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Fragmentos da História Intelectual: entre questionamentos e perspectivas – SILVA (VH)
SILVA, Helenice Rodrigues da. Fragmentos da História Intelectual: entre questionamentos e perspectivas. Campinas: Papirus, 2002. Resenha de: LOPES, Marcos Antônio. O mapa de um labirinto: a História Intelectual, seus problemas, seus métodos e incertezas. Varia História, Belo Horizonte, v.18, n.28, p. 225-229, dez., 2002.
Em Fragmentos da História Intelectual Helenice Rodrigues da Silva apresenta ao leitor brasileiro campos temáticos e domínios teóricos em relação aos quais ainda não há “fronteiras” bem definidas. Como campo de pesquisa relativamente recente na França, as temáticas e os métodos de abordagem da História Intelectual ainda estão por ser fixadas. Segundo a autora, isto faz da História Intelectual um campo de estudos marcado pela indeterminação dos objetos e à procura de uma verdadeira identidade.
Gênero historiográfico forte na Inglaterra e nos Estados Unidos, países nos quais a expressão História Intelectual possui sentidos muitos diferentes, a variante francesa apresenta diferenciais que a particularizam, tornando-a um “desvio” fecundo e revelador de aspectos novos que as obras de pensamento podem propiciar. Mesmo que aguarde por uma definição de seus estatutos e pela conquista de seus direitos de cidade, a História Intelectual francesa, a julgar por este livro, não se afigura como um passo em falso, como uma disciplina que se desloca em terreno movediço.
Os oito textos densos e instigantes reunidos sob a marca despretensiosa de “fragmentos” demonstram que o gênero pode não possuir as suas cartas de nobreza, principalmente quando comparado à grande tradição de outros ramos da pesquisa histórica no país de Michelet. Mas esses “fragmentos” de Helenice Rodrigues demonstram, com um excesso espantoso de evidências, que a História Intelectual francesa já conseguiu definir traços bem pronunciados de identidade. Neste sentido, ela não pode ser confundida com a Intelectual History norte-americana de Martin Jay e de Dominique LaCapra como também não pode ser aproximada, sem reservas, da História Intelectual inglesa praticada pelo círculo de Cambridge, apesar de alguns elementos compartilhados com esta última vertente.
Certamente, ao fazer alianças teóricas ou ao recusá-las, nota-se que a História Intelectual francesa já entrou em seus anos de maioridade. Sem dúvida, os temas, os problemas e os métodos da História intelectual aparecem, neste livro, formulados com muito vigor e sofisticação. Não há nada que lembre uma narrativa empírica ao acaso das evidências. Pelo contrário, a autora vai tecendo a sua complexa tapeçaria matizando-a com um aparato teórico que impressiona. Assim é que, por “fragmentos da história intelectual” devemos compreender, muito antes, um conjunto multifacetado de nuanças do que um agrupamento de objetos dispersos.
Entretanto, riqueza temática e sofisticação teórica podem apresentar um peso excessivo, cobrando preço elevado ao leitor. Curto mas denso, rápido porém complexo, o livro de Helenice Rodrigues é uma panorâmica na qual se justapõem, por uma opção autoral lúcida e muito apropriada, o movimento das idéias e a dinâmica da história efetiva francesa em cinco décadas de embates dos intelectuais entre si e em meio às lutas de seu tempo. À diversificação temática do livro, que devemos compreender por riqueza de nuanças, alia-se a simplicidade e a elegância da escrita da autora. Certamente que a sua editora poderia ter se esmerado um pouco mais na revisão dos originais, pois as sucessões de gralhas ao longo do texto hão de provocar algum desconforto nos leitores que apreciam conteúdo e forma. A ausência de hifenização, as grafias incorretas dos nomes de autores e uma série de pequenos problemas de tradução, como é o caso do livro do filósofo francês Julien Benda — A traição dos clérigos, quando o mais razoável seria A traição dos letrados ou mesmo A traição dos intelectuais — poderiam ter merecido uma maior atenção.
Em seu texto, a autora dá mostras de se esforçar em não elidir a trajetória dos intelectuais do mundo histórico e das circunstâncias sobre as quais viveram e atuaram. Ao destacar a importância da produção, da recepção dos textos e das intervenções públicas dos intelectuais franceses, ela revela toda a sua preocupação em distinguir a História Intelectual de uma história de sistemas formais de pensamento, esta última desenraizada da vida social e sem conexões com a realidade às vezes cruel e selvagem da história efetiva do mundo contemporâneo. Este é particularmente o caso dos capítulos sobre Hannah Arendt e Jean-Paul Sartre, em que a barbárie do nazismo e a opressão do colonialismo revelam a face negra da civilizada Europa.
Esta orientação teórica, ou antes, esta opção de foco, definida com ênfase no ensaio de abertura “História Intelectual: condições de possibilidades e espaços possíveis” pode parecer um esforço preventivo elementar, mas na prática não o é. Ora, quando movimentadas pelos historiadores, muitas vezes, as idéias tendem a ganhar uma força centrífuga que, em geral, guiam-nas para áreas de escape sem base consistente de apoio. São as derrapagens comuns dos historiadores que acabam centrando suas abordagens em circuitos analíticos que se esgotam no próprio sistema de idéias e na arte pedregosa de sua interpretação. É o que se tem denominado por internalismo, com um fraco impulso para a integração do texto ao mundo histórico que o gerou e uma quase total carência de indagações pertinentes à pesquisa histórica.
Creio que a autora tenciona deixar uma mensagem não completamente explicitada: o mundo da pesquisa histórica está cheio de boas intenções para estabelecer a perfeita síntese entre teoria e objeto. Isto pode significar que as tais boas intenções criteriosamente expostas em páginas e páginas em que o plano teórico certo e seguro é celebrado como instrumento eficaz de conexão das idéias com a realidade histórica que as gerou, nem sempre é seguido à risca por aqueles que as costumam enunciar. Desse modo, a História Intelectual pode fazer com que as idéias desfilem nuas por um longo tempo, quando despidas de sua armadura natural, ou seja, quando separadas de seu contexto. E por contexto não devemos compreender apenas o chamado circuito da tradição interpretativa dos textos, mas preocuparmos com os problemas reais do mundo histórico do autor. Além disso, é preciso cercar as análises dos textos de uma teoria da ação.
Sem dúvida, este esforço de enraizamento, de contextualização, pode ser uma virtude real da História Intelectual francesa. E tanto mais ainda se a compararmos às tendências pós-estruturalistas, em que o apego à análise textual é a nota forte. Tudo é texto, ou melhor, discurso, parece ser o principal argumento dessa história de extração internalista. Ora, hoje há consenso de que a História é um tipo específico de discurso. Mas um tipo específico de discurso sobre o quê? Ora, sempre houve ou existirá uma realidade fora do texto que requer a parcela mais substancial da atenção dos historiadores. Cabe distinguir, então, que se um documento histórico, de qualquer natureza, deve ser apreendido pelo historiador como algo que nunca representa a verdade — é apenas uma representação de realidades contingentes e, portanto, um “monumento” da capacidade de representação humana — o discurso define algo como a “alma” do texto: uma matéria opaca que apenas tornar-se-á legível pelo esforço da operação interpretativa. Como afirma Ricoeur, o estruturalismo tende a estudar a linguagem poupando o sujeito, a ação, os eventos. A História Intelectual, segundo a defesa de Helenice Rodrigues, investe na capacidade do locutor, na força ilocucionária dos discursos, na capacidade do sujeito em situar-se como ator no mundo, como um agente ativo que se opõe a interlocutores reais, como um coeficiente de força que quer atingir um alvo em sua existência histórica concreta.
Outro mérito destes Fragmentos… é que, além de retratar a complexidade do universo de relações dos intelectuais em meio aos escombros do pós-guerra e dos dilemas das três décadas gloriosas da retomada econômica da França (1945-75), o livro é também uma bem fundamentada exposição de teoria e metodologia da história. Nesse sentido, constitui-se num elenco de abordagens de autores que, apesar de não serem historiadores de ofício, prestaram um grande contributo ao desenvolvimento da história-disciplina: Bourdieu, Elias, Cassirer, etc.
Surpreendente pelas tramas e tensões que revela ao leitor, e, sobretudo, pela novidade e originalidade das análises, é preciso confessar a sensação de perplexidade diante de um conjunto temático tão rico e, consequentemente, tão difícil de devassar. Sempre explorando temas candentes da história francesa contemporânea, questões geradoras de intensos debates e grandes mobilizações sociais (reflexos do nazismo, a revolta de 68, a independência da Argélia, a divisão identitária da Revolução Francesa), Helenice Rodrigues se aproxima bastante de uma história social das idéias, ao destacar as correntes intelectuais que influenciaram e contribuíram para dar “forma” às representações coletivas dos franceses na segunda metade do século XX.
Inegavelmente, há um grande esforço em levar a bom termo uma História Intelectual empenhada em demonstrar a gênese e a difusão das idéias e da influência exercida por alguns intelectuais em determinadas conjunturas. A autora demonstra como os acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais foram influenciados pelo movimento das idéias (e vice-versa), por certos “climas” intelectuais que lhes antecedem no tempo e que, em certa medida, lhes preparam o terreno. Mas, não tendo a intenção de enfocar as idéias sob o ângulo de uma história dos intelectuais, a autora não explora qual foi a real força transformadora do intelectual interventor (caso de Sartre) que brande a pena como uma espada afiada. E não demonstra, por exemplo, como as idéias de Sartre agiram como uma espécie de “doutrina preparatória” (caso da guerra de independência da Argélia) que, combinadas à linhagem de marxismo adotada pelo intelectual engajado, atuaram como uma força desagregadora do autoritarismo e da opressão colonial.
Em a Traição dos intelectuais, o filósofo francês Julien Benda demonstrou como estas doutrinas preparatórias atingem um potencial de transformação a partir do momento em que os vulgarizadores de idéias entram em cena. É o que Benda chamou por “expressão derivada” da obra intelectual, que os intelectuais engajados “digerem”, reformulam e difundem. A título de ilustração, trata-se, por exemplo, do uso pragmático que o leninismo e mais tarde o stalinismo fizeram da obra de Marx, deformando algumas de suas idéias originais para melhor empregá-las no processo de convencimento de seus adeptos. As idéias, assim reapropriadas, e, em certa medida, transformadas em sua natureza original por uma confraria de discípulos, se difundem entre as massas, podendo levar a transformações. Mas aqui vale a regra de que não se pode esperar do autor o que ele não prometeu levar a cabo. Identificar todos os nós de uma rede, para usarmos um termo tomado de empréstimo a Foucault, talvez seja mesmo extrapolar os limites impostos à problemática da obra: “questionamentos e perspectivas”.
Em síntese, os problemas formulados por esta História Intelectual, da forma como a pratica Helenice Rodrigues, são todos legítimos e pertinentes de pesquisa e de reflexão. O único equívoco será mesmo o de continuar dissertando sobre o livro, de cuja energia galvanizadora extraímos estas tortas linhas. Insistir nisto é algo assim como fazer a autêntica obra do “escavador de precipícios”, para recordarmos a irônica expressão que Voltaire gostava de empregar ao caracterizar os personagens mais equivocados de seus textos históricos e de seus contos filosóficos.
Marcos Antônio Lopes – Departamento de Ciências Sociais/Universidade Estadual de Londrina.
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A escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da historiografia – BURKE (VH)
BURKE, Peter. A escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Editora da UNESP, 1992. REIS, José Carlos. Annales: a renovação da história. Ouro Preto: Editora da UFOP, 1996. Resenha de: LOPES, Marcos Antonio. Varia História, Belo Horizonte, v.14, n.19, p. 209-212, nov., 1998.
Dois livros tematicamente aparentados, e que quase se confundem pelo conteúdo de seus títulos. E as semelhanças não se esgotam nisso. A concepção geral das duas obras converge numa distribuição quase idêntica das matérias em análise. O período abordado e praticamente o mesmo. Os autores tencionam traçar um quadro amplo do desenvolvimento da chamada Escola dos Annales, desde os tempos de seus heréticos pais fundadores – pela explosão inovadora de suas idéias em meio a um ambiente intelectual conservador — Lucien Febvre e Marc Bloch, até o final da década de 80.
Na verdade, esta é a intenção maior de Burke e de Reis, que acabam por estender o que seria o projeto de uma história circunscrita dos Annales. Escrever uma história dos Annales partindo somente de seus fundadores seria fazer uma “história de pernas curtas”, como diria o próprio Lucien Febvre. Ao tentarem compreender o conteúdo “revolucionário” da história proposta por Febvre e Bloch, alargam o foco da pesquisa, descendo ao leito complexo do pensamento filosófico, da sociologia e da história, da forma corno eram concebidas estas disciplinas no século 19, o que Peter Burke chama – para esta última área – de “o Antigo Regime da historiografia”. Nesse percurso, Burke e Reis estabelecem as “genealogias”, febvriana e blochiana, identificando as raízes mais profundas das filiações teóricas e metodológicas dos fundadores, para explicar de que forma foram absorvidas e de que modo atuaram as influências recebidas em meio aos primeiros “debates e combates” travados na luta pela elaboração de uma história renovada.
Outra convergência dos textos: analisam as obras mais importantes, os maiores “monumentos” erguidos pelos Annales, como Os Reis Taumaturgos de Bloch, o problema da descrença (…) de Febvre, 0 Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo (…) de Braudel, Camponeses do Languedoc de Le Roy Ladurie, entre outros. Ambos percorrem as “três gerações” dos Annales, sendo que Reis pretende avançar este quadro, levando a pensar numa “Quarta geração” surgida do tournant critique de 1988.
Entretanto, apesar de algumas semelhanças de superfície, trata-se de textos acentuadamente distantes um do outro. Com efeito, as obras de Burke e Reis são ótimos exemplos de como pesquisadores que se debruçam sobre um mesmo objeto podem obter resultados desiguais, podem chegar a respostas convergentes ou divergentes, sem que necessariamente uma delas esteja incorreta ou deva ser refutada. Abandonadas as exageradas pretensões cientificistas na história, o que conta para um bom resultado da pesquisa é o seu “questionário”, ou seja, o programa do pesquisador, o grau de complexidade de suas perguntas, o amadurecirnento intelectual de seu projeto, como, a propósito, enfatiza Reis. Não que os dois trabalhos destoem quanto a qualidade e rigor, antes pelo contrário.
A diferença está em outra parte, isto é, no calibre da discussão, no fôlego e na disposição em discutir amplamente as matérias. Se os autores seguem um roteiro semelhante, corno foi ressaltado, existem sensíveis disparidades na estratégia de seu desenvolvimento. Não há dúvida de que o livro de Burke é mais leve, de leitura mais fácil, muito mais dinâmico e povoado de personagens que fizeram e ainda fazem a história da historiografia de nosso tempo. Por outro lado, o livro do professor Reis e mais te6rico, mais “sisudo”, e bem mais compacto. Acerca desse aspecto, vale ressaltar que aquilo que Burke discute em dois ou três parágrafos, de maneira quase alusiva, Reis desenvolve em diversas páginas. Para ficar em alguns poucos exemplos, basta comparar o tratamento que recebem as influências fecundas de Max Weber, Ernile Durkheirn, Frangois Simiand e Henri Berr. Em média, sete ou oito páginas de análise profunda de cada um!
Desse modo, seria o caso de indagar: em dois livros que têm propósito comum de informar sobre urna mesma questão, de onde vem o descompasso? A resposta para isso talvez possa ser encontrada no “espirito” de cada obra, na intenção de cada autor, naquilo que se refere ao público-alvo que eles tinham em mente corno destinatário de seus textos.
Ora, o livro de Peter Burke é quase urna obra de circunstancia, no sentido de se voltar claramente para o grande mercado editorial – no que, aliás, teve bastante êxito numa área em que, apesar da presença de alguns títulos consagrados, ainda há um considerável vazio de textos dessa natureza. Poder-se-ia objetar que o livro em questão foi publicado por urna editora universitária, preocupada em destinar obras de grande valor acadêmico para um público restrito. Contudo, a Editora da Unesp há anos já está inserida no circuito comercial das grandes editoras nacionais, desempenhando, diga-se de passagem, um papel brilhante.
Já o livro de Reis e extrato de tese, escrita para atender a uma rigorosa banca examinadora europeia, visto que seu trabalho foi defendido na Universidade Católica de Louvain, sem querer dizer com isto que as bancas nacionais sejam pouco rigorosas. E sobre este aspecto, o autor não se preocupou nem um pouco em “aliviar” o seu texto das necessárias mas sempre pouco agradáveis arestas acadêmicas, em destitui-lo de suas feições de tese, em esvazia-lo de pelo menos uma parte de sua densidade doutoral, premeditando atingir um público mais amplo, muito provavelmente desamparado de suficientes dados para digerir informações transmitidas num nível tão elevado. Limitou-se em nos conceder urna versão em português, incorporando as indigestas citações e refer8ncias bibliográficas no corpo do texto. Mas, pensando melhor, esta pode ser uma opção legitima do autor, que não faz concessões a certas “profanações”, igualmente legitimas, do grande mercado editorial. Se não conhecesse a história da obra, seus percalços e peripécias, teria sérias dúvidas de que editoras comerciais aceitassem publica-la, no formato corno se encontra pela Editora Universitária da UFOP.
Nesse ponto, a obra de Burke é mais feliz. Seu texto, sem a menor pretensão de desmerecer o livro, é material paradidático – com direito até a Glossário para aqueles que passaram por Francois Dosse, H. Coutau-Bergarie, Guy Bordé e Hervé Martin, sem esquecer o livro-dicionário organizado por Jacques Le Goff, Roger Chartier e Jacque Revel. Apesar de seu desenvolvimento quase telegráfico, ou melhor, o seu tratamento bastante ligeiro dos temas enfocados, o autor atinge seu principal objetivo: dar a conhecer o “regime” historiográfico que havia antes dos Annales, o impacto e a influência da obra de Febvre e de Bloch, a recepção internacional dos Annales, até fins dos anos 80, passando pelas “gerações” intermediarias em trajetórias breves mas muito bem tecidas, com destaque para a atuação e o lugar de Fernand Braudel.
E o que nos oferece o livro de Reis? o mesmo que a obra de Burke. Mas com analises mais extensas, o que não deixa de ser um importante diferencial. Um bom exemplo disso e o quadro que o autor traça sobre a “contaminação” da história pelas ciências sociais, e com vantagens sobre Burke, pois não se limita a estabelecer influencias e filiações te6ricas: explicita metódica e pormenorizadamente cada sistema teórico, para, ato continuo, identificar os seus pontos de enraizamento junto a história. Aí está com certeza, o seu maior mérito. Além de uma erudita exposição do desenvolvimento da historiografia francesa, o livro de Reis constitui-se ainda numa competente e bem informada aula de metodologia da história, posto que orienta sobre as especificidades da pesquisa histórica, suas dificuldades e riscos.
Apesar da identidade temática, de uma certa coincidência no desenvolvimento do texto, ‘bem como pela presença dos mesmos personagens e algumas referências bibliográficas cruzadas, as duas obras têm poucos traços em comum. Trata-se de pesquisas que chegam a resultados bem diferentes, porque desde seu ponto de partida perseguiram fins muito diversos. Acentua-se a disparidade principalmente porque são textos de níveis teóricos claramente distintos, o que para o leitor interessado nessa matéria e muito favorável: terá acesso a duas visões, a duas formas personalizadas de tratamento de um só problema. Mas, fora de qualquer dúvida, ao transformarem uma área importante da historiografia contemporânea em objeto de análise, tarefa sumamente espinhosa, cada trabalho desempenha com valor a sua meta: colaborar para a ampliação do conhecimento de um terna mais que relevante. Em síntese, dois livros inteligentes sobre uma questão a um só tempo complexa e fascinante.
Marcos Antonio Lopes – Departamento de História/ UNIOESTE-Pr.
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