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Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860 – MARSON; OLIVEIRA (H-Unesp)
MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena L. de Salles (orgs.). Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: EDUSP, 2013, 348 p. Resenha de: PEREIRA, Milena da Silveira. História [Unesp] v.32 no.1 Franca Jan./June 2013.
Monarquia constitucional, liberalismo, negócios e escravidão foram temas caros ao século XIX e a toda uma historiografia brasileira, que passou boa parte do século XX ressignificando tais conceitos e categorias com mais vigor, por vezes, que o próprio Oitocentos. Tomados por Izabel Andrade Marson, Cecília Helena L. de Salles Oliveira e outros colaboradores da obra como uma espécie de guia para se entender a formação e a constituição do Império do Brasil, tais conceitos são explorados a partir da constatação e negação de três assertivas que, como defendem as organizadoras da coletânea, estão no cerne de uma determinada leitura teórica e interpretativa da história imperial.
Dialogando diretamente com parte da historiografia brasileira produzida no século XX, as pesquisas que compõem Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860 (publicação da EDUSP, com financiamento da Capes, CNPq e Museu Paulista) problematizam, debatem e refutam esses três paradigmas. O primeiro desses modelos questionado é aquele que afirma ter a sociedade brasileira do século XIX conservado uma herança colonial retrógrada, caracterizada pela inexistência de cidadãos conscientes de seus direitos e, consequentemente, impossibilitados de uma vivência revolucionária. O segundo é o que afirma que o período imperial foi concebido como uma fase de transição entre o Brasil Colônia, marcado por instituições ultrapassadas, e o Brasil República, caracterizado por uma experiência nacional “autêntica” e pela presença de instituições “modernas”, como a república, a cidadania burguesa, o trabalho livre, a vida urbana, a industrialização. O terceiro e último paradigma problematizado e rebatido nesta obra é o que defende a falta de cadência entre as vivências brasileiras e europeias e o comportamento e pensamento “imitativos” e “desprendidos” da realidade social brasileira.
A obra, retomando e realimentando um debate das décadas de 60 e 70 acerca da incompatibilidade entre liberalismo e escravidão no Oitocentos brasileiro e do descompasso histórico do Brasil em relação à Europa, pretende, pois, problematizar e revisar criticamente a denominada “tese do atraso” da sociedade brasileira – ou seja, “o inacabamento, a inorganicidade e a intangibilidade da nação brasileira” naquele tempo – a partir de diversificadas perspectivas do fazer histórico, como as de E. P Thompson, Hannah Arendth, Claude Lefort, Cornelius Castoriadis, Michel Foucault, Pierre Rosanvallon, Reinhart Koselleck, Quentin Skinner e John Pocock.
Assumindo tal propósito, esta reunião de escritos produzidos por pesquisadores do Museu Paulista, da Universidade de São Paulo e da Universidade de Campinas está articulada em duas partes. A primeira, intitulada (Re)configuração de pactos e negociações na (re)fundação do Império, abarca trabalhos que exploram questões relacionadas: às negociações dos impostos, honrarias e cargos administrativos entre Portugal e Brasil; à análise dos festejos públicos da Monarquia e da arquitetura recriada por integrantes da missão artística francesa no Rio de Janeiro. Abarca também estudos que passam pelo mapeamento dos diferentes pronunciamentos e posicionamentos da Câmara do Império (1826-1827) sobre o tráfico e os significados da escravidão para o país; e, por fim, os “incidentes” ocorridos, em 21 de abril de 1821, na Praça do Comércio – centro de muitas e importantes negociações – , e seus desdobramentos políticos. Este primeiro momento tem como colaboradores Ana Paula Medicci, Cecília Helena de Salles Oliveira, Emílio Carlos Rodriguez Lopez, Vera Lúcia Nagib Bittencourt e João Eduardo Finardi Álvares Scanavini.
Compõe a segunda parte da coletânea os estudos de Erik Hörner, Izabel Andrade Marson, Maria Cristina Nunes Ferreira Neto e Eide Sandra Azevêdo Abrêu. Denominado Revoluções e conciliações: fluidez do jogo político, dos partidos e dos empreendimentos, este conjunto de textos inclui um trabalho que relaciona os princípios do liberalismo e do comércio à formação do Partido Liberal e do Partido Conservador e à participação política no Brasil da primeira metade do século XIX. Outro estudo trata da relação entre monarquia, empreendedorismo – voltado ao “livre-cambismo” e à defesa da “indústria nacional” – e Revolução Praieira (1842-1848). Compreende ainda esta segunda parte um artigo sobre a trajetória pessoal e pública do importante político liberal e negociante mineiro Theophilo Ottoni e um último que explora a proximidade dos embates entre orientações político-econômicas liberais e o fracasso da Liga Progressista, grupo formado por membros “moderados” do partido conservados e do partido liberal.
Em todas essas pesquisas, o leitor notará a preocupação dos autores em apresentar novas perspectivas sobre a história política, do ponto de vista de sua cultura, da formação da opinião pública, da atuação dos estadistas e dos grupos sociais. Notará igualmente a preocupação de perceber o político no cotidiano ou, como destacam as organizadoras, “nas ruas e praças, nas estradas, nas fazendas, nos festejos, nas manifestações, na imprensa, nos ambientes públicos e privados”. Todos esses espaços, como o próprio título da obra sugere, são analisados à luz das “imbricações entre política e negócios”. Aquele leitor interessado em revisitar a formação e a consolidação do Império brasileiro a partir das mediações entre monarquia constitucional, liberalismo, negócios e escravidão, encontrará, portanto, nesta coletânea um bom caminho.
Milena da Silveira Pereira – Doutora em História e Cultura Social pela Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca, e professora substituta nos cursos de História e de Relações Internacionais, da UNESP/Franca. E-mail: milena.silveira@bol.com.br.