Imagining North-Eastern Europe. Baltic and Scandinavian states in the eyes of local, regional, and global observers/Diacronie. Studi di Storia Contemporanea/2022

The image of North-Eastern Europe appears composite and complex. While its geographical conglomeration is cut across by the Baltic Sea, it is not a coherent area at a cultural and political level. Yet, the numerous investments made by local and international actors in attempting to define this space call for a closer scrutiny of the processes of imagining and re-imagining spaces[1]. North-Eastern Europe is a repository of numerous perceptions and self-perceptions on a local, region, and global level. It is a crossroad for international routes and a point of contact for insular realities, near and distant at the same time.

In the last centuries, the history of the Baltic Sea has also been a history of how the small riparian states devised the most diverse and original strategies to coexist and emerge from the shadow of major continental players in their Eastern and Southern flanks. These strategies ranged from adapting their culture, politics, and identities in face of the most threatening existential dilemmas, in geopolitical contexts in which the transnational circulation of persons, ideas and goods made impossible the hermetic closure of state borders to foreign influences. Going international and searching for legitimation from foreign partners was the drive of ideas and practices of regional cooperation, of cultural and diplomatic initiatives with states and international organizations. The power of imagining one’s own “island” as a part of a broader entity was a resource for the states in the process of guaranteeing peace and stability in the region; for many societal groups, imagination has been (and is) an important resource for planning a better world in which to achieve freedom and emancipation. Yet, spreading utopia about unity, peace, and cooperation was also a means by which imperialist powers attempted to inscribe the small states within their areas of influence. Therefore, there are good arguments for treating analytically the act and the practices of imagining with the same methods by which processes of knowledge circulation are presently analyzed within the field of history of knowledge [2]. Like knowledge, imagination does not exist by itself: it has a historically-defined genealogy; it is produced by actors that diverge for education and social position; it is inscribed in genres and carried in media of the most different kind; it has different kinds of audiences; it may be comprehensible, endorsed, and even allowed only in determined places, and not in others. Leia Mais

Lo local en debate. Abordajes desde la historia social, política y los estudios de género (Argentina, 1900-1960) | Andrea Andújar e Leandro Lichtmajer

Puerto de Buenos Aires Imagem Histamar
Puerto de Buenos Aires | Imagem: Histamar

Durante los últimos años, la problematización sobre las escalas territoriales de análisis ha comprometido a historiadoras e historiadores en la tarea de discutir con aquellos discursos clásicos que han homogeneizado las particularidades regionales en una única “historia nacional”, y que han propuesto una mirada lineal sobre los procesos que ella comprende.

Nutriéndose de estas discusiones, este libro propone una serie de diálogos entre la microhistoria, la historia regional, historia local, historia a ras del suelo e historia desde abajo. Desde una perspectiva que se encuentra en las antípodas de la lógica posmoderna del “fin de los metarrelatos”, la articulación que aquí se propone entre tales corrientes historiográficas no postula una fragmentación de los problemas, sujetos y territorios de estudio, sino que plantea recuperar y reponer las realidades regionales en un nivel micro para articularlas en una totalidad histórica más compleja. Leia Mais

História regional: convergências entre o local e o global | Carlos Eduardo Zlatic

A História regional tem ocupado as pesquisas acadêmicas de forma muito expressiva. É importante sinalizar que o regionalismo, tão silenciado por visões cada vez mais globalizantes, vem preencher lacunas deixadas por matrizes de pesquisa por vezes superficiais. Por outro lado, ainda é comum na academia a sobreposição entre conceito sobre História regional, História local e até mesmo macro-história. Neste sentido a presente obra vem delimitar muito bem o papel dos estudos em História regional no campo das pesquisas historiográficas. A obra apresentada possui uma organização em cinco capítulos, sendo cada capítulo organizado em subcapítulos. O cerne do livro pode ser percebido já em sua apresentação, quando o autor expõe sua observância no campo teórico-metodológico da História regional, além de buscar identificar análises e olhares voltados para o conceito de região. Neste sentido, para o autor, é importante o foco no estudo das regiões e territórios pois são onde ocorrem as ações dos atores sociais, seus afetos, trabalho e lazer.

A obra não se retém a pensar as regiões e territórios enquanto organizações estáticas, mas também possui a sensibilidade de buscar entender o mundo globalizado e suas fronteiras invisíveis. Para o autor a História regional tem como foco as regionalidades e suas especificidades sociais, políticas e econômicas. É importante perceber as relações diretas entre História regional e contextos mais amplos, como também o papel que a História regional possui no desenvolvimento de estudos globais, colocando em “xeque” visões deterministas. Leia Mais

Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental – PORTO (TES)

PORTO, Marcelo Firpo de Souza. Uma ecologia política dos riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012, 2. ed., 270 p. Resenha de: MIRANDA, Ary Carvalho de; TAMBELLINI, Anamaria Testa. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.12, n.1, jan./abr. 2014.

A abordagem de Marcelo Firpo de Souza Porto, em Uma ecologia política dos riscos…, traz uma contribuição valorosa ao debate, não só acadêmico, mas do conjunto da sociedade, sobre os riscos à saúde humana e ao ambiente a que estamos submetidos, decorrentes do modelo de desenvolvimento socioeconômico em curso. A partir da identificação dos conflitos socio-ambientais, fundamenta, com a complexidade conceitual que este campo de conhecimento e- prática exige, o escopo metodológico de abordagem de riscos ambientais e ocupacionais, não só fazendo a crítica aos modelos reducionistas utilizados, mas também apontando para caminhos que nos permita um desenvolvimento que tenha como preocupação fundamental a condição humana.

A compreensão sobre Vulnerabilidade Social é colocada no centro deste estudo como fio condutor da construção metodológica sobre os riscos, numa perspectiva integradora de diversos campos de conhecimentos, incluindo aqueles oriundos de fora do meio acadêmico. Deste modo, a sabedoria que provém da experiência das pessoas atingidas pelos problemas estudados se constitui também num pilar fundamental na construção do conhecimento necessário aos seus enfrentamentos. Unificando a ciência acadêmica com o conhecimento advindo de fora dela, no exercício da transdisciplinaridade, o autor nos apresenta caminhos mais consistentes aos desafios dos riscos em contexto no qual as complexidades tecnológicas de sistemas e produtos consumidos pela sociedade já não permite conferir à Ciência Normal e ao Estado a exclusividade de seus enfrentamentos. Os vários exemplos de acidentes ampliados, decorrentes de tecnologias complexas, como as tragédias de Chernobyl e Bhopal, apenas para citar dois acidentes que ganharam enorme notoriedade, pela gravidade e extensão, atestam esta realidade.

É preciso, portanto, desnaturalizar e contextualizar o risco, com base em uma visão crítica às concepções tecnicistas que sistematicamente desconsideram as populações afetadas, sobretudo as mais vulneráveis. Tal contextualização permitirá também estabelecer conexões entre os fenômenos locais e aqueles de natureza mais global, conferindo à análise das situações concretas de riscos a capacidade de articulá-los aos modelos socioeconômicos que imperam no mundo globalizado em que vivemos. Esta opção, particularmente, destaca o autor, “não é apenas uma técnica didática para facilitar a vida do leitor”, mas tem sua origem numa concepção teórico-filosófica que faz parte dos vários conflitos que marcam a crise da chamada Ciência Normal, tal como formulada por Thomas Kuhn, em A estrutura das revoluções científicas. Trata-se, então, de uma cosmologia que coloca o universo epistemológico necessariamente mediado pela ética, sem a “neutralidade” propagada pela ciência moderna e que supera a dicotomia entre o pesquisador e seu objeto de estudo. É uma abordagem metodológica que permite que o conhecimento gerado para construção de soluções concretas, diante dos riscos a que estamos submetidos, possa ser apropriado pelo conjunto da sociedade, proporcionando soluções compartilhadas, fazendo da ciência um componente importante na tomada de consciência social e adoção de medidas que possam pavimentar não a sustentabilidade do modelo vigente, mas uma sociedade sustentável.

Tendo tais princípios como referência às abordagens metodológicas para prevenção de riscos ambientais e ocupacionais em suas complexidades, o autor destaca que não existem respostas fáceis nem exclusivas. O desafio deve incorporar, de forma integrada, conceitos provenientes de diversos campos de conhecimento, tais como a saúde coletiva, as ciências sociais, as ciências ambientais, a ecologia política e a economia ecológica. Com esse pressuposto, estrutura o trabalho em cinco capítulos, traçando um recorrido que começa apresentando os referenciais empíricos e teóricos, ponto de partida fundamental aos estudos de riscos. Já neste momento está destacada a incorporação das dimensões éticas e sociais inerentes à sua abordagem, sustentando a necessidade de superação dos limites reducionistas para compreensão dos territórios. Tal superação será buscada nos postulados de Milton Santos sobre o território, ou seja, é um lugar de projetos e disputas, de onde emergem, ademais, questões sociais, ambientais e de saúde. É nos territórios onde a vida se constrói, expressando as contradições de uma sociedade estratificada econômica e socialmente. Esta estratificação gera contextos diferenciados, tornando inadequada a generalização de modelos científicos na análise, controle e prevenção de riscos. Nessa diferenciação se expressa a vulnerabilidade de grupos sociais, reveladora da lógica de modelos de desenvolvimentos que se dão em nome do crescimento produtivo, que concentra poder e riqueza ao mesmo tempo que gera exclusão social e pobreza. É nesse cenário que o autor traz o conceito de ‘vulnerabilidade’ como elemento central para o desenvolvimento de análises integradas e contextualizadas dos riscos. A partir deste conceito, destaca suas diversas dimensões, prioriza a Vulnerabilidade Social como componente fundamental do pro- cesso analítico, articula o local e o global, revela as limitações da Ciência Normal e assume uma nova base epistemológica: as concepções da Ciência Pós-normal, tal como formulada por Funtowics e Ravetz.

Deste modo, as respostas sociais tornam-se componente de destaque na perspectiva de enfrentamento dos riscos socioambientais. O autor enfatiza, então, a importância do Movimento pela Justiça Ambiental e as ações solidárias em rede, como manifestações dos movimentos sociais voltadas para a transformação da realidade e destaca o princípio da precaução, colocando-o como desafio civilizatório no enfrentamento das incertezas decorrentes da complexidade tecnológica, que cada vez mais é incorporada à vida social. Nesta dimensão, a incerteza passa a assumir condição de destaque nas avaliações de risco. E são vários os tipos de incertezas assignados. Vão da incerteza técnica, relacionada, por exemplo, à qualidade de bases de dados utilizados para a formulação de cálculos, passando pela incerteza metodológica, expressa na margem de valores relacionados a intervalos de confiança, chegando à incerteza epistemológica, esta a mais grave, pois, conforme assinalado no livro, expressa uma “lacuna estrutural entre o conhecimento disponível e a capacidade de analisar e realizar previsões acerca do problema analisado”.

Para melhor precisar o referencial conceitual analítico na análise dos riscos, ou seja, a Vulnerabilidade, e, apoiado nos marcos da epistemologia ambiental da ciência Pós-normal, o trabalho destaca que a Vulnerabilidade é um conceito polissêmico, utilizado em diversos campos de conhecimentos e, portanto, em diversas situações. No mundo fisicalista, analisado pela física, química e as engenharias, a Vulnerabilidade está relacionada a máquinas, instalações e processos produtivos possíveis de acidentes e falhas. Trata-se de uma abordagem funcionalista, cujo universo considera apenas a perda de função do sistema técnico. A ergonomia francesa do pós II Guerra dá uma passo adiante com relação a esta abordagem reducionista, ao transformar sistemas técnicos em sociotécnicos, relacionando, assim, a confiabilidade técnica à humana.

No mundo da vida, analisado pelas ciências biológicas e biomédicas, a Vulnerabilidade é um conceito relacionado aos sistemas complexos dos seres vivos, envolvendo organismos e ecossistemas. No universo da biologia e da ecologia, é considerada como perda de vigor, incapacidade adaptativa ou descontinuidade de espécies ou ecossistemas. Na biomedicina, a noção de vulnerabilidade está referida à existência de indivíduos ou grupos sociais suscetíveis com predisposição para contração de doenças diante de situações de risco. Ao desconsiderar as dimensões sociopolíticas, econômicas, culturais e psicológicas, na análise das situações de saúde, este paradigma reduz a vida a sua dimensão biológica ou genética, cujo exemplo histórico ficou cunhado na difusão da eugenia aplicada pelos nazistas para produzir, com base na seleção humana sustentada pela genética, a superioridade de certas ‘raças’.

Na perspectiva de superação do reducionismo do paradigma biomédico, o campo da saúde pública passa a incorporar elementos sociais, culturais e econômicos na análise de situações de riscos a determinadas doenças. Será, então, no mundo do humano que a noção de Vulnerabilidade ganha sua dimensão mais complexa, estando relacionada a sistemas sociais, sociotécnicos e de relações de poder. Tem, então, como campos de conhecimento as ciências sociais e humanas, assim como a filosofia, exigindo que questões de natureza ética e moral sejam incorporadas às suas análises. Visto sob esta perspectiva, o estudo destaca a natureza humana e social da Vulnerabilidade, valorizando os processos históricos no condicionamento dos riscos gerados pelos modelos de desenvolvimento econômico e tecnológico. Trata-se, então, de considerar Contextos Vulneráveis. Nesses contextos, o conceito de Vulnerabilidade Social protagoniza-se e está tipificado em dois componentes: o das populações vulneráveis, aquelas mais atingidas em situações de injustiça ambiental, e aquele relacionado ao Estado e à sociedade civil.

O primeiro componente, chamado de ‘Vulnerabilidade Populacional’, corresponde a grupos sociais submetidos a determinados riscos, decorrentes de maior carga de danos ambientais que incidem em populações de baixa renda, grupos sociais discriminados, grupos étnicos tradicionais, bairros operários e populações marginalizadas em geral. Expressam-se, por exemplo, através de discriminação social e racial, que se concretizam por desigualdades no acesso à renda, educação, moradia, proteção social, atenção- à saúde, assim como em precárias relações de trabalho. São grupos sociais muitas vezes ‘invisíveis’, com baixa capacidade de organização e influência nos poderes decisórios, situação que contribui, também, para a invisibilidade dos riscos a que estão submetidos, tornando-os ainda mais vulneráveis.

O segundo componente, a Vulnerabilidade Institucional, relaciona-se ao papel do Estado, envolvendo capacidade institucional (incluindo recursos técnicos e humanos), assim como as políticas econômicas, tecnológicas e arcabouço jurídico. Resulta de relações complexas de alcance internacional, nacional e local, expressando contradições e disputa de interesses decorrentes do antagonismo de classes. No escopo deste componente da Vulnerabilidade Social, o autor destaca o fenômeno da globalização atual que procura impor a quebra de barreiras de proteção aos Estados nacionais, fazendo fluir fluxos financeiros internacionais, cuja dinâmica pode produzir colapsos em economias nacionais, com importantes impactos sociais.

Por fim, são expressos 11 princípios norteadores da proposta de análise integrada e contextualizada de riscos em situações de vulnerabilidade e injustiça ambiental, no sentido de proporcionar uma visão abrangente dos problemas ambientais e ocupacionais, em situações de importantes desigualdades sociais, como é caso da realidade brasileira. Englobam a ecologia política dos riscos; a visão ecossocial da saúde humana; os aspectos multidimensionais e cíclicos dos riscos; as relações entre os níveis local e global; a necessidade de integração de conhecimentos e práticas; o agravamento dos ciclos do perigo em contextos vulneráveis; as singularidades de contextos onde os riscos ocorrem; a importância do conhecimento local e das metodologias participativas nas abordagens analíticas dos riscos; as incertezas inerentes a situações de risco; a importância da prevenção, precaução e promoção e o destaque às articulações dos movimentos sociais no enfrentamento das ameaças. São, em verdade, 11 pilares sobre os quais a análise integradora de situação de risco é sustentada com maior firmeza metodológica.

Toda esta construção metodológica traz consigo a busca de uma “ciência sensível” superando as dicotomias estabelecidas entre o técnico, o humano e o social, incrustadas nos discursos e práticas reducionistas da ‘ciência normal’. Com esta superação articula técnicos, cientistas, trabalhadores e cidadãos em geral na defesa da vida e da democracia. Enfim, é um trabalho solidário, justo e de grande densidade intelectual, refletindo a possibilidade concreta de encontros produtivos da ciência com os afetos.

Ary Carvalho de Miranda – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: ary@fiocruz.br

Anamaria Testa Tambellini – Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: anatambellini@gmail.com

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[MLPDB]

Literatura e suas fronteiras: do local e do global | Literatura, História e Memória | 2019

A Revista de Literatura, História e Memória tem o prazer de abrir o seu vigésimo quinto número com as reflexões em torno da Literatura e suas fronteiras: do local e do global.

Para dar início às discussões, o texto “La (im)posibilidad del diálogo en la tierra de nadie: el problema de la frontera en Texas, de Carmen Boullosa”, de Claudia Macías, analisa as possibilidades e os limites do diálogo entre raças e culturas no romance de Boullosa a fim de mostrar como a obra questiona os fatos históricos a partir do problema da memória coletiva frente à memória manipulada proposto por Paul Ricoeur. Leia Mais

Género y cuidado: teorías, escenarios y políticas – ARANGO GAVIRIA et al (REF)

ARANGO GAVIRIA, Luz Gabriela; AMAYA URQUIJO, Adira; PÉREZ BUSTOS, Tania; PINEDA DUQUE, Javier. Género y cuidado: teorías, escenarios y políticas. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Pontificia Universidad Javeriana, Universidad de los Andes, 2018. Resenha de: GASCA, Ells Natalia Galeano. La dimensión política del cuidado Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.27, n.2, 2019.

El libro Género y cuidado: teorías, escenarios y políticas contiene reflexiones sobre la interrelación entre las categorías de género y cuidado desde diferentes perspectivas. La edición académica a cargo de Luz Gabriela Arango, Adira Amauya, Tania Pérez Bustos y Javier Pineda Duque resulta de un esfuerzo interinstitucional entre la Universidad Nacional de Colombia, la Universidad Javeriana y la Universidad de los Andes de Bogotá. Se abordan debates teóricos y aportes empíricos derivados de investigaciones de autoras/es adscritas/os a distintas instituciones alrededor del mundo, lo que permite vislumbrar cómo el fenómeno del cuidado mantiene ciertas continuidades en el nivel doméstico, local y global. Las aportaciones contribuyen a entender cómo la categoría de cuidado tiene un potencial político de importancia, sobre todo en lo referente a la necesidad de encontrar formas de relación más justas y equitativas, desde los espacios micro sociológicos que afectan la vida cotidiana, hasta los macro sociales que afectan a los colectivos.

El libro se encuentra divido en tres secciones: “Ética y ethos del cuidado”, “Escenarios y significados del trabajo del cuidado” y “Organización social del cuidado y política pública”. El primer capítulo, de autoría de Joan Tronto, es titulado “Economía, ética y democracia: tres lenguajes en torno al cuidado”. La autora hace una reflexión ética desde la óptica del cuidado, vinculando aspectos relativos a la democracia. Igualmente, reflexiona sobre las atribuciones inequitativas de responsabilidades de cuidado y las asocia con las desigualdades de poder, expresadas en la clase social, la raza, la etnicidad, la sexualidad, entre otras diferencias. Aquí, la autora tipifica diversas formas de exención de las responsabilidades. Su enfoque intenta evitar que, al considerar la dimensión ética, se dejen de lado las preocupaciones sociales y estructurales, intentando tener presentes las dimensiones morales y las asociadas a la economía del cuidado. En este sentido, considera que es importante enmarcar el cuidado de manera que nadie se entienda ni totalmente dependiente, ni totalmente autónomo. Leia Mais

O governo local na fronteira Oeste: a rivalidade entre Cuiabá e Vila Bela no século XVIII – JESUS (RBH)

JESUS, Nauk Maria de. O governo local na fronteira Oeste: a rivalidade entre Cuiabá e Vila Bela no século XVIII. Dourados: Ed. Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), 2011. 197p. Resenha de: MOURA, Denise A. Soares de. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.34, n.68, jul./dez. 2014.

A pesquisa sobre o governo local das câmaras tem longa tradição na historiografia portuguesa, mas apenas no século XXI tornou-se objeto de interesse da historiografia brasileira. Nos anos 1940 Edmundo Zenha escreveu uma obra específica sobre o município e o poder municipal no Brasil colônia. Mas foi um historiador anglo-saxão, John Russell-Wood, que na década de 1970 realizou densa pesquisa sobre a câmara de Vila Rica.

Em 2001, em um contexto de forte mudança de rumo teórico-metodológico da historiografia no Brasil (Fragoso, 2001; Sousa, 2003; Comissoli, 2006; Souza, 2007; Borrego, 2010; Monteiro, 2010), Maria Fernanda Bicalho publicou um texto repleto de sugestões de pesquisa sobre o governo das câmaras (Cunha; Fonseca, 2005; Zenha, 1948; Russell-Wood, 1977; Bicalho, 2001) que estimulou uma série de outras pesquisas.

Uma delas é o livro O governo local na fronteira Oeste, originalmente tese de Doutorado defendida na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2006, com o título Na trama dos conflitos: a administração na fronteira Oeste da América portuguesa (1719-1778). A autora, Nauk Maria de Jesus, é professora na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e especialista na História do Mato Grosso. Recentemente publicou também o Dicionário de História de Mato Grosso, com verbetes referentes ao período colonial.

O livro é uma versão resumida da volumosa tese e está formado por três capítulos distribuídos ao longo de 197 páginas que tratam de questões econômicas, políticas e administrativas das duas principais vilas situadas na fronteira oeste do Brasil: Vila Real do Cuiabá (fundada em 1727) e Vila Bela da Santíssima Trindade (de 1752).

Uma questão central da obra é a da disputa ocorrida essas duas câmaras, a partir de 1752, por privilégios e posições de precedência, algo que garantia status na estrutura administrativa e o acesso a melhores receitas orçamentárias. A criação da capitania de Mato Grosso, em 1748, é o pano de fundo dessa rivalidade.

O primeiro capítulo do livro disseca a estrutura humana e funcional das duas câmaras, identificando seu corpo de funcionários e fornecendo dados que permitem até mesmo medir a diferença com instituições camarárias de outras regiões.

Chamo atenção, por exemplo, para a constatação da autora de que existiu juiz de fora na Câmara de Vila Bela na época de sua fundação, o que significou a eliminação temporária da figura do juiz ordinário. Pesquisadores sobre o governo local das câmaras compreendem o quanto esse dado é importante por evidenciar as diferenciações regionais do poder do Império na América. Em São Paulo, por exemplo, há notícia de instalação de juiz de fora apenas em 1803.

Ou seja, nas regiões de fronteira com o Império hispânico, onde havia um ambiente bastante favorável para relações de interesses entre diferentes grupos étnico e sociais, a Coroa portuguesa pode ter tido maior zelo em manter a justiça nas mãos de funcionários régios, ao invés dos eleitos localmente, como acontecia com os juízes ordinários.

Como mostra a autora, em Vila Real ou em Vila Bela, assim como aconteceu em Vila Rica, não houve a formação de um corpo de funcionários oriundos e aparentados nas elites dos primeiros conquistadores. No caso das duas câmaras do Mato Grosso, esses funcionários foram comerciantes, também proprietários de terras e engenhos e criadores de gado, mas sem o verniz das linhagens. Alguns foram oficiais de ofício, sapateiros por exemplo, que com as oportunidades próprias de toda área fronteiriça e de ocupação tardia, ascenderam socialmente por serviços prestados à Coroa ou pela labuta cotidiana de mercador.

O capítulo 2 aborda o período de regência da câmara de Vila Real do Cuiabá e sua atuação. O Oeste do território do Brasil pertencia à capitania de São Paulo, e seu governador, Rodrigo César de Menezes, associado com a ordem municipal, trabalhou para a efetiva incorporação da região ao Império português. Essa iniciativa conjunta deu origem, em 1748, às capitanias de Goiás e Mato Grosso.

Nesse processo de reordenamento administrativo da região houve uma série de conflitos com a população indígena local, especialmente os Paiaguás, envolvidos em negócios de contrabando, extravios do ouro e comércio de mão de obra cativa indígena. Essas lutas contra o gentio, que na realidade significavam também o combate das próprias pretensões castelhanas na zona fronteiriça, marcaram a identidade de vassalos da câmara de Vila Real. Ao arriscar suas vidas nos confrontos com Paiaguás e espanhóis, esses vassalos se viam como executores de determinados serviços e, portanto, dotados de certos direitos.

O capítulo 3 focaliza a rivalidade que existiu entre as duas câmaras no processo de implantação da ordem administrativa na fronteira Oeste. Quando de sua fundação, Vila Bela alcançou uma série de honras e privilégios que na realidade Vila Real considerava como seus de direito, tendo em vista os vários serviços que havia prestado ao rei na ocasião do estabelecimento dos primeiros povoamentos, como o combate aos índios e aos espanhóis. Vila Bela foi agraciada com benefícios e isenções, status de “vila-capital”, tornando-se sede do aparato administrativo e fiscal da capitania e recebendo em seu território instituições como a Ouvidoria, a Intendência do ouro e a Provedoria da Real Fazenda.

Embora a historiografia sobre a ordem municipal viva atualmente um início de renovação, com o surgimento dos primeiros trabalhos que concentram suas investigações sobre um funcionário específico (Schmachtenberg, 2012), O governo local na fronteira Oeste, diferindo da tradição monográfica portuguesa e mesmo dos primeiros trabalhos concluídos no Brasil, focalizou relações intercamarárias, o que é um ponto de originalidade da obra.

Essas rivalidades entre câmaras não foram específicas do Mato Grosso. Uma série de outras do mesmo gênero aconteceram e podem ter sido um dos últimos esforços de reordenamento administrativo do Império português em seu período tardio (1790-1820). Desde 1768 a vila de Santos disputou precedência com a de São Paulo. O ilustrado Marcelino Pereira Cleto chegou a defender a ideia de que a vila de Santos fosse alçada à condição de sede administrativa da capitania.

Mesmo em 1812 a transferência da sede da comarca da vila de Paranaguá para a de Curitiba foi motivo de bastante mal-estar entre essas duas câmaras (Severino, 2009). Houve, portanto, um contexto de transferência de poderes municipais no período colonial tardio que ainda não foi suficientemente pesquisado.

O que faltou no livro, embora apareça na tese, foi a melhor explicitação da terminologia administrativa do período. Alguns pesquisadores vêm se dedicando a esse aspecto bastante revelador da lógica hierárquica do antigo regime (Damasceno, 2003), o que contribui para um maior rigor nas conclusões sobre a história administrativa da época moderna.

A expressão “vila-capital”, ao se referir à câmara principal ou à condição administrativa disputada por ambas as câmaras, poderia ter sido mais problematizada. Essa expressão parece não ter feito parte da terminologia administrativa oficial da época. Os dicionaristas Raphael Bluteau (1728) e Antonio de Morais Silva (1798) definem como unidades administrativas os julgados, vilas, cidades, comarcas e paróquias. Capital não é definida como unidade regional-administrativa. Neste caso, a expressão “capital” que aparece nas representações, ofícios e petições analisados pela autora não teria sido, talvez, uma invenção dos próprios habitantes das vilas em disputa? Ou seja: em que medida a escrita pública local não foi responsável por reelaborar a terminologia administrativa da época, criando novas expressões que atribuíam status a uma localidade?

Assim, do mesmo modo como os habitantes da colônia foram responsáveis por criar outras designações sociais, esse mesmo processo pode ter ocorrido nas designações urbano-administrativas, como o O governo local na fronteira Oeste sugere ao leitor, deixando ainda ao pesquisador em História administrativa uma questão nova para ser problematizada por meio dos escritos municipais.

Referências

BICALHO, Maria Fernanda Baptista. História do Brasil. História Moderna, História do Poder e das ideias políticas. In: ARRUDA, J. J.; Fonseca, L. A. (Org.) Brasil-Portugal. História: Agenda para o milênio. Bauru, SP: Edusc; São Paulo: Fapesp; Portugal: ICCTI, 2001. p.143-166.         [ Links ]

BORREGO, Maria Aparecida de Menezes. A teia mercantil: negócios e poderes em São Paulo (1711-1765). São Paulo: Alameda, 2010.         [ Links ]

COMISSOLI, Adriano. Os “homens bons” e a câmara de Porto Alegre (1767-1808). Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2006.         [ Links ]

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FRAGOSO, João et al. O antigo regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.         [ Links ]

MONTEIRO, Livia Nascimento. Administrando o bem comum: os “Homens bons” e a câmara de São João del Rey, 1730-1760. Dissertação (Mestrado em História Social) – Departamento de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010.         [ Links ]

RUSSELL-WOOD, A. J. R. O governo local na América Portuguesa: um estudo de divergência cultural. Revista de História, São Paulo: Universidade de São Paulo, n.9, p.25-79, jan.-mar. 1977.         [ Links ]

SCHMACHTENBERG, Ricardo. “A arte de governar”: redes de poder e relações familiares entre os juízes almotacés na câmara municipal de Rio Pardo/RS, 1811-c.1830. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Porto Alegre, 2012.         [ Links ]

SEVERINO, Caroline Silva. A dinâmica do poder e da autoridade na comarca de Paranaguá e Curitiba, 1765-1822. Dissertação (Mestrado em História) – Unesp. Franca, 2009.         [ Links ]

SOUSA, Avanete Pereira. Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século XVIII). Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, FFLCH, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2003.         [ Links ]

SOUZA, George Félix Cabral de. Elite y ejercicio del poder en el Brasil colonial: la Cámara municipal de Recife (1710-1822). Tesis (Doctorado en História) – Departamento de História, Universidad de Salamanca, 2007.         [ Links ]

ZENHA, Edmundo. O município no Brasil, 1532-1700. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1948.         [ Links ]

Denise A. Soares de Moura – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Campus Franca. E-mail: dmsoa1@yahoo.com.br

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As magistraturas locais / Dimensões / 2012

Neste número da revista Dimensões experimentou-se dividir a organização de um dossiê entre dois professores de instituições conveniadas, a saber, Universidade Federal do Espírito Santo e Universidade de Paris-Est. Há uma década as duas instituições realizam eventos científicos com resultados reproduzidos em livros. Desta vez, porém, buscou-se realizar o intento de explorar assunto que resta pouco discutido tanto na Europa quanto no Brasil. O tema escolhido foi magistratura local ou municipal, visto o lugar central ocupado pelo Judiciário na sociedade atual. O Poder Judiciário ocupa novo papel na sociedade contemporânea em razão do protagonismo político dos tribunais na Europa e na América, inclusive, no Brasil. Nota-se seu desempenho no controle político da ação dos governantes, como também na fiscalização de suas cortes superiores ou conselhos de justiça.

A administração do Judiciário na sociedade contemporânea sofre ainda as limitações impostas pelos críticos da Justiça medieval, quando os juízes decidiam como julgar as lides. A lição de Montesquieu que encerrou a Justiça à letra da lei deu lugar à imaginação de que somente os doutos em Direito poderiam se encarregar de sua administração. Sem formação universitária jurídica, todos os outros indivíduos seriam meros profanos desse campo. Atualmente, os tribunais encontram-se administrados por profissionais do Direito na condição de empregados públicos, o que lhes confere subordinação direta aos governos, ou pelo menos ao Estado. Não se trata de necessária natureza do campo, mas de um quadro de disputas e lutas pelo monopólio de dizer ou declarar o direito. A História pode, contudo, apresentar outras faces de administração da Justiça e revelar, em especial, o papel extraordinário das justiças locais, consideradas nos dias atuais irrelevantes e casuísticas. Neste dossiê, portanto, a revista Dimensões contribui com a multiplicidade de visões acerca deste importante objeto, cotejando em diferentes espaços e tempos o mesmo tema.

Adriana Pereira Campos

Geneviève Beneviève Bührer-Thierry

Os organizadores.


CAMPOS, Adriana Pereira; BÜHRER-THIERRY, Geneviève Beneviève. Apresentação. Dimensões. Vitória, n.28, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Nos destinos de fronteira: história, espaços e identidade regional – ALBUQUERQUE JR (HH)

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nos destinos de fronteira: história, espaços e identidade regional. Recife: Bagaço, 2008, 514 p. Resenha de: VIDAL e SOUZA, Candice. O Nordeste: algumas narrativas de lugares, gentes e modos de vida. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 6, p.228-233, março 2011.

Para os analistas dos discursos sobre a nação (historiadores, antropólogos ou sociólogos), a primeira tarefa é compreender sobre que lugares e formas sociais o autor do texto ou imagem sobre o Brasil ou alguma de suas partes está se referindo. As fronteiras internas da nação, sua caracterização geográfica e sociológica, sua explicação histórica, são marcadas exemplarmente nos textos do pensamento social brasileiro ou na vasta literatura referida a locais de fato existentes Brasil afora (LIMA 1999; VIDAL E SOUZA 1997; IBGE 2009; SENA 2003; COSTA 2003).

O historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr., há muito tempo, explora a invenção discursiva da região Nordeste, procurando capturar os cenários históricos e os modos de apresentação das vozes dos políticos, dos literatos, dos historiadores e dos estudiosos da cultura popular (cf. ALBUQUERQUE JR.

1988 e 2001). A coletânea em questão reúne ensaios que incidem sobre a mesma temática das formas e processos de construção das “dizibilidades e visibilidades” do Nordeste. O ponto de partida interpretativo mantém-se em torno de Michel Foucault, o qual formula os objetos e o léxico empregado na análise de falas e de imagens presentes em romances, biografias, ensaios e fotografias. Certamente, a demarcação coerente do campo de análise e das referências de apoio bibliográfico é uma qualidade constante nos ensaios. Além disso, como se pretende enfatizar posteriormente, essa fixidez impede que outras perspectivas contemporâneas sobre as narrativas das identidades nacionais ou regionais sejam incorporadas e submetidas ao debate acerca dos “poderes e saberes”. Do mesmo modo, a insistência sobre a especificidade da construção da região Nordeste afasta o autor da comparação com as formas de narrar outras regiões brasileiras, exercício fundamental para a compreensão dos mecanismos de invenção das fronteiras intranacionais e dos significados em torno da produção de alteridades/outridades.

Os vinte e dois ensaios que compõem a coletânea são distribuídos em três partes: “História e Espaços”, “História e Identidade Regional”, “História, Espaço e Gênero”. As abordagens apresentadas, em cada um deles, são diversas quanto à temática específica (o espaço como objeto da história, a visão tropicalista do Nordeste, a história regional, o Nordeste de Câmara Cascudo e Gilberto Freyre, os romances de José Lins do Rêgo e a representação da mudança, as imagens de gênero formuladas nos textos etc.), mas são reiterativas quanto ao ponto de vista interpretativo. Como os ensaios apresentam graus variados de elaboração das discussões, faltam as indicações sobre a data da primeira publicação, sobre o formato da primeira versão, como parâmetro para compreensão da “temporalidade” do pensamento do autor.

Sustenta-se que a articulação dos ensaios está ligada às seguintes ideias, apresentadas por Durval Muniz de Albuquerque Jr.: Existe uma realidade múltipla de vidas, histórias, práticas e costumes no que hoje chamamos Nordeste. É o apagamento desta multiplicidade, no entanto, que permitiu se pensar esta unidade imagético-discursiva. Por isso, o que me interessa aqui não é este Nordeste “real”, ou questionar a correspondência entre representação e realidade, mas sim, a produção desta constelação de regularidades práticas e discursivas que institui, faz ver e possibilita dizer esta região até hoje. Na produção discursiva sobre o Nordeste, este é menos um lugar que um topos, um conjunto de referências, uma coleção de características, um arquivo de imagens e textos (ALBUQUERQUE JR. 2008, p. 129, grifos do autor).

A gênese da nomeação da região, genericamente chamada de Norte, até as primeiras décadas do século XX, é acompanhada pelo autor em diversos eventos, falas e textos. Nessa demarcação do Nordeste, intelectuais como Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira, Ariano Suassuna, José Lins do Rêgo e outros tantos são considerados como caracterizadores do Nordeste em seus aspectos históricos, sociais, culturais e geográficos. É notável que apenas seis estados sejam tomados como o núcleo da identidade nordestina (Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe), tal como nomeia a convocação de Joaquim Inojosa no Congresso Regionalista do Recife, realizado em 1926 (ALBUQUERQUE JR. 2008, p. 140). Percebe-se que em Pernambuco a centralidade simbólica de sua capital (no sentido de SHILS 1992) e da sua civilização, em torno do engenho, serão o cenário modelar dessa configuração geo-simbólica, em torno do qual gravitam as representações sobre o sertão da seca, do banditismo, do messianismo e da religiosidade popular.

O material analisado pelo autor narra sobre os aspectos históricos, os costumes e as paisagens desses estados. Mesmo que ele mencione visões alternativas de outros intelectuais sobre a região, como, por exemplo, Djacir Menezes em seu livro “O Outro Nordeste” (1937), a produção ensaística ou literária dedicada a falar do Nordeste através das sub-regiões excluídas nas narrativas mestras ou situada nos estados excluídos na definição do centro da identidade nordestina não é pesquisada ou explorada pelo autor. Se a intenção é elaborar uma crítica das formas de representação do Nordeste, as fontes empíricas da análise deveriam incluir o discurso das margens da região, representativo de outras visões dos intelectuais sobre o seu lugar. Desse modo, o historiador crítico não escapa das fronteiras impostas pelo campo intelectual que ele pretende pôr em revista.

Quando analisa os textos de Câmara Cascudo sobre o Rio Grande do Norte e seu sertão, Durval Muniz oferece pistas sobre essas possibilidades de investigação da heterogeneidade das representações acerca do Nordeste quando observa: Chamou-nos a atenção como, em muitos de seus textos, Cascudo vai fazer esta aproximação entre a história do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte e como vai procurar diferenciá-las da história de Pernambuco. […] Na base desta definição poderia estar a vinculação de Cascudo a um lugar de fala distinto daquele de onde foi enunciado inicialmente o discurso regionalista nordestino e de onde foi inventado o Nordeste. […] Se o Nordeste, elaborado pelas elites pernambucanas, teve São Paulo como o espaço outro, o espaço do qual se diferenciar, o Nordeste das elites cearenses, das elites norte-rio-grandenses e das elites paraibanas, talvez em menor grau, deveria se diferenciar do Nordeste elaborado pelas elites pernambucanas […] (ALBUQUERQUE JR. 2008, p.190).

Possivelmente, a incorporação das discussões sobre identidades nacionais e narrativas que se engloba, hoje, sob a denominação de estudos pós-coloniais e subalternos permitiria escapar e ir além da desconstrução foucaultiana das representações regionalistas. Ainda que seja válido compreender a solidificação de modos de falar e de ver um povo e um lugar e a sua clara vivacidade e plasticidade no presente, a consciência das relações de exclusão e subalternização no interior das representações do Nordeste só pode contribuir para o confronto com as falas autorizadas se as vozes de pensadores “menores” também forem colocadas em cena.

As dinâmicas complexas do campo intelectual, as filiações, as linhas de entendimento dos processos históricos e sociais que se movem de acordo com os contextos de enfrentamento dos debates (Para quem se fala? Com quem interage?), sugerem que o analista precisa situar os sujeitos da fala e sobre quem ele fala. Se essa exigência para o esclarecimento do leitor cumprese para autores como Luís da Câmara Cascudo, Gilberto Freyre ou José Lins do Rêgo, quando se dirige aos historiadores do regional, destaca-se, contudo, que tal indicação é imprecisa e genérica. Em vários momentos, o autor faz menção à história regional como a reprodução e a legitimação de formas tradicionais de compreender o Nordeste. No entanto, suspeita-se que a prática da pesquisa histórica chamada de regional persiste como contraposição à invisibilidade que se produz em relação a eventos locais no âmbito de uma história “nacional”. Não se faz história regional apenas no Nordeste e o abandono da denominação “regional” não anula as características de hierarquização do campo historiográfico quanto aos objetos e aos locais de ensino e pesquisa. O autor coloca-se contra essas autolimitações de objeto e perspectiva: […] achamos que devemos questionar a chamada ‘História regional’, porque por mais que se diga crítica do regionalismo, do discurso regionalista, está presa ao seu campo de dizibilidade. […] Ao invés de questionar a própria ideia de região, sua identidade e a teia de poder que a instituiu, ela questiona apenas determinadas elaborações da região, pretendendo encontrar a verdadeira (ALBUQUERQUE JR., 2008, p. 223).

Há pertinência relativa na observação do autor, mas ela pode ser vista como demasiado extensiva e sem referência temporal: toda a história local se faz de modo tão acrítico quanto aos efeitos de produção da realidade estudada? Quais obras e quais historiadores podem ser nomeados como parte da operação de busca da “verdadeira” região? Para esse momento da coletânea e em outros, a indicação precisa do ponto de vista, com citações diretas, por exemplo, do discurso analisado, poderia nuançar polarizações como a que aparece no ensaio sobre tradicionalistas e tropicalistas e suas formas de falar a respeito do Nordeste.

As fronteiras espaciais imaginadas, pelos mais diversos atores do campo intelectual, mais ou menos próximos do seu polo elitizado, são o ponto de reflexão mais instigante do livro. A insistência em trazer o espaço como problema da pesquisa histórica e não como um dado óbvio, um cenário no qual os acontecimentos humanos desenrolam-se, aparece na primeira parte do livro e reaparece em inúmeras passagens. Nesse aspecto, a articulação entre espaço e gênero, trabalhada na terceira parte, surpreende quanto às possibilidades de leitura de trabalhos já visitados, ora relidos sob a perspectiva de gênero.

Notavelmente articulada como constructo em torno da masculinidade, as ideias sobre o Nordeste e o nordestino colocam à margem o feminino, mas mantém em seu subtexto a presença do homossexual masculino, o contraponto forte aos exemplos de macheza e de virilidade tão associados ao sertão. Segundo o autor, “nas fronteiras que traçam os limites do ser nordestino não está inscrita a possibilidade de ser homossexual” (ALBUQUERQUE JR. 2008, p. 446). De fato, nenhum constructo sobre a região ou a nação, simbolicamente dependente das ideias de reprodução e continuidade, assenta-se sobre a tese de uma fundação homossexual de um lugar. No entanto, outras representações da região reconhecem a presença e a participação feminina, mesmo em condição englobada pelo masculino, na formação das características distintivas de um grupo (cf. a noção de “matriarcado mineiro” em VIDAL E SOUZA & BOTELHO 2001).

Na configuração das nações e de suas regiões, importa conhecer sobre a nomeação das alteridades e das descontinuidades internas, do mesmo modo que a imputação da fronteira externa. Especialmente no caso da interpretação do pensamento social, a pluralização das leituras é o antídoto contra a repetição dos modos de ver tradicionais por meio da própria análise sociológica. Outra perspectiva interessante é a de captar as comparações entre regiões efetivadas dentro das obras (cf. sobre os arranjos de família em VIDAL E SOUZA & BOTELHO 2001). Na miríade de discursos letrados sobre as regionalidades brasileiras é notável, certamente, a invenção do Nordeste; ainda que poderosa e duradoura, pode ser comparada em seus mecanismos discursivos e representacionais, assim como na sociologia de seus enunciadores e contextos de enunciação, com a goianidade, a mineiridade, o norte-mineiro, o paulista etc.

O tom geral da coletânea trata os discursos regionais como visões conservadoras. No entanto, essa compreensão uniformiza a intencionalidade dos autores individuais, como no caso de Josué de Castro, cuja abordagem sobre a fome no Nordeste tem uma visão transformadora. E, ao me colocar como parte do mesmo “nós” que o autor se inclui, lanço dúvidas sobre a validade política da destruição das identidades regionais e suas imagens hoje, quando é exatamente uma visão turística e elitista do Nordeste que quer ocultar a persistência do Nordeste da fome, da desigualdade aberrante, dos corpos mutilados e dos aleijões gerados pela pobreza denunciados em algumas falas e imagens analisadas pelo autor. O reconhecimento disso deve ser proclamado agora mais para dentro do que para plateias externas. O desejo do autor é destruir os regionalismos, “colocando no horizonte a possibilidade de vivermos sem estas prisões identitárias” (ALBUQUERQUE JR. 2008, p. 29). O olhar para o presente, no entanto, demonstra como a máquina de produção de estereótipos estigmatizantes sobre o Nordeste e os nordestinos está em franca atividade, assim como os sentimentos de pertencimento vinculados a lugares não desapareceram do horizonte dos grupos sociais. O projeto da interpretação do presente pela história ou pelas ciências sociais deve ser movido pelos universos representacionais e práticos dos sujeitos concretos. A relevância dos mundos construídos é dada pela sua própria existência e por sua disseminação, trata-se de fenômenos que inquietam o espírito investigativo.

Nesse impulso, seria proveitoso que o ímpeto desconstrucionista dessa coletânea se expandisse para temas e materiais atuais de formulação da identidade nordestina e que a colocasse em diálogo com formas positivas e destrutivas de formulação das fronteiras entre grupos que se registra no Brasil e alhures. Estabelece-se, assim, o dilema de quem analisa a nação ou a região: abdicar de pensar o que há em nome do dever ser.

Referências

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez; Recife: Massangana, 2001.

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. Falas de astúcia e de angústia: a seca no imaginário nordestino – de problema à solução (1877-1920).

Campinas: UNICAMP, 1988 (Dissertação de mestrado em História).

ATLAS DAS REPRESENTAÇÕES LITERÁRIAS DE REGIÕES BRASILEIRAS. Sertões Brasileiros I, vol. 2. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.

COSTA, João Batista de Almeida. Mineiros e baianeiros: englobamento, exclusão e resistência. Brasília: Departamento de Antropologia/ UnB, 2003. (Tese de doutorado em Antropologia Social).

LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil. Rio de Janeiro: REVAN/ IUPERJ, 1999.

SENA, Custódia Selma. Interpretações dualistas do Brasil. Goiânia: Editora UFG, 2003.

SHILS, Edward. Centro e Periferia. Lisboa: Difel, 1992.

VIDAL E SOUZA, Candice. A pátria geográfica. Sertão e litoral no pensamento social brasileiro. Goiânia: Editora UFG, 1997.

VIDAL E SOUZA, Candice e BOTELHO, Tarcísio R. Modelos nacionais e regionais de família no pensamento social brasileiro. Estudos Feministas Vol 9, n. 2: p. 414-433, 2001.

Filme, história e narrativa Film, history and narrative ROSENSTONE, Robert. A história nos filmes / Os filmes na história. São Paulo: Paz e Terra, 2010, 264 p.

Candice Vidal e Souza – Professora Adjunta Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais candice.vidal@yahoo.com.br Av. Itaú, 505, Prédio Emaús, 3º andar – Dom Bosco 30730-280 – Belo Horizonte – MG Brasil Enviado em: 14/2/2011 Aprovado em: 24/3/2011 228 As formas de narrar a nacionalidade brasileira, em variadas modalidades de representação, (ensaísmo, cinema, artes visuais e literatura) convergem na apresentação de diferenças e descontinuidades internas à nação. De fato, no esforço de diversos intérpretes do Brasil, nota-se a ideia da fragmentação, da pluralidade cultural, ambiental, socioeconômica. As inquietações intelectuais e políticas geradas por essa diversidade ocupam muito mais os intelectuais fixados em pensar a nação do que a eventual reflexão comparativa com outras nações.

Recasting Culture and Space in Iberian Contexts – ROSEMAN; PAKHURST (LH)

ROSEMAN, Sharon R.; PAKHURST, Shawn S. (Eds.). Recasting Culture and Space in Iberian Contexts. Albany: State University of New York Press, 2008. Resenha de: FONSECA, Inês. Ler História, n.58, p. 238-243, 2010.

1 Organizado por dois antropólogos (Sharon R. Roseman, da Memorial University of Newfoundland e Shawn S. Parkhurst, da University of Louisville), este livro tem por objectivo analisar a interdependência entre as relações de poder e os processos de construção e transformação cultural, atribuindo uma centralidade aos contextos espaciais em que estes ocorrem. Para tal, conta com o contributo de vários autores consagrados que têm dedicado as suas investigações antropológicas a terrenos situados na Península Ibérica: João Leal, Brian Juan O’Neill, António Medeiros, Susan M. DiGiacomo, Oriol Pi-Sunyer, Maria Cátedra, José Manuel Sobral, Jacqueline Urla e James W. Fernandez.

2 Inicialmente, através de um olhar superficial, surgem duas objecções relativamente à organização da obra e à temática enunciada e que se prendem com as dificuldades inerentes a este tipo de colectâneas. Em primeiro lugar, porquê a selecção destes autores e não de outros (que também se ocupam do contexto da Península Ibérica), uma vez que é imediatamente visível a participação de autores nacionais ou de influência anglo-saxónica em detrimento da possível participação de autores francófonos, por exemplo, que também se ocupam da mesma àrea geográfica. E em segundo lugar, que identidade cultural e social é essa que parece ser sugerida na alusão do título ao «contexto ibérico» e na referência da introdução à «Ibéria», que unidade existe entre estes terrenos e o que é que os distingue de outros (no sul da Europa, por exemplo)? Na verdade, trata-se aqui da publicação de um conjunto de ensaios apresentados originalmente num painel do congresso da American Anthropological Association – é este o motivo inicial que confere unidade ao conjunto dos textos e que justifica a presença de cada um na publicação final. Simultaneamente, a totalidade dos artigos ganha uma coerência e um significado próprio através do texto de apresentação (escrito pelos organizadores), onde se estabelece como fio condutor da obra e denominador comum entre os artigos a questão da importância do elemento da espacialização nas configurações culturais analisadas.

3 O livro está organizado em quatro partes – 1. Espaços Coloniais e Identidades Nacionais; 2. Fascismo, Espaços Culturais e Políticas de Memória; 3. Regionalismo e Espaço e 4. Políticas Culturais e o Global – onde se observam diferentes escalas espaciais (global, nacional, regional, local) e as suas conexões, nas quais as relações entre poder e cultura se conjugam produzindo identidades e subjectividades relativamente a cada um dos espaços considerados.

4 No texto intitulado Culture and space in iberian anthropology, da autoria dos organizadores da obra, refere-se a existência de uma antropologia ibérica, conceito que temos alguma dificuldade em aceitar sem crítica e cuja definição não fica bem explicitada – trata-se de uma antropologia praticada em terrenos da Península Ibérica ou sobre temáticas especificamente relacionadas com esta delimitação geográfica? A existência desta unidade cultural e social fica por explicar. No entanto, é feita, uma excelente síntese sobre a temática principal aqui tratada: a importância do factor espacial na construção das identidas e das relações de poder.

5 Na primeira parte da colectânea, é tratada a questão da produção de identidades nacionais em contextos e espaços coloniais vs. colonizados.

6 No texto inicial, João Leal questiona a identidade nacional portuguesa na perspectiva da sua relação com dois espaços (o território nacional continental e o império). O autor começa por fazer alusão ao paradoxo da distinção (proposta por G.Stocking) entre os estudos antropológicos das «culturas primitivas» pelos países imperialistas e das «tradições e costumes populares nacionais» pelos países preocupados em construir uma unidade nacional – o caso português constitui um cúmulo das duas situações. Esse facto reflecte-se não só na cultura popular, mas também no pensamento de intelectuais e antropólogos, cujos discursos (mesmo quando se referem à construção de uma identidade nacional) incluem um sub-texto relativo ao império (sempre presente, mesmo quando escondido).

7 Por sua vez, Brian Juan O’Neill refere-se à actual construção identitária de um grupo minoritário (a comunidade Kristang) em Malaca (antiga colónia portuguesa). Esta é o resultado de uma justaposição de identidades sucessivas, recriadas em diferentes fases e obedecendo a distintas lógicas: de aproximação à cultura e identidade portuguesa, de afastamento relativamente aos malaios, de supressão de elementos não-malaios, etc. O processo culmina com a construção daquilo que o autor considera uma identidade hiperportuguesa, semelhante à das comunidades de emigrantes protugueses. Trata-se de uma tentativa por parte deste grupo em se distinguir relativamente aos grupos vizinhos próximos (geografica e culturalmente).

8 Finalmente, no último artigo deste grupo, António Medeiros refere-se ao aparelho ideológico imperialista do Estado Novo e através do estudo da exposição colonial portuguesa (celebrada em 1934, no Porto) mostra como este se preocupou em construir uma identidade nacional com base na simultaneidade de elementos distintos – através da representação do território rural português (com o folclore de algumas regiões do país – Minho e Trás-os-Montes) e da representação das colónias. Trata-se de questionar e explorar os processos de construção, por parte do regime fascista, de uma certa ideia da nacionalidade portuguesa expressa no célebre slogan «Portugal: do Minho a Timor» e que tinha como objectivo a inclusão de todas as províncias do império (do continente e ultramarinas) numa unidade.

9 Na segunda parte, são abordadas as construções de memórias daqueles que se viram forçados ao exílio ou que viveram sob regimes ditatoriais e interroga-se a contribuição de diferentes espaços culturais nesses processos.

10 No artigo de Susan M. DiGiacomo, analisam-se dois sistemas educativos, ao longo do século XX em Espanha: um de tradição progressista e de inovação pedagógica e outro de tradição conservadora e ultramontana. Ambos são analisados como metonímias dos respectivos regimes (republicano e franquista) e nesse sentido, a sala de aula é entendida como um espaço onde têm lugar relações de poder: entre dominantes e dominados e as suas respectivas visões do mundo. As memórias sobre o que foi esse espaço de poder (onde, aparentemente, apenas os dominantes dominam!) são o resultado do posicionamento de cada um face ao poder exercido (do lado dos dominados ou dos dominantes). O facto de algumas dessas memórias sobre o passado se manifestarem através do humor (como refere a autora) demonstra que a resistência é possível.

11 No texto que apresenta, Sharon R. Roseman analisa a acção da sección femenina da Falange, durante a ditadura franquista, junto dos grupos de mulheres no contexto rural da Galiza. Trata-se de uma intervenção que tem como objectivo fazer penetrar a ideologia estatal e os seus agentes numa região e junto de populações que até então tinham tido pouco contacto com o Estado Espanhol. Esta tarefa é realizada através de um esforço de modernização do estilo de vida das populações camponesas e cumpre-se através da imposição de novas práticas e actividades quotidianas relativas não só ao espaço de trabalho (os campos) como também ao espaço privado das famílias (as casas). A autora mostra-nos como, apesar de uma certa resistência manifestada pelas populações relativamente a práticas inovadoras pouco adaptadas ao seu quotidiano, a maioria das memórias sobre a sección femenina e a sua acção são positivas – no sentido de reconhecer a introdução de melhorias nas condições de vida destas populações, que o Estado fazia assim participar na sua ideologia (nomeadamente, no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade).

12 No último artigo desta parte, Oriol Pi-Sunyer revela-nos as suas memórias relativas à infância vivida no seio de uma família republicana catalã que se viu obrigada a várias migrações (primeiro, da cidade para a província de Barcelona; depois, para França) até, finalmente, se instalar em Inglaterra. O autor refere a existência de «culturas portáteis» e conta como, durante todo o período de exílio, na sua própria família alguns elementos da cultura catalã (maneira de ver o mundo, gastronomia, idioma, etc.) foram transportados e reproduzidos (com maior ou menor dificuldade) nos vários locais por onde passaram. Por outro lado, novos elementos das culturas onde se integraram foram sendo adoptados – entre outros, ressalva a partilha da preocupação com o conflito bélico e o posicionamento da sua família contra os fascismos europeus, solidária com os franceses e ingleses. Finalmente, o autor alude a essa cultura familiar híbrida, que constitui o resultado dos diversos movimentos e exílios por que passaram, demonstrando que os processos de construção cultural e de memória social nunca ocorrem em sentido único.

13 A terceira parte desta obra centra-se na problemática dos contextos regionais e das clivagens que eles implicam (urbano-rural / norte-sul / centro-periferia).

14 No estudo de María Cátedra, o culto da Virgem de Sonsoles em Ávila e a rivalidade entre esta e a Santa Teresa de Ávila servem de pretexto para explorar a distinção urbano-rural existente na sociedade daquela cidade. Se a Santa Teresa é amplamente reconhecida, a partir do exterior, como símbolo de Ávila, enquanto que a Virgem de Sonsoles (padroeira do Valle de Amblés) tem menos notoriedade e é sobretudo uma santa daquele contexto rural, a autora interroga-se sobre a importância atribuída a esta última pelos habitantes da cidade. Através de uma descrição dos conflitos que têm existido ao longo do século XX, entre as confrarias e a hierarquia da igreja católica (no sentido de determinar quem detém a responsabilidade sobre a gestão dos assuntos da Virgem de Sonsoles) e dos vários grupos sociais envolvidos, vemos emergirem por detrás destas disputas o factor que justifica a sua existência – os interesses económicos.

15 No texto de José Manuel Sobral, o autor parte de uma série de acontecimentos das últimas 3 décadas e de alguns aspectos veiculados nos discursos populares, relativos à existência de uma conflitualidade norte-sul em Portugal, para demonstrar que se trata da herança de um discurso intelectual sobre a identidade portuguesa que cruza os factores raça e espaço. Recorrendo às obras de vários autores dos séculos XIX e XX (geógrafos, antropólogos, historiadores, escritores) que se debruçaram sobre a questão da identidade nacional, demonstra a construção de estereótipos sobre o país. Estes revelam a existência de uma primeira fase, com a presença de argumentos de carácter racial, que justificariam a divisão do país entre: o norte (de herança ariana) e o sul (de herança semítica). O autor defende que as actuais relações da região norte do país (periférica) e o centro geopolítico (considerado o sul, por oposição) – Lisboa – constituem um elemento fundamental na continuidade desse discurso sobre a divisão norte-sul que ainda hoje se verifica (nomeadamente, ao nível do comportamento dos eleitores: mais conservadores, a norte e progressistas, a sul).

16 O objecto de análise, no texto de Shawn S. Parkhurst, são as representações dos jornais regionais do Alto Douro e o modo como contribuem para a fabricação de uma homogeneidade simbólica relativa à sua região de referência. Partindo da leitura de artigos de um correspondente local, publicados em jornais regionais, refere-se a conexão entre o contexto espacial e o posicionamento social do seu autor. Neste sentido, surgem à luz do dia as tensões presentes nos diferentes níveis espaciais (a aldeia, a região, o país, a união europeia) através de uma construção identitária.

17 Na quarta parte é a relação entre o local e o global que é problematizada, através da observação das culturas políticas e da participação cívica.

18 No início do seu texto, Jacqueline Urla explicita que não pretende analisar a relação entre o local e o global enquanto par de opostos, mas no sentido de questionar aquilo que possa existir da conexão entre um e outro. Através da observação de um espaço de diversão urbano (o Kafe Antzokia) a autora revela uma transformação recentemente ocorrida na construção identitária no País Basco, pondo em evidência a relação entre os seus limites (linguísticos, espaciais e culturais) localizados e uma abertura ao pluralismo e ao global, que resulta no que parece um paradoxo: uma identidade basca cosmopolita.

19 No seu Posfácio, James W. Fernandez.revê os artigos presentes na obra e trabalha dois conceitos que os atravessam, estabelecendo a diferença entre «espaço» (enquanto entidade territorial, limitada) e «sítio» (no sentido da construção social do espaço e das significações que lhe são atribuídas).

20 Concluindo, esta obra apresenta-nos um conjunto de estudos etnográficos em torno de uma temática comum: a construção social e cultural de espaços, em diferentes contextos geográficos, sociais, culturais e históricos (desde os séculos XIX e XX até à actualidade). A perspectiva de análise adoptada – que salienta as relações de poder que estão presentes e participam nesse processo – torna-a um contributo interessante para os investigadores de diferentes domínios das ciências sociais.

Inês Fonseca – Departamento de Antropologia e CRIA – FCSH-UNL

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In the Global Classroom 1 – PIKE; SELBY (CSS)

PIKE, Graham; SELBY, David. In the Global Classroom 1. Toronto: Pippin Publishing,1999. 256p. In the Global Classroom 2. Toronto: Pippin Publishing, 2000. 260p. Resenha de: BOYD, Kenneth. Canadian Social Studies, v.36, n.1, 2002.

This two-volume set originated at the Ontario Green School Project where educational planners noticed there was a widening gap between the school experiences of the students and global reality. They decided to create a resource that would help students to increase their understanding of local and global issues through collaborative and participatory learning processes. In the Global Classroom 1 and 2 are designed to help teachers approach several areas of concern including accountability, which tends to focus attention on statutory requirements rather than on human potential, and the concept of worldmindedness which stresses that the interest of individual nations must be viewed within the context of the overall needs of the planet. At the same time, Pike and Selby stress the idea that children learn best when encouraged to explore and discover for themselves. It is recognized that students cannot be programmed. At the personal level the books focus on the interconnectedness of an individual’s mental, physical and spiritual make-up. Students have to understand how personal well-being is entwined with the economic and political decision-making of governments around the world. The authors hope that by using these books students will come to see how global environmental trends are influenced by human behavior and changes in local ecosystems.

Individual students should be helped to understand that their perspective on any issue is but one among many; that there are a variety of cultural, social and ideological points. As educators, we have to provide students with such opportunities across the curriculum. These books look at areas or topics dealing with relevant global education knowledge, skills, and attitudes. There are countless possibilities for integrating these into the traditional subjects of the curriculum. Integration is important to understanding the world as a system and exploring its relationships. In the Global Classroom 1 and 2 give teachers and students many helpful suggestions for activities in which the students can engage. Student development goes hand-in-hand with planetary awareness. Global education is critical to the development of students who can prosper in the complex global system and who can contribute to building a more just and sustainable world.

Students’ learning should be self-motivated and directed, focussing on the needs of the students. By using these books students will experience a blend of teacher-led and self- or group-directed strategies. The suggested activities are organized by theme in order to facilitate their use across the curriculum and to promote an interdisciplinary approach in the classroom. Key activity concepts are explained at the beginning of each chapter. A matrix of concepts and activities follows each introduction. Connections to the other chapters are given underneath the matrix. Activities that explore similar or related concepts, though perhaps from different perspectives, are highlighted. Pike and Selby suggest that by exploring such connections in a sequence of activities students can better appreciate the interconnected nature of global issues.

The suggested time frame serves as a rough guide to the length of time necessary for students to understand the activity. Most of the activities are designed to fit within a 40 minute lesson. Materials and other necessary requirements for the activities, such as classroom layout or space, are also included. The resource lists assume an average class size of 30 students, though most activities will work successfully with groups ranging from 15 45. Student worksheets and other photocopy material often appear after the activity descriptions.

Pike and Selby provide step-by-step descriptions, written from the student perspective, of how the activities proceed. They offer a rationale for each activity, often provide further guidelines for teachers to maximize student learning, and frequently include questions for debriefing the activities. The questions serve to gear the students’ thinking toward issues and perspectives that may not have been considered or articulated. An extension section suggests ideas for specific follow-up work, either in class or outside school.

These global education activities are designed to be flexible learning tools that can be used in either infusion or integration modes of implementation. Their inherent flexibility offers countless possibilities for modification and adaptation, thereby meeting the particular needs of curricula, students and teachers. In the Global Classroom 1 deals with such concepts as Environment and Sustainability, Health, Perceptions, Perspectives and Cross Cultural Encounters, Technology and Futures. In the Global Classroom 2 deals with the concepts of Peace, Disarmament, Deterrence, Rights and Responsibilities, Equity, Economics, Development and Global Justice, Citizenship, and Mass Media. I found many activities that I would certainly use in my classroom. I would have to decide on whether others are as appropriate for student use.

Kenneth Boyd – Rosetown Central High School. Rosetown, Saskatchewan.

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