Modelagem em Educação Matemática – MEYER et al (Bo)

MEYER, J. F. C. A.; CALDEIRA, A. D.; MALHEIROS A. P. S. Modelagem em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. Resenha de: KISTEMANN JÚNIOR., Marco Aurélio. BOLEMA, Rio Claro, v. 26, n. 42B, p.743-746, abr., 2012.

O final da década de 1970 marca o início da trajetória da Modelagem Matemática na educação matemática brasileira, em oposição, segundo a pesquisadora Lourdes Maria Werle de Almeida, ao Movimento da Matemática Moderna, como uma alternativa de se fazer matemática nas aulas de matemática e em outros espaços, e contrária à ideologia da certeza.

Há diversas entradas para Modelagem Matemática, tanto no âmbito da Matemática Aplicada quanto na Educação Matemática. No contexto da Educação Matemática ela pode ser compreendida como um caminho para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática ou para o fazer Matemática na escola, tendo como norteadores a observação da realidade, discussões e investigações que modificam não só as ações que usualmente têm lugar na sala de aula, mas também as formas como se observa o mundo.

Na Introdução do livro sob análise, os autores apresentam estudos que, ao serem desenvolvidos, modificaram o status quo em duas realidades, o que serve de exemplo da Modelagem Matemática como instrumental de intervenção e avaliação do mundo em seus diversos aspectos. Apresentam, ainda, exemplos nos quais são revelados procedimentos de Modelagem que trilham três passos essenciais, quais sejam: a formulação do problema, a resolução aproximada e a avaliação, pressupondo, segundo os autores, o diálogo, a negociação e o acordo, além de buscar a leitura crítica dos resultados.

Apresenta-se, no início do primeiro capítulo, uma analogia entre as escolas filosóficas (Logicismo, Intuicionismo, Formalismo e Hipoteticismo) de fundamentação à Matemática e o cotidiano da Educação Matemática para que, em seguida, seja promovida interessante discussão acerca da objetividade e do formalismo intrínsecos à Matemática, e as consequências desse formalismo na linguagem e nas práticas do professor de Matemática.

Embora reconheçam que a Matemática ainda é considerada, por boa parte da sociedade, como uma disciplina difícil e que afasta as pessoas por, frequentemente, estar desconectada dos fazeres cotidianos, os autores creem que com a introdução da Modelagem nas práticas escolares é possível passarse da mera observação a termos e problemas matemáticos algoritmizáveis para a manipulação e interação com objetos e problemas sem respostas definidas e únicas, o que constituiria sujeitos, num processo de atribuição de significados, por meios da construção e resolução de problemas relevantes para um dado contexto.

Nesse sentido, a ideia que permeia todo o livro é de que para se adotar a Modelagem há que se reconhecer a existência de problemas reais com hipóteses de simplificação, ainda inexplorados num dado contexto, e que tais problemas – que exigirão atribuição de significado, avaliação e crítica por parte dos alunos – venham a se constituir como significativos para estes sujeitos e suas respectivas comunidades.

Criticando as ações pedagógicas dependentes de livros didáticos, os autores asseveram que a estratégia por eles proposta, que visa modelar para compreender fenômenos, possibilita investigações e a produção de dados matemáticos pelos alunos que, assim, podem ter melhores condições para decidir pelas ações a tomar, o que permite também a criação, no estudante, de um cabedal político que fará diferença em seu entorno social e vai além da investigação e do conteúdo matemático em si.

O segundo capítulo apresenta a concepção dos autores sobre Matemática e Modelagem, defendendo a vinculação entre a Modelagem e uma intenção de educar matematicamente, que problematiza o currículo (um dos principais focos da discussão) e vale-se de ferramentas matemáticas para um dado tipo de problema, num dado momento.

Os autores explicitam sua discordância com o pensamento de algumas correntes que, ao reduzirem a Modelagem a um método para o ensino de conteúdos matemáticos, legitimam um currículo rígido e ajudam a cristalizar uma concepção de Matemática como ciência da verdade e da certeza. Eles, ao contrário, almejam, com a Modelagem, ensinar Matemática de modo que os alunos, como agentes ativos, criem mecanismos de reflexão e ação.

Para entenderem a origem da Modelagem e sua inserção no currículo, e defenderem que Modelagem e Matemática consolidam-se e vinculam-se às questões sociais, os autores detalham, em seções curtas, exemplos de algumas situações-problema, explicitando o que entendem por Matemática (Pura e Aplicada) e por aplicações na (Educação) Matemática, cuidando de apresentar e discutir estratégias pedagógicas, riscos e inseguranças que podem vir à cena quando se opta por uma ação parametrizada pela Modelagem.

No terceiro capítulo os tópicos aprofundam a preocupação com a Modelagem em suas possibilidades para a sala de aula. Destaca-se como significativa a referência aos programas de formação de professores que, em sua maioria, ainda se encontram recheados de cientificismos e fundados em modelos que defendem os conhecimentos matemáticos e pedagógicos como instâncias apartadas. Defendem os autores que a formação de professores de Matemática, na perspectiva da Modelagem, passa pelo questionamento do direito de se universalizar o particular, de igualar diferenças e pretender abarcar a totalidade já que nem sempre o processo de ensino e aprendizagem pautado na Modelagem implicará em sucesso inquestionável.

No item Modelagem e Práticas Docentes os autores refletem sobre experiências que vivenciaram com estudantes, apresentando alguns exemplos que revelam como a modelagem, numa perspectiva crítica, foi (e, portanto, pode ser) desenvolvida nas salas de aula.

O quarto capítulo apresenta ao leitor algumas perspectivas de Modelagem e um panorama dos estudos realizados na área, desde sua origem (na Matemática Aplicada) até sua incorporação pela Educação Matemática. Há, ainda, seções que abordam a Modelagem em relação a distintas áreas. Mesmo para os iniciados ou já mais experientes (considerando inclusive o público-alvo das obras de Educação Matemática publicadas pela Autêntica) este capítulo tem sua relevância na medida em que apresenta concepções de Modelagem de diversos pesquisadores e matizes.

Destacamos, deste capítulo, tanto os trechos em que os autores defendem a aproximação entre Etnomatemática e Modelagem – já que, segundo eles, as Matemáticas devem estar intimamente relacionadas à cultura, de modo a compor caminhos que conduzam os indivíduos a (re)pensar e compreender a relação entre conhecimentos matemáticos, práticas e vivências – e o modo esclarecedor com que são feitas aproximações entre Modelagem e Educação Ambiental, Modelagem e Educação Matemática Crítica, Modelagem e Pedagogia de Projetos, e Modelagem e Tecnologias da Informação e Comunicação.

No capítulo final enfatiza-se que a Modelagem deve propiciar a compreensão do fenômeno estudado, sabendo que, sempre, novos ciclos de Modelagem poderão ser efetuados, o que confere a essas práticas, segundo os autores, um caráter de diversidade, dinamicidade e dialogicidade.

Em síntese, o livro é de leitura obrigatória para todos os educadores matemáticos que pensam ser importante, parafraseando Edgar Morin, deslocarse do determinismo e das verdades imutáveis em busca de uma racionalidade que dê sustentação aos pressupostos do pensamento sistêmico e da complexidade que nos cerca.

Marco Aurélio Kistemann Jr. – Doutor em Educação Matemática, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, SP. Professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail:marco.kistemann@ufjf.edu.br.

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