A estranha derrota – BLOCH (P-HMP)

BLOCH, Marc. A estranha derrota. Tradução de E. Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2011. 170 p. Resenha de: MARTINEZ, Paulo Henrique. Perseu – História, Memória, Política, n.9, p.332-333, maio 2013.

A história do tempo presente vai crescendo dia após dia no interesse do público leitor, de editores de livros, da mídia e, claro, da produção de pesquisas nas universidades. A sua avaliação crítica nasce com ela e também vai se impondo como necessidade inescapável. A edição brasileira de A estranha derrota deriva dessa demanda de conhecimento do passado.

O autor do livro, o historiador francês Marc Bloch (1886-1944), foi combatente nas duas guerras mundiais e com os olhos atônitos pela derrota francesa diante da máquina de guerra nazista, em maio de 1940, procurou mobilizar a experiência pessoal nos campos de batalha e as habilidades de professor e investigador da história social e econômica europeia na explicação desse acontecimento traumático para muitas gerações: a derrota fulminante que as tropas alemãs impuseram ao exército francês.

O livro revela mais do que a história do tempo presente, hoje buscada e propagada pela historiografia. Escrito em 1940, vemos o historiador do imediato, imerso no acontecimento que pretende estudar com criteriosos métodos investigativos e a segurança de suas habilidades profissionais. Marc Bloch fez do episódio uma porta de entrada para conhecer todas as fissuras sociais da sociedade, das instituições culturais francesas e da organização do Estado. Todas elas compõem o mosaico de causas profundas cristalizadas nessa derrota militar.

Não se trata apenas de um livro de história da Segunda Guerra Mundial, em um dos seus fatos mais decisivos.

Não se trata também de uma narrativa da derrota, naquelas circunstâncias, fragmentada em suas possibilidades, mas, sim, do relato de uma experiência pessoal amarga, descrita no trecho denominado “O depoimento de um vencido”.

As ambições do autor são grandes e também modestas quando afirma, na “Apresentação do testemunho”: “ninguém poderia pretender tudo ter observado ou conhecido. Que cada um diga francamente o que tem a dizer. A verdade nascerá dessas sinceridades convergentes”.

O que esse livro nos oferece é uma análise da fragilidade e do esboroamento de uma sociedade imersa em ilusórias autoconfiança e percepção de si e do seu tempo. Eis aqui a matéria-prima do historiador, as dificuldades na compreensão do momento em que se vive e os riscos que tal incompreensão carrega em um ventre escuro. A observação atenta e a composição surgida na análise de diferentes registros, reunidos no calor dos acontecimentos, sustentam o estudo do fato militar e de seu significado cultural e político. A trajetória pessoal do autor jogou papel decisivo. O historiador meticuloso era pesquisador de variada documentação da história da vida rural europeia e da França, sobretudo nas Idades Média e Moderna. O historiador meticuloso, repito, foi apanhado no turbilhão das ocorrências que, simultaneamente, se sucedem na frente de batalha, na retaguarda – na qual ele atua com desesperada dedicação – do alto comando militar e das conveniências da política internacional que pairam sobre o continente europeu e que se projetam para além dele. O profissional habituado ao exame de diversificados registros de informação e da organização do território – elementos estratégicos na guerra – viu-se, estupefato, na contingência de cuidar do próprio destino, ao lado de seus companheiros de farda e da população civil: evadir-se, impedir a captura, aceitar a inutilidade e a ausência de qualquer resistência, buscar recomporse, rapidamente, atuar onde fosse esperado e necessário. Uma experiência melancólica para o indivíduo e para o seu país.

O relato e a análise dos dias de combate, da debandada das tropas e da capitulação ocupam a maior parte das páginas. Tudo derivado da causa direta e profunda, a incapacidade do comando militar francês, um grupo humano como qualquer outro, passível de educação, de crítica e de responsabilidades.

O autor logo nos adverte: “em nenhum grupo humano os indivíduos são tudo”. As peculiaridades individuais acentuam-se no momento em que o grupo está integrado a “uma comunidade fortemente constituída”, o exército e a nação francesa. O foco do problema desloca-se prontamente para a dimensão social e cultural da vida francesa na primeira metade do século XX. É a derrota intelectual o fato grave e não a derrota militar. Esta, diz Bloch, ocorreu diante da incapacidade dos chefes e comandantes que “não souberam pensar a guerra”. Eis a razão de o livro não conter uma “história crítica da guerra” ou Nº 9, Ano 7, 2013 334 da campanha no norte da França. É “toda uma formação intelectual que deve ser recriminada”, aquela das escolas superiores e das instituições, guardiãs de tradições retransmitidas e da autoconfiança dos franceses.

A crítica incide sobre a incompreensão que a França tinha da época em que vivia e não sobre indivíduos e instituições que lhe davam sustentação. As mudanças tecnológicas acumuladas nos últimos 50 anos, antes que estalasse o conflito na Europa, haviam mudado radicalmente o ritmo e a noção de tempo e das distâncias. Os alemães guerrearam sob o signo da velocidade e da potência de seus armamentos notáveis, como tanques, aviões, motocicletas e caminhões.

O efeito psicológico dos bombardeios aéreos, disseminando o pânico e a insegurança entre comandantes e comandados. Técnicas e psicologia, dois campos de estudo que a sensibilidade analítica e a obra do historiador Marc Bloch incorporaram com argúcia na fundamentação crítica da história rural e da história das mentalidades. Um profundo conhecedor da tecnologia rural e da vida camponesa não poderia deixar de atentar para o contraste com as conquistas técnicas da sociedade industrial. Um profundo conhecedor dos efeitos psicológicos na vida social não poderia deixar de atentar para o significado dos novos ritmos inscritos no tempo histórico, como exemplifica a observação de que as tropas alemãs “não marchavam a pé”.

Na incompreensão brotariam o despreparo, a lentidão e a inação. Estas contagiaram os comandos e as tropas da França, incapazes de efetivo planejamento e de reação. Foi uma “guerra acelerada”, de movimentos rápidos, transpondo com agilidade e facilidade as posições fixas no solo francês, como a linha Maginot, cujo componente psicológico foi a sensação de desordem e de medo que a todos dominou. Enfim, a consequência de “uma cândida ignorância da verdadeira análise social” e das dificuldades de lidar com a surpresa. O conhecimento histórico exibe aqui todo o seu potencial, o da ciência da mudança, das mudanças estruturais, sociais, psíquicas, econômicas, tecnológicas que introduzem novos fatores na vida das sociedades. E não foram as duas guerras mundiais distintas entre si, na duração e no ritmo dos conflitos? A ocupação da Polônia em poucas semanas não demonstrara isso? Os bombardeios aéreos na Espanha não foram um prenúncio do que poderia ocorrer? E qual é a razão dessa incompreensão, que subsistiu nos oito meses seguintes? Diz Bloch: o falso culto da experiência do passado, a reparação de erros e a reedição de métodos de 1914-1918 não poderiam desaguar em “boa interpretação do presente”. A derrota intelectual desencadearia as sucessivas derrotas seguintes: política, psicológica, militar, o armistício, Vichy e, por fim, a ocupação alemã.

Menos extenso é o “Exame de Consciência de um francês”, a terceira e última parte do testemunho. Nela encontramos o prolongamento do teste335 munho do soldado no exame de consciência do cidadão, esses dois pilares do Estado nacional e da organização das nações. Aos sentimentos nacionais, Bloch agrega o exercício consciente do ofício do historiador e faz despontar uma “nova ordem de problemas: aqueles do próprio pensamento” e da preparação mental da sociedade. Marc Bloch rende tributo à sua geração, a da III República francesa, e a coesão social e moral são evocadas como fator de compreensão do presente pela instrução para a ação coletiva e da nação. Foi alguma “preguiça de saber” a responsável por uma funesta complacência da França para consigo mesma, leal aos modos de vida do passado. Segundo Bloch, tratava-se, agora, de restabelecer a coerência entre pensamento e ação política, ajustando-se à nova era, a da máquina e do progresso técnico. Ele vaticina: “E para fazer o novo é preciso, antes de mais nada, instruir-se”. O foco da crítica volta-se para a educação que lançou os homens da França na estranha derrota: de um lado, o culto excessivo do patriotismo, do civismo e do militarismo e, de outro, a ausência da análise social nos programas escolares, impregnados pela política. Reformar a preparação intelectual do país, a tarefa para o pós-guerra, um desafio para as jovens gerações de franceses.

Diante do espírito do soldado alemão, nutrido nas grandes celebrações coletivas da nação, na Alemanha de Hitler, Bloch sugere a “boa preparação mental para lutar” e para compreender os antagonismos. O conhecimento histórico adquire relevância social e política, como tomada de consciência das coletividades humanas. Não pode haver bons cidadãos sem boa história. E esta não pode existir sem o compromisso e a dedicação profissional dos seus artífices: os historiadores e os professores de História.

É lamentável que a edição brasileira de A estranha derrota não tenha acompanhado as edições francesa e espanhola. Estas trazem, além do texto publicado pela primeira vez em 1946, uma reunião de “Escritos clandestinos”, fruto do período da França ocupada e o movimento de resistência, no qual Bloch militou até sua prisão, seguida do fuzilamento, pelos invasores, em 1944. Ali figura um escrito sobre a reforma do ensino, estimulante diálogo com A estranha derrota. Dos anexos, os editores reproduziram os elogios militares recebidos por Marc Bloch, entre 1915 e 1940, as epígrafes que o autor selecionara para o livro inacabado, e que não esperava póstumo, e o poema que encarnou sua angústia na guerra: “O general que perdeu seu exército”. O livro publicado por Jorge Zahar Editor traz ainda o “Testamento” espiritual que Bloch escreveu em março de 1941.

A estranha derrota amargou o ostracismo, mesmo entre historiadores.

Foi na década de 1970 que o colaboracionismo francês durante a Segunda Guerra deixou de ser tabu político e intelectual. O intervalo entre a terceira (1961) e a quarta edição (1990), de onde provém a edição brasileira, é revelaN º 9, Ano 7, 2013 336 dor do alcance dessa interdição crítica. Curiosamente, o fato remete à citação de Pascal, presente no livro: “O silêncio é a maior perseguição”. As gerações do pós-guerra tardariam em acolher o retorno de Marc Bloch.

Paulo Henrique Martinez – Professor no Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras de Assis − Universidade Estadual Paulista. Contato do autor: martinezph@uol.com.br.

Acessar publicação original

Vida e morte no sertão: história das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX – VILLA (RBH)

VILLA, Marco Antonio. Vida e morte no sertão: história das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São Paulo: Ática, 2000. 269p. Resenha de: MARTINEZ, Paulo Henrique. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.22, n.43, 2002.

Onde reside o interesse de um livro sobre a história das secas no nordeste do Brasil, nos dois últimos séculos? As secas constituem uma realidade presente, atuante nos dias de hoje, como no passado. E isto já bastaria para uma boa recepção ao livro de Marco Antonio Villa, não trouxesse o volume outras tantas qualidades, e também problemas. O que faz de Vida e morte no sertão uma obra não apenas necessária, mas original e instigante, pelo que oferece, pela ajuda que fornece na compreensão do tema e pelo que faz pensar. O impacto provocado pela leitura é comparável àquele de Estação Carandiru, do médico Drauzio Varela, uma vez que ambos expõem as chagas e a indiferença da sociedade e do Estado, no Brasil, diante das mazelas sociais. Este sabor de livro-denúncia, temperado com demonstrações da negligência, incúria, violência, corrupção, manipulação e clientelismo reinantes, decorre da observação, em perspectiva temporal extensa, quase duzentos anos, da ação “reparadora” do Estado brasileiro nos momentos de seca. Villa não aborda a estrutura econômica e social nordestina, sob a qual se abate a calamidade, a mesma que produz e reforça seus efeitos, mas rastreia a ação de órgãos dos governos estaduais e federal, registrando o comportamento e a conduta das elites sociais e dos dirigentes políticos naquela região. A leitura de Vida e morte no sertão pode ser enriquecida, ainda, com outras publicações recentes, tais como Seca e poder: entrevista com Celso Furtado, da Fundação Perseu Abramo (1998), O “Dossiê Nordeste seco”, organizado pelo geógrafo Aziz Ab’Saber para a revista Estudos Avançados (IEA/USP, nº 36, 1999), e A invenção do Nordeste e outras artes, de Durval Muniz de Albuquerque (Cortez/Massangana, 1999).

A criatividade inventiva do autor foi capaz de suplantar a aridez intelectual que caracterizou as iniciativas governamentais na passagem dos quinhentos anos da viagem de Cabral. A realização da pesquisa contou com o apoio do Instituto Teotônio Vilela, ligado ao PSDB, que veio somar sua participação à de outras entidades similares, como a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, e o Instituto Tancredo Neves, ao PFL. Distantes de desempenhar um papel de think tank nesses partidos, a preocupação que cada um deles, e à sua maneira, demonstra em pensar e conhecer o país não deixa de ser louvável.

O livro estuda as principais secas ocorridas no nordeste brasileiro, entre os séculos XIX e XX, até o governo do general Figueiredo (1979-1985). Uma questão incomoda o autor, e ele a perseguiu com denodo ao longo dos capítulos: o saldo de mortos com as sucessivas secas, de um lado, e o imobilismo das autoridades públicas e da sociedade, de outro. Em operações de mórbida matemática, Villa estimou em torno de três milhões de pessoas as vítimas fatais nesses dois séculos. Um novo holocausto, equivalente a duas guerras do Vietnã. Eis porque o livro é portador de “uma triste história em que a morte rondou diuturnamente a vida dos sertanejos” (p. 13). A seca de 1877-1879, uma das mais terríveis, teria dizimado cerca de 4% da população nordestina, erigindo o Nordeste, desde então, em “região-problema”. Já a morte, convertendo-se em personagem principal, comparece na abertura de todos os capítulos e no encerramento do livro. Ao fechá-lo tem-se a sensação de haver assistido a um espetáculo macabro, impressionante. Palco privilegiado para atuação da morte e dos desmandos parece ter sido o Ceará. Não se sabe se pelas condições particulares daquele Estado ou se pelas condições de acesso e disponibilidade de fontes e documentação, há no livro um certo protagonismo cearense em várias das situações estudadas.

No conjunto ressalta um minucioso trabalho de pesquisa, exemplar em qualidade de análise, dos dados coligidos, na reconstituição de contextos e conjunturas. Os efeitos das secas sobre a economia regional e os grandes prejuízos que ocasionam; o fenômeno das migrações, orientadas, ao longo do tempo, para quase todo o Brasil, com destaque para o Maranhão, Pará, Amazonas, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e capitais do Nordeste; o surgimento de expressões, personagens e situações próprias ao universo das secas, como “indústria da seca”, a Sudene, os saques, retirantes, epidemias, frentes de trabalho, entre outros. Cenários que abrem o leque de problemas correlatos para novas pesquisas, tais como o papel da imprensa, os efeitos das intervenções governamentais, os movimentos sociais, o universo cultural e o imaginário das secas, as ações da Igreja e dos partidos, o Nordeste como “região-problema”, o impacto sobre as comunidades agrárias e a história regional. Se a introdução de dromedários na região, na década de 1850, fez a esperança de superação dos problemas das secas recair antes nas costas desses animais do que na ação dos homens, nas décadas de 1950 e 1960, as repetidas tentativas de definir uma política de desenvolvimento para o Nordeste tornaram-se pregações no deserto. A “inação” dos homens e a inclemência da natureza regaram o canteiro dos discursos de identidade regional, tragando inclusive o Estado da Bahia, até então, unidade avulsa na federação brasileira. Lástima o livro não incorporar o tratamento dispensado às secas sob os governos civis, afinal, Sarney e Collor foram “presidentes do Nordeste”, e na década de 1990, quando o PSDB dirigiu o País. O Instituto Teotônio Vilela poderia, assim, refletir e extrair lições sobre o comportamento de seu próprio partido no governo e das ações que este desenvolveu para enfrentar as calamidades provocadas pelas secas, como a de 1998, por exemplo. Teria havido, nestes últimos anos, mudanças nos procedimentos administrativos de prevenção e reparação dos males? Vida e morte no sertão também desperta a cobiça por estudos comparativos. Em 1998, diante dos incêndios florestais em Roraima (não haveria outras situações semelhantes na região amazônica?), a postura do governo federal diferiu ou se assemelhou àquelas estudadas neste livro? Eis uma questão que pede esclarecimentos. E alguma pesquisa, não uma história-catástrofe.

Onde reside, para os historiadores, o interesse de um livro sobre a história das secas no nordeste do Brasil, nos dois últimos séculos? O interesse pelo Nordeste é remoto e diversificado, conforme constatou a professora Suely Robles Reis de Queiroz, autora de uma Historiografia do Nordeste (São Paulo. Secretaria da Cultura/Arquivo do Estado, 1979, Col. Monografias, 2), dado, por exemplo, o papel que aquela porção de terra ocupou na América portuguesa. Há, também, no livro de Marco Antonio Villa, esse curioso ponto de partida, a geografia, o espaço, as condições climáticas e as particularidades que resultam das intervenções humanas, produtoras das peculiaridades dessa “região”, examinadas em suas dimensões propriamente temporais. Um encontro entre as preocupações da História e da Geografia que caminham, juntas e atentas, às relações entre Estado e sociedade no Brasil. Diante dos problemas que, acredita Villa, deveriam ser enfrentados, o da terra, com a realização de reforma agrária e o estabelecimento de lavouras secas, e o da água, com o armazenamento e o uso social dos recursos hídricos, estariam plantados os “condottieri do atraso”, a elite social e política nordestina. Eis, então, uma questão para os historiadores: “Os fatores de conservação transformaram o semi-árido em uma região aparentemente sem história, dada a permanência e imutabilidade dos problemasComo se com o decorrer das décadas nada tivesse se alterado e o presente fosse um eterno passado. A cada seca, e mesmo no intervalo entre uma e outra, milhares de nordestinos foram abandonando a região. Sem esperança de mudar a história das suas cidades, buscaram em outras paragens a solução para a sobrevivência das suas famílias. Foi nos sertões que permaneceu inalterado o poder pessoal dos coronéis, petrificado durante o populismo e pela migração de milhões de nordestinos para o sul” (p. 252, grifos meus). Como explicar esta persistência? De onde ela emerge e como se alimenta? Ousaria dizer que nas respostas àquela situação encontram-se elos dessa corrente do passado. Uma rigorosa evasão das populações, de um lado, fazendo de cidades e roças fontes ininterruptas de mão-de-obra barata, e a reiteração cultural das elites sociais e políticas, por outro, transformando-as em ponto de sustentação política dos governos estaduais e federal, têm sido respostas que aprisionam os homens à realidade que querem evitar. É o que se depreende de uma leitura desse livro, amparada em Fernand Braudel. Foi por dever de ofício, que o ministro do interior do governo Figueiredo, Mário Andreazza, aspirante à presidência da República, fez perto de sessenta visitas ao Nordeste, entre 1979-1981? Curiosa, também, a omissão da esquerda brasileira perante as secas. O PCB, diz o autor, “omitiu-se politicamente durante os flagelos” e “nunca se dispôs a apresentar um programa para a região” (p. 253).

Uma última palavra, sobre a religiosidade nordestina. Vista, até pouco anos atrás, por segmentos políticos e intelectuais, como uma dentre outras rotas de fuga da seca, ao lado da migração para as cidades e outras regiões do Brasil e, no passado, o cangaço e a jagunçama, a devoção religiosa foi associada a comportamentos sociais passivos no Nordeste, onde Canudos e Caldeirão formariam exceções à regra. Contudo, ao renovar esperanças em dias melhores, chuvas, chegada de alimentos, terra, sobrevivência dos roçados, essa mesma religiosidade converte-se em fator de “promoção social” e de expectativa de uma sedentarização, em condições outras. Permitiria, então, entrever possibilidades distintas daquelas “respostas”, anteriormente referidas?

Paulo Henrique Martinez – UNESP – Assis.

Acessar publicação original

[IF]