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A construção do mito Mário Palmério: um estudo sobre a ascensão social e política do autor de Vila dos Confins – FONSECA (B-RED)
FONSECA, André Azevedo da. A construção do mito Mário Palmério: um estudo sobre a ascensão social e política do autor de Vila dos Confins. São Paulo: Editora da Unesp. 2012. Resenha de: OLIVEIRA, Michel. O avesso de um mito: uma análise da ascensão pública de Mário Palmério. Estudos Históricos, v.27 n.54 Rio de Janeiro July/Dec. 2014.
Alguns mitos são de carne, osso e ideologia. Essa é uma das muitas premissas que se pode depreender da leitura de A construção do mito Mário Palmério: um estudo sobre a ascensão social e política do autor de Vila dos Confins, livro lançado em novembro de 2012 pela Editora Unesp. A obra de 306 páginas, distribuída nas versões impressa e digital, é resultado da pesquisa de doutorado do pesquisador e professor André Azevedo da Fonseca.
O autor, jornalista, doutor em História e pós-doutor em Estudos Culturais, apresenta uma obra que reflete essa trajetória acadêmica. O livro imbrica diversas facetas: do relato documental à análise da ascensão mítica de Mário Palmério através de um recorte baseado na História Cultural. Fonseca iniciou a pesquisa que resultou no livro durante a monografia de sua especialização em História, em 2004, e a finalizou em 2010, quando defendeu a tese de doutorado. Durante esse período, analisou diversos documentos relacionados a Palmério, como fotografias, recortes de jornais e até boletins escolares. O material coletado durante a pesquisa foi reunido no Memorial Mário Palmério, fundado pelo autor na Universidade de Uberaba (Uniube).
A narrativa tem início com uma apresentação do cenário: Uberaba, no Triângulo Mineiro. A cidade, cuja economia se baseava na pecuária, viveu tempos de progresso nas primeiras décadas do século XX devido ao terminal ferroviário ali instalado. A expansão da linha férrea para cidades vizinhas descentralizou a distribuição de produtos e a circulação de pessoas. Gradativamente, Uberaba foi perdendo o prestígio e entrou num processo de estagnação econômico-cultural.
Na década de 1940, a elite local decidiu investir na modernização do centro do município, a fim de dar um novo ânimo à população e avivar o brio dos ricos criadores de gado. O pesquisador deixa claro como as relações de poder eram motivadas por adulações. A própria imprensa local era responsável por açular o ego dos pecuaristas e de outras figuras de destaque da sociedade. Segundo o autor, uma cultura em que a elite encenava um verdadeiro “teatro social”. Foi nesse contexto que Mário Palmério construiu seu legado, aproveitando-se dessa conjuntura social para consolidar uma imagem mítica.
Essa teatralização fica clara desde o sumário da obra, dividido em duas partes principais, chamadas pelo autor de atos. Essa escolha não foi aleatória, e já mostra ao leitor que a trajetória de vida de Mário Palmério será apresentada como um espetáculo que deve ser acompanhado num crescente narrativo: da infância até a consolidação profissional e política.
O primeiro ato, intitulado “Mário Palmério na escalada do reconhecimento social”, é dividido em quatro cenas principais. Na primeira delas, “O prestígio familiar”, o autor faz uma apresentação do contexto: Palmério era o filho caçula do engenheiro e advogado Francisco Palmério e de Maria da Glória Palmério, casal notório da sociedade uberabense. Ao longo dessa primeira parte, o autor explicita como o personagem sempre trabalhou na construção de uma imagem pessoal forte, na tentativa de alcançar a importância do pai e dos irmãos.
A cena seguinte, “A socialização de Mário Palmério”, relata o retorno do personagem a Uberaba, depois de uma temporada de estudos em São Paulo. Para o autor, essa volta marcou a “emancipação simbólica” do personagem e deu início à terceira cena: “A ascensão profissional”, que mostra o começo da carreira docente de Palmério, com a criação do Liceu Triângulo Mineiro, passando pela Escola do Comércio do Triângulo Mineiro até o apogeu com a abertura da Faculdade de Odontologia.
O primeiro ato tem como desfecho “A consagração pública”, etapa na qual Palmério se consolida enquanto figura de prestígio da elite e do povo. Mesmo que no íntimo fosse avesso à teatralização social, o personagem participou do jogo de encenação para alcançar seus objetivos pessoais. Nesse ponto, há um avanço na narrativa que culmina no segundo ato, denominado “A consagração do mito”, dividida em três cenas principais.
A segunda fase da história é introduzida com o pensamento de Schwartzenberg, além de Balandier e Girardet, que analisam o poder político a partir do arquétipo mítico do herói como um enviado capaz de conduzir o povo à terra prometida. Esse prólogo delineia um novo rumo na narrativa, que tem início na cena “O tempo da espera”, na qual o autor relata o conturbado momento político do pós-guerra num Brasil marcado pela consolidação do Estado Novo.
A cena seguinte, “Crises”, apresenta uma série de perturbações de diversas ordens, social, econômica, política e identitária, que afetaram Uberaba e o Triângulo Mineiro entre as décadas de 1940 e 1950, crises essas que culminaram numa proposta de separação da região do Triângulo do território de Minas Gerais. Foi esse contexto que serviu de pano de fundo para a cena seguinte: “O anúncio do herói”. Nessa fase, Palmério já era figura de bastante destaque na cidade, sempre à frente de projetos educacionais e assistencialistas. O anúncio de sua candidatura a deputado federal, em 1950, foi quase que uma consequência de sua ascensão apoteótica.
Depois de um pleito bastante agitado, o professor saiu vitorioso. Para o autor, essa sagração só foi possível graças à maneira como Palmério gerenciou a própria imagem. Depois de alguns mandatos e cargos públicos, o último deles como embaixador do Brasil no Paraguai, Palmério desiludiu-se com a política e passou a se dedicar à literatura, período em que escreveu seu segundo romance: Chapadão do Bugre (1965). Em 1970, ele concorreu novamente à prefeitura de Uberaba mas foi derrotado, encerrando sua carreira pública sem grande prestígio.
A proposta apresentada pelo autor, de analisar a biografia de Mário Palmério através de um recorte da História Cultural, mostrou-se bastante válida, pois não se debruçou apenas na narrativa de vida, apresentando o contexto e as relações sociais e de poder como elementos constitutivos de uma teia mais ampla. Esse viés, muitas vezes deixado de lado nas biografias, faz com que o leitor possa compreender os fatos e ir além do que está narrado.
A obra traz ainda o diferencial de apresentar a ascensão de Palmério como consequência de uma construção mítica de sua imagem, dando aplicabilidade às teorias dos autores estudados durante a pesquisa. Dessa forma, o leitor pode compreender a História como um contexto em que fatos e ideologias se fundem na construção daquilo que tomamos como realidade.
O livro se destaca também por apresentar elementos visuais e gráficos, como fotografias, recortes de jornais e tabelas comparativas, que servem não apenas para ilustrar, mas para contextualizar o enredo e os cenários. Esses elementos se somam à narrativa ampliando as esferas de compreensão. Decerto, a proposta apresentada por André Azevedo pode ser replicada na reconstrução de outras biografias e fatos históricos ou até mesmo de contextos sociais.
Michel Oliveira – Mestrando em Comunicação e aluno de Especialização em Fotografia: Práxis e Discurso Fotográfico na Universidade Estadual de Londrina (UEL) (michel.os@hotmail.com.br).
A construção do mito Mário Palmério: um estudo sobre a ascensão social e política do autor de Vila dos Confins – FONSECA (EH)
FONSECA, André Azevedo da. A construção do mito Mário Palmério: um estudo sobre a ascensão social e política do autor de Vila dos Confins. São Paulo: Editora da Unesp. 2012. Resenha de: OLIVEIRA, Michel. O avesso de um mito: uma análise da ascensão pública de Mário Palmério. Estudos Históricos, v.27 n.54 Rio de Janeiro July/Dec. 2014.
Alguns mitos são de carne, osso e ideologia. Essa é uma das muitas premissas que se pode depreender da leitura de A construção do mito Mário Palmério: um estudo sobre a ascensão social e política do autor de Vila dos Confins, livro lançado em novembro de 2012 pela Editora Unesp. A obra de 306 páginas, distribuída nas versões impressa e digital, é resultado da pesquisa de doutorado do pesquisador e professor André Azevedo da Fonseca.
O autor, jornalista, doutor em História e pós-doutor em Estudos Culturais, apresenta uma obra que reflete essa trajetória acadêmica. O livro imbrica diversas facetas: do relato documental à análise da ascensão mítica de Mário Palmério através de um recorte baseado na História Cultural. Fonseca iniciou a pesquisa que resultou no livro durante a monografia de sua especialização em História, em 2004, e a finalizou em 2010, quando defendeu a tese de doutorado. Durante esse período, analisou diversos documentos relacionados a Palmério, como fotografias, recortes de jornais e até boletins escolares. O material coletado durante a pesquisa foi reunido no Memorial Mário Palmério, fundado pelo autor na Universidade de Uberaba (Uniube).
A narrativa tem início com uma apresentação do cenário: Uberaba, no Triângulo Mineiro. A cidade, cuja economia se baseava na pecuária, viveu tempos de progresso nas primeiras décadas do século XX devido ao terminal ferroviário ali instalado. A expansão da linha férrea para cidades vizinhas descentralizou a distribuição de produtos e a circulação de pessoas. Gradativamente, Uberaba foi perdendo o prestígio e entrou num processo de estagnação econômico-cultural.
Na década de 1940, a elite local decidiu investir na modernização do centro do município, a fim de dar um novo ânimo à população e avivar o brio dos ricos criadores de gado. O pesquisador deixa claro como as relações de poder eram motivadas por adulações. A própria imprensa local era responsável por açular o ego dos pecuaristas e de outras figuras de destaque da sociedade. Segundo o autor, uma cultura em que a elite encenava um verdadeiro “teatro social”. Foi nesse contexto que Mário Palmério construiu seu legado, aproveitando-se dessa conjuntura social para consolidar uma imagem mítica.
Essa teatralização fica clara desde o sumário da obra, dividido em duas partes principais, chamadas pelo autor de atos. Essa escolha não foi aleatória, e já mostra ao leitor que a trajetória de vida de Mário Palmério será apresentada como um espetáculo que deve ser acompanhado num crescente narrativo: da infância até a consolidação profissional e política.
O primeiro ato, intitulado “Mário Palmério na escalada do reconhecimento social”, é dividido em quatro cenas principais. Na primeira delas, “O prestígio familiar”, o autor faz uma apresentação do contexto: Palmério era o filho caçula do engenheiro e advogado Francisco Palmério e de Maria da Glória Palmério, casal notório da sociedade uberabense. Ao longo dessa primeira parte, o autor explicita como o personagem sempre trabalhou na construção de uma imagem pessoal forte, na tentativa de alcançar a importância do pai e dos irmãos.
A cena seguinte, “A socialização de Mário Palmério”, relata o retorno do personagem a Uberaba, depois de uma temporada de estudos em São Paulo. Para o autor, essa volta marcou a “emancipação simbólica” do personagem e deu início à terceira cena: “A ascensão profissional”, que mostra o começo da carreira docente de Palmério, com a criação do Liceu Triângulo Mineiro, passando pela Escola do Comércio do Triângulo Mineiro até o apogeu com a abertura da Faculdade de Odontologia.
O primeiro ato tem como desfecho “A consagração pública”, etapa na qual Palmério se consolida enquanto figura de prestígio da elite e do povo. Mesmo que no íntimo fosse avesso à teatralização social, o personagem participou do jogo de encenação para alcançar seus objetivos pessoais. Nesse ponto, há um avanço na narrativa que culmina no segundo ato, denominado “A consagração do mito”, dividida em três cenas principais.
A segunda fase da história é introduzida com o pensamento de Schwartzenberg, além de Balandier e Girardet, que analisam o poder político a partir do arquétipo mítico do herói como um enviado capaz de conduzir o povo à terra prometida. Esse prólogo delineia um novo rumo na narrativa, que tem início na cena “O tempo da espera”, na qual o autor relata o conturbado momento político do pós-guerra num Brasil marcado pela consolidação do Estado Novo.
A cena seguinte, “Crises”, apresenta uma série de perturbações de diversas ordens, social, econômica, política e identitária, que afetaram Uberaba e o Triângulo Mineiro entre as décadas de 1940 e 1950, crises essas que culminaram numa proposta de separação da região do Triângulo do território de Minas Gerais. Foi esse contexto que serviu de pano de fundo para a cena seguinte: “O anúncio do herói”. Nessa fase, Palmério já era figura de bastante destaque na cidade, sempre à frente de projetos educacionais e assistencialistas. O anúncio de sua candidatura a deputado federal, em 1950, foi quase que uma consequência de sua ascensão apoteótica.
Depois de um pleito bastante agitado, o professor saiu vitorioso. Para o autor, essa sagração só foi possível graças à maneira como Palmério gerenciou a própria imagem. Depois de alguns mandatos e cargos públicos, o último deles como embaixador do Brasil no Paraguai, Palmério desiludiu-se com a política e passou a se dedicar à literatura, período em que escreveu seu segundo romance: Chapadão do Bugre (1965). Em 1970, ele concorreu novamente à prefeitura de Uberaba mas foi derrotado, encerrando sua carreira pública sem grande prestígio.
A proposta apresentada pelo autor, de analisar a biografia de Mário Palmério através de um recorte da História Cultural, mostrou-se bastante válida, pois não se debruçou apenas na narrativa de vida, apresentando o contexto e as relações sociais e de poder como elementos constitutivos de uma teia mais ampla. Esse viés, muitas vezes deixado de lado nas biografias, faz com que o leitor possa compreender os fatos e ir além do que está narrado.
A obra traz ainda o diferencial de apresentar a ascensão de Palmério como consequência de uma construção mítica de sua imagem, dando aplicabilidade às teorias dos autores estudados durante a pesquisa. Dessa forma, o leitor pode compreender a História como um contexto em que fatos e ideologias se fundem na construção daquilo que tomamos como realidade.
O livro se destaca também por apresentar elementos visuais e gráficos, como fotografias, recortes de jornais e tabelas comparativas, que servem não apenas para ilustrar, mas para contextualizar o enredo e os cenários. Esses elementos se somam à narrativa ampliando as esferas de compreensão. Decerto, a proposta apresentada por André Azevedo pode ser replicada na reconstrução de outras biografias e fatos históricos ou até mesmo de contextos sociais.
Michel Oliveira – Mestrando em Comunicação e aluno de Especialização em Fotografia: Práxis e Discurso Fotográfico na Universidade Estadual de Londrina (UEL) (michel.os@hotmail.com.br).