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História e Energia: Memória, informação e sociedade / Gildo Magalhães
Debatendo os caminhos do setor energético, esta obra propõe reflexões sobre os limites das fontes energéticas, suas transformações em escala mundial e seu campo de estudo no contemporâneo. Problemáticas entre a História, Arquivologia e Cultura Material são alguns dos eixos que compõe este trabalho.
Organizado pelo historiador Gildo Magalhães, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e coordenador do Projeto Eletromemória, a obra resulta de um emaranhado de debates derivados do 3º Seminário Internacional de História e Energia: memória, informação e sociedade, ocorrido em setembro de 2010, na cidade de São Paulo.
Dividido em quatro partes, o conjunto de artigos resulta de conferências, mesas-redondas e debates realizados neste mesmo seminário, mas que remontam às experiências historicamente acumuladas de outros projetos e encontros, que conseguiram nesta obra, por meio de cada temática apresentada, promover considerações sobre políticas de preservação e gestão de patrimônios, a reestruturação do setor ante as privatizações ocorridas assim como desbravar as memórias do setor energético. Ao analisar a atual situação da produção e organização do setor no país, Magalhães destaca que tal acesso às memórias do processo de eletrificação nacional tem grande impulso na década de 1980, por meio de iniciativas públicas visando à preservação de seu patrimônio histórico. Porém, com o processo de privatização instaurado a partir da década de 1990, houve não somente uma fragmentação das atividades, como em transmissão e distribuição, mas também de sua documentação e possibilidades de realização de pesquisas históricas, influenciando diretamente em suas memórias.
A partir de um brilhante prefácio apresentado por Nicolau Sevcenko evidencia-se como o modelo de fonte energética adotado, principalmente no pós Segunda Guerra, influenciou diretamente nas mudanças e crises visualizadas ao longo do século XX. Assim, se a história procura analisar como ciências e técnicas são o resultado da ação dos sujeitos em seu meio, entre necessidades e circunstâncias, devemos ter em mente como estas são percebidas e apropriadas de acordo com os interesses de cada momento histórico. Se mudanças na produção de fontes de energia, transporte e comunicação são fundamentais para compreender as sociedades, visualizar como estas são percebidas e apreendidas em cada momento também o são.
Assim, reúnem-se na primeira parte do trabalho, denominada História e Políticas Energéticas, autores que procuram apresentar direcionamentos, do passado ao presente, dos caminhos do setor energético. Inicialmente, Jonathan Tennenbaum nos oferece uma nova perspectiva de observação para as próximas “revoluções energéticas”, em que, a partir do olhar de estudos da economia física, visualiza-se como a ampliação na distribuição e produção passa diretamente por um processo de desenvolvimento científico, ligado, segundo o autor, à produção de energia nuclear. Neste sentido, o segundo texto, de autoria do organizador da obra, Gildo Magalhães, nos proporciona vislumbrar tal dinâmica analisando o caso paulista, em que demonstra como ao longo do século passado o ritmo da oferta energética esteve atrelado ao desenvolvimento industrial. Dialogando com autores como Rousseau e analisando criticamente as posições malthusianas, evidencia como a falta de oferta de energia esconde-se em meio a dados de crescimento econômico e social, demonstrando como o campo energético paulista passou de um “progresso e desenvolvimentismo alucinante” entre 1950 e 1960, para um “desenvolvimento nulo”, entre 1970 e 1980 a uma espécie de “crescimento sustentável”, em meio ao processo de privatizações da década de 1990.
Na continuidade, os trabalhos de Isabel Bartolomé e Diego Bússola remontam às relações internacionais presentes no setor energético. O primeiro destaca paralelamente paridades e distinções no processo de eletrificação brasileira com Portugal e Espanha. Próximos pela presença histórica do modelo hídrico de geração, estes espaços compartilharam a resultante do crescimento urbano e industrial atrelado à produção energética, sob o manto dos mesmos grupos internacionais. Ao mesmo tempo, seus caminhos entrecruzam-se com regimes ditatoriais e intervenções privadas que direcionam as formas de organização em cada um destes espaços. No segundo caso, Diego Bússola elucida os caminhos de uma multinacional atuante em Buenos Aires no início do século XX. Analisa como a empresa Sofina adotou uma diversidade de princípios de atuação neste local, implementando ações como a ideia de crescimento “em superfície”, visando estimular o aumento de consumidores e outras em que, por um lado, realizavam a diminuição das tarifas e ao mesmo tempo forneciam vantagens na compra de eletrodomésticos, o que ampliava o consumo.
Sem perder o leque diversificado de investigações e interpretações, a obra adentra os marcos da organização energética nacional. Sonia Seger reconstrói o processo de estabelecimento do sistema energético nacional elencando como, ainda no século XIX, regiões como o Brasil foram assimiladas como “zonas de expansão” para empresas elétricas, o que marcou o seu desenvolvimento inicial. Empresas como a Light e Amforp ocuparam tal organização do setor, atuando na virada do século XX em capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro e regiões como o Interior de São Paulo. Assim, da criação da Eletrobrás à CESP, das ações do regime civil militar ao período das privatizações, colabora para evidenciar o “desmonte” gradual do setor energético nacional. Seguindo os mesmo caminhos, mas analisando o setor nuclear, Fernanda Corrêa e Leonam Guimarães apresentam em seu texto os dilemas da produção energética nuclear, no qual entre os primeiros estudos e as campanhas contra sua utilização, apresenta-se as potencialidades e riscos de seu uso, estando em foco novos horizontes da produção energética.
Fechando a primeira parte, dois pequenos textos nos conduzem pelas relações entre as empresas energéticas e as experiências participativas. A partir de suas memórias como participante do I Seminário de História e Energia, realizado em 1986, Ricardo Maranhão demonstra como estes eventos foram, e ainda são centrais para ampliar o debate sobre os caminhos da produção energética, bem como redimensionaram a percepção dos aspectos relacionados a este meio, de impactos ambientais a reorganizações sociais. Por isso, complementando este debate, Ildo Sauer ressalta a necessidade de democratizarmos a distribuição e participação nas decisões do setor energético, para além da hegemonia de grupos ou mesmo países.
Compondo um conjunto de trabalhos referentes à memória empresarial do setor energético, a segunda parte do livro apresenta cinco artigos que desvelam o crescimento de trabalhos ligados a historia empresarial, algo não corrente no Brasil até as últimas décadas. Parte desta ausência gestava-se principalmente pelas relações das empresas com seus arquivos, que fica evidente no primeiro texto de Bruce Bruemmer, em que, ao relatar suas experiências como pesquisador e posteriormente como arquivista nos EUA, pontua que elementos como interesses das empresas, limitações na legislação e aperfeiçoamento dos pesquisadores influenciam diretamente na existência destes arquivos.
No caso do Brasil, empresas como a CESP, criada pela fusão de onze companhias em 1966, tornam-se um excelente exemplo de atuação nestes arquivos. Em meio a um emocionante depoimento, Sidnei Martini apresenta suas experiências de atuação junto a uma empresa deste setor, no qual desvela as dificuldades que enfrentou ao buscar criar condições para que houvesse a conscientização da necessidade de criar um arquivo e o centro de memória. Complementado pela transcrição de uma rodada de perguntas, o texto contribui para que visualizemos os desafios ainda a serem enfrentados para o fortalecimento de projetos de preservação documental.
Nesta perspectiva, os trabalhos de Antonio Carlos Bôa Nova e Paulo Nasser vêm a exemplificar os meandros que permeiam tais dificuldades. No primeiro caso, em Paralelos entre culturais organizacionais: CESP e Eletropaulo, o autor demonstra como a própria cultura organizacional das empresas influi diretamente nos meandros da organização de sua memória. Muito próximo ao que retratou em sua obra Percepções da cultura da CESP, Nova deixa claro que mesmo com transformações como processos de privatizações ou fusões empresariais, a cultura organizacional se sobrepõe e influencia diretamente nos meandros de sua imagem, de suas memórias. Por isso, como ressalta Paulo Nasser no texto seguinte, devemos propor ampliar os caminhos de percepção de tais memórias, averiguando como operam sua própria linguagem e operação da empresa, sua comunicação com o público, parte de sua cultura organizacional.
Fechando este debate, Lígia Cabral vem apresentar a importância e atuação do Centro de Memória da Eletricidade, elencando como desde sua fundação, em 1986, projetos, publicações e debates foram gestados em meio a sua existência. Sediado no Rio de Janeiro e fundado pela Eletrobrás, este espaço penetra os caminhos da memória energética nacional, influindo diretamente no que será rememorado e em quais elementos engendram tais memórias. Entre publicações infanto-juvenis e projetos de história oral, este constitui um marco no processo organizacional do setor energético.
Ainda com fôlego e muito a contribuir, a obra adentra a terceira parte denominada Acervo, processos, fluxos documentais e a memória do setor elétrico, e como já denota o tópico, contempla artigos dedicados a arquivologia e questões relacionadas aos demais tratamentos junto à documentação. Por meio das especificidades de cada “operação documentária”, transparecem os desafios de uma área com muito trabalho a ser realizado, e que contribui diretamente em aspectos históricos e culturais das próprias empresas ou instituições. Ao longo de cada trabalho, se evidencia os percalços na conservação, desrespeito à legislação junto às empresas públicas e privadas e o crescente processo de digitalização de documentos, ainda um campo aberto a considerações e reflexões.
Maria Morais apresenta inicialmente suas práticas e experiências junto à organização da documentação de empresas do setor energético (Light e Eletropaulo), e examina, mapeia e diagnostica como o processo de privatização na década de 1990 contribuiu para a dispersão destes documentos, resultando em um quadro em que grande parte da documentação não obedece a critérios técnicos, mas são principalmente arquivados por uma possível função legal. E tal fato fica evidente no texto de Marcia Pazin, quando constata que esta dispersão, mesmo que agravada pelo processo de privatização inicia-se, na maioria dos casos, antes mesmo deste evento. Este debate traz à tona a necessidade de buscarmos conscientizar as empresas e demais segmentos da importância de classificação e manutenção dos arquivos referentes às suas atividades, que em muitos casos acabam descumprindo as próprias medidas legais de preservação e manutenção destes arquivos, como é trabalhado no texto de Maria Izabel de Oliveira. Tal exemplo torna-se elucidativo no trabalho apresentado por Telma Carvalho em relação à realização do projeto Eletromemória.
Os três últimos trabalhos desta terceira parte nos convidam a elucidar as posturas teórico-metodológicas presentes no processo de organização documental, demonstrando como, de forma interdisciplinar, tal área cunhou todo um aparato de instrumentos técnicos e teóricos. E por estes meandros Mario Barité apresenta como a organização do conhecimento está intimamente relacionada aos critérios de classificação, gestão e manutenção de centros documentais e bibliotecas. Dialogando com as ideias anteriores, Fátima Tálamo esboça no texto Informação, conhecimento e bem cultural como esta tríade epistemológica está intimamente relacionada ao fluxo de informações e o desenvolvimento do que chama de “sociedade do conhecimento”. Isto resulta em questões, como demonstra Marilda Lara, no exame entre a denominada Ciência da Informação e sua relação com os processos documentais e fluxos sociais de informação. Para a autora, a relação encontra-se na percepção do documento enquanto produtor e receptor da informação, expressa em diferentes escolas, como a europeia e americana.
Fechando a obra, os trabalhos de David Rhees, Heloísa Barbuy e Renato Diniz apontam como a cultura material da eletricidade e sua preservação fornecem instrumentos para diversas áreas do conhecimento, funcionando como elemento educacional, fonte de documentação e pesquisa. Sua dimensão alcança ares como demonstrado por Rhees, onde um museu nos EUA tornou-se referência no patrimônio de equipamentos eletrodomésticos. São elementos que estão intimamente presentes cada vez mais no cotidiano de cada geração, produzindo uma infinidade de elementos que devem ser observados como resultado da cultura material de cada momento histórico como propõe Heloísa Barbuy, pois de colecionadores a acervos públicos, são objetos que revelam histórias e memórias. Mas para isto, toda a sociedade deve rever as maneiras de entender tais elementos da cultura material, estando no centro de tais debates, o papel que se reserva aos setores públicos e privados na preservação da cultura material e do patrimônio histórico.
Enfim, os artigos apresentados nesta obra buscam apresentar as potencialidades de uma área do saber que cada vez mais amplia seus leques de pesquisa e ensino, contando com grandes referenciais para a continuidade dos debates. Destarte, tal obra, assim como o evento da qual resulta, contribui significativamente para ressaltar como transformações políticas, econômicas e sociais influem diretamente nos caminhos do setor energético, e assim, no próprio rememorar de um grupo ou da sociedade.
Tal empreita, derivada do 3º Seminário Internacional de História e Energia, fornece elementos não somente para compreensão das trajetórias do setor energético, mas dos próprios caminhos da cultura e da sociedade em geral.
Andrey Minin Martin – Doutorando em História. Universidade Estadual Paulista-UNESP. Bolsista FAPESP. Assis/São Paulo, Brasil. E-mail: andrey_mm@hotmail.com.
MAGALHÃES, Gildo (Org). História e Energia: Memória, informação e sociedade. São Paulo: Alameda, 2012. 376 p. Resenha de: MARTIN, Andrey Minin. Os caminhos do Setor energético. Outros Tempos, São Luís, v.11, n.17, p.190-295, 2014. Acessar publicação original. [IF].
Nova história em perspectiva. Propostas e desdobramentos (v. 1) | Fernando A. Novais e Rogério Forastieri Silva
Pensar os caminhos e desdobramentos da Nova História, suas implicações teóricas em meio aos discursos dos historiadores e situá-la no contexto geral da historiografia são algumas das propostas que norteiam este denso e instigante trabalho.
Organizado por Fernando Novais e Rogério Forastieri da Silva, professores de brilhante trajetória em universidades como a Universidade de São Paulo, Instituto de Economia da Unicamp e participação internacional em universidades como Louvain, Coimbra e Lisboa, este vem a ser o primeiro volume de uma coletânea de dois volumes: o primeiro intitulado “Propostas e desdobramento” e o segundo “Debates”. Leia Mais