Machado de Assis: a poética da moderação – BASTOS (MAEL)

BASTOS, Alcmeno. Machado de Assis: a poética da moderação. Rio de Janeiro: Batel, 2018. 315 pp. Resenha de: AZEVEDO, Sívia Maria. Machado Assis Linha v.12 n.28 São Paulo Sept./Dec. 2019  Epub Nov 25, 2019.

Se a expressiva e longa atuação de Machado de Assis no exercício da crítica teatral vem recebendo importante recepção entre os estudiosos (FARIA, 2008), ainda são relativamente poucos os trabalhos que se debruçam sobre a crítica literária machadiana, comparados aos estudos voltados à prosa de ficção (romances e contos) e, mais ultimamente, à crônica. Por isso mesmo, é muito bem-vindo o livro de Alcmeno Bastos (2018, p. 11), Machado de Assis: a poética da moderação, no qual o autor se propõe “[…] identificar a poética pela qual se guiou Machado de Assis no exercício da crítica literária e teatral, ofício que desempenhou no decurso de grande parte de sua vida intelectual”.

Bastos chama de “poética da moderação” a poética da crítica machadiana pautada pelos princípios defendidos em “O ideal do crítico” (1865) – “ciência”, “consciência”, “coerência”, “independência”, “tolerância”, “urbanidade” -, em relação aos quais, segundo o autor, “[…] Machado de Assis se manteve fiel […], exercendo uma crítica ‘ciente’ e ‘consciente’, marcada pela recusa à agressividade (com raríssimas exceções), sob o império da moderação […]” (BASTOS, 2018, p. 14).

Assim, a “poética da moderação” é o princípio condutor por meio do qual Bastos empreende o rastreamento dos principais textos de crítica literária e teatral de Machado de Assis, na promoção de um diálogo em que, sem deixar de reconhecer especificidades de ambas as áreas, privilegia a coerência de Machado aos postulados estéticos e éticos no exercício da crítica.

Agrupados em blocos temáticos, os textos de crítica literária e teatral de Machado de Assis são submetidos a leituras minuciosas, a começar por aqueles que atendem ao título “profissões de fé”, nos quais Machado identifica as qualidades necessárias para o exercício da crítica, que deveria ter função reguladora e normativa, explorados no capítulo “As profissões de fé: o ideal do crítico e o crítico ideal: ‘ciência’ e ‘consciência’, pilares da crítica machadiana”. Aqui foram selecionados os textos “Ideias sobre o teatro” (1859), “A crítica teatral. José de Alencar: Mãe” (1860) e “O ideal do crítico” (1864), ao lado de alguns pareceres que Machado de Assis exarou, enquanto censor do Conservatório Dramático, atividade que exerceu em 1862-1864 e 1886-1887. Cabe ainda mencionar as duas cartas do Dr. Semana, dirigidas ao Presidente do Conservatório Dramático Brasileiro, Antônio Félix Martins, publicadas em 3 e 17 de abril de 1864, na Semana Ilustrada, nas quais o cronista, em tom irônico, convida a autoridade censória a visitar o Alcazar Lírico para constatar a decadência moral do público e a baixa qualidade das peças encenadas naquele teatro. Bastos atribuiu essas cartas a Machado de Assis por coincidirem com o período em que o escritor atuou como censor- quando “Inúmeras vezes […] externou o ponto de vista de que o teatro tinha função social civilizadora e, portanto não podia aceitar peças que ofendessem a moral” (BASTOS, 2018, p. 46) -, crítica endereçada às peças levadas no Alcazar Lírico, o que vai ao encontro do teor das missivas do Dr. Semana.

O segundo eixo temático responde pelos “balanços críticos”, textos nos quais Machado de Assis empreende uma visão de conjunto da produção literária e dramatúrgica da época, objeto do capítulo “Os balanços críticos: a quantas andavam a literatura e o teatro no Brasil nos anos 1860/70”. Essa seção é contemplada com os textos “O passado, o presente e o futuro da literatura brasileira” (1858), “Notícia da atual literatura brasileira. Instinto de nacionalidade” (1873), “A nova geração” (1878) e “O teatro nacional” (1866), seleção que, como se vê, descarta a linha evolutiva, e com isso a divisão da obra machadiana em duas fases. Ao longo desses quase vinte anos, se Machado de Assis imprimiu nuances a seu pensamento crítico, ao tratar de questões como o indianismo, a cor local na aferição da nacionalidade, a adesão dos escritores às novas tendências estéticas oriundas da Europa, tais como o teatro “realista”, nem por isso houve “[…] uma mudança acentuada em suas convicções crítico-teóricas, sempre marcadas pela consideração ponderada das razões em choque” (BASTOS, 2018, p. 58).

As resenhas de Machado de Assis sobre o movimento teatral no Rio de Janeiro, publicadas nas seções “Revista de Teatros” (O Espelho, 1859-160) e “Revista Dramática” (Diário do Rio de Janeiro, 1860-1861), e os estudos, produzidos de forma esparsa, sobre a obra dramática de Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de Macedo, Antônio José, Quintino Bocaiúva, Oliveira Lima, entre outros, integram o capítulo “Machado de Assis vai ao teatro: a militância crítica no estudo (preferencial) de autores e peças contemporâneos e alguns estudos singulares”. Nesses textos, Bastos reconhece a fidelidade de Machado de Assis ao princípio de independência, ao criticar os desempenhos de João Caetano e Eugênia Câmara, aquele, pelo exagero na representação, esta, por estar mais afinada com a comédia do que com a tragédia. A defesa da função social do teatro justificaria a referência de Machado pelo teatro realista, mais adequado à representação da realidade, embora sem deixar de reivindicar a liberdade na criação artística.

Os textos mais propriamente de crítica literária de Machado de Assis, sobre poetas e ficcionistas, sobretudo os contemporâneos, receberam capítulo à parte: “Na crítica literária, um Machado mais atento à poesia (e aos poetas) que à prosa de ficção (ao romance, aos romancistas e aos raros contistas)”. Neste título-resumo (como em outros do livro), Bastos não apenas informa o leitor sobre o perfil do capítulo, mas também, no caso, a preferência de Machado pelos poetas em vez dos romancistas e contistas, o que talvez tenha passado despercebido, mesmo entre os machadianos. Outra novidade foi extrair de várias crônicas de “A Semana”, publicadas na Gazeta de Notícias, com base em obra anterior (AZEVEDO; DUSILEK; CALLIPO, 2013), os rápidos comentários de Machado acerca de ficcionistas, alguns dos quais, Coelho Neto, Raul Pompeia, Aluísio Azevedo, José Veríssimo. Em relação aos poetas de seu tempo, nenhum nome importante deixou de receber a atenção de Machado de Assis, que se manifestou tanto sobre os que o tempo consagrou, como Gonçalves de Magalhães, Junqueira Freire, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, quanto sobre os que ficaram esquecidos (Bruno Seabra, Alberto Zaluar, Adélia Fonseca etc.), sem deixar de contemplar os estrangeiros (Garrett, Gomes de Amorim, Guilherme Malta).

Os paratextos escritos por Machado de Assis para os seus romances, livros de contos, poemas e peças teatrais foram analisados no capítulo “Machado de Assis se apresenta ao leitor: a função metadiscursiva dos prefácios, prólogos, das advertências”. A inclusão desses textos no livro em pauta significa que Bastos os compreende como integrantes da bibliografia machadiana sobre crítica literária, o que é mais outra novidade trazida pela obra. A defesa de um “realismo seletivo”, a conformidade das ações das personagens às motivações interiores, o consórcio entre dados procedentes da realidade e a invenção do autor são princípios norteadores da crítica literária e teatral, a repercutir nos paratextos machadianos, com ressalvas em relação ao prólogo de Memórias póstumas de Brás Cubas, por já integrar o tecido ficcional, e aos de Esaú e Jacó e Memorial de Aires, pela ambiguidade quanto à autoria dos textos apresentados ao leitor.

Os últimos capítulos do livro foram dedicados a Eça de Queirós e José de Alencar, respectivamente, “Uma polêmica logo descontinuada (por ‘tédio à controvérsia’?): Eça de Queirós e a questão do realismo” e “José de Alencar: o romancista e o dramaturgo lidos e admirados pelo crítico Machado de Assis”. No primeiro, Bastos aborda a célebre querela em torno d’O Primo Basílio, em 1878, sobre o qual Machado de Assis se manifestou em artigos, nos quais reiterou suas convicções acerca da representação ficcional da realidade. Essa foi das raras ocasiões em que Machado se pronunciou mais duramente como crítico literário; ainda assim, o tom severo da sua crítica ficou muito distante do acirrado debate travado na imprensa carioca da época, do qual participaram vários nomes de peso (NASCIMENTO, 2008). No capítulo sobre José de Alencar, localizado não por acaso no fecho do livro, que se abrira com ele como epígrafe, na carta enviada em 1868 a Machado de Assis, apresentando-lhe Castro Alves, o pesquisador carioca resenha três modalidades de intervenção crítica de Machado acerca da obra de Alencar: a crítica literária (Iracema, 1866), a crítica teatral (Verso e reverso, O demônio familiar, As asas de um anjo, Mãe, O que é o casamento?, 1866) e o prefácio (edição comemorativa de O guarani, 1887, que acabou não acontecendo), sem esquecer as provas de admiração manifestadas em várias ocasiões, em crônicas e discursos.

Como balanço geral, o livro de Alcmeno Bastos vem trazer importante contribuição aos estudos machadianos, quanto à atuação de Machado de Assis no exercício da crítica literária e teatral, ao promover frutífero diálogo entre essas duas áreas de militância crítica, norteadas pelos princípios da “poética da moderação”.

Referências

AZEVEDO, Sílvia Maria; DUSILEK, Adriana; CALLIPO, Daniela Mantarro (Orgs.). Machado de Assis: crítica literária e textos diversos. São Paulo: Editora UNESP, 2013. [ Links ]

BASTOS, Alcmeno. Machado de Assis: a poética da moderação. Rio de Janeiro: Batel, 2018. [ Links ]

FARIA, João Roberto (Org.). Machado de Assis: do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008. [ Links ]

NASCIMENTO, José Leonardo. A recepção de O Primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX: estética e história. São Paulo: Editora UNESP , 2008. [ Links ]

Sílvia Maria Azevedo – É professora adjunto de Teoria Literária e Literatura Comparada, do Departamento de Literatura, UNESP/Assis, tendo publicado artigos e livros sobre Machado de Assis, dentre os quais a organização das seguintes antologias Badaladas Dr Semana (São Paulo: Nankin, 2019, t. I e II), História de quinze diasHistória de trinta dias (São Paulo: Editora UNESP, 2001), Machado de Assis: crítica literária e textos diversos (São Paulo: Editora UNESP, 2013), em colaboração com Adriana Dusilek e Daniela Mantarro Callipo. É autora da reedição de O Momento Literário, de João do Rio (São Paulo: Editora Rafael Copetti, 2019), com Tania Regina de Luca, e da obra Brasil em imagens: um estudo da revista Ilustração Brasileira (1876-1878) (São Paulo: Editora UNESP, 2010). https://orcid.org/0000-0001-7679-1919. E-mail: silrey@uol.com.br.

Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais – SARAIVA; ZILBERMAN (MAEL)

SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina. Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos, 2019. 208 pp. Resenha de: KRAUSE, James Remington. Machado Assis Linha v.12 n.28 São Paulo Sept./Dec. 2019.

Organizado por duas machadianas renomadas, Juracy Assmann Saraiva e Regina Zilberman, Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais “é resultado de investigações dos membros dos grupos de pesquisa ‘Ficção de Machado de Assis: sistema poético e contexto'” (SARAIVA; ZILBERMAN, 2019, p. 7). Como explicam as organizadoras na introdução, o livro “atende a um amplo escopo de leitores, que encontram em Machado de Assis motivação para aprofundar seu conhecimento sobre a literatura e sobre os imponderáveis da natureza humana” (SARAIVA; ZILBERMAN, 2019, p. 12). Com esse fim, reúne-se uma dúzia de artigos de temas abrangentes de críticos já estabelecidos e emergentes. Apesar de seu enfoque, todo leitor crítico de Machado irá achar algo de grande valor nesse conjunto de ensaios.

No seu ensaio “O estranho narrador de Quincas Borba e o problema do realismo”, Antônio Marcos Vieira Sanseverino problematiza a “instabilidade de posição do narrador”. Por um lado, o narrador externo e heterodiegético tende a reforçar a “objetividade realista” oitocentista do cotidiano brasileiro, sob a ótica do período escravista (SANSEVERINO, 2019, p. 15). Por outro lado, ele “faz questão de interromper o fluxo narrativo para comentar, desqualificar [e] rebaixar” o protagonista Rubião (SANSEVERINO, 2019, p. 35). Através de uma análise nítida e meticulosa dos comentários sardônicos do narrador, Sanseverino (2019, p. 29; p. 36) demonstra que ele “é um cidadão culto, erudito, da elite letrada brasileira que olha para Rubião com desprezo”, e por extensão para o leitor, “mostrando que ambos são incapazes de compreender os acontecimentos narrados”.

Atílio Bergamini, em “Machado marmota: os primeiros anos do contista”, oferece uma análise dos primeiros contos de Machado “como um todo”. Ele focaliza em alguns topoi unificadores, como “a viagem, a negociação, a traição e o engano” nos seguintes contos: “Três tesouros perdidos”, “O país das quimeras: conto fantástico”, “Frei Simão”, “Virginius: narrativa de um advogado”, “O anjo das donzelas”, “Casada e viúva”, “Questão de vaidade” e “Confissões de uma viúva moça” (BERGAMINI, 2019, p. 50). Segundo Bergamini (2019, p. 53), ao longo dos anos, houve um deslocamento na perspectiva de Machado de um “encadeamento ‘externo’ de ações limitadas” a um “encadeamento ‘interno’, em que a consciência e personagens se torn[ou] o foco do interesse”. Outrossim, “o objeto dos modos de ler se tornou o sujeito da análise, com vistas a uma crítica do sujeito dos modos de ler” (BERGAMINI, 2019, p. 53). Desde o início é possível traçar esse percurso que iria caracterizar a ficção do período maduro do autor.

Em “Costura entre moda e literatura, em Dom Casmurro“, Cátia Silene Kupssinskü analisa a moda como mais um sistema simbólico de significação no romance machadiano. A moda parisiense na burguesia carioca oitocentista representava a modernização e civilização presentes do Brasil. Dentro desse sistema, os comentários de Bento Santiago sobre a moda servem predominantemente para assinalar diferenças de classe social, sobretudo dos personagens de José Dias e Capitu. Assim, Machado “oferece ao leitor a oportunidade de preencher lacunas propostas pelo jogo literário, questão que se dá por meio da apreensão dos significados sociais inerentes à moda” (KUPSSINSKÜ, 2019, p. 69).

Em seu ensaio “A mulher negra e a mestiça em obras de Machado de Assis”, Cláudia Santos Duarte e Marinês Andrea Kunz (2019, p. 75) analisam a presença de “mulheres negras escravizadas”, e até certo ponto “as mulheres livres das camadas mais pobres” no romance Esaú e Jacó, no poema “Sabina”, e nos contos “Mariana” e “O caso da vara”. Segundo afirmam as autoras, Machado “[descreve] suas personagens com seus anseios, suas paixões, as violações, a objetificação, as condutas e a situação periférica que instauraram na mulher negra uma história de abusos, de superação e, principalmente, de resistência” (DUARTE; KUNZ, 2019, p. 80).

Pisando em território familiar, Débora Bender analisa as alusões a peças teatrais em “Cultura dramática em Dom Casmurro“. Bender focaliza principalmente a intertextualidade entre Dom Casmurro e Fausto de Goethe e Otelo e Macbeth de Shakespeare, chamando o romance “um misto” dessas três peças, sobretudo na sua capacidade de “revelar e problematizar a essência humana” (BENDER, 2019, p. 93). No final das contas, a arte, para Machado, “tem a função de educar seus receptores e de denunciar mazelas sociais, daí ser um púlpito e uma tribuna” (BENDER, 2019, p. 93), o que sua inspiração em consagradas obras dramáticas providencia.

Em “‘A causa secreta’ sob a luz da semiótica: um estudo do limiar”, Ernani Mügge analisa o conto desde um olhar narratológico, segundo conceitos semióticos de Dino del Pino. Mügge divide o conto em três segmentos. Segmento 1, o limiar de entrada, consiste nos primeiros dois parágrafos do conto, nos quais se apresentam os personagens com um tom inquietante. O Núcleo Diegético apresenta-se em analepse, narrando os eventos desde os primeiros encontros entre Garcia e Fortunato até o clímax e o começo do dénouement, isso é, o momento de abertura do conto. Segmento 2, o limiar de saída, é o desfecho propriamente dito – a doença e morte de Maria Luísa, o beijo de Garcia no seu cadáver e os soluços sadomasoquistas de Fortunato. Neste enquadramento, Mügge analisa os posicionamentos relacionais entre sujeito e objeto através de estímulos distais e proximais. Uma vez que o narrador se situa fora do espaço-tempo diegético, o leitor também usufrui de uma focalização externa ao texto e assim presencia o universo artístico machadiano.

Juracy Assmann Saraiva estuda a importância de espaços festivos em “Reflexão estética e manifestações populares em Memórias póstumas de Brás Cubas“. Por um lado, os “leitores ilustrados”, com um conhecimento dos textos consagrados do cânone, podiam apreciar a intertextualidade que Machado tentava criar através das alusões (SARAIVA, 2019, p. 111). Por outro lado, os leitores contemporâneos de Machado também reconheciam as múltiplas referências a “aspectos da sociedade carioca” daquela época como “ritos de integração no espaço familiar, festas cívicas e religiosas, normas de ordenamento social, superstições ou crendices, a medicina popular [e] formas de lazer” (SARAIVA, 2019, p. 128; p. 112). Ao decifrarem as referências implícitas e explícitas aos dois âmbitos – o erudito e o cotidiano – os leitores, como assinala Saraiva (2019, p. 127), conseguem “compreender não só a metabiografia do autor-defunto, mas também aquilatar posicionamentos do escritor diante do texto que produz”.

Kenneth David Jackson (2019, p. 131), em “A miscelânea machadiana: os estranhos objetos e as criaturas das fábulas morais”, analisa como Machado segue e desenvolve a tradição de fabulista ao personificar uma porção de “objetos esdrúxulos”. Machado apresenta esses “agentes independentes e inusitados” como sinédoques ou metonímias, convertendo-os em fetiches que “afastam os tabus ao dizer de outra maneira o que não pode ser dito [e que] servem de referência irônica e satírica à melancólica humanidade” (JACKSON, 2019, p. 133). Os leitores que desenredam a “retórica de dissimulação e de substituição” conseguirão “perceb[er] e particip[ar] da estratégia sutil do jogo, armado por um autor que fala por inferências, subentendidos e alusões, inventando novos contextos para fábulas sobre o comportamento e a sabedoria humanos” (JACKSON, 2019, p. 140).

Marcelo Diego começa seu artigo, “A obra de arte total de Machado de Assis”, delineando as influências principais no desenvolvimento do romance brasileiro: o romance europeu setecentista, o romance-folhetim, as narrativas de viagem, os tratados naturais e a ópera. Diego (2019, p. 148) alega que a ópera europeia “teve um impacto maior sobre a literatura brasileira do que sobre a ópera brasileira”. Ele observa que “espacialmente, a cultura da ópera e a cultura do romance floresceram em um mesmo ambiente, junto a um mesmo público” (DIEGO, 2019, p. 149). O compositor alemão Richard Wagner desenvolveu seu conceito de ópera total que possibilitava a imersão total do espectador em todas as formas de arte (literatura, teatro, música, artes visuais). Do mesmo modo, Machado procurava uma totalidade mergulhadora no romance. Se Wagner “buscava o sentido de totalidade ao aproximar ao máximo o espectador da ação de suas óperas, Machado buscava esse mesmo sentido ao afastar o leitor da ação dos seus romances, chamando atenção para a natureza ficcional deles” (DIEGO, 2019, p. 149).

Em “‘Capítulo dos chapéus’: uma epopeia invertida”, Paul Dixon analisa várias alusões a poemas épicos em alguns dos mais célebres textos machadianos. Depois de apresentar exemplos do tropo machadiano (Quincas Borba e a OdisseiaDom Casmurro e Os Lusíadas), Dixon faz uma leitura comparada – mas, como o título indica, invertida – entre A Ilíada, o épico clássico de Homero, e o conto “Capítulo dos chapéus”. Ao trocar papéis e características dos personagens (Mariana por Aquiles e Conrado por Agamenão), Dixon oferece uma interpretação do “desfecho um pouco indefinido” que também é uma reviravolta. Em vez de ver Mariana como “uma pessoa débil, sem estômago para escaramuças na guerra dos sexos, [ela] é uma pessoa com uma consciência mais aguda das posições autênticas de uma pessoa justa e livre (DIXON, 2019, p. 159).

Em “‘A Sereníssima República’ – ética e política na última década da monarquia brasileira”, Regina Zilberman (2019, p. 164) alega que na década de 1880 foi através do conto que Machado divulgava “suas preocupações estéticas e políticas”. O conto, segundo uma nota do autor, aborda o tema de “nossas alternativas eleitorais […] através da forma alegórica” (ZILBERMAN, 2019, p. 164). Zilberman (2019, p. 164) explica que Machado se referia à Lei Saraiva que “instituiu a eleição direta para todos os cargos do império e o uso do título de eleitor, documento que habilitava à participação no pleito”. Para poder votar, ela explica, “cada cidadão deveria ser alfabetizado e comprovar” que possuía certo valor de renda líquida, “o que restringiu drasticamente o número de eleitores no país” (ZILBERMAN, 2019, p. 164-165). Se há uma moral na alegoria sobre a república das aranhas, segundo Zilberman (2019, p. 175), “não se trata de escolher entre monarquia e república, voto direto ou sorteio, mas de honestidade eleitoral, ausente nos pleitos”. Para Machado, “não era a forma de governo que fazia a diferença, e sim a ação das pessoas que almejavam o poder e utilizavam os mecanismos legais disponíveis para obtê-lo” (ZILBERMAN, 2019, p. 175).

Em “Também se goza por influxo dos lábios que narram: Dom Casmurro e o ensino de Literatura”, Tatiane Kaspari apresenta um roteiro de leitura do romance machadiano baseado nas teorias de recepção (Jauss e Iser) e performance (Zumthor). A abordagem pedagógica, alicerçando-se nos princípios de roteiros de leitura estabelecidos por Juracy Saraiva Assmann, apresenta três etapas metodológicas: “preparação para a recepção do texto; leitura compreensiva e interpretativa; transferência e aplicação de leitura” (KASPARI, 2019, p. 183). O roteiro de leitura é dividido em nove módulos com exercícios de pré-leitura, leitura e pós-leitura, acompanhados por “comentários ao professor”. Kaspari fornece uma análise cuidadosa do texto que será de utilidade para leitores experientes e iniciantes de igual forma.

Referências

BENDER, Débora. Cultura dramática em Dom Casmurro. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos, 2019. [ Links ]

BERGAMINI, Atílio. Machado marmota: os primeiros anos do contista. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

DIEGO, Marcelo. A obra de arte total de Machado de Assis. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

DIXON, Paul. ‘Capítulo dos chapéus’: uma epopeia invertida. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

DUARTE, Cláudia Santos; KUNZ, Marinês Andrea. A mulher negra e a mestiça em obras de Machado de Assis. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

JACKSON, Kenneth David. A miscelânea machadiana: os estranhos objetos e as criaturas das fábulas morais. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

KASPARI, Tatiane. Também se goza por influxo dos lábios que narram: Dom Casmurro e o ensino de Literatura. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

KUPSSINSKÜ, Cátia Silene. Costura entre moda e literatura, em Dom Casmurro. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

SANSEVERINO, Antônio Marcos Vieira. O estranho narrador de Quincas Borba e o problema do realismo. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

SARAIVA, Juracy Assmann. Reflexão estética e manifestações populares em Memórias póstumas de Brás Cubas. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

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ZILBERMAN, Regina. ‘A Sereníssima República’ – ética e política na última década da monarquia brasileira. In: SARAIVA, Juracy Assmann; ZILBERMAN, Regina (Orgs). Machado de Assis em perspectiva: ficção, história e manifestações sociais. São Leopoldo: Oikos , 2019. [ Links ]

James Remington Kraus – É professor adjunto na Universidade Brigham Young e já publicou diversos artigos sobre a recepção de Machado de Assis e João Guimarães Rosa em tradução inglesa e também sobre o desenvolvimento do conto fantástico brasileiro. https://orcid.org/0000-0001-8129-5389. E-mail: jameskrause@byu.edu.

Machado de Assis: permanências – GUIMARÃES; SENNA (MAEL)

GUIMARÃES, Hélio de Seixas; SENNA, Marta de. Machado de Assis: permanências. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7Letras, 2018. 324 pp. Resenha de: SALOMÃO NETTO, Sônia. Machado Assis Linha v.12 n.27 São Paulo May/Aug. 2019  Epub July 29, 2019.

Machado de Assis: permanências é uma abrangente coletânea de dezessete ensaios, organizada por Hélio de Seixas Guimarães e Marta de Senna, estudiosos machadianos e promotores de algumas importantes iniciativas, como a revista eletrônica Machado de Assis em linha, da qual são editores, e Machado de Assis em hipertexto, com o patrocínio da Casa de Rui Barbosa.

É impossível, no espaço de uma resenha, comentar tal número de trabalhos especializados com a profundidade que merecem. Vamos buscar, por isso, ressaltar algumas linhas que sobressaem no todo, evitando a mera descrição dos estudos. Como sugere o título, a coletânea trabalha com a ideia da “permanência”, atualizando os dois sentidos principais do termo: o de legado ou transmissão e o de presença ou continuidade no que se refere à obra machadiana.

No eixo do legado as abordagens enfatizam o tema da memória: da fruição à incorporação do cânone literário até a ressonância, conforme nos indica Paul Dixon (2018, p. 239) a partir de uma análise do narrador problemático em Machado e Wood Allen, o qual precisa o conceito de permanência: “It’s not that it influenced me; it resonated with me”. No diapasão memorialístico do legado, portanto, Ana Maria Machado – leitora e escritora – vai se encarregar de mostrar-nos como caiu “na copa do chapéu de um homem que passava”, eficaz início machadiano de um conto despretensiosamente denominado “História comum”, de 1883, utilizado com efeito duplo no artigo que comentamos. Os fios da intertextualidade, ou da memória literária, entrelaçam-se com muitas outras obras pertencentes a uma tão variada quanto harmônica linhagem da qual nos interessa pinçar a relação de Capitu com a Emília de Monteiro Lobato ou com a “mulher do tenente francês”, de John Fowles, para chegarmos a A audácia desta mulher ou a Infâmia, mas também a muitos dos personagens femininos corajosos da literatura de Ana Maria Machado para leitores mirins.

Já Alfredo Bosi, em “Augusto Meyer: crítica machadiana e memória”, contextualiza o discurso do crítico gaúcho, revisitando um dos mais agudos intérpretes da máscara machadiana transposta a seus personagens. Vai buscar, desse modo, o homem do subterrâneo no próprio processo memorialístico do grande crítico para comentar a diferença da fruição da memória da infância – lírica em Meyer – e praticamente ausente em Machado de Assis, autor guiado por uma “lucidez extrema” que Augusto Meyer, com suma penetração e perspicácia, revela como uma das molas do niilismo machadiano. Para Bosi, a distância existencial entre os dois escritores propiciou a fecunda leitura crítica.

Até aqui o legado é fruição e ressonância. Em Hélder Macedo ele será um pouco mais, já que programaticamente trabalhado como cânone, como ilustra a análise de Cristina Cerdeira sobre Pedro e Paula, em que a gêmea, agora uma mulher, consegue ter voz própria para escolher o seu destino e narrar a sua história, ao contrário não só de Capitu, mas também da Flora amada por ambos os gêmeos de Esaú e Jacó. As “cousas futuras” vão se realizar numa outra perspectiva histórica, num outro contexto que, inclusive, joga luz sobre a passagem da Monarquia para a República, no Brasil, bem exemplificada pelo falso dilema da tabuleta do Custódio e da impossibilidade de escolha dos gêmeos entre os partidos liberal e conservador.

Lúcia Helena, em “‘Somente a antropofagia nos une’: Machado de Assis e Oswald de Andrade. Uma lição levada adiante”, apresentará uma síntese dos diversos mecanismos da narrativa machadiana a partir do tema da ruína e da corrosão, principalmente, chamando a atenção para o fato de que estamos relendo esta obra no âmbito do capitalismo globalizado em que se delineiam as questões das fronteiras, dos limites e das passagens. Oswald de Andrade, talvez com menor densidade reflexiva, seguiu o mestre na denúncia etnocêntrica, criando a riquíssima metáfora antropofágica que, como eu também penso, o ruminador Machado já havia preparado no final do século precedente.

Hélio de Seixas Guimarães e Pedro Meira Monteiro problematizam a presença machadiana a partir de leituras pontuais do debate modernista. Guimarães, no seu “Presença inquietante: sobre a incorporação de Machado de Assis ao cânone literário brasileiro (1908-1958)”, reconstrói o percurso da absorção da herança machadiana – do encômio fúnebre, realizado na Academia Brasileira de Letras por Rui Barbosa, às primeiras comemorações acadêmicas, logo a seguir, por conta de Euclides da Cunha e Olavo Bilac -, aprofundando um dos temas principais do debate na correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade: a controvérsia sobre o conceito de tradição na literatura brasileira. Guimarães indica as ambiguidades de Mário – com o seu Machado mais para “admirar” do que para “amar” – e a evolução de Drummond, considerado o principal herdeiro do legado machadiano. De fato, poderíamos dizer que só o filho que refaz a viagem do pai, como Telêmaco na Odisseia, é digno da sua herança. Já Meira Monteiro, no mesmo diapasão, – “Machado de Assis: uma flor desajeitada no jardim modernista”  lembra a questão das “raízes do Brasil”, na cabeça da geração de 1930, cujo ímpeto construtivo buscava abandonar o passado em prol de um futuro vigorosamente forjado. O que fazer, então com esta “flor de estufa” que era Machado de Assis? Afinal, nas palavras de Mário de Andrade, ele “não profetizou nada, não combateu nada, não ultrapassou nenhum limite infecundo”. Seguindo, desta vez, a evolução do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda, Meira Monteiro sublinha como Machado passa da imagem de um escritor isolado, diverso, uma “estátua incômoda”, ao de esfinge. Mas aqui eu perguntaria: podemos considerar verdadeira a ideia de um Machado estático, híbrido e mero contemplador da realidade presente, como avaliavam os modernistas da primeira hora? O estudo de Meira Monteiro nos auxilia nesta resposta.

Outros dois artigos que realizam importantes mergulhos na correspondência e, portanto, na memória “privada” de uma época, são o de Marisa Lajolo (“Monteiro Lobato: assíduo, dedicado e amoroso leitor de Machado de Assis”) e o de Sandra Guardini Vasconcelos (“Rosa, leitor de Machado”). Marisa Lajolo revela o percurso de Monteiro Lobato ao longo das avaliações machadianas, principalmente em cartas a Godofredo Rangel, seu fiel amigo. O estusiasmo com a filiação machadiana dos autores publicados pelo Lobato editor se estende a Leo Vaz (O professor Jeremias, 1920) e ao próprio Godofredo Rangel (Vida ociosa, 1917). Como revela a autora, no ano da comemoração do centenário de nascimento de Machado, 1939, Monteiro Lobato é convidado a escrever sobre o escritor carioca no jornal argentino La Prensa. O artigo ressalta a origem humilde, afro-brasileira, e uma certa “predestinação” que se tempera pelo esforço pessoal e pelo autodidatismo. Mas os comentários lobatianos também revelam o cuidado com a institucionalização literária, marco que iguala os dois autores, grandes profissionais da escrita, através de jornais, do teatro, da tradução. Machado cria a Academia Brasileira de Letras; Lobato compra a Revista do Brasil e a seguir funda a Companhia Editora Nacional. Quanto ao estudo de Sandra Guardini, temos a confirmação do trabalho de bastidores que o autor de Grande sertão: veredas realizava em sua própria obra e que já conhecíamos da correspondência com os seus tradutores. A estratégia se estende agora ao exame realizado sobre as obras dos grandes autores que o precederam. Analisando o Fundo João Guimarães Rosa do arquivo do IEB-USP, Guardini nos revela que Rosa, por exemplo, estava forjando o seu estilo, a sua língua, o seu projeto, anotando tudo o que poderia servir-lhe. No Diário de Hamburgo, escrito pelo então jovem diplomata, Machado de Assis parece ser o modelo a ser desenhado, desafiado e superado. Curiosa é a análise aparentemente apressada da obra machadiana que surge numa espécie de “lista” a ser estudada.

A outra importante presença machadiana está no teatro, ao qual Machado se dedicou durante muitos anos como dramaturgo e crítico teatral, além de ter escrito óperas e ter seguido o rico movimento operístico do seu tempo. Na verdade, o teatro está presente na sua poética e integra o seu cânone estilístico. No entanto, essa parte de sua obra foi por muito tempo relegada a produção menor. João Roberto Faria (Machado de Assis encenado por Ziembinski e Ruggero Jacobbi) recupera a história desse juízo crítico negativo, que tem como origem a opinião do amigo Quintino Bocaiuva em carta a Machado. Faria centra-se na encenação de Lição de botânica – realizada por Ruggero Jacobbi em São Paulo, em 1954, e a seguir no Rio de Janeiro, em 1956 – e na de O protocolo, em 1958, com direção de Ziembinski, no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro, recolhendo a crítica positiva e mais articulada em torno dessas duas montagens. No âmbito da modernização do teatro brasileiro, os dramaturgos e cenógrafos estrangeiros – italianos na sua maior parte -, homens de teatro que eram, souberam apreciar o estilo enxuto de Machado e a sua filosofia teatral inspirada em Musset. Nesta perspectiva, Machado é considerado por especialistas, inclusive pelos críticos brasileiros Gilda de Mello e Souza, Décio de Almeida Prado e Bárbara Heliodora, entre outros, que não comparam as suas peças com os romances. Cabe acrescentar, à longa lista de preciosas citações que nos traz Faria, a apreciação consagradora que Ruggero Jacobbi (1961, p. 74-76) nos deixa no seu Teatro in Brasile sobre Machado.

A busca da permanência machadiana será realizada também através de um trabalho comparativo, em que Marta de Senna (“Dom Casmurro e São Bernardo: vozes na solidão”) aprofunda as semelhanças entre os dois romances segundo a situação do narrador memorialista que escreve a partir da própria ruína e solidão. Os narradores realizam, segundo a autora, uma “tentativa de entender, ao narrar, aquilo que não conseguiram compreender ao viver” (SENNA, 2018, p. 228). Simultaneamente, tratando-se do específico terreno memorialístico, em que a realidade do acontecido se mistura com a subjetividade do vivenciado, podem escolher, ainda por cima, o que e como narrar. Não resta dúvida de que a memória é mais psicossocial em Machado e mais tragicamente sociológica em Graciliano. De qualquer modo, e esta parece ser a conclusão de Marta de Senna, tanto Capitu quanto Madalena eram luvas muito finas para as mãos desajeitadas de Bentinho e Paulo Honório.

Nesta linha comparativa coloca-se também o estudo de Lúcia Granja. No seu caso, trata-se de uma investigação dos mecanismos de poder nas relações interpessoais e, mais especificamente, do processo de silenciamento feminino em Dom Casmurro e em Um copo de cólera, de Raduan Nassar, a partir da relação erótico-amorosa. Naturalmente, esses mecanismos são reveladores de um contexto histórico-social específico que a autora não deixa de indicar na sua análise. Em relação aos mecanismos de representação e às pulsões que se expressam através de uma forma narrativa específica, os trabalhos de Bluma Waddington Vilar (“O caloteiro e o cobrador ou como deixar de pagar segundo Machado de Assis e Rubem Fonseca”) e de Marcelo Diego (“Machado e Nelson, matrizes da perversão”) podem ser associados ao de Lúcia Granja e aos demais artigos que se inscrevem na linha comparativa. Assim, a relação entre moral e dívida, através da obra de Machado de Assis e de Rubem Fonseca, ganham espaço e jogam luz recíproca sobre o problema da dívida social. Tema, aliás, de grande interesse no mundo globalizado de hoje, cujas franjas de algodão da pobreza apresentam uma conta muito alta a ser paga – fome e miséria, imigração desordenada, guerrilhas e terrorismo – em relação ao manto de veludo do progresso e da acumulação de capital. Nesse sentido, o grande moralista e o estupendo investigador das causas secretas que foi Machado de Assis se coaduna com outro grande inquiridor ou delegado das causas perdidas, dos crimes e da marginalidade urbana que é Rubem Fonseca no seu conto-paradigma: “O cobrador”.

Já Marcelo Diego, partindo do tema da perversão, investiga em Nelson Rodrigues as raízes submersas na obra do Bruxo do Cosme Velho; principalmente em contos como “A causa secreta”, “Singular ocorrência”, “O enfermeiro”, “O caso da vara”, “Conto alexandrino” e “Pai contra mãe”. O universo micropolítico de Nelson Rodrigues, concentrando-se na família, por sua vez, descreve os mecanismos macropolíticos da sociedade brasileira das décadas de 1950-1960, numa implosão de culpa, mutilação, crime ou suicídio. Ambos os autores souberam captar as dinâmicas intestinas de uma cidade, o Rio de Janeiro, a partir das nuances, das falhas e das usuras que escondem o bas fond de uma cidade. Na obra de Machado de Assis aparecem, como bem indica o autor, na casinha de Dona Plácida na Gamboa, ou na rótula de Genoveva no conto “Noite de almirante”. Mas há muitas outras, como a loja de Marcela, corroída pelas bexigas, em plena rua dos Ourives, no Memórias póstumas. Poderíamos aqui chamar em causa também o tema do grotesco na literatura brasileira urbana.

Outra contribuição do volume é a de Regina Zilberman. Na linha comparatista que estamos indicando, seu texto apresenta sugestiva possibilidade de leitura, a partir da ideia de “plágio antecipado” de Pierre Bayard. Através de um articulado percurso que envolve A mulher que escreveu a Bíblia, de Moacyr Scliar, e Memórias póstumas de Brás Cubas, a autora mostra como ambos os romances lidam com a tradição e o próprio modo de narrar. Se o modelo bíblico nutriu as Memórias póstumas, este joga luz sobre a narrativa de Scliar, e ambos discutem literariamente o problema da autoria, através de uma hipótese do crítico norte-americano Harold Bloom de que uma mulher teria sido a autora da primeira versão da Bíblia, escrita no século X a.C..

Na mesma linha, ainda, o trabalho de Ieda Lebensztayn, desta vez sobre um herdeiro falido: Léo Vaz (O professor Jeremias), ao qual Monteiro Lobato vaticinara um lugar futuro na literatura brasileira. Curiosamente, o próprio Machado que o sufocou – com a peja da imitação – o está trazendo à tona, no âmbito de uma necessária revisão crítica de estereótipos tantas vezes repetidos e que o trabalho de Ieda Lebensztayn vem resgatar e contextualizar.

Que homenagem maior poderia ser dedicada ao legado machadiano, no seu duplo sentido de transmissão e permanência, senão a experiência da reescrita de “Missa do galo” (Missa do galo – variações sobre o mesmo tema, 1977) por um grupo de peso capitaneado por Osman Lins? Juracy Assman Saraiva, no seu “Leitores nas margens de ‘Missa do Galo'”, repercorre as várias versões que, em última análise, são fruto de leituras provocadas por um conto voluntariamente ambíguo como os olhos de Capitu.

Como balanço final, a coletânea cumpre o seu objetivo, mobilizando um grupo composto por variadas formações críticas e profissionais. Todos nós, e aqui me incluo, lidamos com um autor que, para formar o seu próprio cânone, não poupou esforços nem leituras (SALOMÃO, 2016). Um autor que construiu e fecundou mais do que os modernistas da primeira hora pudessem admitir e que, como pensava de Garrett, “só por si valia uma literatura” (ASSIS, 1979, p. 931).

Referências

ASSIS, Machado de. Obras completas. Organização de A. Coutinho. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1979. v. 3. [ Links ]

DIXON, Paul. Machado de Assis, Wood Allen e o narrador problemático. In: GUIMARÃES, Hélio de Seixas; SENNA, Marta de (Orgs.). Machado de Assis: permanências. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7Letras, 2018. p. 238-252. [ Links ]

JACOBBI, Ruggero. Teatro in Brasile. Bolonha: Cappelli Editore, 1961. [ Links ]

SALOMÃO, Sonia Netto. Machado de Assis e o cânone ocidental: itinerários de leitura. Rio de Janeiro: EdUerj, 2016. [ Links ]

SENNA, Marta de. Dom Casmurro e São Bernardo: vozes na solidão. In: GUIMARÃES, Hélio de Seixas; SENNA, Marta de (Orgs.). Machado de Assis: permanências. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7Letras , 2018. p. 225-237. [ Links ]

Sonia Salomão Netto – É ex-professora da UFRJ e da UERJ, ensina atualmente na Sapienza, Universidade de Roma, e já publicou diversos ensaios e estudos sobre a história da língua portuguesa, entre os quais, os volumes Da palavra ao texto, estudos de linguística, filologia, literatura (Viterbo, Sette Città, 2007, com reedições) e A língua portuguesa nos seus percursos multiculturais (Roma, Nuova Cultura, 2012). Além disso, coordenou a tradução de Quincas Borba, de Machado de Assis (Viterbo, Sette Città, 2009), e integra o conselho editorial da Coleção Brasil-Itália, da Editora da UERJ. http://orcid.org/0000-0002-2929-6701. E-mail: sonia.nettosalomao@uniroma1.it

Epígrafes e diálogos na poesia de Machado de Assis – MIASSO (MAEL)

MIASSO, Audrey Ludmilla do Nascimento. Epígrafes e diálogos na poesia de Machado de Assis. São Carlos: EdUFSCar, 2017. 505 pp. Resenha de: RIBAS, Maria Cristina Cardoso. Machado Assis Linha v.12 n.26 São Paulo Jan./Apr. 2019.

O título deste livro, circunscrito a epígrafes machadianas, pode suscitar uma curiosidade mais imediata: como epígrafes, tidas pelo senso comum (do qual, em alguns momentos, somos todos partícipes) como adorno ou ateste de erudição, justificam a existência de um trabalho dessas proporções?

A questão provavelmente advém de uma tendência contemporânea: o automatismo de determinados olhares compromete a percepção das sutilezas discursivas, o que torna quase invisível – a este modo de ver – a presença de textualidades interligadas e justapostas, tidas como acessório do elemento principal. Neste distúrbio de refração ocular, utilizando lentes adequadas para refocalizar o objeto e neutralizar a miopia discursiva, tenazmente instalada no delicado espaço entre a citação e o poema, lado à “paixão pelo gesto arcaico de recortar-colar” (COMPAGNON, 1996, p. 12), Audrey Ludmilla do Nascimento Miasso percebeu a distorção do foco, traduzida em aparente desinteresse, a qual redundou na escassez de estudos sobre o tema.

A pesquisadora estuda o projeto poético machadiano desde 2008, tendo publicado vários trabalhos sobre o tema (MIASSO, 2016). Sua dissertação de mestrado – defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Literatura (PPGLit) da UFSCar e orientada por Wilton Marques, professor do Departamento de Letras dessa Universidade -, foi transformada, com apoio da Fapesp, no livro que ora temos em mãos.

Na apresentação do volume, Hélio de Seixas Guimarães refere-se à leitura em espiral das epígrafes machadianas, imagem bastante adequada ao livro de Audrey, justamente por sinalizar a importância da dinâmica de um retorno que, passando pelos mesmos lugares, vai também além deles, formulando novas possibilidades significativas. Para o crítico e pesquisador da USP, a autora busca “examinar um problema aparentemente periférico e menor em seus mais variados aspectos, ampliando seu alcance e tirando dele consequências que extrapolam em muito a delimitação de seu ponto de partida” (GUIMARÃES, 2017, p. 11). E mais: diante da constatação de que as epígrafes vão diminuindo ao longo da obra poética, Hélio Guimarães retoma a imagem da autora em sua hipótese: como se elas escorressem pelos versos e estrofes, misturando-se a elas.

Vale dizer que o livro de Audrey sobre as epígrafes machadianas traz também uma epígrafe quase autoexplicativa, de Jean Michel Massa (1971) – forte presença no livro organizado por Jobim (MASSA, 2001) sobre a biblioteca de Machado de Assis. Pinçada com precisão pela autora, a citação de Massa ilustra a estratégia de citação machadiana, o seu modo de “recorta-cola” tão milimetricamente descrito no livro. Escrita encadeada, a autora trabalha as epígrafes de Machado formulando uma composição epigráfica, desenhando as citações dentro das citações, trazendo à cena a montagem da montagem de Machado, hábil operador que copia, refaz, suprime, traduz, deforma, esquece, modifica, ilumina, erra.

Passando a apresentação espiralada de Hélio Guimarães e a epígrafe de Massa, adentramos o primeiro capítulo. Em tom de convite, a autora nos convoca: “De início, vamos ao encontro de Machado adolescente, contando com seus quinze anos e já poeta” (MIASSO, 2017, p. 37). E segue historiando as primeiras publicações, inclusive aquelas anteriores à fama do bruxo do Cosme Velho e ao seu (re)conhecimento pelo público. Gentilmente, a autora vai pincelando informações consensuais, como o dado de que o periódico de Paula Brito fora o principal meio em que ele publicaria seus versos até 1858. Lançando mão do “nós” – “vamos”… “notamos”… salta aos “nossos” olhos… – na autorreferência da própria voz, vai obtendo um efeito inclusivo e afeito ao leitor, dispersando informações em doses homeopáticas. Curiosamente, a dispersão dos dados atravessa a organização sequencial dos poemas, mobilizando intertextos que se justapõem, segundo a acurada pesquisa da autora, no modo composicional das epígrafes machadianas.

Dentre os inúmeros exemplos que se desdobram ao longo dos capítulos, vão sendo compartilhados os efeitos dessas epígrafes sobre a leitura, inclusive quando rareiam ou deixam de aparecer. Pelas minuciosas descrições apresentadas, não soam como aleatórias. Ao falar de Crisálidas, Audrey ressalta a epígrafe traduzida para o português e extraída das Méditations poétiques (1820), de Alphonse de Lamartine, ainda que, conforme a autora, no Inventário proposto por Jean-Michel Massa não seja citada a obra de Lamartine. A primeira conclusão resultante neste trecho é o efeito da tomada de um poeta romântico francês. Nas palavras da autora, “[…] alerta o leitor de qual será a visão que o jovem crítico apresentará da poesia”. Citando aqui a epígrafe, antecedida pela questão “o que é a poesia?”, lê-se: “uma palavra que o anjo das harmonias segreda no mais íntimo d’alma” (MIASSO, 2017, p. 39).

Nas linhas seguintes (MIASSO, 2017, p. 41), ela faz reverberar, no leitor, o seu propósito: “Tentar encontrar aquilo que saltava aos olhos de Machado no início de sua carreira”. Ao mesmo tempo, vai instalando a dúvida na estratégia machadiana de captação das epígrafes: a proveniência é direto da fonte, ou colhida à epígrafe de outrem, citação da citação, fragmento em segundo ou terceiro grau – como, por exemplo, relata acerca dos versos de Dumas pai no poema “Vem!” (publicado em O Paraíba, 11/4/1858): “se teriam sido retirados de sua fonte primeira, a peça ‘Teresa’ (1832), ou teriam sido reaproveitados da epígrafe de Álvares de Azevedo” (MIASSO, 2017, p. 44). Seguem informações minuciosas acerca deste procedimento – que a autora chama, sem lastro pejorativo, na expressão de Genette (2009), de “aproveitamento de segunda mão” -, bem como de suas repercussões no sentido e no teor composicional dos versos. Deste exemplo bastante detalhado, algumas conclusões merecem realce. Nas palavras da autora: 1. Decorre o possível equívoco de pensar “que a epígrafe funciona da mesma maneira nos diferentes poemas que dela se apropriam”; 2. Urge, portanto, o entendimento de que “A epígrafe não é um corpo extático e não tem seu sentido definido”, mas [a autora cita Compagnon (1996, p. 48)], “muda de sentido segundo a força que se apropria dela: ela tem tantos sentidos quantas são as forças suscetíveis de se apoderar dela” (MIASSO, 2017, p. 45). Com isso, Audrey ativa o diálogo intertextual e intersubjetivo da grafia poética, ressaltando a potência não de sua precisão, mas de sua instabilidade e incompletude.

Ao mencionar outro poema dentre os dispersos que escolhe destacar – “Teu canto” (publicado em A Marmota Fluminense, 15/7/1855) -, a pesquisadora ressalta o fato de a epígrafe ser assinada “pelo próprio Machado”. Em sua análise, conclui que a predileção machadiana em fase inicial de carreira poderia ser pela própria epígrafe, em lugar de considerá-la apenas um meio para reafirmar suas leituras; ou seja, reitera o procedimento como tática para dar pistas ao leitor sobre o que viria ler e produzir. E arremata seu entendimento, aproximando-o do que Genette (2009) chamou de efeito-epígrafe.

A seguir, e em vários outros momentos, a autora sinaliza o quanto as epígrafes sugerem a conexão dos primeiros poemas machadianos com o romantismo francês, relatando que, até 1864, algumas delas são colhidas a Victor Hugo, Alexandre Dumas, Alfred Musset, Gautier e La Rochefoucauld; com o romantismo português de Almeida Garrett e o romantismo brasileiro de Magalhães, Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo. Importante lembrar as fortes conexões anteriores ao Romantismo como a ligação visceral com Shakespeare, com a Bíblia – Machado era fã do Eclesiastes – e, em menor escala, com textos históricos dos livros da Crônica da Companhia de Jesus e da História dos índios cavaleiros.

A autora traz, ainda, o apoio do discurso cronístico machadiano, sobretudo a parte publicada em A SemanaO Cruzeiro e A Marmota. Interessante observar que Machado imita e ressignifica passagens e imagens bíblicas presentes no imaginário ocidental, através da aparente repetição da fonte. A diferença se instala justamente na repetição do evento ou forma imagética, ancorada na suposta fidelidade que a crescente respeitabilidade conferida a Machado garantia junto ao público leitor.

A autora investe tenazmente nas pistas que desentranha às epígrafes machadianas e as rastreia com precisão de escavadora. Movimento propulsor da pesquisa, no início ela aposta na veracidade dos indícios. Sabiamente abre, porém, espaço para a ambiguidade. Onde há fumaça pode haver não apenas fogo, mas lentes embaçadas que impedem a percepção de que indícios podem representar despistes ou funcionar como deflagradores de um turning point na leitura. Machado trabalhou as epígrafes e as respectivas referências com omissão, erro ou detalhamento nem sempre explícitos dos lugares de captação.

Nas palavras da autora, sobre a leitura dos poemas epigrafados incide um “momento de interpretação”, não bastando a percepção da intertextualidade ou o reconhecimento da fonte. Com esta perspectiva, as epígrafes se desdobram e deixam ver o lado informativo sobre os contextos de produção, os dados objetivos circunscritos à publicação pelas editoras, os contratos materiais e pactos de leitura implícitos assinados por Machado, os projetos dos poemas, e a problematização de hipóteses e efeitos de sentido que interseccionam tais esferas no momento da leitura. Por um viés visto até então como menor, o trabalho de Audrey é primoroso e acessa, pelo detalhe, no desfiar da bainha, a complexidade da escrita de Machado em suas eternas e humanas contradi(c)ções. “As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão […]” (ASSIS, 1884, p. 15). Este livro abre, pelas bordas, um espaço interessantíssimo para os leitores e estudiosos de Machado. Vale a convocação.

Referências

ASSIS, Machado de. A igreja do diabo. In: ______. Histórias sem data. Rio de Janeiro: Garnier, 1884. [ Links ]

COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Belo Horizonte: UFMG, 1996. [ Links ]

GENETTE, Gérard. Epígrafes. In: ______. Paratextos editoriais. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. [ Links ]

GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Apresentação. In: MIASSO, Audrey Ludmilla do Nascimento . Epígrafes e diálogos na poesia de Machado de Assis. São Carlos: EdUFSCar, 2017. [ Links ]

MASSA, Jean Michel. A biblioteca de Machado de Assis: quarenta anos depois. In: JOBIM, José Luís. A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro: ABL; Topbooks, 2001. p. 21-91. [ Links ]

______. A juventude de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. [ Links ]

MIASSO, Audrey Ludmilla do Nascimento . Epígrafes e diálogos na poesia de Machado de Assis. São Carlos: EdUFSCar , 2017. [ Links ]

______. O diálogo bíblico em “A cristã nova”, de Machado de Assis. In: ALMEIDA, Kenia Maria de; PEREIRA, João Paulo; SILVA, Ayub Glenda (Orgs.). A poesia e a bíblia: entre a reverência e a paródia. Uberlândia: Edibrás, 2016. [ Links ]

Recebido: 25 de Janeiro de 2019; Aceito: 01 de Março de 2019

Maria Cristina Cardoso Ribas – É Professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Procientista Uerj/Faperj e membro efetivo do Programa de Pós-graduação em Letras no Instituto de Letras, Uerj e do Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Faculdade de Formação de Professores da Uerj. A área de concentração é Literatura, Teoria e História e as linhas de pesquisa são Teoria Literária, Literatura Comparada, Literatura Brasileira e Estudos de Intermidialidade. Concluiu o Pós-doutorado na Universidade Federal Fluminense. Publicou, entre outros trabalhos, Onze anos de correspondência: os machados de Assis, pela 7Letras e PUC-Rio; “Re-reading Literature in Contemporary Cinema: Intermediality in Machado de Assis’ Story “Father Against Mother” (1906) and Sergio Bianchi’s film How much is it worth or is it per kilo?” (In: Brigitte Le Juez; Nina Shiel; Mark Wallace (Orgs.). (Re)writing without borders: contemporary intermedial perspectives on literature and the visual arts, 2005); “O tempo na narrativa machadiana ou quando a ficção refaz a ciência” (Rivista di Studi Portoghesi e Brasiliani); Estudo a O Alienista: a ciência da loucura e a loucura da ciência, pela EdUerj. E-mail: marycrisribas@gmail.com.

Machado de Assis: por uma poética da emulação | João Cezar Castro Rocha

Em abril de 1878, em resenha ao recém-saído O Primo Basílio de Eça de Queirós, Machado de Assis – comentando o diálogo estabelecido pelo autor português com a tradição francesa, especialmente com Zola – afirma que se Eça “fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento” (CASTRO ROCHA, 2013, p.138). Ora, para quem bem conhece o vocabulário intelectual do século XIX brasileiro, associar a imitação da tradição francesa com talento pode soar com certa estranheza, haja vista o intenso esforço para a afirmação de uma produção cultural e literária dita própria e conseguir a denominada “independência de espírito” da nação. A resenha de Machado registra, porém, um importante influxo nessa linhagem interpretativa que irá marcar daí em diante a obra do autor, dando início à recuperação de uma interessante prática intelectual que se caracteriza, dentre outras formas, por uma maneira particular de lidar com a tradição e com a posição do homem brasileiro de letras naquele contexto. Leia Mais