar asombro de que, desde la tradición marxista y la nueva economía ecológica, el libro haya recibido más de un dardo envenenado. Por ejemplo, las reacciones del geógrafo marxista David Harvey (2014) son muy significativas. Este considera poco presentable la parca o nula atención que el economista francés presta a la lucha de clases o a las teorías del valortrabajo.

A pesar de reconocerle sus muchos méritos, sostiene que Piketty no ha ideado un modelo alternativo de explicación del capitalismo al que pergeñara Marx en el siglo XIX, por lo que para este todavía es necesario recurrir a la obra marxiana.2 Ciertamente, el economista francés elude las causas sociopolíticas y las luchas de poder que podrían dar mayor sentido a las series económicas que tan brillante y trabajosamente ha construido. Sin embargo, la vuelta a Marx en el siglo XXI, es un viaje problemático, multifacético y con riesgos, que dista de ser tarea fácil.3 Sin duda, la lucha de clases o la teoría del valor-trabajo poseen una morfología muy distinta hoy a la que tenían en el siglo XIX. La reactualización de Marx en los últimos tiempos coincide con la enésima crisis del capitalismo, pero su obra no ha de enarbolarse como un monumento arqueológico ni como un texto sagrado del pensamiento económico, porque “el Marx del siglo XXI sin lugar a dudas será muy distinto del Marx del siglo XX” (Hobsbawm, 2011, p. 404).4 En realidad, si reparamos en la hondura del asunto, un enfoque crítico del capitalismo de nuestro tiempo desde posiciones de izquierda conllevaría al menos tres opciones:

aceptar como casi inmutables las categorías económicas de Marx (algo parecido a lo que propone Harvey); reinterpretarlas haciéndolas solo válidas para el análisis del capitalismo (incluido el capitalismo de Estado a la soviética), tal como sugiere Moishe Postone (2006); o, finalmente, negarlas radicalmente como un subproducto de la economía política burguesa, tal como mantiene José Manuel Naredo (2015), quien propone una alternativa ecointegradora (una suerte de ciencia de ciencias), una “economía ecológica”.

También cabe, desde luego, adelgazar la crítica e ignorar estas disquisiciones radicales y tirar por la vía del socialismo reformista. Esta última elección es la que practica Piketty.5

Recapitulando: el capitalismo en el laberinto

En ocasiones, una buena imagen alumbra y suscita un camino reflexivo fructífero.

Yanis Varoufakis, que fuera ministro de asuntos económicos en la Grecia del primer Gobierno de Tsipras y, todavía hoy, figura como cabeza visible de la pugna contra la política de austeridad extrema de la troika, acuñó el término Minotauro global (Varoukakis, 2013) para referirse al modelo de dominio americano hasta la crisis actual. En realidad, la imagen del laberinto global (donde el Minotauro capitalista reside y domina) es la que conviene todavía al mundo económico vigente. Hasta cierto punto, persiste el laberinto intelectual, político y social acerca del presente y del futuro del capitalismo.

Piketty nos ofrece datos enormemente útiles sobre el capitalismo como sistema necesariamente generador de desigualdad, aunque la principal debilidad de su aportación reside en dar por sentada, como si fuera una verdad revelada, natural e inmutable, la trama conceptual hegemónica en el campo de los economistas. Por añadidura, el horizonte práctico-político que se desprende de su libro aboga por una simple remodelación cosmética del actual modo de producción mediante la política fiscal progresiva y redistributiva.

Lo cierto es que el pensamiento de izquierdas sigue debatiéndose en una encrucijada de ideas que oscila entre el pragmatismo de corte socialdemócrata y la relectura de la realidad desde posiciones radicales.

Estas no son “la alternativa”, sino una vía creativa y sustantiva, no incompatible con reformas sociales de carácter parcial, para pensar de otra manera y alumbrar futuros movimientos emancipadores. En la tomentosa y paradójica dialéctica de ambos polos nos seguimos encontrando.

[Referências]

PIKETTY, Thomas (2014). El capital en el siglo XXI. Madrid: FCE, 663 págs.

BRAUDEL, F. (1984). Civilización material, economía y capitalismo. Los juegos del intercambio. Tomo II. Madrid: Alianza Editorial.

CUESTA, R. (2015). El capitalismo, una vez más: el retorno cíclico de una cuestión controvertida y molesta. Rebelion. <http://www.rebelion. org/noticia.php?id=206676>. (Consultado el 20 de enero de 2016).

HARVEY, D. (2014). Afterthoughts on Piketty´s Capital in the Twenty-First Century. Challenge, 57 (5), 81-86.

HOBSBAWM, E. (2011). Cómo cambiar el mundo. Barcelona: Crítica.

MARX, K. (1973). El capital. Libro primero, capítulo VI (inédito). Madrid: Siglo XXI.

MILANOVIC, B. (2012). Los que tienen o no tienen. Una breve y singular historia de la desigualdad mundial. Madrid: Alianza.

NAREDO, J.M. (2015). La economía en evolución. Historia y perspectivas básicas del pensamiento económico. Madrid: Siglo XXI.

NAVARRO, V. (2015). Ataque a la democracia y al bienestar. Crítica al pensamiento económico dominante. Barcelona: Anagrama.

POSTONE, M. (2006). Tiempo, trabajo y dominación social. Una reinterpretación de la teoría crítica de Marx. Madrid: Marcial Pons.

STIGLITZ, J.E. (2015). La gran brecha. Qué hacer con las desigualdades. Madrid: Taurus.

VAROUFAKIS, Y. (2013). El Minotauro global. Estados Unidos, Europa y el futuro de la economía mundial. Madrid: Capitán Swing.

[Notas]

1. Por su parte, B. Milanovic (2012), ex presidente del departamento de estudios del Banco Mundial, opina que hoy la desigualdad es un peligro para todos, una verdadera plaga sin parangón en la historia.

2. En la misma línea “ortodoxa”, Vicenç Navarro (2015, pp. 183-193) dedica todo el capítulo V a enmendar la plana a Piketty por ignorar en su análisis la lucha de clases.

3. Como demuestra la compleja y muy recomendable obra de Moishe Postone (2006), hay muchas maneras de comprender las categorías básicas de la economía política de Marx. Una es la del marxismo tradicional dentro del que se encuadra la interpretación de Harvey y otra muy distinta es la de Postone. Este último niega la cualidad transhistórica (más allá del capitalismo) de las nociones económicas de Marx.

4. Valga como ejemplo de este retorno, el interesante monográfico de la revista Isegoría, 50 (2014) dedicado a La vuelta de Marx.

5. Para una lectura triangular y comparativa de Piketty (2014), Postone (2006) y Naredo (2015), véase mi trabajo (Cuesta, 2015).

Raimundo Cuesta – Fedicaria-Salamanca.

Acessar publicação original

[IF]

A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano | MIchael Löwy

Publicado no Brasil pela editora Boitempo em 2014, A jaula de aço, do cientista social Michael Löwy, corrobora relacionar duas correntes sociológicas – a weberiana e a marxista –, muitas vezes entendidas como defensoras de proposições opostas, impossíveis de serem alocadas de forma amistosa na formulação de um quadro conceitual ou mesmo teórico-metodológico, mas que também, segundo o autor, têm sido frequentemente pensadas guardando convergências entre si.

De ascendência judaica, Michael Löwy nasceu em 1938 no Brasil, formou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo em 1960, doutorando-se sob orientação de Lucien Goldmann em 1964 pela Sorbonne. Atualmente reside na França e é diretor de pesquisa no Centre National de la Recherche Scientifique. Löwy tem expressiva bibliografia sobre a história do pensamento de esquerda, desenvolvendo trabalhos sobre Karl Marx, György Lukács, Lucien Goldmann e Walter Benjamin. Nesse sentido, o presente livro, o qual se resenha, é instigante, uma vez que propõe pensar os usos da sociologia de Max Weber – considerado por Löwy um pensador liberal – por autores reconhecidamente marxistas, formando assim, uma “corrente” sociológica referida como webero-marxista. Leia Mais

Para la tercera cultura. Ensayos sobre ciencias y humanidades – FERNÁNDEZ BUEY (CCS)

FERNÁNDEZ BUEY, F. (2013). Para la tercera cultura. Ensayos sobre ciencias y humanidades. Prólogo de Alicia Durán, Jorge Riechmann, Jordi Mir y Salvador López Arnal. Edición a cargo de S. López Arnal y J. Mir. Barcelona: El Viejo Topo, 2013. 406p. Resenha de: CUESTA, Raimundo. ¿Tercera cultura o crítica de la cultura? Acotaciones a una obra póstuma de Francisco Fernández Buey. Con-Ciencia Social – Anuario de Didáctica de la Geografía, la Historia y las Ciencias Sociales, Salamanca, n19., p.133-138, 2015.

Un quehacer en la encrucijada del pensamiento crítico

La obra de Francisco Fernández Buey (FBB) plasma las encrucijadas teóricas entre dos ciclos de pensamiento crítico, cuyo devenir generó en nuestra época, parafraseando a R. Keucheyan (2013), una tipología muy variopinta de intelectuales (“conversos”, “pesimistas”, “resistentes”, etc.). El autor aparece como lugar de condensación de relaciones sociales de una época, como “centro de anudamientos”1 del complejo de vínculos y circunstancias que convergen en él. Perteneció a la categoría de los resistentes, de aquellos jóvenes de los años sesenta que, sin renunciar a su pasado, se asomaron al siglo XXI con una mirada crítica renovada, a pesar y sin olvidar las muchas y graves derrotas de la centuria anterior. La princi pal, afirma FFB, fue contar con el estalinismo entre los “tres actos de barbarie” sin precedentes; los otros dos fueron el Holocausto nazi y las bombas atómicas en Hiroshima (Fernández Buey, 1996, p. XXV).

Explicar lo inexplicable conduce a nuestro autor a relacionar la barbarie con la civilización, tal como hicieran, entre otros, M. Horkheimer y Th. W. Adorno en su Dialéctica de la Ilustración (1947)2, lo que le obliga, como firme partidario de la racionalidad científica, a tomar distancia respecto a sus propias ideas frente a los sueños de la razón creadores de monstruos; él mismo se acoge al slogan de B. Russell: “la necesidad de la ciencia para salvarnos de la ciencia” (Fernández Buey, 2013, p. 307). La obra de madurez de FFB acontece sobre un duro paisaje de fondo: la caída del muro de Berlín y la refundación del final de la historia como nuevo metarrelato del neoliberalismo.

Pero, tras el triunfo de la revolución conservadora, el derrumbe del socialismo real y la desagregación de la clase obrera tradicional, en el gozne entre ambos siglos, de las ruinas del viejo marxismo emerge el deseo teórico y práctico de volver a plantear la batalla de siempre, “aunque ahora lo llamen de otro modo”. A esa cita siempre acudió nuestro autor.

Una batalla póstuma por la tercera cultura

El libro póstumo de Fernández Buey (2013), Para la tercera cultura, en realidad, es el resultado de una trabajosa reordenación, a cargo de sus editores y amigos, Salvador López Arnal y Jordi Mir, de una obra sin acabar, y ello se percibe en la factura final de un producto compuesto de partes de muy desigual extensión, profundidad y temática.

En cualquier caso, la experiencia de la lectura es grata e incluso no decae su fuerza a pesar de que desde muy pronto se pone encima del tapete la tesis central del autor, a saber, que la escisión entre cultura científica y cultura humanística (entre las “dos culturas”) es una vetusta equivocación que debe ser superada con una “tercera cultura”, síntesis superadora que no admitiría sometimiento de una a la otra. Tesis central que, por lo demás, sus prologuistas se encargan de subrayar desde el principio.

La obra aparece dividida en cuatro capítulos, otros tantos anexos y un siempre oportuno índice de nombres (en este caso más conveniente por la falta de títulos en las subdivisiones del larguísimo capítulo 1). Efectivamente, en ese capítulo, Humanismo y tercera cultura, que abarca más de la mitad del texto, se efectúa un sugerente recorrido histórico a través de las formulaciones filosóficas, científicas y ensayísticas que han discurrido sobre la dualidad ciencia natural/humanidades. Los conocimientos de FFB como historiador de la filosofía y como teórico de la metodología de las ciencias sociales, tantas veces cultivados en su actividad docente y en sus publicaciones, permiten ahora presenciar la riqueza del debate epistemológico que subyace a la tradicional dicotomía. Si bien la tesis acerca de la convencional y perniciosa escisión entre ciencias/letras resulta una obviedad, el recorrido histórico por los supuestos teóricos de tal disyuntiva nos plantea un problema filosófico de envergadura a propósito del estatuto de las disciplinas y la especificidad de sus objetos y métodos.

Nuestro autor se sitúa siempre a favor de la corriente partidaria de la racionalidad científica y, siguiendo la senda de Lukács, ataca la deriva irracionalista, el asalto a la razón, que se escondería en los pliegues del pensamiento de Nietzsche, Spengler, Heidegger y otros. Una de sus consecuencias, desde finales del siglo XIX, gracias a los neokantianos, sería la búsqueda de un estatuto diferencial para las ciencias del espíritu, y la contraposición irreconciliable entre las ciencias nomotéticas (las explicativas conforme a regularidades comprobadas mediante el método experimental) frente a las idiográficas (las encargadas de dar cuenta de lo particular). La historia justamente estaría en el núcleo de ese debate. FFB, por su parte, contrapone la desviación idiográfica historicista de las artes de Clío frente a la concepción científica del conocimiento de lo social en tanto que ciencias histórico-sociales o sociohistóricas, tal como Marx las concebía.

Este hilo de posiciones contrapuestas se prolongaría, según FBB, hasta el relativismo posmoderno, del cual abomina.

Más allá de las coincidencias o discrepancias con FFB, es de agradecer el dibujo de este brillante fresco acerca del debate filosófico, científico y literario (las fuentes y autores que maneja son fruto de muchas y sustanciales lecturas de campos muy diversos) que sirve a modo de pórtico para traspasar el umbral del estado más actual de la querella sobre las “dos culturas”. El libro toma como base los debates de finales del siglo XIX y los lleva hasta la segunda mitad de siglo XX cuando, merced a la obra de Charles Percy Snow, The two cultures and the cientific revolution (Snow, 1977), renace en los países de habla inglesa tal asunto al calor de la polémica sobre las reformas del curriculum de esos años. Así, la cuestión de una “tercera cultura” se inscribe en la inacabable disputa sobre las humanidades y el sentido de la cultura en la era de la revolución científicotécnica.

El propio autor concibe la “tercera cultura” como algo más que una mera sustitución o hegemonía de una cultura por otra.

A tal efecto comenta la obra del sociólogo e historiador alemán Wolf Lepenies (1994), Las tres culturas, que precisamente considera las ciencias sociales como “culturas puentes para la tercera cultura”, y destaca también la aportación del norteamericano John Brockman (1996), La tercera cultura Más allá de la revolución científica, autor que se erige en difusor del concepto desde los años noventa.

La lectura de estas obras lleva a nuestro pensador a proponer una complementariedad entre ambos continentes científicos: el arsenal explicativo nomotético de las ciencias naturales debería combinarse con las retóricas narrativas y metafóricas procedentes de las ciencias humanas.

Estas tesis de fondo recorren el resto de los capítulos del libro que vienen a ser meras ilustraciones (algunas muy eruditas). En el capítulo 2, Lecturas para la tercera cultura, se efectúa un lúcido recorrido por dos temas: 1) Galileo visto por Brecht y 2) Los árboles del paraíso en la visión de John Milton. En su obra, La vida de Galileo, según FFB, “Brecht rechaza el progresismo ingenuo, advierte de las complicaciones de la vieja función prometeica de la ciencia, llama la atención sobre su función social presente y futura y obliga al espectador a pensar sobre la distancia que, a pesar de los progresos científicos, sigue habiendo entre el conocimiento que se tiene del movimiento de los astros y el conocimiento que el pueblo tiene de los movimientos de los que mandan” (p. 253).

En el subcapítulo segundo, donde más brilla su hermenéutica literaria, confronta las ideas del libro del Génesis con la obra de Milton y lo que en ella habita de la concepción científica que se abre paso en su época.

El motivo bíblico de la sed de saber y el deseo de comer el fruto prohibido del árbol de la ciencia le lleva a practicar una exégesis especialmente sugerente y atrevida, donde, no habiendo juicio moral objetivo (eso sería “ser como Dios”), el “camino oblicuo” de la ciencia nos advierte del “camino del conocimiento que bordea el infierno para evitarlo” (p. 283). Por otro lado, el capítulo 3, Ciencias sociales y tercera cultura, posee una relevancia a la hora de presentar un boceto de sus planteamientos: “la oscilación entre el formalismo y la literatura es el estado natural de las ciencias sociohistóricas”, y añade que “esta situación está llamada a prolongarse algún tiempo y que la modestia metodológica exige hacerse a esa idea” (p. 304). A su entender, existen tres modalidades tradicionales y distintas de concebir la ciencia: como análisis (Science), como crítica social y como cosmovisión (Wissenschaft). Las tres estarían todavía muy presentes. Postula FBB renovar el diálogo entre las tres y contemplar lo problemático de confundir o reducir ciencia social a actividad crítica por el peligro de parcialidad y partidismo (lo axiológico no deriva de ninguna ciencia) que tal posición entraña.

El capítulo de conclusiones no es tanto una recapitulación como un subrayado de la tesis de fundar un nuevo humanismo de nuestro tiempo que implique la prác tica de una ciencia con conciencia y al que están convocados, en virtud de una nueva alianza, los científicos y los humanistas tradicionales.

Por último, el libro se completa con cuatro anexos (medicina hipocrática; Newton/Goethe y la ciencia moderna; sobre la objetividad; sobre ciencia y religión) que, a modo de apunte o boceto, plantean asuntos muy variados atinentes al tema central de la obra.

Los anudamientos críticos de FFB

Pertenece nuestro autor a la categoría de “filósofo sacristaniano”, a la primera generación de discípulos del ilustre y singular filósofo marxista, algunas de cuyas características grupales ha destacado Francisco Vázquez García (2009). De donde se infiere que sus “anudamientos”, nacidos de una apuesta continuada por la ciencia y la objetividad, se ven a menudo rebasados por unos intereses sociopolíticos e inquietudes intelectuales extraños al objetivismo, lo que conlleva alianzas con amigos políticos y extraños epistemológicos. Precisamente a partir de las pinceladas que esta obra póstuma ofrece de su retrato filosófico nos surgen dos cuestiones de disenso, a saber: la relación entre cultura y teoría crítica, y la dimensión histórica y constructiva de todo conocimiento.

En cuanto a la primera, la cultura, un vocablo sustantivizado merced a la revolución conceptual operada el siglo XVIII, aparece en el texto que comentamos naturalizada y sacralizada como una realidad dada y trascendente, lo que impide ver que este heraldo anunciador de la modernidad burguesa3 contiene en su interior más de una mentira (W. Benjamin supo adivinar la barbarie que se agazapa tras los monumentos culturales) y no se puede reducir a un legado incontestable e intangible de bienes espirituales fruto del progreso de la razón humana. Esta concepción de la cultura como razón universal realizada se hace difícilmente cohabitable con el de crítica.

A menudo este término, aunque no sea el caso de FFB, se suele degradar a la condición de una mera habilidad cognitiva.

Cabe, no obstante, traer a colación por su pertinencia el artículo de Max Horkheimer, Teoría tradicional y teoría crítica (1937)4, donde distinguía entre “teoría tradicional” y “teoría crítica”. Allí a la consideración pasiva del sujeto de conocimiento, propia de una concepción positivista, contraponía el concepto de “teoría crítica” como aquella que entiende la relación del sujeto y el objeto como una coimplicación constructiva resultado de la praxis social. Según esta posición gnoseológica no existiría un conocimiento de lo social puro, neutro y desprovisto de valores.

En cuanto a la segunda objeción, nuestro autor adolece de un cierto esencialismo cientificista al situar la ciencia en un altar demasiado elevado e intangible. Por muchas reticencias que FFB albergue, todo conocimiento es una construcción sociohistórica, hija de las relaciones de poder, aunque cada disciplina establezca reglas de verdad más o menos refinadas. Los lenguajes explicativos de cada disciplina son modos específicos de afrontar el mundo y su potencialidad obedece a relaciones lógicas y extralógicas (internas y externas). No hay una realidad objetiva a la espera del cazamariposas del sujeto científico, porque el conocimiento del sujeto no es un mero reflejo de un objeto preexistente. Por lo demás, la aspiración a una teoría todoloexplica es una prometeica labor que históricamente ha engendrado indeseables sueños de la razón como, por ejemplo, el materialismo dialéctico, una criatura dogmática nacida en el seno del pensamiento revolucionario5.

Precisamente la idea de escisión de las “dos culturas” es una convención sociohistórica, hija de una determinada historia de la verdad. Randall Collins (2005), en su magna obra Sociología de las filosofías, propone una “sociología interna de la verdad” basada en el conflicto generado dentro de redes de reconocimiento y poder, de modo que la producción de la verdad, tal como sostiene también la sociología genética de Pierre Bourdieu, se ocasiona siempre dentro de un campo, de un espacio social de fuerzas en tensión. Las teorías del campo intelectual contribuyen a explicar la construcción social del conocimiento e incluso constituyen una modalidad más refinada de aceptación de una realidad objetiva (Collins, 2005, p. 8).

De modo y manera que la sociología del campo, gran ausente en la obra que comentamos, no significa que “todo valga”. Pero su ausencia limita, escora y dificulta la tesis de una “tercera cultura”, entendida esta exclusivamente como asunto y objetivo de un debate lógico-racional y no como apuesta inscrita en un espacio sembrado de minas.

Las guerras educativas de los últimos años entre retrohumanistas y eficientistas curriculares son expresión de la supervivencia de la separación de las dos culturas, pero encubren no sólo argumentos racionales, sino también el intento de reformulación del conocimiento y la escuela conforme al nuevo tipo de sociedad del totalcapitalismo.

En efecto, en tiempos recientes ha circulado una literatura acerca del desastre y degradación cultural de nuestro tiempo, cuya fuente nutricia, la madre de todas las guerras culturales, fue la obra del norteamericano, discípulo de Leo Strauss, Allan Bloom (1989), The Closing American Mind (1988), que denunciaba la caída en el relativismo y la insignificancia. Desde entonces la defensa del canon cultural de occidente ha estado al cabo de la calle en intelectuales tipo Mario Vargas Llosa (2012) y en la cofradía de los intelectuales retrohumanistas, donde a menudo la derecha y una cierta izquierda se dan la mano. Esta nostalgia hacia la cultura “culta” atraviesa todo el debate curricular que ha desembocado en un regreso conservador a los valores de siempre dentro del sistema educativo6. Aunque este no sea el planteamiento de FFB sobre la “tercera cultura”, su punto de vista también expresa la caída de las certezas sobre lo que deba ser una cultura crítica. Y, sobre todo, denota una cierta debilidad a la hora de pensar en la tarea de lo que deba consistir la crítica de la cultura aquí y ahora.

En todo caso, el gran valor de esta obra FFB estriba en lo que sugiere invitando a razonar más allá del lugar común. Además, el círculo Sacristán, al que perteneció nuestro autor, merece un lugar destacado en la historia del pensamiento español en los últimos cincuenta años.

[Notas]

1. Concepto muy expresivo y de notable poder explicativo manejado por Manuel Sacristán (1987, p. 27).

2. Apareció en ese año por primera vez como libro y fue escrita unos pocos años antes. La historia de este extraño libro puede verse en J.J. Sánchez (1998, pp. 9-46).

3. Como ejemplarmente se ha estudiado en la llamada Historia conceptual (Bregriffgeschichten). Véase una excelente síntesis en Reinhardt Koselleck (2012). Lo cierto es que la historia de las ideas que se trasparenta en el libro de FFB resulta un tanto tradicional (personajes, influencias y consecuencias, etc.).

4. Hay edición española en Paidós (Horkheimer, 2000), que se beneficia de una introducción a cargo de Jacobo Muñoz y que, además, incluye Razón y conservación (1942), otro opúsculo central en la etapa más radicalmente crítica de su autor.

5, El libro del profesor argentino Néstor Kohan (2013), que dispara teóricamente contra todo los que se mueve fuera de la tradición Marx-Lenin-Gramsci-Guevara (y otros), contiene una interesante crítica de la historia de la construcción del DIAMAT (el materialismo dialéctico) como ideología perturbadora del legado de Marx y como pantalla justificadora del marxismo soviético.

6. Como muestra, valga un botón: “Madrid fija las fechas históricas que deben aprender los alumnos”. Así rotulaba la noticia (18 de febrero de 2014) Pilar Álvarez, periodista de El País. Al parecer, la reunión de las autoridades madrileñas con expertos historiadores (Gonzalo Anes, Fernando G. de Cortázar y Carmen Iglesias) llevaba a considerar obligatorio que los futuros egresados de primaria sepan, entre otras efemérides, que la llegada de los romanos a España ocurrió el año 218 a.C. Al poco, 24 de febrero de 2014, en el ABC.es, Esperanza Aguirre, “La enseñanza de la historia”, se felicitaba de la iniciativa, recordaba sus desvelos como ministra de educación y mantenía la tesis de las viles intenciones de nacionalistas e izquierdista a la hora usar la historia como materia de enseñanza.

Referencia princial

FERNÁNDEZ BUEY, F. (2013). Para la tercera cultura. Ensayos sobre ciencias y humanidades. Prólogo de Alicia Durán, Jorge Riechmann, Jordi Mir y Salvador López Arnal. Edición a cargo de S. López Arnal y J. Mir. Barcelona: El Viejo Topo, 406 págs.

Referencias

BLOOM, A. (1989). El cierre de la mente moderna. Barcelona: Plaza y Janés.

BROCKMAN, J. (1996). La tercera cultura. Más allá de la revolución científica. Barcelona: Tusquets.

COLLINS, R. (2005). Sociología de las filosofías. Una teoría global del cambio intelectual. Barcelona: Herder.

FERNÁNDEZ BUEY, F. (2013). Para la tercera cultura. Ensayos sobre ciencias y humanidades. Barcelona: El Viejo Topo.

FERNÁNDEZ BUEY, F. y RIECHMANN, J. (1996). Ni tribunos. Ideas y materiales para un programa ecosocialista. Madrid: Siglo XXI.

HORKHEIMER, M. (2000). Teoría tradicional/teoría crítica. Barcelona: Paidós.

KEUCHEYAN, R. (2013). Hemisferio izquierda. Un mapa de los nuevos pensamientos críticos. Madrid: Siglo XXI.

KOHAN, N. (2013). Nuestro Marx. Madrid: La oveja roja.

KOSELLECK, R. (2012). Historia de los conceptos. Estudios sobre semántica y pragmática del lenguaje político y social. Madrid: Trotta.

LEPENIES, W. (1994). Las tres culturas. México: FCE.

SACRISTÁN, M. (1987). El orden y el tiempo. Madrid: Trotta.

SÁNCHEZ, J.J. (1998). Sentido y alcance de Dialéctica de la Ilustración. Introducción a la obra de M. Horkheimer y Th. W. Adorno. Dialéctica de la Ilustración. Madrid: Trotta, pp. 9-46.

SNOW, Ch.P. (1977). Las dos culturas y un segundo enfoque. Madrid: Alianza.

VARGAS LLOSA, M. (2012). La civilización del espectáculo. Madrid: Alfaguara.

VÁZQUEZ GARCÍA, F. (2009). La Filosofía española. Herederos y pretendientes. Una lectura sociológica. Madrid: Abada.

VV.AA. (2012). Homenaje a Francisco Fernández Buey (1943-2012). Monográfico de la revista mientras tanto, 119.

Raimundo Cuesta – Fedicaria-Salamanca.

Acessar publicação original

[IF]

O retorno do real – HAL (NE-C)

HAL, Foster. O retorno do real. Trad. Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac Naify, 2014. Resenha de: LEONÍCIO, Otavio. O real e a História. Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo, n.101, Jan/Mar, 2015.

Os problemas em torno dos quais O retorno do real se constitui são imensos. Eles têm pautado o pensamento e a prática de críticos e artistas desde meados dos anos 1960 – ou seja, há exatamente meio século; de um modo ou de outro, e sobretudo no que concerne à questão do significado da arte dita contemporânea, dizem respeito a uma questão crucial: a crise da concepção de história sobre a qual a arte vinha sendo (e,parcialmente pelo menos,ainda vem sendo) produzida desde o romantismo. Mais especificamente, a questão central de O retorno do real é a eventual superação de um “historicismo persistente que julga a arte contemporânea atrasada, redundante e repetitiva” (p. 30). Em certo sentido, portanto, Foster se vê aqui às voltas com os mesmos desafios e dilemas de uma geração de artistas e críticos que, como afirmou um de seus maiores expoentes, Robert Smithson, percebeu que “uma consciência transistórica emergiu nos anos sessenta”1.

A agenda de Foster não coincide, todavia, com a dos artistas sessentistas. Pois o que está em jogo para ele é também, e talvez sobretudo, a viabilidade de uma modalidade discursiva (a crítica de arte) que, desde o romantismo, busca o significado das obras de arte na interseção entre qualidade estética (vinculada à noção transcendental de experiência estética) e pertinência histórica (vinculada à situação das obras de arte no quadro geral da História da Arte). Ou seja, o que está em jogo para Foster são as condições de possibilidade de um discurso crítico cujos fundamentos em larga medida coincidem com o próprio advento (em fins do século XVIII) do historicismo – precisamente os fundamentos que a arte dos anos 1960 pôs em xeque. Quer dizer, diferentemente do que ocorre com boa parte da práxis artística dos anos 1960 e 1970, Foster pretende salvaguardar a prática crítica tradicional. Como? Dotando-a de um vocabulário conceitual “pós-histórico” (p. 25) não apenas operativo mas igualmente legitimável num ambiente de crescente desprestígio das “grandes narrativas” – as históricas, sobretudo2.

A solução encontrada por Foster lança mão do conceito de “neovanguarda”, compreendido aqui de modo idiossincrático, i.e., em termos da noção de “Nachträglichkeit” (“efeito a posteriori” ou, literalmente, “ação retardada”). Tomada de empréstimo à teoria psicanalítica, a noção supõe que “um evento só é registrado por meio de outro que o recodifica; só chegamos a ser quem somos no efeito a posteriori(Nachträglichkeit)”. Toda a argumentação de Foster parte pois da hipótese de que “a vanguarda histórica e a neovanguarda são constituídas de maneira semelhante, como um processo contínuo de protensão e retenção, uma complexa alternância de futuros antecipados e passados reconstruídos” (p. 46). Nessa perspectiva, supostamente cairia por terra o argumento (levantado por Peter Bürger em Teoria da vanguarda, contra o qual O retorno do realexplicitamente se volta)3 de que a arte dos anos 1960 se restringiria a uma repetição farsesca e acrítica das ações empreendidas pelas chamadas vanguardas históricas. Para Foster,ao contrário,a neovanguarda dos anos 1960 consistiria na plena efetivação daquilo que apenas de modo incompleto ou inacabado foi empreendido no início do século XX por movimentos como construtivismo, dadaísmo e surrealismo.

Obviamente, pode-se arguir o rendimento heurístico do modelo psicanalítico proposto por Foster, quer dizer, questionar em que medida ele constitui de fato um ganho de conhecimento sobre a arte dos anos 1960.Significativamente,a questão é levantada pelo próprio autor, o qual, numa nota de pé de página desconcertante, admite que “[a]inda que eu combine o desenvolvimento com o efeito a posteriori, minha extensão da (re)construção do sujeito individual até a (re) construção de um sujeito histórico é problemática”. Donde a dúvida: “Será que posso abordar historicamente a lógica do sujeito se meu modelo da história pressupõe essa lógica? Esse vínculo duplo seria produtivo ou paralisante”.

O fato de Foster ter ido adiante com seu modelo psicanalítico (sem o qual este livro não existiria) não dá por encerrada a questão. De fato, em termos epistemológicos, o livro apenas explicita os dilemas de uma geração de intelectuais progressistas que, tendo sido formada num ambiente francamente desconstrutivista, viu-se nos anos 1980 (ou seja, num contexto em que grassavam sem resistência institucional tanto Aids quanto Reaganomics) à procura de um aparato teórico porventura menos irrealista que o desconstrutivismo. A advertência de Foster acerca dos limites de sua própria empreitada intelectual, voluntariamente destinada a resgatar não todo e qualquer real, mas apenas a uma reconstrução subjetiva sua4, soa nesse sentido duplamente sintomática: por um lado, evidencia um incontido desejo de realidade; por outro, denuncia o mal-estar para com a própria noção de realidade – ao menos com relação àquelas noções de realidade que, advertidamente ou não, possam evocar uma referencialidade minimamente estável. Mais do que um dilema, a posição de Foster expõe a condição porventura aporética do projeto pós-pós-modernista, do qual Foster é um avatar. Significativamente, no capítulo final de O retorno do real, Foster se pergunta acerca das desconstruções operadas por Foucault e Derrida: “Esses pós-estruturalismos reelaboram os acontecimentos do pós-colonial e do pós-moderno criticamente? Ou servem de ardis por meio dos quais esses acontecimentos são sublimados, deslocados ou, ao contrário, desativados?” (p. 199). Enredado numa espécie de limbo epistemológico, Foster – como muitos de nós, aliás – procura abrigo num mundo pós-transcendental particularmente inóspito a desconstrutivistas não irrealistas e sobretudo não pluralistas (avessos portanto ao “falso pluralismo do museu, do mercado e da academia pós-históricos” [p. 7]).

O que a solução proposta por Foster revela, no entanto, é um vício de origem – qual seja, a suposição de que, como queria Bürger, a arte dos anos 1960 caracterizar-se-ia por um resgate (aos olhos de Bürger, acrítico e anacrônico, aos de Foster, deliberado e pertinente, porquanto produto de uma inusitada e lúcida “consciência histórica”) de práticas próprias às “vanguardas históricas”. De fato, nas palavras de Foster, “os artistas da década de 1960 tiveram de elaborar [os procedimentos da vanguarda histórica] criticamente; a pressão da consciência histórica não permitia nada menos do que isso” (p. 25). Este, de fato, o pressuposto não problematizado de O retorno do real: dar por suposto (contra inúmeras evidências de que o que de fato caracteriza a arte dos anos 1960 não é em absoluto o predomínio de uma consciência histórica, senão a emergência e disseminação de uma consciência meta ou anti-histórica) que a questão crucial para a neovanguarda seria “remodela[r] procedimentos da vanguarda para fins contemporâneos” (p. 8). Como se vê, a divergência de Bürger é apenas parcial, a diferença residindo no modo como um e outro interpretam um mesmo fenômeno, Bürger condenando-o, Foster exaltando-o.

Os limites insuperáveis de O retorno do real vêm daí. A começar pela evidente dificuldade do autor de dar conta da arte com a qual, aparentemente, tem maior empatia – o minimalismo. Pois se de um modo ou de outro o minimalismo (mas também uma parte importante da arte produzida em sua esteira) põe em xeque a ideia de vanguarda (em função justamente da consciência de seus vínculos com a visão de mundo historicista), Foster se revela incapaz de conceber quaisquer práticas artísticas “ambiciosas” que não sejam igualmente “avançadas” ou “inovadoras” (passim), ou seja, que não suponham a noção de “desenvolvimento histórico”. Dito de outro modo, o que Foster não parece estar pronto a conceber (a exemplo de Bürger) e mais ainda aceitar é – parafraseando T.J. Clark – uma arte sem futuro5. Donde o descompasso: ali onde uma parte significativa da arte dos anos 1960 e 1970 buscava conjurar uma experiência temporal meta-histórica (em cujo contexto o conceito de vanguarda simplesmente não faz sentido), Foster se empenha a todo custo em preservar a ideia e o valor não apenas da vanguarda, mas acima de tudo de uma historicidade supostamente inerente à arte – em suas palavras, a “historicidade de todas as artes, incluindo a contemporânea” (p. 33). De par com essa historicidade essencial, o que Foster pretende salvaguardar é a criticalidade da arte – mais especificamente, a criticalidade histórica da arte. Uma vez mais, estamos diante de uma posição axiomática. Pois, aos olhos de Foster, simplesmente não há criticalidade num ambiente em que predomina a “desatenção à historicidade” e no qual, portanto, a crítica resulta marcada pela “perda de influência histórica” (p. 13).

Os pressupostos modernistas dessa salvaguarda da historicidade da arte (e com ela de uma crítica baseada num conceito supostamente renovado de “desenvolvimento histórico”, não mais progressista e teleológico) são evidentes: com a noção de neovanguarda o que se quer preservar é uma tradição: a tradição do novo, i.e., de uma ideia de arte segundo a qual,como afirmou um de seus mais influentes praticantes – Harold Rosenberg –, “ter um lugar na história da arte é o valor”6.

Obviamente, Foster não há de concordar com essa leitura; de toda evidência, ele está convencido de que seu modelo alternativo de desenvolvimento histórico foi de fato capaz de complexificar categorias fundamentais como “causalidade”, “temporalidade” e “narratividade” (cap. 1, passim), e, assim, superar o modelo historicista de desenvolvimento, na qual a narrativa modernista se baseia. Até onde percebo, no entanto, o que Foster logrou superar não foi propriamente o modelo historicista, mas uma versão bastante simplória deste.

Não que Foster ignore a complexidade dos problemas teóricos com os quais está lidando aqui. Notadamente, o autor está a par da centralidade que aqui adquire a noção de evento – o fato de que, como adverte Zizek, uma das referências teóricas de O retorno do real, “o ponto crucial aqui é o status modificado do evento”7. Mas aqui também fica claro como o diálogo com Bürger resultou pouco produtivo. Pois a noção de evento que Foster pretende complexificar, tomada emprestada de Bürger, não vai muito além daquela que subjaz à boutade marxiana de que “todos os grandes acontecimentos da história mundial ocorrem duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como farsa” (p. 32). A escolha de Foster é curiosa – mesmo de parte um intelectual marxista; surpreende sobretudo que Foster tome como contramodelo uma noção tão estereotipada de evento histórico – noção que ignora a evidência de que o traço principal da noção de evento no contexto do historicismo não é nem a originalidade nem a autonomia, senão, conforme a formulação de Reinhart Koselleck, o fato de estar sempre pronto a “alterar sua identidade em função do status cambiante que adquire no progresso da história”8. Nessa perspectiva, fica claro como a noção de evento que Foster deriva de Marx (na qual, em parte pelo menos, se baseiam os realismos de um e de outro) deixa de lado a questão central do significado dos eventos num contexto epistemológico (o historicismo) comandado pela noção de “processo” – mais especificamente, por um processo que, como percebeu Hannah Arendt, “torna por si só significativo o que quer que porventura carregue consigo, adquirindo assim um monopólio de universalidade e significação”9. A suposição de que Foster logrou complexificar as noções de evento e, por conseguinte, de desenvolvimento histórico é, como se vê, enganosa. O que Foster complexificou foi um par de estereótipos.

A opção de Foster por operar a partir de tal contramodelo não é injustificada, contudo; ela se adéqua à perfeição a uma argumentação que pretende requalificar historicamente as neovanguardas, vistas não mais como repetição farsesca mas, alternativamente, como plena realização histórica. Uma vez mais, fica claro quão limitada é a divergência de Bürger. Pois a leitura de Foster permanece atravessada pelas noções – e, além dessas, pelos valores – tipicamente modernistas de autenticidade e originalidade. Afinal, o que Foster pretende sustentar por meio de seu modelo alternativo de desenvolvimento senão a tese de que as neovanguardas não são farsescas e espúrias? A argumentação de Foster é, de fato, sem ambiguidade: se as neovanguardas repetem eventos históricos, isso se deve ao fato de que, de acordo com o conceito de “efeito a posteriori”, sua primeira manifestação/ocorrência se restringiria apenas a uma dimensão incompleta, reprimida. Em vez de mera repetição, sua segunda ocorrência nos anos 1960 seria portanto da ordem do desrecalque de algo que por trinta, quarenta anos havia permanecido reprimido. O que a teoria de Foster sustenta, portanto, é a ideia de que, em sua integridade e plenitude, as ações retardadas da neovanguarda constituem um evento histórico autêntico, original, verdadeiramente vanguardista. Ora, mas uma posição de fato meta-historicista não deveria, ao contrário, simplesmente descuidar das noções de autenticidade e originalidade, não obstante os enormes problemas que esse deslocamento coloca para um sistema de arte dependente – hoje como ontem – da ideia de vanguarda?

O que Foster não é capaz de conceber, em revanche, é uma história que não seja desenvolvimental, isto é, que não se oriente naturalmente em direção ao futuro – mais especificamente, a um futuro entendido como “horizonte de expectativa”, i.e., como campo aberto a transformações mais ou menos utópicas. Dito de outro modo, desenvolvimento é compreendido aqui não como categoria adstrita a um regime de historicidade específico (o historicismo), senão como condição antropológica e transistórica,e nesse sentido insuperável, da experiência temporal humana. Como se vê, o argumento em favor de uma “historicidade de todas as artes” tem uma origem definida.

Que a defesa de um marxismo renovado (em contraste com o marxismo alegadamente ossificado de Bürger) esteja no centro da reflexão de Foster não é, como se vê, fortuito: é sempre preservar a ação historicamente empenhada – isto é, a ação empreendida na e para a “História” – aquilo que está em jogo aqui. Para Foster, afinal, prática artística ambiciosa é também, necessariamente, prática engajada. Dito de outro modo, aos olhos de Foster o que cabe à práxis artística não diverge muito do que cabe à ação política: viver no front da História, fazer com que esta avance, combater a ameaça de estagnação. O pressuposto tem, é claro, um desdobramento no âmbito da crítica: se não se faz arte ambiciosa fora da História, o mesmo se dá com respeito à crítica. Esta, de fato, a função precípua, e a decorrente legitimidade, da crítica modernista (mas também, como se vê, da crítica supostamente pós-modernista de Foster), cuja principal incumbência, na prática, é de fato a atribuição da situação histórica das obras, quer dizer, a definição do lugar preciso ocupado pelas obras de fato avançadas e inovadoras em cada etapa do “desenvolvimento histórico”. Tanto quanto a práxis artística, a atividade crítica deve pois obedecer ao preceito de que “a compreensão histórica não depende do apoio contemporâneo, mas um engajamento no presente, seja artístico, teórico e/ou político, é indispensável” (p. 11).

Mas, repare-se: tanto quanto o “engajamento no presente”, o argumento supõe um “presente” definido essencialmente como tempo e espaço de “engajamento”, quer dizer, como tempo e espaço de uma ação historicamente engajada e transformadora. Ora, como destacou Hans U. Gumbrecht, tal concepção do presente é um dos pressupostos mais básicos, ainda que tácitos, do historicismo. Segundo Gumbrecht, é de fato apenas no contexto do regime temporal historicista que “em cada momento presente, o sujeito deve imaginar uma gama de situações futuras que têm de ser diferentes do passado e do presente e dentre as quais ele escolhe um futuro de sua preferência”; é apenas nesse contexto que a “subjetividade pode integrar o componente de ação na autoimagem que ela oferece à humanidade. E é essa inter-relação entre tempo e ação que cria a impressão de que a humanidade é capaz de ‘fazer’ sua própria história”. Coerentemente, é também apenas nesse contexto que o tempo, compreendido como agente absoluto de mudança, “dá à inovação o rigor de uma lei compulsória”10. Como fica claro, modernismo e consciência histórica (mas também marxismo) são astros de uma mesma constelação epistemológica, em cujo centro jaz o regime de historicidade historicista. O que tal evidência expõe é o tamanho dos desafios que a crise do historicismo coloca para a crítica “progressista”. Pois o que está em jogo neste caso é nada menos do que a viabilidade não apenas de uma esquerda sem futuro (nas palavras de Clark, uma esquerda apta a “não ver uma forma ou uma lógica – um desenvolvimento desde o passado até o futuro”, e que portanto diz adeus às “reflexões [afterthoughts] e imagens da vanguarda”)11, mas de uma esquerda historicamente desengajada, ou pelo menos eventualmente disposta a engajar-se numa concepção alternativa de história. Não por acaso, Foster conclui O retorno do real indagando-se em que medida um sujeito pós-moderno disfuncional (o sujeito “suspenso entre a proximidade obscena e a separação espetacular”) não se limitaria a obedecer à lógica de “uma razão cínica [que] não elimina mas renuncia ao poder de ação [agency]” (p. 206).

Que o apego de Foster à episteme modernista/historicista constitui tanto a marca registrada quanto os limites de O retorno do real fica evidente na afirmação de que Michael Fried (como se sabe, o grande detrator do minimalismo)12 “é um excelente crítico do minimalismo não porque tem razão em condená-lo, mas porque, para ser persuasivo, tem de entendê-lo, e isso significa entender sua ameaça ao modernismo tardio” (p. 66). A tese é absurda; Fried jamais compreendeu o minimalismo, fenômeno que ele – como tantos outros depois dele, aliás – se restringia a ver do ponto de vista de sua suposta objetidade literal, uma visão que, como destacou Anne M. Wagner, é francamente reducionista13. O que tal afirmação deixa claro, no entanto, é a afinidade entre os fundamentos vanguardistas (e portanto modernistas/ historicistas) das práticas críticas de Fried e Foster.

Não surpreende, nesse sentido, que, não obstante a ressalva que faz à ênfase excessivamente fenomenológica que Rosalind Krauss dá ao minimalismo14, Foster tenda sempre a ver o minimalismo como expressão essencialmente fenomenológica e de tipo site specific (específico do lugar) – em suas palavras, como uma arte na qual o espectador “é instigado a explorar as consequências perceptivas de uma intervenção particular num determinado local [site]. É esta reorientação fundamental que o minimalismo inaugura” (p. 53). Que tal definição (afeita à obra tipicamente antiminimalista do segundo Robert Morris, mas também aos objetos e operações fenomenológicos de um Richard Serra) implica uma redução absurda do significado da obra crucial de Donald Judd é uma das consequências do enviesamento conceitual/ ideológico de Foster. Que ela não acomode, ou acomode de modo canhestro, no espaço minimalista a obra essencialmente antifenomenológica e anti-site specific de Robert Smithson, é outro. Numa chave psicanalítica, pode-se dizer que, em sua busca pelo desrecalque do real, Foster acabou reprimindo o real minimalista – algo, aliás, que Joseph Kosuth já havia destacado com respeito às construções historiográficas perpetradas ainda nos anos 1970 pelo grupo de críticos ao qual Foster está ligado, a começar por Krauss. De fato, como afirmou Kosuth, “a fácil assimilação do minimalismo no mainstream como mais um tipo de forma na história da escultura constitui basicamente a limpeza [cleansing] de seu peso filosófico”15.

Nada disso diminui a importância de O retorno do real. Publicado originalmente em 1996, mas contendo partes fundamentais apresentadas ainda em meados dos anos 1980, o livro deixa claro como as questões levantadas pela arte dos anos 1960 ainda pautam, e em grande medida assombram, a arte e a crítica atuais. Nesse sentido, a importância do livro está menos em seus achados que no modo como revela, ainda que involuntariamente, os desafios e dilemas que a crise do conceito moderno de história coloca para o pensamento crítico (ou metacrítico) contemporâneo, o de Hal Foster inclusive. Em tempo: a presente edição conta com tradução de Célia Euvaldo, especialmente eficaz na manutenção da fluidez da leitura16.

Notas

1 SMITHSON, Robert. “Ultramodern”. Arts Magazine, v. 42, nº 1, set.- out. 1967, p. 31. Minha tradução.

2 LYOTARD, JF. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.

3 BÜRGER, Peter. Teoria da vanguarda. São Paulo: CosacNaify, 2008.

4 “Reprimido por numerosos pós-estruturalismos, o real retornou, mas como real traumático” (p. 46, n. 38). Em sua formulação original, tal restrição era ainda mais rigorosa: “Reprimido por vários pósestruturalismos, o real retornou – mas não um real qualquer, apenas o real traumático”. Foster, Hal. “What’s new about the neoavantgarde?”October, v. 70, outono 1994, p. 29. Minha tradução.

5 CLARK, T.J. Por uma esquerda sem futuro. São Paulo: Ed. 34, 2013.

6 ROSENBERG , Harold. “O novo como valor”. In: ___. Objeto ansioso. São Paulo: CosacNaify, 2004.

7 ZIZEK, Slavoj, apud Foster, p. 46, n. 42. Minha tradução.

8 KOSELLECK, ReinhartFuturo passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; Contraponto, 2006.

9 ARENDT, Hannah. “O conceito de história: antigo e moderno”. In: ____. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1988, p. 96.

10 GUMBRECHT, Hans U. “Cascatas de modernidade”, In: ___. Modernização dos sentidos. São Paulo: Ed. 34, pp. 15-16.

11 CLARK, T.J., op. cit. Minha tradução.

12 Cf. FRIED, Michael. “Arte e objetidade”. A/E Revista da Pós-Graduação em Artes Visuais, Rio de Janeiro, EBA-UFRJ, 2002, pp. 130-147.

13 WAGNER, Anne M. “Reading minimal art”. In: BATTCOCK, GregoryMinimal art: a critical anthology. Berkeley: University of California Press, 1995.

14 Ver, em especial KRAUSS, Rosalind. “Sense and sensibility: reflection on post ‘60s sculpture. Artforum, v. 12, nº 3, nov. 1973, pp. 43-53.

15 KOSUTH, Joseph, “History for”. Flash Art, Milão, nº 143, nov.-dez. 1988, p. 101. Minha tradução.

16 Agradeço a leitura e os comentários de Marcelo G. Jasmin, Felipe Charbel e Henrique Estrada.

Otavio Leonidio – Arquiteto, doutor em História, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio.

Acessar publicação original

How to Change the World: reflection on Marx and Marxism | Eric Hobsbawm

Nesse último livro de Eric Hobsbawm, antes de sua morte, o historiador inglês aborda um tema muito caro para ele: Marx e o(s) marxismo(s). O livro é uma coletânea de textos escritos entre 1956 e 2009 sobre o impacto do pensamento de Marx depois de sua morte em 1883, portanto não é uma história do marxismo no sentido usual. Hobsbawm procura demonstrar como o pensamento de Marx ainda é importante para nos ajudar a compreender o mundo atual e o século XXI. O livro se divide em duas partes, sendo que a primeira (8 capítulos) aborda Marx e Engels e a segunda (8 capítulos) aborda o marxismo pós-Marx, discutindo apenas Antônio Gramsci especificamente.

O primeiro capítulo intitulado ‘‘Marx Hoje’’, Hobsbawm discute como Marx ainda é relevante hoje e que não pode ser visto como um ‘‘homem de ontem’’ nem ser relegado à lata de lixo da História. O autor apresenta como Marx era interpretado ao longo do século XX com base em três fatos: a divisão entre países em que a revolução era possível e estava na agenda de certos partidos e outros em que não estava; a bifurcação da herança marxista entre revolucionários e reformistas; e o colapso do capitalismo do século XIX pela ‘‘Era da Catástrofe’’ (o período entre as duas Guerras Mundiais). Com o colapso da URSS, em 1991, o marxismo ficou desacreditado, mas o autor salienta como Marx ainda tem força nos aspectos de pensador econômico, historiador e analista social (vale lembrar que Marx é tido como um dos pais da Sociologia). Leia Mais

Os marxismos do novo século – ALTAMIRA (TES)

ALTAMIRA, César. Os marxismos do novo século. Tradução de Leonora Corsini. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, 460 p. Resenha de: COELHO, Eurelino. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.8, n.1, mar./jun., 2010.

Era para ser o fim do marxismo, de novo. Após as crises terminais da URSS e dos regimes políticos e econômicos que foram construídos no Leste Europeu depois do final da Segunda Guerra Mundial não faltaram vozes anunciando a desaparição iminente do marxismo dos meios intelectuais e dos espaços políticos em que ele existira até então. Ou então era a pós-modernidade que, ao transformar profundamente todas as dimensões da realidade, terminava deixando o pensamento marxista desprovido de referente. Em qualquer dos casos, de acordo com esses profetas, o marxismo estava em vias de tornar-se uma peça de antiquário, mais uma lápide no cemitério das idéias e da política.

Ocorreu, porém, que mais uma vez a profecia era falsa. O marxismo não apenas sobrevive, apesar de tudo, mas foi capaz de se renovar e de abordar de modo original e profícuo os próprios temas que supostamente teriam determinado a sua extinção. O livro de César Altamira discute a emergência desses ‘marxismos do novo século’ contra o pano de fundo das transformações que incidiram sobre o mundo da luta de classes no final do século XX. O contexto do aparecimento desses novos marxismos é o da grande crise capitalista global da década de 1970 que pôs fim aos 25 anos ‘gloriosos’ de crescimento do capitalismo. Por ‘novos marxismos’ devemos entender, basicamente, três grupos de intelectuais que ganharam evidência nesse período, a saber: a chamada Escola Francesa da Regulação, os autores que publicam nas revistas Common Sense e Capital & Class (chamados também de open marxism) e o operaísmo italiano, juntamente com seu desdobramento ‘autonomista’ que, dos três, é aquele com o qual Altamira mais se identifica e que ele melhor descreve e analisa. Com a possível exceção dos regulacionistas, são autores relativamente pouco publicados e lidos no Brasil, o que já confere ao livro de Altamira o mérito de apresentá-los aos leitores brasileiros.

No entanto, o autor faz bem mais do que apresentar os ‘novos marxismos’. Sua análise da crise dos anos 70 é parametrizada pelas categorias teóricas do operaísmo, sobretudo a obra de Toni Negri. O desenvolvimento do capitalismo – e suas crises – não são pensados como movimentos cuja lógica seja interna ao capital, mas como fenômenos gerados pelo conflito entre o capital e o trabalho: “A crise não pode ser considerada expressão de leis imanentes que conduzem o sistema ao estancamento e à paralisia do desenvolvimento. Deve sim ser apreendida a partir da ação operária que enfrenta o capital como sujeito antagônico” (p. 63). Assim, a grande crise dos 70 foi a manifestação do apogeu da combatividade do operário-massa, a forma assumida pelo trabalhador coletivo no período do fordismo. A resposta do capitalismo veio na forma da globalização e da aceleração da incorporação de capital fixo (mudanças tecnológicas), medidas com as quais se buscava “controlar as ameaças trazidas pelos conflitos de classe” (p. 67) e que tiveram como consequência a produção de uma nova ‘composição de classe’, o engendramento de um novo trabalhador coletivo – o operário social, substituto histórico do operário-massa fordista. Não é mais a velha fábrica fordista o lugar privilegiado da exploração da força de trabalho na produção de valor, mas sim o conjunto da sociedade. Poder-se-ia falar numa ‘fábrica social’ na medida em que as “diversas atividades a que se dedicam as pessoas, não apenas como trabalhadores, mas também como estudantes, consumidores, compradores, telespectadores estarão diretamente ligadas ao processo de produção” (p. 76).

Trata-se de uma expansão sem precedentes do trabalho assalariado e, por conseguinte, do antagonismo capital-trabalho. Para Altamira, seguindo de perto as indicações operaístas, o operário social é o novo sujeito histórico que antagoniza o capitalismo pós-moderno. Seria um ‘trabalhador de tipo novo’, caracterizado por estar imerso em redes comunicacionais e pela “forte e cada vez mais próxima recomposição e combinação entre tempo de trabalho e tempo de vida” (p. 77). Para o capital o objetivo passa a ser o de apropriar-se da cooperação coletiva e de seu substrato, a capacidade comunicacional dos trabalhadores.

Esta caracterização do contexto de emergência dos novos marxismos choca-se violentamente contra as alegações de autores para quem as novas configurações da vida social contemporânea teriam aposentado as análises marxistas. Altamira sabe disso e comenta alguns desses autores em sua longa introdução, o que agrega ao texto mais um valor: ele constrói sólidas refutações marxistas para algumas teses bastante difundidas e pouco contestadas, como as de Laclau e Mouffe, Alberto Melucci ou Alvin Tofler.

Ao texto não faltam ousadia e espírito polêmico, inclusive contra posições no interior do marxismo, pois, para Altamira, nem todo marxismo está preparado para os desafios do século XXI. As “novas genealogias marxistas capazes de imaginar um horizonte crítico diferente” são precisamente aquelas que não se deixam atingir pela “desintegração do bolchevismo”. O leninismo, esse sim, foi superado pela história porque era “um marxismo super-adaptado a um momento particular do desenvolvimento do capitalismo que, consubstanciado no fordismo, adquiriu características próprias: divisão taylorista do trabalho, mecanização industrial, ênfase na organização de massa, etc.” (p. 23).

Não será menor, entre os leitores marxistas, a polêmica provocada por seu endosso à recusa da dialética propugnada por Toni Negri. Ele aborda a questão nos dois últimos capítulos explorando os principais pontos de divergência entre os autores ligados ao open marxism e o operaísmo. Os primeiros, inspirados pela dialética negativa de Adorno, admitem a presença do sujeito no objeto negado. A existência do sujeito trabalhador é concebida não apenas contra, mas dentro do capital, como sua contradição. A relação entre os polos capital e trabalho não é de exterioridade, mas de determinação dialética e o capitalismo é constituído por esta contradição imanente. A emancipação do trabalho, nesta perspectiva, passa pela dissolução (Auflösung) da contradição. Negri (e Altamira), ao contrário, postula uma negação não dialética entre o capital e o trabalho, uma relação de exterioridade e antagonismo que enfatiza a autonomia ontológica do trabalho perante o capital. Altamira interpreta esta posição como sendo a afirmação da materialidade da classe operária em contraposição à visão do marxismo crítico e do open marxism na qual, como no Lukács de História e consciência de classe, “os trabalhadores considerados de maneira concreta e direta, em carne e osso, parecem estar ausentes” (p. 333). O antagonismo tem caráter absoluto e sua solução exige a destruição do oponente. Altamira ainda extrai, dessa dissensão, desdobramentos no plano da organização política: enquanto o open marxism aposta na crítica e na compreensão das contradições, o operaísmo engaja-se na atividade espontânea das lutas dos trabalhadores (mantendo-se, assim, mais próximo de Lenin, apesar de tudo). O capítulo final prolonga esta contraposição para o terreno epistemológico. Contra o perfilhamento clássico do marxismo no campo da dialética, que Altamira (seguindo, mais uma vez, Negri) identifica como o “eixo teórico Hobbes-Rousseau-Hegel-Marx” ele propõe outro eixo, notadamente materialista: Maquiavel-Spinoza-Marx. O exame de aproximações e divergências entre os pensamentos de Althusser e Deleuze servem de guia para as contribuições que ele propõe ‘para uma teoria do conhecimento materialista’, o título do último capítulo.

Por mais incômodo que provoquem, as idéias de Altamira não são fáceis de atacar. Inútil cobrar delas fidelidade estrita aos textos de Marx, já que o autor não se cansa de repetir que está interessado na renovação do marxismo, o que inclui permitir-se selecionar criteriosamente os elementos que perduram daqueles que ficaram datados na obra marxiana. O caminho mais promissor para uma crítica parece ser o de testar a validade lógica, histórica e política dos argumentos, ou seja, aceitar o debate nos termos propostos por ele. Poderíamos também indagar sobre a relação entre o tipo de crítica que ele nos propõe e as lutas da classe trabalhadora ‘de carne e osso’ e insinuar que haja aí, talvez, uma dialética. Ou argumentar que ainda existem bons motivos para formularmos questões sobre o problema da consciência de classe a partir de observações de fenômenos que não se deixam explicar pela mera ‘afirmação do ser’ deleuziana. Ou mesmo poderíamos nos perguntar sobre se as noções de composição de classe e antagonismo absoluto deixam espaço para uma formulação adequada do problema da dominação de classe, considerando-se que o capital não foi, afinal, derrotado.

A relevância das questões propostas por César Altamira e a qualidade da sua formulação, não importa se concordamos com as respostas que ele nos dá, constituem razão mais do que suficiente para que seu livro seja lido. Seu maior mérito, porém, talvez seja outro. Ao invés de apenas reivindicar a validade ou a atualidade do marxismo, Altamira trata de procurar desenvolver o marxismo aplicando-o a temas da contemporaneidade. Ele não apenas nos fala dos marxismos do novo século: ele nos dá um texto que é a prova concreta de que o marxismo continua vivo e capaz de enfrentar as questões do nosso tempo.

Eurelino Coelho – Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia, Brasil. E-mail: eurecoelho@gmail.com

Acessar publicação original

[MLPDB]

Polémicas intelectuales en América Latina: del “meridiano intelectual” al caso Padilla (1927-1971) – CROCE (VH)

CROCE, Marcela (Org.). Polémicas intelectuales en América Latina: del “meridiano intelectual” al caso Padilla (1927-1971). Buenos Aires: Simurg, 2006. Resenha de: COSTA, Adriane A. Vidal. Varia História, Belo Horizonte, v.23, n.38, p. 643-648, jul./dez., 2007.

A coletânea organizada por Marcela Croce inclui um conjunto de textos que contemplam quatro importantes debates político-intelectuais do século XX na América Latina, marcados por questões polêmicas e por uma intensa “belicosidade discursiva”. O primeiro desses debates, envolvendo espanhóis e hispano-americanos, ocorre no contexto vanguardista dos anos 20, com a publicação do artigo do espanhol Guillermo de Torre, Madrid, meridiano intelectual de Hispanoamérica, na revista madrilena La Gazeta Literária, em abril de 1927, no qual o autor, como o próprio título indica, propõe Madri como o meridiano intelectual da América Hispânica. O segundo debate também ocorre nos anos 20 e gira em torno das discussões entre os peruanos José Carlos Mariátegui e Víctor Raúl Haya de la Torre sobre a teoria e a prática do marxismo. O terceiro debate constitui a polêmica discussão entre o argentino Julio Cortázar e o peruano José María Arguedas sobre o indigenismo na literatura, que ocorre entre 1968 e 1971. E, por fim, o “caso Padilla” (1971), que suscitou um polêmico debate em torno do regime de Fidel Castro e sua relação com os intelectuais.

No conjunto, a obra reúne correspondências, poesias, manifestos e artigos que alimentam o debate intelectual com dúvidas profícuas e polêmicas fecundas. Além dessa documentação, o livro traz textos de vários autores que analisam, separadamente, os principais matizes dos quatro debates supracitados.

A introdução é de Marcela Croce, intitulada Polémicas, entredichos y disidencias en América Latina, na qual a autora afirma que, de um modo geral, o que dá o tom polêmico a esses debates é a vontade de criar uma verdade, ou seja, cada intelectual exprime suas razões como definitivas, mesmo quando simula certas concessões ao oponente para terminar desclassificando-o por sua ignorância, seu descuido, sua incapacidade ou sua má fé. O embate acontece quando as “verdades” são questionadas, e, na maioria das vezes, transforma-se no enfrentamento do bem e do mal, do verdadeiro e do falso, do claro e do confuso. Quando esse ocorre, no afã de defender posições, as acusações ao oponente vêm à tona: incongruente, iconoclasta, ortodoxo, contraditório. São polêmicas, mal-entendidos, questionamentos que marcam o território da “belicosidade discursiva” no campo intelectual latino-americano. É a partir desses argumentos que Marcela Croce organiza a coletânea, ou melhor, uma “antologia de discursos polêmicos na América Latina”.

A primeira parte do livro é dedicada à polêmica do “meridiano intelectual” e traz, na íntegra, o texto de Guillermo de Torre, Madrid, meridiano intelectual de Hispanoamérica. Além disso, apresenta dois pequenos artigos que discutem a questão. No primeiro, Del lado de allá, Pablo Valle analisa um dos pontos mais polêmicos do texto de Guillermo de Torre, qual seja: Madri como o grande meridiano literário para os hispano-americanos, em substituição, principalmente, a Paris. E no segundo, Del lado de acá, Gabriela G. Cedro analisa a reação e o enfrentamento, quase que imediatos, de vários intelectuais hispano-americanos, que proclamam uma relativa autonomia intelectual em relação à Espanha. Além disso, a polêmica sobre o “meridiano intelectual” propicia o debate sobre questões estéticas, artísticas e culturais. Grande parte desse debate está nas páginas da revista ultraista e portenha Martín Fierro (n°.42, junho-julho de 1927), que contém as primeiras declarações belicosas contrárias à proposta do “meridiano”. O tom das declarações dos martinfierristas varia entre a ironia, a zombaria, a seriedade, o desprezo, mas sempre mantendo a coerência dos argumentos. Segundo Cedro, as respostas dos martinfierristas são vistas na Espanha como despropositadas e injuriosas.

O livro traz o número 42 da revista Martín Fierro, que contém os textos/ respostas de Ortelli y Gasset (Jorge Luis Borges e Carlos Mastronardi), A un meridiano encontrao en una fiambrera; Pablo Rojas, Imperialismo baldío; Raúl Scalabrini Ortiz, La implantación de un meridiano anotaciones de sextante; Jorge Luis Borges, Sobre el meridiano de una gaceta; Lisardo Zía, Para Martín Fierro; Ildefonso Pereda Valdés, Madrid, meridiano etc.; Ricardo Molinari, Una carta.

Na seqüência estão organizados os textos com as respostas de vários intelectuais espanhóis às declarações do martinfierristas, que são acusados, entre outras coisas, de arcaicos, retrógrados e desdenhosos. Os textos são publicados na revista La Gaceta Literária, Madri, 1°. de setembro de 1927, n°.17, com o sugestivo título Un debate apasionado; abaixo do título a inscrição: “campeonato para un meridiano intelectual. La selección argentina Martín Fierro (Buenos Aires) reta a la española Gaceta Literaria (Madrid). Gaceta Literaria no acepta por golpes sucios de Martín Fierro que lo descalifican. Opiniones y arbitrajes”.1 Os autores que assinam os textos são: Giménez Caballero, Guillermo de Torre, Ramón Gómez de la Serna, Benjamin Jarnés, Gerardo Diego, Antonio Espinosa, entre outros.

Como a intenção do volume é mostrar as polêmicas e os enfrentamentos nesse debate, foram compiladas também as réplicas dos martinfierristas aos intelectuais espanhóis. A réplica está no número 44/45 de Martín Fierro (ago/nov de 1927), nos seguintes artigos: Buenos Aires, metrópoli, de Santiago Ganduglia; Croquis, de Vizconde de Lascano Tegui; El pez por su boca muere, de M.F. (hijo); Carta a los españoles de la ‘Gaceta Literaria’, de Pablo Rojas Paz; Extrangulemos al meridiano, de Nicolas Olivari. Todo esse debate repercutiu em outras revistas hispano-americanas como Avance, de Havana, e Variedades, de Lima, mas não foi tão intenso como na revista Martín Fierro.

A segunda parte do livro traz o polêmico debate entre José Carlos Mariátegui e Víctor Raúl Haya de la Torre em torno da teoria e da prática do marxismo. O artigo é de Susana Santos, intitulado Polémicas de la ‘pátria nueva’ (1919-1930): ¿peruanizar el marxismo o marxistizar el Peru?, que mostra os principais pontos da polêmica entre os dois peruanos. A autora faz uma boa síntese e procura compreender a polêmica dentro da história peruana, mostrando o contexto político da Pátria Nueva, as lutas camponesas e a “Geração de 20”. Em contrapartida, os documentos anexados são escassos, ou seja, apenas um texto de Mariátegui, Aniversario y balance (Amauta, n°.17, 1928); uma breve síntese do programa da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA); e uma carta de Haya de la Torre para Mariátegui, escrita no México em 1928, que não são suficientes para expressar a intensidade da polêmica.

A terceira parte do livro é dedicada à polêmica Arguedas-Cortázar, que girou em torno do indigenismo na literatura.2 O artigo Entre la tierra originaria y la ciudad de las luces: un problema de ubicación: arriba o debajo de la torre del marfil, de Mariana Bendahan, esclarece a origem da polêmica e os canais nos quais ocorrem o enfrentamento e a “belicosidade discursiva”. Enfim, a autora faz um breve resumo do panorama textual e contextual em que se inscreve a polêmica, com o intuito de mostrar que o debate em torno do indigenismo canaliza outros temas centrais: a relação entre cultura e política, a natureza da função do intelectual na América Latina após a Revolução Cubana, a tensão entre localismo e cosmopolitismo, as posições polares de ambos a respeito do “boom” da literatura latino-americana(Córtazar no centro e Arguedas na periferia).3

A origem da polêmica é uma carta que Cortázar escreve, de Paris, a Roberto Fernández Retamar, em maio de 1967, publicada na revista cubana Casa de las Américas, na qual argumenta que a distância territorial promove benefícios em prol de uma melhor contemplação e entendimento da realidade intelectual latino-americana, e que, por isso, sua literatura possui uma raiz nacional e regional potenciada por uma experiência mais aberta e mais complexa. Arguedas, que não concorda com os argumentos de Cortázar, publica um artigo na revista peruana Amaru (abril-junho de 1968), expondo sua convicção em torno da tarefa do escritor: escrever novelas não é uma profissão, o escritor escreve novelas por amor, necessidade, prazer e não por ofício, ao mesmo tempo em que coloca em evidência a lógica mercantilista do boom na literatura latino-americana.

O livro recolhe, além das cartas, outros textos importantes da polêmica, como a entrevista de Cortázar, concedida à jornalista Rita Guibert para a revista norte-americana Life, em sua versão para o espanhol, em 1969, intitulada Julio Cortázar: fragmentos de las declaraciones recogidas en la nota Creador Solitário; o artigo que Arguedas publica na revista Amaru, nesse mesmo ano, com o título de Inevitables comentários a unas idéias de Julio Cortázar; e os fragmentos do Tercer diário, do livro de Arguedas, El zorro de arriba el zorro de abajo, publicado postumamente em 1971. Em todos os textos selecionados pela autora, fica claro o ponto central que gera e alimenta a “belicosidade discursiva”: o nacional e o cosmopolita como determinantes da prática literária do escritor latino-americano na década de 60.

A quarta parte do livro recupera o debate suscitado pelo “caso Padilla”,4 em 1971, que, segundo Marcela Croce, revela, ao mesmo tempo, um corporativismo intelectual e uma ruptura definitiva de parte da intelligentzia latino-americana com o governo cubano e suas instituições culturais.

A organização dessa parte do livro é a mesma das anteriores, ou seja, artigos breves, que situam o leitor no debate e, em seguida, os textos dos intelectuais envolvidos na polêmica. O artigo de Martín Chadad, Testimonio de partes, o quién es quién, mostra como Padilla deixa de ser um sujeito para tornar-se um caso, um caso que impunha, para muitos, uma nova forma de avaliar e compreender a Revolução Cubana. No outro artigo, El difícil ofício de calcular, o donde me pongo, Verônica Lombardo mostra a dimensão que adquire o “caso Padilla”, em 1971, desde a prisão do poeta até a sua autocrítica. Segundo a autora, o campo intelectual polariza-se e pauperiza-se, anulando qualquer possibilidade de dialética para circunscrever-se na oposição entre o melhor modelo intelectual a ser seguido: ou se é um intelectual crítico ou um intelectual revolucionário.

O “caso Padilla”, segundo Lombardo, permite polemizar não só os caminhos da Revolução Cubana e as formas estéticas da arte, mas também coloca em jogo um debate muito profundo sobre os valores, os alcances e os limites do intelectual, no que diz respeito à sua responsabilidade estrutural na esfera de transformações políticas e sociais. Dessa polêmica participam importantes intelectuais latino-americanos: a lúcida crítica de Ángel Rama, publicada em Cuadernos de Marcha; a posição inicialmente oscilante de Julio Cortázar até sua firme adesão à revolução; a postura esquiva e conciliatória de García Márquez, que permanece fiel a Fidel Castro; a posição controvertida de Mario Vargas Llosa, que culmina com sua renúncia do Comitê da Casa de las Américas e sua ruptura drástica com Cuba.

A resposta dos intelectuais latino-americanos radicados na Europa, e de muitos intelectuais europeus, ao “caso Padilla”, é imediata. A primeira (re) ação é uma carta aberta, Declaración de los 54, endereçada ao “Comandante Fidel Castro”, na qual expressam a preocupação com a detenção de Heberto Padilla. Assinam a missiva Carlos Barral, Simone de Beauvoir, Ítalo Calvino, Fernando Claudín, Julio Cortázar, Marguerite Duras, Hans-Magnus Enzensberger, Carlos Franqui, Carlos Fuentes, Maurice Nadeau, Octavio Paz, Jean-Paul Sartre, Susan Sontag, Mario Vargas Llosa, entre outros. Uma outra carta, Declaración de los 62, é endereçada a Fidel Castro em 1971, após a autocrítica de Padilla, que, segundo os intelectuais, havia sido forçada. Essa carta não conta com a adesão de Julio Cortázar, que declara posição favorável a Cuba.

Além de compilar as duas cartas citadas acima, o livro reúne também outros documentos sobre o debate em torno do “caso Padilla”: os fragmentos do poema de Padilla, Final del Juego (1968), e o texto com a sua autocrítica (1971); os fragmentos do discurso de Fidel Castro no Primeiro Congresso Nacional de Educação e Cultura (1971); a carta de Mario Vargas Llosa a Haydée Santamaría (1971) e a resposta de Haydée Santamaría; as declarações de García Márquez à imprensa colombiana (1971); a carta de Julio Cortázar a Haydée Santamaría; a opinião de Rodolfo Walsh em Cuadernos de Marcha (n°.49, Montevidéu, 1971); a carta aberta de David Viñas a Roberto Fernández Retamar; e o artigo de Ángel Rama, Una nueva política cultural en Cuba, publicado em Cuadernos de Marcha, n°49.

Enfim, pode-se concluir que o panorama traçado pelos autores da coletânea esboça a história dos intelectuais em quatro momentos diferentes da história latino-americana, amarrados por uma questão recorrente no discurso intelectual: a polêmica. Polemizar significa, entre outras coisas, tentar compreender e traduzir uma época e, ao mesmo tempo, os caminhos do futuro.

Notas

1 CROCE, Marcela (comp.) Polémicas intelectuales en América Latina: del “meridiano intelectual” al caso Padilla (1927-1971). Buenos Aires: Simurg, 2006, p.86.

2 Em termos gerais, o indigenismo, como prática discursiva, tem como referencial a representação do mundo indígena, ou seja, da realidade social, política, econômica e cultural dos povos indígenas da América Latina. Tem seu início em fins do século XIX, com ampla vigência até meados da década de 1960. Para uma concepção crítica do indigenismo na literatura ver CORNEJO POLAR, Antonio. O condor voa: literatura e cultura latino-americanas. Belo Horizonte: UFMG, 2000.

3 Na década de 1960, assistimos ao surgimento do “boom” da literatura latino-americana, em especial dos romances. Nesse período, são produzidos vários livros de grande valor literário, que ganham projeção internacional. O “boom” traduz-se em uma produção bastante original nas letras latino-americanas, tem seu limite temporal circunscrito em torno de figuras como Julio Cortázar, Gabriel García Márquez, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e José Donoso. Em apenas seis anos aparecem obras como Rayuela, Cien años de soledad, Sobre héroes y tumbas, La ciudad y los perros, entre outras. O que motiva o “boom”, a nível comercial, além da qualidade literária das obras, é o impulso das editoras (sobretudo européias) e a irrupção da Revolução Cubana, que motiva inúmeros leitores, pelo mundo afora, a conhecerem a literatura, a cultura e a história latino-americana. Ver DONOSO, José. História personal del “boom”. Barcelona: Anagrama, 1972.

4 Heberto Padilla foi perseguido por causa de suas opiniões sobre a Revolução Cubana. Em 1971, Padilla foi preso e fez, ou, como muitos afirmaram, foi coagido a fazer, uma autocrítica, negando tudo que havia dito anteriormente. Isso desencadeou uma onda de protestos da parte de antigos aliados de Cuba, de Jean-Paul Sartre a Mario Vargas Llosa.

Adriane A. Vidal Costa – Mestre e doutoranda em História pela Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte – MG. E-mail: adrianevidal@oi.com.br

Acessar publicação original

[DR]

As esquinas perigosas da História: Situações revolucionárias em perspectiva marxista | Valério Arcary

Em nossos dias, o tema da revolução socialista é capaz de provocar constrangimento em boa parcela da intelectualidade e das organizações políticas da esquerda brasileira. Vivemos em um período no qual a maioria das organizações de esquerda reduziu as expectativas de transformações políticas e sociais e decidiu seguir o conselho que sugere “contrair o horizonte utópico”.

Para Valério Arcary, no entanto, o tema da revolução social continua atual. Ele julga que a democracia, mesmo assentada no sufrágio universal, é incapaz de esgotar as possibilidades e as necessidades, sentidas pelo proletariado, de promover transformações sociais e políticas. Leia Mais