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América latina no século XIX: tramas, telas e textos | Maria Lígia Coelho Prado
Não existe historiador que se preze que jamais tenha tomado contato com as obras de Bloch, Thompson, Duby, somente para citar alguns, independentemente da área de atuação ou do objeto de estudo de sua especialidade. Isto se dá não apenas por serem autores ditos “clássicos”, mas, sobretudo, por tratar-se de textos cuja leitura permite discutir, transcendendo a problemática proposta, a própria disciplina histórica. O livro da Profa. Maria Lígia Prado, sem ter a pretensão de ser um “clássico”, convida o leitor à analise de diferentes possibilidades de abordagem para a história. Apesar da delimitação sugerida pelo título, não se trata de um livro restrito aos latino-americanistas. Pelo contrário, interessa a todos que buscam refletir sobre a escrita da história, com ênfase sobre a (nova) história política e os imaginários sociais. Utilizando o recurso da análise comparativa, Maria Lígia Prado tece a trama do século XIX latino-americano abrindo mão de uma narrativa cronológica, ao promover uma separação temática dos ensaios, sem, no entanto, abandonar, no enredo subjacente, os marcos temáticos da história latino-americana. Assim, o livro começa com a guerra de independência e termina com a discussão dos projetos de identidade nacional, passando por propostas de independência frustradas, por projetos pós-independência, pela consolidação de instituições, pela literatura e vida cultural e, ainda, pela consolidação do Estado Nacional. Em cada um desses tópicos houve a escolha de um foco privilegiado para a análise. Leia Mais
A formação das almas: o imaginário da República no Brasil | José Murilo de Carvalho
Ao ler A formação das almas: o imaginário da república no Brasil, de José Murilo de Carvalho – oportunamente relançado no final de 1995 -, tem-se a impressão de que a obra merece um subtítulo mais extenso, uma vez que não nos fala sobre um (ou “o”) imaginário da República, porém sobre o embate dinâmico para a construção de imaginários e seus respectivos símbolos. Esse sentido, aliás, é fundamental no desenrolar do texto, que procura mostrar sempre as mediações e os conflitos existentes na criação e consolidação dos principais símbolos republicanos.
O livro, mesmo sendo composto por alguns ensaios já publicados, ao lado de artigos inéditos, apresenta uma ótima coerência interna, explorando muito bem o objeto proposto. Inicia a análise pelos modelos políticos e filosóficos norteadores do positivismo, esmiuçando tanto a aplicação prática destes no Brasil, como a adaptação sofrida neste processo. Em seguida, o autor discute as diversas proclamações da República e o conseqüente impasse simbólico – proveniente das lutas pela criação de um imaginário social entre as diferentes vertentes político-filosóficas – externado nas figuras-símbolo de Deodoro, Floriano Peixoto e Benjamim Constant. Depois de abordar o imaginário do “fato” (a proclamação), José Murilo explora a construção de um mito de origem da República brasileira – Tiradentes – e suas diversas apropriações por diferentes (e até mesmo antagônicos) grupos sociais. A etapa seguinte, apresentada pelo livro, é a tentativa (frustrada) da criação de uma simbologia para a própria República, capaz de aproximar Estado e Nação, República e Brasil: a transposição do modelo francês “Marianne”, muitas vezes travestido da musa comtiana Clotilde de Vaux. O autor aborda, então, a criação (ou reciclagem) dos símbolos formais da bandeira do hino nacional, exigidos para qualquer Estado, os quais acabaram por tornar-se muito mais representativos da Nação (Brasil) do que do Estado (República). A obra se encerra com a retomada das questões anteriores, principalmente a aplicação dos modelos filosóficos comtianos no Brasil, visando promover uma reflexão sobre a construção de um imaginário da República capaz amalgamar o Brasil enquanto Nação, isto é: enquanto comunidade de sentido, segundo Bazco (1985), ou comunidade imaginada, segundo Anderson (1989). Leia Mais