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O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940) | Gabriel Lopes
Já vai longe o tempo da história dos grandes homens, dos manuais escolares ilustrados com figuras varonis. Nas últimas décadas, o público leitor se acostumou com histórias da vida privada, do cotidiano, das mulheres e de outros atores ou mesmo protagonistas que até então eram vistos como subalternos ou meros coadjuvantes de uma história por demais eurocêntrica. Em 1961, Jean-Paul Sartre anteviu a emergência de novos atores na contemporaneidade ao prefaciar o livro Os condenados da terra, de Frantz Fanon. O filósofo percebeu que os indivíduos do “terceiro mundo” seriam os novos protagonistas de uma história pós-colonial. Alguns anos depois, Emmanuel Le Roy Ladurie propôs uma história assaz diferente. Ao estudar as oscilações climáticas na longa duração, o historiador contribuiu para relativizar o papel do ser humano e do seu lugar no palco da história.1 Na década seguinte, o balbuciar de uma história ambiental favoreceu novas perspectivas, menos dualistas e mais ecológicas, com ênfase nas complexas interações entre os seres vivos e suas correlações em diferentes ecossistemas (PÁDUA, 2010). Leia Mais
LOPES, Gabriel. O Feroz Mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940)
Gabriel Lopes | Foto: Johns Hopkins School of Medicine
O livro de Gabriel Lopes, O Feroz Mosquito africano no Brasil, faz um trabalho de investigação histórica minucioso sobre eventos da década de 1930 que marcam a construção de um problema de saúde pública em torno do Anopheles gambiae. Por meio de uma acurada e diversificada investigação arquivística, o autor se dedica a reconstituir e a analisar dois momentos em torno do vetor transmissor da malária: o primeiro deles corresponde ao primeiro surto, entre 1930-1932, no Rio Grande do Norte; o segundo, entre 1938-1940, de impactos maiores e que atinge também o estado do Ceará, exigindo mobilizações em vários campos. Dois pontos chamam atenção no percurso da análise. O primeiro deles é a particularidade da obra em olhar com lentes ampliadas a trajetória do vetor, o Anopheles gambiae. Este recorte não é trivial e tem importância nas escolhas do livro, empíricas e teóricas, e uma “inversão” que está em afinidade e comprometida com a própria historicidade da malária. O segundo se refere ao hiato que acontece do primeiro ao segundo surto. Período que é cuidadosamente abordado, evidenciando um movimento de prospecção dos sujeitos e da própria história que está sendo tecida. O silêncio é redimensionado em termos materiais e simbólicos, pois nele reside a gênese de diversas ações postas em prática a partir de 1938. Leia Mais
O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940) | Gabriel Lopes (R)
Gabriel Lopes | Foto: Academia.edu |
Em 1930, Raymond Shannon, entomólogo da Divisão de Saúde Internacional (DSI) da Fundação Rockefeller, verificou a presença, em Natal, do mosquito Anopheles gambiae, o mais letal vetor da malária na África. Nos anos seguintes, a espécie se alastrou por Rio Grande do Norte e Ceará, adaptando-se às condições geográficas e climáticas da região sem, no entanto, causar novos surtos de malária. Preocupadas com outras questões políticas e sanitárias, em particular a febre amarela, as autoridades brasileiras relegaram o combate ao “invasor africano” a segundo plano. As consequências não tardariam. Em 1938, o Nordeste foi palco da maior epidemia de malária já ocorrida nas Américas.
É a história da chegada, do “alastramento silencioso” e do extermínio do Anopheles gambiae do Brasil, nos anos 1930, que nos conta o historiador Gabriel Lopes (2020) em seu livro O feroz mosquito africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940), lançado pela Editora Fiocruz. Fruto de sua tese de doutorado, vencedora do Prêmio Oswaldo Cruz de Teses 2017, na categoria Ciências Humanas e Sociais, o livro articula com sucesso os aspectos políticos e científicos, bem como os condicionantes históricos e sanitários, que contribuíram para transformar a questão em um importante projeto de cooperação sanitária internacional entre o governo brasileiro e a Fundação Rockefeller, materializada na criação, em 1939, do Serviço de Malária do Nordeste (SMNE). Leia Mais