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Fernand Braudel, Geohistória e Longa Duração: críticas e virtudes de um projeto historiográfico – RIBEIRO (PH)
RIBEIRO, Guilherme. Fernand Braudel, Geohistória e Longa Duração: críticas e virtudes de um projeto historiográfico. São Paulo: Annablume, 2017. 211 p. Resenha de: PAULINO, Davi Luiz. Geohistória e longa duração na obra de Fernand Braudel. Projeto História, São Paulo, v.63, pp. 387-395, Set.-Dez., 2018.
Guilherme Ribeiro, docente do Departamento de Geociências da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, desenvolve pesquisas acerca da História do Pensamento Geográfico, bem como a relação entre Geografia e História.
Fruto de uma complexa pesquisa de doutoramento com estágio na França apresentada em 2008 ao Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense, agraciada com o Prêmio Capes de Tese na área de Geografia, o livro busca mostrar o papel que a geografia cumpriu na formação da concepção de história de Fernand Braudel (1902-1985).
O referido estudo perpassa a trajetória intelectual do historiador francês, estudando obras como O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na época de Filipe II, Gramática das Civilizações, Civilização Material, Economia e Capitalismo – Séculos XV-XVIII e a Identidade da França.
O autor aborda as origens epistemológicas do conceito de Geohistória demonstrando que a Geografia será importante como instrumento que o permitirá estudar as atividades humanas em transcursos diferentes de tempo. Braudel a “transforma em aliada de peso no esforço de superação do obsoleto meio acadêmico francês, além de pedra angular na apreensão da temporalidade de longa duração e em seu ousado intuito de reorganização epistemológica das Ciências Humanas”.1 Partindo de grandes nomes da ciência geográfica como Paul Vidal de la Blache, Alfred Philippson e Emmanuel de Martonne, Braudel clama por uma ciência que aborde o todo, ou seja, que não somente o meio físico-natural, mas também o homem, sendo o começo do que mais tarde seria conhecido como Geografia Humana.
Ribeiro elucida que a questão da Geohistória e determinismo em Braudel teria como objetivo esclarecer os aspectos frágeis da leitura que se fazia da geopolítica como simples estudo das ações políticas e partindo do conceito de geohistória ele encontraria uma representação ampliada da sociedade. Este posicionamento mostra a influência da escola alemã de Geografia e através dela, Braudel “valorizará a economia como um produto das relações sociais, que ao longo do tempo, constrói redes e distribui informações em variadas escalas” utilizando as categorias analíticas de “espaço (Raum), economia (Wirtschaft) e sociedade (Gesellschaft)” para construir seus estudos sobre “a economia mediterrânica no século XVI, no desenvolvimento da civilização material, economia de mercado e capitalismo na era moderna e na história da França sob a égide das estruturas de longa duração”2.
Em seguida, Ribeiro centraliza sua análise em O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na época de Filipe II, obra resultante da tese de doutorado de Braudel apresentada a Sorbonne em 1947 e considerada um dos maiores livros de História do século XX. Obra em que a geohistória se faz presente do começo ao fim, o autor nos mostra como o historiador instrumentaliza-se da geografia para “desacelerar” a história e com isso desestrutura o passado, explicitando a dialética das durações com seus variados espaços revelando múltiplas temporalidades, partindo do tempo breve ao mais longo, o tempo das civilizações.
Segundo o autor, Braudel, ancorado nas estruturas de longa duração, considera que a história possui uma temporalidade mais duradoura, resistente a mudanças e que precisa ser compreendida não na brevidade dos acontecimentos, mas sim nas estruturas que sustenta o tempo longo.
Embora isto não queira dizer que há um menosprezo ao acontecimento por parte de Braudel, ele apenas defende que mesmo para entender as dinâmicas dos eventos é necessária a compreensão da longa duração.
Em O Mediterrâneo, é possível encontrar a centralidade do meio geográfico, isto porque, segundo Ribeiro, a história humana não se constrói fora do meio, mas sim a partir dele.
Com isso, no meio “estão contidas tanto as determinações quanto as possibilidades: é impossível parar a chuva ou conter o vento, mas é possível administrar as intempéries construindo diques ou drenando o solo, por exemplo”3, percebemos que sua análise prova que a questão geográfica está intrinsecamente atrelada as atividades humanas, portanto, há uma espacialização da ciência histórica.
Braudel sofreu críticas por sua posição determinista sob as atividades humanas, mas como podemos constatar no estudo de Ribeiro, há a defesa de que o meio age nas práticas dos homens, no entanto admite-se, que a ação do homem no meio seja de maior peso. Segundo o autor, o “determinismo geográfico braudeliano” não é outra coisa senão a evidência que os aspectos naturais não estão separados e isolados das atividades humanas. Eles fazem parte de um todo onde o clima, o relevo, a hidrografia, o sítio e a posição jogam papel crucial na história das sociedades. Assim sendo, em certas situações e períodos, o meio determina esta ou aquela decisão, esta ou aquela resposta social de acordo com as possibilidades técnicas e culturais. Segundo, Braudel, alimentação, agricultura, produção de mercadorias, vestimentas, crenças, economia, relações internacionais, enfim, o conjunto da vida social é indissociável do meio.4 Essa explicação de Ribeiro é importantíssima para o debate acerca do determinismo geográfico, principalmente porque o biógrafo de Braudel, Pierre Daix, alegara que a ausência do capítulo intitulado Geohistória e determinismo teria sido suprimido da segunda edição de O Mediterrâneo porque Braudel teria abandonado esse posicionamento, tese refutada por nosso autor, pois segundo ele, abandonar a geohistória seria a renúncia da própria concepção braudeliana de história.
Ribeiro não crê em abandono do conceito, mas defende a tese de que geohistória fora substituída pelo conceito de espaço, lembrando que esse conceito está na origem da formação da epistemologia braudeliana.
Com essa problemática, o autor trabalhará sobre as críticas historiográficas acerca do pensamento braudeliano, as quais alegam que a história de Braudel é imóvel, partindo da primeira obra do historiador, Ribeiro busca demonstrar que a sua concepção histórica não é imóvel, pois permite a mudança.
Em razão de não só trabalhar a partir do tempo longo, mas sim dialeticamente com o tempo conjuntural e com o tempo tradicional, sendo assim, há em Braudel a presença de “um tempo geográfico, de um tempo social e de um tempo individual”.5 Ribeiro explicita a dimensão teórica da obra de Fernand Braudel. Entre seus elementos constitutivos estão…
a longa duração como uma possibilidade de releitura do tempo cronológico; a geohistória representando a articulação do espaço com o tempo e a preocupação em comparar épocas e escalas diferentes; a apreensão do passado não como algo pronto e acabado, mas como questão a ser problematizada; conexões entre o passado e o presente; busca de explicações pluricausais dos fenômenos.6 Criticada por ser empirista e descritiva, o autor mostra que essa crítica demonstra a compreensão distorcida da totalidade da obra braudeliana que realiza uma notável coerência entre a longa duração, geohistória e a história-problema. Como mostra Ribeiro, por mais que a obra seja descritiva, ela está amplamente ancorada em um embasamento epistemológico que a sustenta: as estruturas de longa duração. Braudel, com sua concepção de história total, abarca as escalas local, regional, nacional e, principalmente, mundial, visto que as atividades dos homens se encontram misturadas em ritmos temporais diferentes.
Ribeiro mostra que a história para Braudel não é a ciência do passado, muito menos a descrição documental, mas sim a explicação das temporalidades dos fenômenos e suas relações entre si, buscando as permanências e o predomínio das profundidades.
Partindo da busca por permanências e profundidades, a obra Gramática das civilizações ocupa um ponto importante na reflexão histórica, pois Braudel, segundo o autor, compreende por gramática o tempo ou as temporalidades, pois para o historiador, as civilizações possuem ritmos e estações diferentes, embora estejam em contato entre si. Partindo desse pressuposto, a estruturas da história são mutáveis, mas seus movimentos são perceptíveis através da longa duração.
A proposta de Ribeiro é demonstrar que na obra braudeliana há a percepção dos problemas sociais, como a desigualdade, por exemplo, e, que sua eliminação se dará a partir de uma abordagem estrutural. Braudel também considera importante, os eventos como a Revolução Russa e a Revolução Cubana, isto porque a seu ver, causaram forte impacto nas civilizações. O conceito de civilização assume importância no pensamento de Braudel, pois é por meio dele que “a geohistória alcança todas as esferas da vida social: seja a política, a economia, a cultura ou as mentalidades, nenhuma delas escapa a um determinado contexto espaço-temporal”.7 Sua análise sobre a obra Civilização material, Economia e Capitalismo, mostra que o termo material, não se trata somente de trocas econômicas ou a dinâmica financeira, mas sim a concretude da civilização em relação ao que a estabelece na condição de poderosos grupos culturais, como é possível perceber nas civilizações mediterrânea e atlântica.
Em As estruturas do Cotidiano, Ribeiro defende que as relações sociedade-meio estão na base formativa da modernidade, com uma profunda reorganização espacial, isto com base no próprio pensamento braudeliano, pois argumenta Braudel que os agrupamentos civilizacionais possuem características geográficas distintas. Nessa obra é possível compreender a amplitude da concepção braudeliana de história, visto que “a geohistória é além do estudo ampliado das relações homem-meio, uma ferramenta de análise das múltiplas escalaridades urdidas pelas práticas econômicas modernas”.8 Nos próximos volumes O jogo das Trocas e O tempo do Mundo faz-se presente o conceito de origem alemã economia-mundo (Weltwirtschaft) que diferentemente de economia mundial, representa um determinado “espaço” com profunda coerência econômica que se basta por si mesmo. Ribeiro exprime este conceito da seguinte forma: Ao empreender o conceito de economia-mundo do ponto de vista geográfico, Braudel não o concebe apenas como delimitação cartográfica dos fenômenos econômicos, mas segundo um enfoque “vertiginoso” e “ativo” capaz de perscrutar como o jogo econômico cria e se reproduz a partir de determinada lógica espacial.9 Braudel fora tachado de “conservador” por parte de alguns historiadores, dentre eles, o brasileiro José Carlos Reis, mas como nos mostra o autor, por mais que a construção da concepção de história braudeliana passe por fora da questão das lutas de classe, ele não deixa de observar as tensões nas organizações sociais.
Aproximando-se de Lacoste, Braudel analisa o poder de quem controla e domina o espaço.
É possível perceber que na totalidade da obra braudeliana, A Identidade da França, segundo Ribeiro, seria o livro que possuí mais elementos que podem constituir um perfil político de Braudel. Ele retoma as origens da França buscando traçar a Identidade, ou seja, o típico de uma nação, embora para Braudel, é possível identificar aspectos de diversidade regional e cultural.
É interessante ressaltar que a obra de Ribeiro nos permite abordar que a tríade economia, espaço e sociedade perpassa toda a produção braudeliana, pois partindo da instrumentalização da geografia em sua concepção histórica, ela o permite adentrar em um passado longínquo, o tempo do mundo. Em A Identidade da França ele continua com seu tripé metodológico, pois é perceptível que…
seus três volumes revelam o movimento dos vilarejos aos burgos e às cidades, o sítio e a situação, as migrações, o papel das cidades na formação do mercado nacional e suas associações com as outras escalas; a urbanização e as estradas da Gália superando suas florestas; as villa galo-romana e suas muralhas protetoras e as cidades como loci privilegiados para o desenvolvimento da economia de mercado e, sobretudo, do capitalismo, a atividade econômica superior.10 Com esse panorama apresentado da obra braudeliana, acreditamos que o trabalho de Guilherme Ribeiro contribui sobremaneira para a reflexão acerca do pensamento de Fernand Braudel, principalmente pela atualização do debate e pela crítica aos críticos do historiador francês, como François Dosse, Yves Lacoste e José Carlos Reis, entre outros. A leitura do livro se faz necessário para o aprofundamento da discussão e abertura de novos caminhos para o estudo da obra e pensamento de Braudel.
Referências
RIBEIRO, Guilherme. Fernand Braudel, Geohistória e Longa Duração: críticas e virtudes de um projeto historiográfico. São Paulo: Annablume, 2017.
Notas
1 RIBEIRO, 2017, p. 30.
2 Ibid., p. 43-44.
3 Ibid., p. 55.
4 Ibid., p. 67.
5 Ibid., p. 79.
6 Ibid., p. 84.
7 Ibid., pp. 110-111.
8 Ibid., p. 127.
9 Ibid., p. 135.
10 Ibid., p. 178.
Davi Luiz Paulino – Graduando em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). eto historiográfico. 1ª ed. São Paulo: Annablume, 2017.
La frontera sur de Buenos Aires en la larga duración – Victoria Pedrotta e Sol Lantieri
Victoria Pedrotta /norbertomollo.blogspot /
Desde la perspectiva de los estudios de frontera, este libro tiene la particularidad de integrar un diverso conjunto de miradas, que de forma separada e independiente, se han venido desarrollando en relación al estudio de los distintos procesos que tuvieron lugar en la frontera sur de la Provincia de Buenos Aires, particularmente en la zona comprendida por los actuales partidos de Azul, Tapalqué y Olavarría. Gracias a la iniciativa allá por el 2013 de las directoras del libro, Victoria Pedrotta y Sol Lanteri, la obra es fruto de un estrecho trabajo de colaboración entre especialistas provenientes de la antropología social, la arqueología y la historia.
El libro se compone de siete capítulos, para cuya articulación las directoras pensaron en dos ejes temáticos, espacio y territorio, abordados desde una perspectiva multidisciplinar y de larga duración. De este modo, se fijó como propósito general del texto la puesta al día de las investigaciones sobre los procesos de construcción del espacio y el territorio de la frontera sur bonaerense desde tiempos prehispánicos hasta la actualidad. Como veremos a continuación, a través de los sucesivos capítulos el lector podrá interiorizarse en los cambios, las continuidades, los actores sociales, sus prácticas y en la multiplicidad de representaciones de dichos procesos.
El Capítulo 1 “El uso del espacio, la movilidad y los territorios en grupos cazadores-recolectores pre-hispánicos del centro de los pastizales pampeanos” escrito por Pablo G. Messineo, inaugura la obra con un exhaustivo análisis y discusión crítica de la información arqueológica relativa al uso del espacio, la movilidad y los territorios a lo largo del tiempo, por parte de las poblaciones cazadoras-recolectoras en el centro de los pastizales pampeanos. Uno de los aportes más importantes que ofrece este capítulo es, precisamente, la perspectiva espacialmente amplia y de larga duración con la que el autor presenta y discute la evidencia arqueológica.
De este modo, Messineo evalúa las estrategias de los grupos humanos en función de los tres ejes de discusión propuestos al comienzo del capítulo. Para ello considera distintos modelos –económicos, sociales e ideológicos- para dar cuenta de la territorialidad, abarcando desde el Holoceno temprano hasta el período post-contacto y sin perder nunca de vista los cambios resultantes de la dinámica paleoambiental. El enfoque del autor contempla así las tres etapas cronológicas en las que se segmenta el Holoceno, empleando múltiples líneas de evidencia recuperadas a lo largo del tiempo mediante investigaciones arqueológicas en los partidos de Olavarría, Azul y Tapalqué, sumando a esto los contextos de áreas adyacentes.
Victoria Pedrotta en el Capítulo 2 “Recursos, espacio y territorio en las sierras del Cayrú (siglos XVI-XIX, región pampeana argentina)” examina y discute en profundidad la territorialidad y las formas en que ocuparon el espacio las poblaciones indígenas e hispano-criollas de la región pampeana.
Desde un enfoque holístico, la autora presta especial atención a los cambios ecológicos, económicos, sociales y simbólicos resultantes de la introducción de los recursos faunísticos y vegetales por parte de los europeos desde el siglo XVI en adelante. Su área de estudio comprende las denominadas sierras del Cayrú -topónimo que se remonta a mediados del siglo XVIII- y cuya ubicación corresponde al extremo occidental del Sistema serrano de Tandilia (Provincia de Buenos Aires). Es significativo señalar la importancia estratégica que esta área tuvo en las rutas de circulación y en las redes de intercambio y comercio interétnico a lo largo del tiempo. Subrayamos asimismo, la elección de la perspectiva geográfica para definir y abordar los conceptos de territorio y territorialidad, enfatizando el carácter complejo, dinámico y relacional de los mismos. Desde un punto de vista metodológico, es destacable la multiplicidad de fuentes de evidencia de las que se vale la autora para abordar su problemática de investigación. En este sentido, a través de un riguroso y exhaustivo análisis, Pedrotta confronta críticamente variados registros documentales, que incluyen distintos tipos de fuentes escritas así como cartográficas.
Este abordaje se completa a partir del análisis de la diversa evidencia arqueológica disponible para el área de estudio. La articulación entre el enfoque teórico y la perspectiva metodológica seleccionados, imprimen una complejidad y una riqueza indispensables al análisis realizado por la autora y permiten comprender los procesos experimentados y representados por las sociedades indígenas e hispano-criollas en el centro de la Provincia de Buenos Aires.
En el Capítulo 3 “Colonización oficial en la frontera. Azul en el siglo XIX”, Sol Lanteri analiza en detalle las condiciones y los mecanismos implementados, en principio por el gobierno rosista, para poner en práctica la colonización, poblamiento y defensa del actual partido de Azul, sin dejar de discutir los cambios y continuidades de dichas políticas hasta fines del siglo XIX. Como bien señala la autora la expansión hacia el sur de la campaña bonaerense tuvo por finalidad consolidar el dominio del Estado provincial y articular las tierras en un modelo productivo de carácter predominantemente ganadero.
Para llevar adelante su análisis, Lanteri considera de forma conjunta las primeras trazas del pueblo y ejido, el área rural y la política de relaciones interétnicas en el marco del “Negocio Pacífico” con los indígenas. En el caso particular de Azul, como en otras áreas, implicó negociaciones para reubicar las tolderías de los “Indios Amigos” en otras zonas y fomentar la colonización criolla, aunque especialmente allí los grupos catrieleros tuvieron un largo arraigo territorial. Se destaca la claridad de la autora para analizar cómo fue este complejo proceso de territorialización y colonización interna.
Así, Lanteri describe la peculiar modalidad de distribución de la tierras fiscales mediante las denominadas “donaciones condicionadas” de suertes de estancias, sin perder de vista el marco normativo, la praxis social y los derechos de propiedad en la mediana duración.
Laura Carolina Belloni en el Capítulo 4 “La política indígena del Estado de Buenos Aires en la frontera sur. Azul y Tapalqué entre 1852 y 1862”, ofrece, a partir de un acercamiento micro-regional, un análisis de las políticas de fronteras e indígenas desarrolladas en la dinámica y conflictiva década que va desde la caída de Juan Manuel Rosas (1852) hasta la asunción al poder nacional de Bartolomé Mitre (1862). A través de la aguda mirada de la autora es posible entrever los vaivenes de las políticas y las relaciones entre el Estado de Buenos Aires y los grupos indígenas en las áreas de Azul y Tapalqué. De este modo, con gran precisión, Belloni expone las marchas y las contramarchas asociadas al manejo de las fronteras, expresadas en la oscilación entre el fracaso de políticas militares ofensivas y la concertación a regañadientes de tratados pacíficos con los indígenas y sus caciques principales, como Catriel, Cachul, Calfucurá y Yanquetruz, entre otros. Si una cosa queda clara a partir del análisis, es la incompetencia del Estado de Buenos Aires, luego de la caída de Rosas, para manejar las relaciones de poder con las parcialidades indígenas. En ello no solo tuvo que ver la subestimación del poder de choque de los indígenas, sino también la inexperiencia de los funcionarios para el trato con éstos y la escasez de fuerzas militares, así como de suministros y armamento para las mismas.
El Capítulo 5 “La Pampa del Siglo XIX vista desde el camino de los chilenos” elaborado por Julio Merlo y María del Carmen Langiano, viene a ser un complemento perfecto del capítulo anterior, por cuanto los autores ofrecen al lector una detallada síntesis de las investigaciones arqueológicas en una serie de fuertes y fortines en la Provincia de Buenos Aires. Creados durante las variables condiciones políticas en el siglo XIX, una de las particularidades de estos asentamientos de carácter predominantemente militar, es que se encontraban situados en el “Camino de los indios a las salinas” o “Camino de los chilenos”, entre otras denominaciones dadas al camino que unía las tierras al sur del río Salado con los pasos bajos de Chile. De este modo, los sitios arqueológicos analizados corresponden a: Fuerte Blanca Grande, Localidad El Perdido, Fortín Arroyo Corto, Fuerte Lavalle Sur, Fortín La Parva, Fortín Fe y Fuerte San Martín.
Dado que todos ellos se situaron en sectores del espacio previamente ocupados por pueblos originarios, los autores evalúan, a partir del registro histórico y arqueológico, los cambios –ambientales, sociales y materiales- producidos en el paisaje fronterizo pampeano bonaerense, así como en las relaciones interétnicas a medida que el estado argentino iba avanzando y apropiándose del territorio indígena. En todos los casos de estudio, Merlo y Langiano dan cuenta del abordaje metodológico y los resultados principales del análisis de múltiples líneas de evidencia arqueológica.
Carlos A. Paz, Ludmila D. Adad y Alicia G. Villafañe presentan un giro temático en el Capítulo 6 en relación a los apartados anteriores. Dicho capítulo se titula “Culturas del trabajo y cambios territoriales. El rescate de la memoria histórica como estrategia de recuperación de las formas de vida, oficios y tradiciones técnicas de la minería del Partido de Olavarría”, tiene como propósito general describir y contextualizar el desarrollo de la producción minera –cal y cemento principalmente- en las Sierras de Olavarría. Para ello, los autores adoptan un enfoque multidisciplinario donde se integran las miradas de la antropología, la historia y el patrimonio con el objeto de comprender los cambios paisajísticos, productivos y sociales en el área de estudio a lo largo de 140 años. Es destacable el desarrollo del abordaje teórico y los conceptos de territorio y paisaje cultural, empleados para aprehender desde lo social, lo económico y lo simbólico las particularidades asociadas al desarrollo de la actividad minera en Olavarría desde 1870 hasta el presente, actividad que habría sido introducida de la mano de inmigrantes europeos, italianos principalmente. Como bien lo establecen los autores, el paisaje minero fue fundamental en el proceso de construcción identitaria de la localidad.
Finalmente, la obra concluye con el Capítulo 7 “Des-historias del centro bonaerense” de Ariel Gravano, quien desde una perspectiva histórica-antropológica pone en evidencia las maneras en las que el pasado, el presente y el futuro se imbrican en la construcción de los imaginarios identitarios propios de los actuales centros urbanos de la región central de la Provincia de Buenos Aires. El autor pone el eje de discusión en “lo regional” y reflexiona acerca de la funcionalidad de las idealizaciones hegemónicas sobre el pasado y el futuro en el presente, donde la homogeneidad y la integración prevalecen por encima de la heterogeneidad y las contradicciones históricas, culturales, económicas y políticas. Con una profunda agudeza analítica y de la mano de Canal-Feijóo, Gravano pone al descubierto, entre otras cosas, los dispositivos discursivos y representacionales empleados para distorsionar, desplazar y negar del pasado regional a los actores indígenas y sus prácticas, en pos de anclar los orígenes de la región central bonaerense en la “civilización urbana”. En este proceso de des-historización y de re-invención del pasado, es donde la épica de frontera adquiere mayor fuerza, asentando sus cimientos en un imaginario que naturaliza y legitima la avanzada eurocriolla en un “desierto” imaginado, fundamento medular de la construcción del moderno Estado-Nación argentino.
Para finalizar esta Reseña, creo importante señalar que si uno es un lector –ya sea especialista o no- ávido de conocimientos sobre los procesos ocurridos en la frontera sur de la Provincia de Buenos Aires, entonces la lectura de esta obra resulta indispensable en tanto fuente de consulta sobre el pasado regional de un área clave a lo largo del tiempo, tanto para las poblaciones indígenas como para las europeas y criollas de nuestro país. Sin temor a equivocarme, me atrevo a asegurar que este libro habría sido motivo de orgullo para el querido maestro Raúl Mandrini (1943-2015).
Silvana Buscaglia – Instituto Multidisciplinario de Historia y Ciencias Humanas (IMHICIHU), CONICET. Saavedra 15, 5° piso (1083) Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. E-mail: silvana_buscaglia@yahoo.com.ar
PEDROTTA, Victoria; LANTERI, Sol (Dir.). La frontera sur de Buenos Aires en la larga duración. Una perspectiva multidisciplinar. La Plata: Asociación Amigos del Archivo Histórico de la Provincia de Buenos Aires, 2015. 315p. Resenha de: BUSCAGLIA, Silvana. Arqueología, Buenos Aires, v.23, n.1, p.141-143, enero-abril, 2017. Acessar publicação original
[IF]Alexandre Magno: aspectos de um mito de longa duração | Pedro Prado Custódio
“Seu nome assinala o fim de uma época e o começa de uma nova” Johann Gustav Droysen (Droysen, 2010: 37).
A máxima do historiador alemão Johann Gustav Droysen sobre Alexandre, o Grande, bem ilustra a magnitude em torno da figura do conquistador macedônico. Desde contemporâneos como Cúrcio e Arriano, passando por acadêmicos como o próprio Droysen no século XIX, e chegando aos dias atuais com a obra resenhada, muitos tentaram compreender como apenas uma pessoa conseguiu feitos tão soberbos que assumiram contornos lendários.
O gênio militar. O líder nato. O piedoso com os derrotados. Mas, também, o soberbo. Aquele que se entregou às opulências orientais, que ultrapassou os seres mitológicos.
As lendas em torno de Alexandre são infindáveis e recriadas em consonância com a época que as traz à tona [2]. A obra “Alexandre Magno: aspectos de um mito de longa duração”, de Pedro Prado Custódio, toma a assertiva acima como base para analisar as interpretações em torno do filho de Felipe da Macedônia durante o Medievo, a partir do poema Roman d’Alexandre – na versão compilada de Alexandre de Paris – e datada de cerca de 1180-1189.
Pedro Prado Custódio possui formação em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo com a tese “As Múltiplas Facetas de Alexandre Magno no Roman d’Alexandre” e é membro da Associação Brasileira de Estudos Medievais. Como é dedutível, sua especialização faz com que o livro adquira matizes mais medievais do que Antigas, ou seja, seu objetivo precípuo não é descrever Alexandre em sua contemporaneidade e sim suas interpretações no Mundo Medieval e a forma como seus mitos adquiriram uma tintura da época: “O passado evocado no Roman d’Alexandre é mais uma representação idealizada e moralizante do presente (século XII)” (Custódio, 2006: 25). Portanto, Custódio enumera quatro das principais facetas alexandrinas e que dão os títulos para os eixos temáticos de sua obra: “Alexandre como soberano/suserano”, “Alexandre como desbravador/cruzado”, “Alexandre como messias/herói mítico”, “Alexandre como um rei orgulhoso: presunção e castigo?” Todos estes tropos estão representados no Roman d’ Alexandre e têm a intenção primordial de apresentar Alexandre como modelo ideal para a incipiente ordem cavaleiresca.
O capítulo “Alexandre como soberano/suserano” se inicia com uma salutar descrição do surgimento de uma literatura vernácula, voltada aos ignorantes em latim, em concomitância com o nascer da ordem supramencionada. Estes dois elementos se unem no Roman d’Alexandre – escrito em francês – e explicam alguns dos porquês de a obra ter desfrutado de grande penetração entre a alta e baixa nobreza e a nascente burguesia. Nesta primeira representação, Alexandre é descrito como um cavaleiro ideal: corajoso, leal, justo, generoso com seus pares e clemente com os vencidos (Custódio, 2006: 27). Ademais, é o precisar lembrar que a figura alexandrina também: “representa os interesses da nobreza em processo de fusão com a cavalaria, buscando sustentação ideológica para sua existência e demonstra muita preocupação com as alterações políticas e sócio-econômicas em curso, temerosa de ter seu status quo ameaçado” (Custódio, 2006: 37).
A partir destas elucubrações, pode-se aferir que havia um norte definido para a reconstrução do conquistador macedônico: a idealização do cavaleiro medieval, dotado de virtudes irrefragáveis, e que tinha suas raízes fincadas no Mundo Antigo. Eis a longa duração, e que possuía, não obstante, devires da burguesia e nobreza medievais. Isto leva à outra das facetas presente no Roman d’Alexandre: a de senhor feudal, por conta da capacidade de Alexandre em equilibrar forças antagônicas e interesses dissonantes dentro de seus domínios (Custódio, 2006: 57). Sendo assim, Alexandre é, a um só tempo, cavaleiro e nobre [3].
No eixo “Alexandre como desbravador/cruzado”, Custódio apresenta a fisionomia do filho de Olímpia como “campeão de Deus” (Custódio, 2006: 31). Partindo do pressuposto que o Mundo Medieval era marcado pela belicosidade e a pujança das práticas religiosas – que se uniram em eventos como as Cruzadas e a Inquisição – Custódio argumenta que: “No Roman d’Alexandre, ele (Alexandre) representa um cristão lutando contra inimigos identificados com muçulmanos, demônios, povos diabólicos do Gog e Magog e com o Anticristo” (Custódio, 2006: 99). Contudo, as associações entre Alexandre e os cruzados possuíam um viés idiossincrático: elas o apresentam mais como um desbravador que ruma ao desconhecido do que como um “missionário” que carrega o estandarte de sua fé, mesmo porque o macedônico não era cristão: “as viagens de Alexandre, no âmbito do cristianismo medieval, podem ser entendidas como peregrinações religiosas em busca de algum tipo de manifestação divina. Seriam como um sacrifício, uma penitência em troca de salvação” (Custódio, 2006: 132).
Destarte, chega-se a mais um dos apanágios do Roman d’Alexandre: uma tentativa de “cristianizar” seu protagonista, notadamente pagão, com o objetivo de aproximá-lo da realidade medieval.
O próximo tópico da obra é “Alexandre como messias/herói mítico”. Segundo o autor, a figura do herói místico é um processo de longuíssima duração, presente em diversas culturas e épocas e que possuía características como a capacidade de rechaçar a ameaça dos povos estrangeiros, repelir a anarquia interna e afastar as catástrofes naturais (Custódio, 2006: 151). Mas, neste caso do Roman d’Alexandre, houve uma readaptação destes ditames à realidade cristã e medieval, de forma que Alexandre apresenta uma ambigüidade em torno de sua origem, fruto de pais humanos e divinos – do ponto de vista do mito, – e que, por fim, acabam por impedi-lo de chegar à sonhada imortalidade (Custódio, 2006: 159).
A lenda do bravio herói e redentor de um povo é recontada mais uma vez, contudo, com um final diferente: “No momento em que Roman d’Alexandre foi produzido buscava-se um denominador comum que unisse as diversas camadas sociais que compunham a cavalaria, e havia também a pretensão de conter o avanço da burguesia ascendente, ameaçadora dos privilégios feudais. Por esse motivo, um herói já mitificado como Alexandre foi adaptado ao contexto da época e transformado no soberano e cavaleiro ideal” (Custódio, 2006: 161).
O último dos capítulos principais, “Alexandre como um rei orgulhoso: presunção e castigo?”, é também o mais exíguo, por se tratar de um sutil traço do conquistador macedônico. Nele, Custódio retoma as formas através das quais as antigas interpretações de um Alexandre desregrado, soberbo por suas conquistas militares, de atos intempestivos regados a vinho, adquiriram um certo verniz moralizante no poema do século XII. Nele, a grandeza dos feitos de um homem nunca deve se dissociar da parcimônia de seus atos.
Alexandre não seguiu este conselho e foi vítima do mais hediondo dos crimes para a sociedade medieval: a traição. Não apenas isso: os traidores – Antipater e Divinuspater – só levaram o crime a cabo por estarem sob os entorpecentes efeitos do vinho, em mais uma das opulentas celebrações daquele que se proclamou descendente do próprio Dionísio. A mensagem é clara: a grandeza de um homem não está apenas em seus atos e conquistas. Está em sua altivez. À glória da imortalidade só estão destinados aqueles de caráter inflexível. Em suma, Alexandre era: “um herói que encarna virtudes cavaleirescas e até messiânicas, mas que perdeu tudo por causa de seu orgulho e ambição, sendo punido com uma morte trágica e precoce” (Custódio, 2006: 231.
“Alexandre Magno: aspectos de um mito de longa duração” se encerra com a redescoberta do conquistador macedônico em épocas modernas, nas quais adquiriu contornos que vão do monarca absolutista (Custódio, 2006: 235) ao super-homem nietzschiano (Custódio, 2006: 236). Neste ponto se encontra um dos grandes méritos do livro de Custódio: a sugestão para pesquisas que tomem estas redescobertas com objeto de estudo. Sabe-se que toda história, quando (re)contada adquire vieses dos períodos contemporâneos. Não foi diferente com as lendas em torno do arauto do Helenismo durante o Medievo. Alexandre é uma criatura de quatro faces: suserano, cruzado, herói mítico e até mesmo rei orgulhoso. Entretanto, estas quatro faces se encontram e se harmonizam no ideal do cavaleiro medieval: ele é justo, leal com seus pares, piedoso com os inimigos, defensor de sua fé, desbravador dos mais longínquos rincões, redentor de um povo e paladino da paz, de modo que sua feição adquire traços de herói místico. Contudo, as virtudes supracitadas de nada adiantam quando não estão na presença da sobriedade e da parcimônia. Aquele que ignorar este alerta encontrará uma morte precoce. O Roman d’Alexandre é, pois, um manual de cavalaria. Afinal: “a literatura cavaleiresca é mais prescritiva do que descritiva” (Custódio, 2006: 43).
Concluí-se que Pedro Prado Custódio apresenta uma obra sobremodo pertinente, de boa leitura, grande erudição – os trechos citados do Roman d’Alexandre em francês são traduzidos pelo autor – e densidade, em particular no que diz respeito às muitas fábulas de Alexandre em outras partes do mundo, mencionadas diversas vezes. Além de servir como modelo e base para outras pesquisas que trabalhem com a mitificação de Alexandre em determinado recorte temporal, os escritos de Custódio nos recordam de algo que o historiador jamais pode se esquecer: o passado é construído de acordo com os interesses do presente. Descobrir quais são tais interesses é nosso papel e missão fundamentais.
Agradecimentos
Agradeço meu orientador, Prof. Pedro Paulo Abreu Funari, pelo apoio acadêmico e pelos comentários feitos a respeito deste texto. Menciono, também, o suporte financeiro do CNPq em minha pesquisa de Iniciação Cientifica. As idéias apresentadas são de minha responsabilidade.
Notas
2. Segundo o próprio Pedro Custódio, tais lendas são recontadas: “assumindo feições diversas de acordo com o momento de sua reaparição” (Custódio, 2006: 19).
3. A seguinte citação ilustra bem este viés: “Cavalaria e nobreza têm seus antagonismos escamoteados e harmonizam-se mediante a sublimação dos interesses divergentes” (Custódio, 2006: 41).
Referências
CUSTÓDIO, P. P. Alexandre Magno: aspectos de um mito de longa duração. São Paulo Annablume, 2006.
DROYSEN, J. G. Alexandre o Grande. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.
Thiago do Amaral Biazotto1 – Graduando em História pela Universidade Estadual de Campinas. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
CUSTÓDIO, Pedro Prado. Alexandre Magno: aspectos de um mito de longa duração. São Paulo: Annablume, 2006. Resenha de: BIAZOTTO, Thiago do Amaral. Cadernos de Clio. Curitiba, v.3, p.323-331, 2012. Acessar publicação original [DR]