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Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais – HONNETH (C)
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. de Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. Resenha de: SALVADORI, Mateus. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 1, Jan/Abr, 2011.
A figura mais proeminente dentre os teóricos da terceira geração de Frankfurt é Axel Honneth. Os seus estudos concentram-se nas áreas: filosofia social, política e moral, tratando ,principalmente, da explicação teórica e crítico-normativa das relações de poder, respeito e reconhecimento na sociedade atual.
O objetivo central de Honneth na obra Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais, é mostrar como indivíduos e grupos sociais se inserem na sociedade atual. Isso ocorre por meio de uma luta por reconhecimento intersubjetivo e não por autoconservação, como salientavam Maquiavel e Hobbes. As três formas de reconhecimento são as seguintes: o amor, o direito, e a solidariedade. A luta pelo reconhecimento sempre inicia pela experiência do desrespeito dessas formas de reconhecimento. A autorrealização do indivíduo somente é alcançada quando há, na experiência de amor, a possibilidade de autoconfiança, na experiência de direito, o autorrespeito e, na experiência de solidariedade, a autoestima.
Honneth, inspirando-se no conceito de reconhecimento do jovem Hegel, busca fundamentar a sua própria versão da teoria crítica. Com isso, ele pretende explicar as mudanças sociais por meio da luta por reconhecimento e propõe uma concepção normativa de eticidade a partir de diferentes dimensões de reconhecimento. Os indivíduos e os grupos sociais somente podem formar a sua identidade quando forem reconhecidos intersubjetivamente. Esse reconhecimento ocorre em diferentes dimensões da vida: no âmbito privado do amor, nas relações jurídicas, e na esfera da solidariedade social. Essas três formas explicam a origem das tensões sociais e as motivações morais dos conflitos.
A primeira forma de reconhecimento consiste nas emoções primárias, como o amor e a amizade. Para investigar essa esfera, o autor volta-se aos trabalhos da psicologia infantil de Donald Winnicott. O ponto de partida dessa primeira forma é uma fase de simbiose, chamada por Winnicott “dependência absoluta”. A mãe e o filho estão em um estado de indiferenciação. As reações do filho são percebidas pela mão como um único ciclo de ação. Winnicott chama isso “intersubjetividade primária”, em que há uma unidade de comportamento. Porém, para ampliar o seu campo social de atenção, a mãe começa a romper a sua identificação com o bebê. Com isso, o bebê aprende que a mãe é algo do mundo e que não está à sua inteira disposição.
Essa segunda fase é chamada “dependência relativa”. É nesse período que a criança desenvolve a sua capacidade para uma ligação afetiva. A criança reconhece o outro como alguém com direitos próprios, independente. Para Winnicott, a fim de alcançar essa independência do outro, a criança tem que desenvolver dois mecanismos psíquicos: destruição e os fenômenos e objetos transicionais. A destruição (mordidas no corpo da mãe) consiste em atos que a criança pratica quando descobre a independência da mãe. Eles se tornam positivos quando o bebê reconhece a independência da mãe, amando-a sem as fantasias de onipotência. Os fenômenos e objetos transicionais (travesseiro, brinquedo, dedo polegar) são elos de mediação entre a fase da fusão e a da separação.
A criança somente alcança a criatividade quando fica sozinha com os objetos transicionais. Isso é possível devido à dedicação emotiva da mãe, mesmo estando distante da criança. Essa confiança na dedicação materna faz com que a criança desenvolva a autoconfiança. Nessa análise de Winnicott, pode-se concluir que o amor é uma forma de reconhecimento e, por meio dele, o indivíduo desenvolve uma confiança em si mesmo, indispensável para seus projetos de autorrealização pessoal.
Para Honneth o amor somente surge quando a criança reconhece o outro como uma pessoa independente, ou seja, quando não está mais num estado simbiótico com a mãe. O amor é o fundamento da autoconfiança, pois permite aos indivíduos conservarem a identidade e desenvolverem uma autoconfiança, indispensável para a sua autorrealização. O amor é a forma mais elementar de reconhecimento.
O amor se diferencia do direito no modo como ocorre o reconhecimento da autonomia do outro. No amor, esse reconhecimento é possível, porque há dedicação emotiva. No direito, porque há respeito.
Em ambos, somente há autonomia quando há o reconhecimento da autonomia do outro. A história do direito ensina que, no século XVIII, havia os direitos liberais da liberdade; no século XIX, os direitos políticos de participação e, no século XX, os direitos sociais de bem-estar. De modo geral, essa evolução mostra a integração do indivíduo na comunidade e a ampliação das capacidades, que caracterizam a pessoa de direito. Nessa esfera, a pessoa é reconhecida como autônoma e moralmente imputável ao desenvolver sentimentos de autorrespeito.
A solidariedade (ou eticidade), última esfera de reconhecimento, remete à aceitação recíproca das qualidades individuais, julgadas a partir dos valores existentes na comunidade. Por meio dessa esfera, gera-se a autoestima, ou seja, uma confiança nas realizações pessoais e na posse de capacidades reconhecidas pelos membros da comunidade. A forma de estima social é diferente em cada período histórico: na modernidade, por exemplo, o indivíduo não é valorizado pelas propriedades coletivas da sua camada social, mas surge uma individualização das realizações sociais, o que só é possível com um pluralismo de valores.
A passagem progressiva dessas etapas de reconhecimento explica a evolução social. Ela ocorre devido à experiência do desrespeito que se dá desde a luta pela posse da propriedade até à pretensão do indivíduo de ser reconhecido intersubjetivamente pela sua identidade.
Segundo Honneth, para cada forma de reconhecimento (amor, direito e solidariedade) há uma autorrelação prática do sujeito (autoconfiança nas relações amorosas e de amizade, autorrespeito nas relações jurídicas e autoestima na comunidade social de valores). A ruptura dessas autorrelações pelo desrespeito gera as lutas sociais. Portanto, quando não há um reconhecimento ou quando esse é falso, ocorre uma luta em que os indivíduos não reconhecidos almejam as relações intersubjetivas do reconhecimento. Toda luta por reconhecimento inicia por meio da experiência de desrespeito. O desrespeito ao amor são os maus-tratos e a violação, que ameaçam a integridade física e psíquica; o desrespeito ao direito são a privação de direitos e a exclusão, pois isso atinge a integridade social do indivíduo como membro de uma comunidade político-jurídica; o desrespeito à solidariedade são as degradações e as ofensas, que afetam os sentimentos de honra e dignidade do indivíduo como membro de uma comunidade cultural de valores.
As mudanças sociais podem ser explicadas por meio do desrespeito, gerador de conflitos sociais. Os conflitos surgem do desrespeito a qualquer uma das formas de reconhecimento, ou seja, de experiências morais decorrentes da violação de expectativas normativas. A identidade moral é formada por essas expectativas. Uma mobilização política somente ocorre quando o desrespeito expressa a visão de uma comunidade.
Portanto, a lógica dos movimentos coletivos é a seguinte: desrespeito, luta por reconhecimento, e mudança social. Honneth, seguindo as ideias de Hegel, afirma que a eticidade é o conjunto de condições intersubjetivas, que funcionam como condições normativas necessárias à autodeterminação e a autorrealização.
A teoria de Honneth é explicativa, pois busca esclarecer a gramática dos conflitos e a lógica das mudanças sociais com a finalidade de entender a evolução moral da sociedade, e crítico-normativa, porque fornece um padrão – a eticidade – para identificar as patologias sociais e avaliar os movimentos sociais. A eticidade, portanto, é o conjunto de práticas e valores, vínculos éticos e instituições, que formam uma estrutura intersubjetiva de reconhecimento recíproco. Por meio da vida boa, há uma conciliação entre liberdade pessoal e valores comunitários. A identidade dos indivíduos é formada pela socialização, ou seja, é formada na eticidade, inserida em valores e obrigações intersubjetivas. Portanto, não há como pensar a existência de um contrato para o surgimento da sociedade, mas nas transformações das relações de reconhecimento.
Esse conceito formal de eticidade, elaborado por Honneth, visa a ser uma ampliação da moralidade, integrando tanto a universalidade do reconhecimento jurídico-moral da autonomia individual como a particularidade do reconhecimento ético da autorrealização. Por conseguinte, esse conceito tem como objetivo alcançar todos os aspectos necessários para um verdadeiro reconhecimento.
Na sociedade moderna, o indivíduo tem de encontrar reconhecimento tanto como indivíduo autônomo livre quanto como indivíduo, membro de formas de vida culturais específicas. Essa concepção formal de eticidade fica sempre limitada pelas situações históricas concretas. Portanto, ela não cai num etnocentrismo, nem numa utopia, pois ela é uma estrutura que se encontra inserida nas práticas e instituições da sociedade moderna.
Mateus Salvadori – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor na Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: mateusche@yahoo.com.br