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Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780 -1860 – MARSON et al (RIHGB)
MARSON, Isabele; OLIVEIRA, Cecília Helena L. de Salles. (orgs.). Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780 -1860. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013. 348 p. Resenha de: LYRA, Maria de Lourdes Viana. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, a. 175 (462) p.273-280, jan./mar. 2014.
A coletânea organizada pelas professoras/historiadoras Isabel Marson e Cecília Helena de Salles Oliveira e publicada em livro, sob o título “Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860” – reúne textos voltados à reflexão de uma questão central e necessária à ampliação do conhecimento histórico sobre o Brasil imperial, ou seja, o entrelaçamento entre política e negócios no processo de formação do Estado nacional. Escritos com maestria pelas organizadoras – ambas com larga experiência acadêmica e autoras de obras consagradas referentes ao tema – e por jovens pesquisadores – mestres e doutores por elas orientados nos cursos de pós-graduação em História na Unicamp e na USP –, os artigos representam expressivo subsídio à produção historiográfica do Brasil novecentista.
Pela proveitosa retomada da análise crítica sobre o período em pauta e elaborada com o devido rigor acadêmico sobre os paradigmas teóricos e interpretativos ainda persistentes, com o objetivo de demonstrar como ocorreu o processo de afirmação das práticas liberais nos domínios do Estado e da sociedade imperial.
O aprofundamento da análise sobre circunstâncias específicas à estruturação do Estado nacional brasileiro vem, nos últimos tempos, despertando a atenção dos pesquisadores e ocupando espaço destacado nos estudos da História do Brasil. Sobretudo a partir das décadas finais do século XX, com o incremento da pesquisa histórica nos cursos universitários de pós-graduação e o consequente incentivo à abertura de novos ângulos de reflexão sobre o sentido do Estado brasileiro imperial. Caso singular no contexto das independências coloniais da América e ainda pouco explorado quanto à motivação da luta então empreendida para manter a unidade do vasto território colonial e a consequente implantação do único Estado independente monárquico e imperial no Novo Mundo. Ao mesmo tempo em que a necessidade de outras leituras sobre a história política se impunha, com o surgimento de questões histórico-políticas contemporâneas, então colocadas. Além do interesse na retomada da reflexão pontual sobre a transferência da sede da Corte monárquica portuguesa para a colônia Brasil. Acontecimento extraordinário ocorrido no início do século XIX e recolocado como foco de particular atenção, especialmente no contexto das comemorações do bicentenário, em 2008. Ocasião em que o questionamento sobre o sentido político/ideológico do Império edificado no Brasil, que já vinha sendo atentado, estimulou o aprofundamento da análise sobre as questões estruturais envolvidas no processo histórico decorrente e, consequentemente, à elaboração de estudos articulados sobre aspectos de ordem política, social, cultural e econômica.
É nesse quadro renovador de pesquisa e estudos históricos sobre o processo de formação do Estado e da sociedade brasileira que a coletânea aqui enfocada adquire valor e se destaca, pelo significativo avanço empreendido no estudo do tema. Ao centrar a atenção sobre os “princípios e formas de relacionamento que estruturaram e mediaram monarquia constitucional, liberalismo, mercado e escravidão na sociedade imperial”, apoiada em exaustiva exploração de fontes primárias e em expoentes teóricos “que questionaram metodologias e pressupostos liberais e marxistas ortodoxos”. Além do necessário diálogo empreendido com estudos renovadores elaborados nos últimos anos sobre a política e a sociedade imperiais e, sobretudo, pela consistência da reflexão resultante, ao demonstrar que: “princípios políticos liberais de diverso teor orientaram e estruturaram as relações vigentes na sociedade imperial, nela exteriorizando-se de múltiplas formas (…) desde a crise do Antigo Regime até o Segundo Reinado”.
Dividida em duas partes objetivamente demarcadas – a primeira intitulada: (Re)configuração de pactos e negociação na (re)fundação do Império; a segunda sob o título: Revoluções e conciliação: fluidez do jogo político, dos partidos e dos empreendimentos – a coletânea reúne nove alentados artigos interligados pelo objeto comum de análise: o de aprofundar o conhecimento sobre o processo histórico correspondente, através do estudo de ocorrência em locais diversos e em circunstâncias diversificadas, como: relações de dominação e de subordinação estabelecidas, mobilizações urbanas e/ou agrárias, manifestações na imprensa.
Busca realçar os fortes laços existentes entre os interesses da política e o mundo dos negócios e, principalmente, explicitar como “a disputa entre grupos pelo exercício do poder – frequente matriz de revoluções – resguardava os interesses pelos lucrativos negócios gerenciados por aqueles que comandassem o governo”.
Na primeira parte, encontram-se os artigos centrados na análise do período situado entre a conjuntura final do século XVIII e as décadas iniciais do XIX. E, o primeiro artigo, escrito por Ana Paula Medicci, “Arrematações reais na São Paulo setecentista: contrato e mercês”, analisa o sistema de arrematação dos contratos de arrecadação das rendas reais.
Tomando como referência especial o contrato do imposto dos dízimos – o de maior relevância pelo montante das rendas auferidas. Situa o estudo entre 1765, ano em que a capitania de São Paulo se tornou autônoma da principal (Rio de Janeiro) e 1808, quando a instalação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro alterou as relações de poder no contexto interno da Colônia Brasil. Ressalta a relação desse sistema com a concessão de honrarias e cargos na administração colonial e demonstrando quão forte era o enraizamento de interesses dos negociantes que, ao acumularem o encargo de arrecadadores de impostos, também participavam da administração pública. Resulta na imbricação dos interesses públicos e privados, em face da estreita relação político-administrativa então existente, e propiciando a criação de “vínculos que fortaleciam tanto as instituições administrativas quanto a unidade imperial”.
O texto escrito por Emílio Carlos Rodrigues Lopez sob o título “Festejos públicos, política e comércio: a aclamação de D. João VI”, centra o foco de análise na organização dos festejos públicos realizados no Rio de Janeiro, entre 1808 e 1822. Dando especial atenção aos preparativos da festa para celebrar a aclamação do rei D. João VI, em fevereiro de 1818, sobretudo examinando o uso de imagens e símbolos utilizados na decoração das ruas da cidade engalanada e ressaltando o esmero na montagem de suntuosos exemplares de arquitetura efêmera: como o arco do triunfo de inspiração romana, com imagens do Tejo e do Rio de Janeiro apoiando as armas reais e sob a inscrição “Ao libertador do comércio”, que marcou a decoração executada pelos artistas franceses Jean Baptiste Debret e Gran-Jean de Montigny e financiada pelos principais negociantes locais, com o propósito de realçar o “projeto civilizador” do rei ilustrado, que “marcava a vitória da civilização sobre o mundo bárbaro”. Todos engajados no esforço de legitimar a Monarquia instalada nos trópicos, graças à “sabedoria do rei, que promovia a prosperidade do Império, expressa nas figuras das artes, da agricultura e do comércio” e fortalecia o recém -criado Reino Unido luso-brasileiro.
Cecília Helena de Salles Oliveira é a autora do artigo, “Imbricações entre política e negócios: os conflitos na Praça do Comércio no Rio de Janeiro”, em 1821, centrado na análise dos conflitos ocorridos na Praça do Comércio do Rio de Janeiro, local de reunião dos eleitores fluminenses para escolha dos representantes da província às Cortes Gerais e Constitucionais, revolucionariamente convocadas para realizar-se em Lisboa.
Apoiada em apurada pesquisa de fontes históricas, examina particularmente o processo judicial então instaurado, para apurar a razão de tais ocorrências, a autora revela “a matização do quadro político na cidade e Corte do Rio de Janeiro, bem como, a indefinição de alternativas às vésperas da partida de D. João para Portugal”. Argumenta que o confronto do dia 21 de abril de 1821, ocorrido no “edifício luxuoso”, que fora financiado pelos negociantes locais e inaugurado no ano anterior, constitui marco de significativa importância na tomada de posição de: “pessoas e grupos diretamente engajados, naquele momento, na defesa das bases constitucionais propostas pelos revolucionários em Portugal e na Espanha”.
Ao contrário do que é usualmente explicado pela historiografia, ou seja, como um simples choque de interesses entre “portugueses” e “brasileiros”.
Além de salientar o quanto “as vinculações entre política e mercado foram redefinidas e adquiriram outras fundamentações e aparências à medida que hierarquias, monopólios, isenções e privilégios coloniais foram sendo esgarçados e/ou reconstruídos por intermédio do movimento complexo de conflitos sociais, do qual a reunião na Praça do Comércio é emblemática exteriorização”.
O artigo escrito por Vera Lúcia Nagib Bittencourt, “Bases territoriais e ganhos compartilhados: articulações políticas e projeto monárquico -constitucional” analisa a conjuntura imediatamente seguinte ao conflito do Rio de Janeiro (1821), enfocando a ação política desenvolvida pelos agentes apoiadores do projeto de permanência da unidade luso-brasileira.
Aponta a aproximação de interesses políticos e financeiros entre os grandes proprietários e negociantes, militares e membros da alta burocracia da Corte, os quais, articulados com figuras oriundas de tradicionais famílias paulistas e proprietários de terra mineiros, desencadearam a ação de defesa das prerrogativas de Reino do Brasil e, portanto, a permanência de um centro de poder monárquico no Rio de Janeiro. Além da consequente “preservação dos diferentes ganhos obtidos pelos articuladores com a fixação da Corte na América portuguesa”.
O texto de João Eduardo Finardi Álvares Scanavini, “Embates e embustes: a teia do tráfico na Câmara do Império (1826-1827)”, encerra a primeira parte do livro, analisando o debate travado na Câmara de Deputados em torno do Tratado anglo-brasileiro para a Abolição do Tráfico de escravos, assinado em novembro de 1826 e ratificado em março de 1827.
Examinando o posicionamento dos parlamentares sobre a validade do trabalho servil e do tráfico de africanos para o País e no encaminhamento da discussão para a ratificação do Tratado, o autor amplia o quadro de análise.
Ao perscrutar o tom e o modo de negociação pleiteada pela representação parlamentar, ligada direta ou indiretamente ao lucrativo comércio de escravos e, portanto, empenhada em conservar a ordem escravocrata ou no mínimo adiar a abolição por prazo indefinido, ressalta a postura de oposição ao governo assumida pelos deputados, utilizando-se da tática de desqualificar o Tratado de 1826, levando à continuidade da prática ilícita do tráfico até 1850. Ao mesmo tempo em que atacavam as atitudes despóticas do governante, encaminhando o movimento que levaria à abdicação do imperador em 1831, fato que encerrava o tempo de vigência do Primeiro Reinado.
Na segunda parte, encontram-se os textos que analisam a conjuntura posterior à abdicação caracterizada pelo confronto “entre súditos-cidadãos por projetos, espaços de atuação bem colocados e oportunidades de negócios (…) guerras civis e conciliações compulsórias”, iniciada com o texto de Erik Hörner, intitulado “Partir, fazer e seguir: apontamentos sobre a formação dos partidos e a participação política no Brasil da primeira metade do século XIX”. Apoiado nas concepções teóricas do cientista político italiano Giovanni Sartori, o autor analisa o momento propiciador do surgimento de associações que dariam origem aos partidos: conservador e liberal. Demonstra o quanto os princípios do liberalismo e do mercado lastrearam o discurso e orientaram a prática dos políticos, nas décadas de 1830 e 1840; discutindo sobre as expressões utilizadas e a problemática dos esquemas traçados. Além da bipolarização partidária “tida como característica da política imperial” sob a argumentação de que “a complexidade do jogo político e do embate de grupos com interesses mais diversos do que poderia ser contido simplesmente em rótulos como liberais e conservadores”.
Isabel Marson é a autora de “Monarquia, empreendimentos e revolução: entre o laissez-faire e a proteção à ‘industria nacional’ – origens da Revolução Praieira (1842-1848)”, no qual desloca o foco de análise do cenário da Corte e circunvizinhança, centrando a atenção na província de Pernambuco, onde o jogo político-partidário era intenso, traduzido na disputa por cargos no governo local e obtenção de cobiçados contratos em obras públicas, desenrolado entre os que pleiteavam protecionismo à indústria nacional e os defensores do livre-cambismo, aqueles que comandavam a administração provincial desde 1837, ou seja, duas orientações de teor liberal que se confrontavam, expondo a complexidade da sociedade “constituída por grupos de interesses e expectativas de diverso matiz liberal”. Esmiuça as circunstâncias específicas daquela província, a autora aprofunda o estudo sobre as relações sócio-político-econômicas ali estabelecidas e de certa forma determinantes nas diretrizes governamentais do Segundo Reinado. Traçando um quadro esclarecedor sobre a sintonia da província com “a teia de negócios e orientações políticas no âmbito do Império e no quadro internacional”, contribuindo à ampliação do conhecimento sobre o confronto entre grupos políticos locais, que levou à “sangrenta guerra civil, celebrizada como Revolução Praieira”, em 1848. Investiga sobre as motivações que levaram os agentes de diversas colorações a fundar, em 1842, o Partido Nacional de Pernambuco – mais conhecido como Partido da Praia ou Praieiro – e pontuar o desdobramento marcado pelo confronto entre forças liberais: os “praieiros”, propondo maior participação dos setores médios da sociedade, preservação dos engenhos banguês, incremento de novas culturas; e forças conservadoras: os “guabirus”, reivindicando apenas melhorias na produção e no fabrico do açúcar. Além de apontar que a derrota dos “praieiros” resultou no longo afastamento dos liberais do centro de poder das decisões políticas imperiais e, consequentemente, na promoção exclusiva das práticas econômicas livre-cambistas pela administração central.
O texto seguinte, “Autobiografia, ´conciliação` e concessões: a companhia do Mucuri e o projeto de colonização de Theophilo Ottoni”, escrito por Maria Cristina Nunes Ferreira Neto, analisa a trajetória do líder da revolução de 1842 em Minas Gerais, confrontando o percurso de vida privada e pública do renomado “político liberal mineiro” com o relato autobiográfico por ele publicado em 1860, a Circular Dedicada aos Srs.
Eleitores de Senadores pela Província de Minas Gerais. A autora questiona as lacunas encontradas na Circular, sobre o empreendimento do Mucuri e a trajetória coerente e linear do ilustre personagem, traçadas por seus biógrafos; registra a sintonia existente entre o caminho seguido desde o início por Ottoni e o projeto de colonização do Mucuri, além de outros empreendimentos, todos dependentes de concessões do Estado e afinados com as propostas do Partido Liberal; apontando que a obtenção de concessões à fundação da Companhia do Mucuri, bem-sucedida até meados de 1858, se deveu à aproximação de Ottoni com os “progressistas”; sendo no contexto correspondente à perda de apoio político e às consequentes dificuldades financeiras, que a Circular fora escrita.
Encerra a coletânea, o texto de Eide Sandra Azevêdo Abreu “Um pensar a vapor”: Tavares Bastos, divergências na Liga Progressista e negócios ianques, que centra o foco de análise nas discussões parlamentares na década de 1860. Investiga o posicionamento do grupo que formou a Liga Progressista – entre “moderados” do partido conservador e do partido liberal –, com a pretensão de fundar um terceiro, o Partido Progressista.
Destaca a atuação dos agentes de maior projeção e a divergência das diretrizes de governo pretendidas: uma favorável ao investimento estrangeiro; outra defendendo proteção à empresa nacional. Tomando como parâmetro, a atuação de Aureliano Cândido Tavares Bastos na Câmara dos Deputados, pertencente à Liga Progressista, e ardoroso defensor da proposta de subvenção à navegação a vapor entre o Brasil e os Estados Unidos, projeto que encontrou forte resistência tanto de “moderados” conservadores, quanto de liberais “históricos” e, em cujo debate, “sobressai a imbricação da política imperial com o vasto mundo dos negócios”.
Não resta dúvida de que esse é um livro de leitura obrigatória, pela significativa contribuição à histografia brasileira, sobretudo pela abrangência da análise sobre cenários variados e circunstâncias diversas que caracterizam o tempo do Brasil imperial e que tem a virtude de instigar o leitor interessado em explorar aspectos e situações ainda pouco exploradas do nosso passado histórico.
Maria de Lourdes Viana Lyra – Doutora em História pela Universidade de Paris X-Nanterre. Sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.