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Lexico de termos technicos e scientificos ainda não apontados nos diccionarios da língua portuguesa | A Terminologia Zoologica e Scientifica em geral e a deficiencia dos grandes Diccionarios Portuguezes | Inopia scientifica e vocabular dos grandes diccionarios portugueses | Afonso d’Escragnolle Taunay
Introdução: Afonso d’Escragnolle Taunay
O professor, historiador, tradutor e lexicógrafo Afonso d’Escragnolle Taunay (Florianópolis, 11-06-1876 – São Paulo, 20-03-1958) era filho de Alfredo d’Escragnolle Taunay, Visconde de Taunay, e Cristina Teixeira Leite Taunay. Cursou a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, onde se formou em Engenharia Civil em 1900. Tornou-se professor auxiliar de física e química da Escola Politécnica de São Paulo em 1904 e professor catedrático na mesma Escola a partir de 1910, onde lecionou Física Experimental, acumulando a docência acadêmica com aulas de ciências no Colégio São Bento. Exerceu vários cargos públicos, tais como diretor do Museu Paulista de 1917 a 1946, gestão na qual foi feita a transição do que incluía a seção de História Natural para o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, permanecendo o Museu Paulista como o atual museu histórico com esse nome.1 Organizou ainda o Museu Republicano de Itu, também pertencente à USP.
Foi também diretor dos Museus do Estado de São Paulo desde 1923, encarregado do Governo Federal para reorganizar a Biblioteca e o Arquivo do Ministério das Relações Exteriores em 1930, professor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo entre 1934 e 1937. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto Histórico de São Paulo, da Academia Paulista de Letras, da Academia Brasileira de Letras (1929) e da Academia Portuguesa de História. Leia Mais
Macunaíma, Ropicapnefma… Estranhezas na língua portuguesa e outros assuntos / Tarcízio D. Medeiros
Tomo como pressuposto, líquido e certo, que todos os senhores, prezados leitores, já conhecem a expressão “homem cordial”, conceito formulado pelo mestre Sérgio Buarque de Holanda na obra Raízes do Brasil, um dos clássicos da História do Brasil, cuja primeira edição foi lançada em 1936. Este conceito, esclareça-se, já provocou por demais polêmica em nossa historiografia. Isso porque, logo após a publicação daquele livro, o poeta e ensaísta Cassiano Ricardo, ícone dos modernistas de tendência nacionalista, interpretou o conceito como sendo do homem bom, cortês, polido, gentil, afável, avesso a soluções bélicas e sangrentas – que se contrapõe ao homem mau, violento e indisciplinado. Tal interpretação terminou por ser reproduzida em inúmeros livros didáticos, por décadas, criando uma autoimagem decerto reducionista do brasileiro.
Somente em 1948, mais de uma década depois da publicação de Raízes, Sérgio Buarque de Holanda publicou carta ao colega retificando tal interpretação, iniciando um debate com o poeta Cassiano, em missiva virulenta, “esgrima literária”, como o próprio protagonista definiu. Sérgio acusou o colega de “preguiça ou inépcia”, e sugeriu retratação. Explicou que, em verdade, não acreditava muito na “tal bondade fundamental dos brasileiros”, e que usou termo “cordial” não associado à palavra bondade, mas ao coração:
Nem falei em bondade como excluindo inimizade, mas como antítese de ódio. Ora, bondade, de fato, não exclui inimizade, mas tem como antítese a maldade e não o ódio. E este, por sua vez, pode contrapor-se ao amor, não à bondade. Mas justamente neste ponto será preciso ultrapassarem-se as fronteiras da ética (…)
Precisarei recorrer ao dicionário para lembrar que essa palavra – cordial –, em seu verdadeiro sentido, e não apenas no sentido etimológico, como você quer presumir; se relaciona a coração e exprime justamente o que eu pretendi dizer. Como além disso se acreditou, mal ou bem, que o coração é sede dos sentimentos,
Mesmo depois de tamanhas explicações, setores do pensamento brasileiro, tanto à direita quanto à esquerda, continuaram a interpretar o conceito de Sérgio Buarque de modo diverso. Talvez por mero equívoco, talvez por apropriação indébita. É verdade que a ideia do “homem cordial” é passível de acolher as mais variadas interpretações. Mas para o pai da ideia, “cordial” é, essencialmente, a pouca recorrência à racionalidade. Cordial porque coloca o sentimento no lugar da razão nas suas visões de mundo, das relações sociais, econômicas e de poder.
O objetivo desta breve história preliminar é ressaltar a relevância do amor ao estudo da linguagem em fontes escritas, aquilo que a Academia conceitua como Filologia. Essencial na linguística, a busca pela compreensão do real sentido das palavras é igualmente importante para a Literatura, como também para todas as demais
ciências, sobretudo as Humanas, a começar pela Filosofia e pela História. No caso do conceito supracitado, “homem cordial”, a polêmica se deu quando mestre Sérgio fez uso da Filologia na fundamentação de um novo conceito para a interpretação de nossas raízes históricas – enquanto o mestre Cassiano, tomado de entusiasmo cordial (de cor, coração), enveredou por interpretações ideológicas, que muito convinham ao Movimento Modernista, do qual fazia parte.
Em outra obra que ora lhes apresento, uma coletânea de ensaios sobre algumas “estranhezas na língua portuguesa e outros assuntos”, o filólogo Tarcízio Dinoá Medeiros adentra-se em um fascinante “entrelugar” – conceito este cunhado pelo filósofo indo-britânico Hommi Bhabha para definir um local onde diferentes culturas disputam seus espaços; algumas se impondo e deixando seus valores disseminados, outras, resistindo, sem, contudo, jamais haver total hegemonia.
Em outras palavras, ao nos adentrarmos pelas próximas páginas, ora pensamos estar diante de uma obra de Filologia; ora, de um livro de História; por vezes, de um ensaio filosófico; em outros momentos, temos a certeza de estar diante de uma narrativa literária de primeira. Todos os textos, contudo, são de um rigoroso conteúdo pedagógico. A título de exemplo, cito o seu “Gallus: surgimento e evolução das línguas românicas..
Originalmente um estudo de Filologia, o autor acabou por produzir um entrelugar histórico, teológico e até épico sobre essas aves há milênios disseminadas nos quintais da humanidade: os galos e as galinhas – que ele levou, pessoalmente, para doar aos índios ianomâmis, nas margens do rio Catrimâni, em Roraima.
O mesmo pode se afirmar sobre os demais ensaios adiante expostos, a começar por aqueles que dão título a outra obra, “Macunaíma”, no qual relata como e porque Mário de Andrade acabou por errar na grafia do nome de um mito indígena de Roraima, Macunaima (pronuncia-se sem acento agudo, como Roraima); e, ainda, “Ropicapnefma”, título original de uma obra de João de Barros, considerado o Pai da História de Portugal e, simultaneamente, um dos primeiros gramáticos da nossa língua.
“Ropicapnefma” é um composição inventada por Barros a partir de duas palavras gregas: ropikón (miudeza, ninharia) e pneuma (espírito, sopro). Trata-se de uma obra no qual sugere pequenos hábitos e rituais cotidianos para a prática espiritual. O próprio Barros traduziu “Ropicapnefma” como sendo “mercadoria espiritual”. Pois nosso filólogo, tal qual um aspersor de ácido sulfúrico, não se constrange em criticar o gramático lusitano, informando que ele “embaralhou plural com singular e neutro com masculino”, e criou um título “inestético, esdrúxulo”, um “monstrengo”, um “completo disparate”.
Os demais ensaios são igualmente curiosos, como aquele que trata da ubiquidade, expressão derivada do advérbio latino ubi, tratada por leigos como onipresença. Ao entrelaçar sua erudição clássica com o talento narrativo, Tarcízio nos presenteia com um ensaio teológico que decerto Agostinho, caso tivesse usufruído da sorte grande de ser um de seus leitores, incluiria entre os tais Mistérios Gozosos.
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Tal qual sua trajetória de vida, toda a obra de Tarcízio Dinoá Medeiros trafega entre o sagrado e o profano. Nascido em 1939, em Patos, sertão da Paraíba, com doze anos entrou para o seminário. Foi então iniciado nos mistérios da disciplina, da gramática, do latim, do grego e, obviamente, da Filosofia.
Queria ser monge. Aos 18 anos, foi ungido com um chamado para o Mosteiro Cisterciense de Santa Cruz, em Itaporanga, São Paulo. O noviço recebeu sua tonsura e, por dois anos, manteve seus votos de castidade, pobreza, conversão dos costumes e estabilidade monacal. Estudou Filosofia, dentro da linha aristotélico-tomista, em livros escritos em latim.
Até que um dia, aos 21 anos, um chamado à vida profana levou-o a trocar o monastério pelo curso de Economia na Universidade Católica de Recife. Logo passaria no concurso para Agente Fiscal, transformado depois para Auditor da Receita Federal. Foi assim que o ex-monge, discípulo da lógica desconcertante de Tomás de Aquino, acabou tributarista. Trata-se, há de se ressaltar, de um executivo e estudioso da administração tributária de mão cheia, autor de livros, artigos e conferências sobre o tema, representante do Brasil em 28 encontros internacionais em países como Alemanha, Argentina, Bélgica, Canadá, Chile, Equador, Espanha, Holanda, Jamaica, Japão, Panamá, Peru, Portugal, República Dominicana, Taiwan, e até Venezuela – em vários deles esteve mais de uma vez.
Tarcízio teve uma carreira brilhante como administrador tributário. Chegou a ser Secretário-adjunto da Receita Federal, cargo máximo que se pode almejar, posto que o de Secretário é função eminentemente política. O Adjunto é aquele que de fato e de direito administra toda a estrutura do órgão no Brasil. Assim, do fim da década de 1980 até a metade da década de 1990, quando se aposentou, ele foi adjunto de nada menos que de seis Secretários da Receita Federal.
Casado desde 1965 com a roraimense, administradora e fazendária Ana Tereza de Oliveira Medeiros, dona Teca, pai de duas filhas lindas e de um filho bem sucedido, nosso filólogo é um fiel representante do homem-cordial – mas na interpretação popular do poeta Cassiano Ricardo.
Curiosamente, tem um jeitão sertanejo e tende a um cacto, seco e áspero – parafraseando Manuel Bandeira.
Contudo é bom, cortês, polido, gentil, afável – conforme as palavras de Cassiano.
No tempo presente, Tarcízio tem uma forte tendência ao sagrado, muito mais do que ao profano. Para começar, foi o Presidente da Associação dos Cavaleiros da Ordem Soberana de Malta de Brasília e Brasil Setentrional – a Ordem é a mais antiga instituição filantrópica do mundo, fundada nos tempos das Cruzadas para dar assistência médica aos soldados, e diretamente ligada ao Vaticano. Também foi presidente da Academia de Letras de Brasília, função que lhe emprestou forte ascendência sobre os principais nomes das letras e da cultura da capital. É, ainda, um dos mais antigos e influentes acadêmicos do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Por fim, filólogo, escritor, ensaísta – tudo em uma só pessoa.
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Reza a lenda, cantada em verso e prosa entre as famílias da região do sopé da Serra da Borborema, que um pouco antes de deixar o sertão rumo ao vasto mundo amazônico, Tarcízio Dinoá Medeiros foi chamado por uma sua tia. Ela queria dar-lhe relevantes conselhos.
Primeiro, que nunca ele cobiçasse a mulher alheia. Também, que jamais brigasse com soldado de polícia. Por fim, aconselhou a sábia senhora, aonde chegasse nunca dissesse logo que era da Paraíba.
– Ora, por quê?
– Para que ninguém sinta inveja ou fique humilhado.
E assim, prezados leitores, apresento-lhes um filósofo, um filólogo, um administrador tributário, um escritor, um homem cordial e paraibano – tudo em uma só pessoa. Mas, por favor, não sintam inveja.
Hugo Studart – Ocupante da Cadeira 47 [IHGDF], patroneada por José Ludovico de Almeida; é membro, também, da Academia de Letras de Brasília; jornalista, professor universitário, mestre e doutor em História.
MEDEIROS, Tarcízio Dinoá. Macunaíma, Ropicapnefma… Estranhezas na língua portuguesa e outros assuntos. 2017. Resenha de: STUDART, Hugo. Macunaíma, ropicapnefma. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, n.10, p.2253-258, 2020. Acessar publicação original. [IF].
O Professor de Português e a Literatura | Gabriela Rodella de Oliveira
O Professor de Português e a Literatura originalmente foi a dissertação de mestrado em educação de Gabriela Rodella de Oliveira, bacharel em Letras Português/ Alemão, mestre e doutora em Educação pela USP e professora na Universidade Federal do Sul da Bahia. A obra em questão procura entender o porquê da crônica precariedade do ensino de literatura nas escolas públicas paulistanas e a incapacidade do mesmo em formar leitores assíduos, ou nos termos da autora “leitores literários”. Para tanto, Oliveira analisa o trabalho docente nas disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura e sua capacidade em transformar os discentes em admiradores da arte literária.
A obra inicia-se com um levantamento histórico do ensino de Literatura no Brasil (dos jesuístas até os PCN´s, criados em 1996) e apontando os principais “vícios” no ensino da citada matéria no país. A autora, apoiada em outras pesquisas realizadas desde a década de 1970 até a década de 1990 [1], defende que a disciplina citada é reduzida ao ensino de história literária, biografia dos autores clássicos, a leitura de trechos de algumas obras clássicas da literatura brasileira e a apresentação das diferentes escolas literárias, tudo feito de forma resumida e superficial baseado nas explicações presentes nos livros didáticos. A principal consequência desse quadro é a incapacidade dos professores em apresentar aos alunos as diferentes obras literárias, despertar neles a paixão pelos livros e torná-los bons leitores.
O livro se destina a entender o porquê dessa calamitosa situação. A resposta para tal questionamento perpassa as práticas dos docentes paulistanos, que por sua vez são determinadas por sua realidade de vida e formação, na visão da autora. Para identificá-las, Oliveira realizou uma pesquisa com 87 professores para, segundo a própria, levantar o “perfil médio” do professor de Língua Portuguesa da rede estadual de São Paulo. O levantamento realizado contou com uma parte “quantitativa” e outra “qualitativa”; a primeira parte da pesquisa contou com a elaboração e distribuição de um questionário [2] para os 87 professores citados e a segunda contou com a confecção de uma entrevista feita pela própria autora com quatro professores, que segundo Oliveira se destacaram por sua capacidade intelectual. Embora a mesma reconheça que a pesquisa não tenha um caráter estatístico e que o universo pesquisado seja pequeno, ela procurar traçar o retrato do docente da citada disciplina.
Apoiada em Pierre Bourdieu, e sua noção de habitus, e baseada nos resultados obtidos, Oliveira concebe o “perfil médio” dos docentes de Língua Portuguesa que, com raras exceções, são profissionais originários da camada pobre da população, com pouco ou nenhum acesso à leitura na infância, estudante de escolas públicas e, posteriormente, de cursos noturnos de faculdades particulares, com hábitos literários pobres, que variam entre livros didáticos, leituras de alguns clássicos exigidos em programas/currículos escolares e Best Sellers. Esse docente, por uma mistura de incapacidade e conservadorismo pedagógico, não consegue fugir dos antigos esquemas de ensino de Literatura (recorrência a história literária, biografia dos autores, apresentação das escolas e resumos de livros didáticos) e não é capaz de despertar o gosto pela leitura e formar “leitores literários”, por ele próprio não possuir esse capital cultural. Diante de seu fracasso, o citado docente recorre a culpabilização dos alunos, a quem acusa de “falta de interesse nos estudos”, “pouca capacidade de leitura” e “falta de bons modos”, entre outros problemas.
O conceito da autora de “leitores literários” traz em si a ideia de um leitor que consome a leitura por sua qualidade estética e o caráter artístico da obra, em contraposição a uma “literatura funcional”, que seriam leituras obrigatórias ou profissionais sem valor artístico. Apesar de formada em Letras, Oliveira, em nenhum momento, se apoia em algum conceito da Literatura ou da crítica literária para explicar quais são suas noções de “arte” ou de “estética” literária, assim como não conceitua o que seria uma boa ou uma má Literatura. Aparentemente, sua visão sobre os hábitos de leituras dos professores está carregada de um juízo de valor da autora, que qualifica hábitos e leitores por critérios pessoais e pouco claros.
A obra citada apresenta outro problema quando ignora que os hábitos de leitura dos indivíduos são formados por outras variantes, além das aulas de literatura nas escolas. A autora, nem em sua dissertação, nem em seus questionários e entrevistas com os professores, se preocupou em pesquisar sobre a possibilidade de acesso a livros nas escolas que trabalham ou nos bairros onde ficam as tais escolas. Faltam levantamentos, aparentemente óbvios em uma pesquisa sobre o tema, sobre a existência e funcionamento de bibliotecas, livrarias ou sebos nas regiões do município de São Paulo estudadas ou da existência de outros funcionários, como bibliotecários ou agentes de leitura, nas escolas para fomentar o acesso dos jovens aos livros.
O trabalho em nenhum momento procura questionar ou entender o porquê os cursos de graduação, mesmo alguns cursos reconhecidos, como o de Letras da USP [3], não conseguem formar professores preparados para a educação básica ou mesmo consegue trazer as novas ideias que circulam no meio acadêmico. Aparentemente, os problemas da educação são causados quase que exclusivamente pelo ethos do “professor médio” e não por deficiências em seus diversos estágios de formação inicial e continuada. Assim como não há qualquer discussão sobre o papel das políticas públicas da Secretaria Estadual de Educação (SEE-SP), com seus currículos e suas avaliações, no trabalho docente.
Oliveira, em seu trabalho, busca responder uma questão complexa, com diversos nuances, recorrendo a uma solução simples: a criação de uma imagem resumida e com um embasamento científico frágil [4] do professor da rede pública, que, segundo a autora, perpetua um sistema falido por incompetência, incapacidade e conservadorismo. Mais do que uma imagem ou um perfil, a autora perpetuou um estereótipo do docente público atualmente presente em diversos textos acadêmicos e na imprensa, e que em nada contribui para uma melhora real das escolas e do trabalho docente.
Notas
1. Rodella apoia-se nas pesquisas de Marisa Lajolo, Maria Thereza Fraga Rocco, Alice Vieira, Cyana Leahy-Dios e Willian Roberto Cereja para apontar os citados “vícios”.
2. Onde os professores responderam questões sobre sua origem familiar (renda e escolaridade dos pais), sua formação escolar e acadêmica (se estudaram em escolas públicas ou particulares e quais faculdades frequentaram), suas práticas pedagógicas, sua renda, sua carga horária e sua relação com os alunos.
3. Em seu levantamento, Oliveira calculou que por volta de 40% dos professores entrevistados se formaram em universidades públicas de São Paulo, como a USP ou a Unesp.
4. Embora a autora reconheça a inexistência de pretensões estatísticas ou de criar um perfil exato da docência, uma pesquisa com pretenções a traçar uma imagem de uma categoria com mais de 212.146 profissionais, segundo o Censo Escolar paulista de 2012, a partir de 87 questionários e 4 entrevistas pessoais se mostra frágil e reduzida em termos científicos.
Luís Emílio Gomes – Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense e professor de História da Secretaria Estadual de Educação/RJ. E-mail: luisemiliogomes@gmail.com
OLIVEIRA, Gabriela Rodella de. O Professor de Português e a Literatura. São Paulo: Alameda Editorial, 2013. Resenha de: GOMES, Luís Emílio. O professor e seu papel na formação de novos leitores. Cantareira. Niterói, n.24, p. 275- 277, jan./jun., 2016. Acessar publicação original [DR]
Crianças dos países de língua portuguesa – MULLER (EH)
O que há de comum na experiência de crianças e adolescentes que viveram em países lusófonos situados em quatro continentes do globo nas últimas décadas do século XX? De comum, segundo a educadora Verônica Regina Müller, o fato de utilizarem o português como primeira ou segunda língua na vida cotidiana, as condições de pobreza que uma parcela significativa dessa população enfrenta ou, eventualmente, o acesso à educação escolar, mesmo que de forma precária. A obra, intitulada Crianças dos países de língua portuguesa: histórias, culturas e direitos, demonstra ainda, ao longo de seis capítulos, que há outro denominador comum. Desde a aprovação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1989, Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Timor Leste têm buscado, de diferentes maneiras e entre avanços e reveses, implementar a noção de direitos – sociais, civis e políticos – em favor de sua população infanto-juvenil. Essa tarefa exigiu (e continua a exigir) um esforço hercúleo do Estado, da sociedade civil, das famílias e dos indivíduos, uma vez que o processo de instituição da concepção de direitos humanos para os infantes de ambos os sexos implica grandes mudanças na esfera sociocultural, especialmente nas sociedades do continente africano.
As narrativas dessa faceta da história de crianças e adolescentes, com exceção do caso brasileiro, procuram dar conta, sobretudo, dos fenômenos ocorridos nos últimos trinta anos do século XX em cada sociedade em particular. Apesar de todos os textos se reportarem à história política dos Estados nacionais (processo de descolonização, independências e ditaduras/processos de democratização), os marcos temporais balizadores das análises são as legislações e/ou as políticas sociais instituídas, com ênfase nas relativas ao universo escolar. As narrativas são construídas a partir de dados obtidos através da análise do discurso de documentos de caráter oficial (em particular as legislações), etnografias, entrevistas e memórias. O ideário de infância e direitos humanos como discursos oriundos da sociedade ocidental e um olhar relativista em relação às noções de classe social, etnicidade e relações de gênero norteiam, do ponto de vista teórico, a escrita dos capítulos.
Além da História da Infância sob a ótica do nacional, os capítulos, em seu conjunto, descrevem um processo histórico transnacional, seja do ponto de vista dos usos do idioma português, seja do ponto de vista da transformação das crianças em sujeitos de direito.1 A junção dessas duas perspectivas no campo da história constitui, sem dúvida, o ponto forte do livro.
O capítulo sobre Angola, escrito por Eugênio Alves da Silva, é o único da obra que trata de crianças e adolescentes do meio rural. O autor justifica essa escolha porque, no período estudado, 42% da população do país habitavam no campo. Nessas localidades, meninos e meninas constituíam uma parcela importante da mão de obra familiar. A alfabetização através do idioma português na escola colocava em risco a “Educação Tradicional Africana” (ETA) (p. 47), especialmente a das meninas (p. 55). Para o autor, a resistência dos adultos das comunidades rurais à alfabetização no idioma português não está associada somente ao fato de ser a língua do antigo colonizador, mas a rupturas significativas, reproduzidas sobretudo no âmbito das relações de trabalho e das relações de gênero.
No capítulo sobre o Brasil, Verônica Regina Müller, Miryam Mage e Ailton José Morelli procuram fornecer aos leitores e leitoras um panorama da introdução dos direitos da criança e do adolescente no país durante todo o século XX. Nessa narrativa histórica, a ênfase recai sobre os avanços obtidos no período pós-Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir de 1990, as políticas sociais, sobretudo as de cunho compensatório (bolsa família), possibilitaram que muitas crianças e adolescentes que habitavam nas cidades e no campo não se evadissem dos bancos escolares e tivessem um maior domínio do idioma português (p. 96). Para os autores, porém, ainda há muito a fazer no campo dos direitos. Entre as demandas, as mais difíceis de vencer são as de caráter adultocêntrico, presentes na sociedade brasileira (p. 93).
Os capítulos sobre Cabo Verde, produzido por Lorenzo I. Bordonaro e Redy Wilson Lima, e sobre Moçambique, por Elena Colona e Eugénio José Brás, discutem fenômenos da mesma natureza: os embates existentes entre os discursos relativos aos diferentes modos de ser criança e adolescente no mundo urbano daqueles países nos últimos trinta anos do século XX. Enquanto a noção de infância afirma que o “espaço esperado” para a criança e o adolescente é a escola e/ou o ambiente doméstico, as famílias pobres das cidades de Praia e Maputo mantiveram a prática de deixar seus filhos e filhas brincando/trabalhando pelas ruas das cidades. Lorenzo I. Bordonaro e Redy Wilson Lima entendem que há uma grande diferença entre “crianças de rua e crianças na rua”, na zona urbana de Cabo Verde (p. 127). Afirmam, de forma crítica, que conceitos aplicados por técnicos das agências internacionais, operadores do direito e jornalistas não dizem respeito às realidades africanas, mas se limitam às latino-americanas. Os autores não concordam com a transformação do modo de ser criança “tradicional” em um problema social, especialmente pela mídia. Já para Elena Colona e Eugénio José Brás, o deslocamento dos menores pelas ruas da cidade de Maputo está de longa data associado a estratégias de sobrevivência das famílias empobrecidas (p. 171).
Para Catarina Tomás, Natalia Fernandes e Manuel Jacinto Sarmento, a história dos direitos da criança em Portugal, desde o processo de redemocratização do país, em 1974, tem como marca os paradoxos. Se, por um lado, o país atingiu excelentes índices no campo da saúde infantil e expandiu a proteção aos menores de idade através da justiça, por outro, a violência doméstica ainda continuou presente entre as famílias; além disso, a taxa de natalidade decresceu bastante, e crescimento populacional, se houve, foi por conta da imigração. Os autores mencionam mais dois problemas relativos ao universo infantil que emergiram no período: a obesidade e o stress (p. 219).
O último capítulo procura historiar a introdução dos direitos da criança na “fraturada” sociedade do Timor Leste. Afonso Maia, Benvinda L. da R. Oliveira, Márcia Valdineide Cavalcante e Silvestre de Oliveira descrevem as diferenças em relação a esse processo em três períodos distintos da história daquela sociedade durante o século XX: o período da dominação colonial portuguesa (1515-1975), a época da “invasão” indonésia (1975-1999) e o pós-independência do país, em 2002. Os autores e autoras consideram fundamental, nos três períodos, o direito à vida, à educação e à saúde. Ressaltam, também, que o domínio dos idiomas português e, depois, indonésio, pelas crianças e adolescentes, tinha o poder de produzir a inclusão ou a exclusão social naquela sociedade (p. 246).
Esses processos históricos nos países lusófonos poderão, certamente, ser interpretados de muitas outras maneiras. Esta, todavia, cativa os leitores e leitoras pelo seu ineditismo no campo da História da Infância e da História Transnacional e por fornecer pistas para outras investigações. Estudos desta natureza devem ser feitos para que, além de produzir conhecimento, possamos constatar que outros “mundos” podem ser construídos.
1 Sobre a História Transnacional, ver Bayly, C. A.; Beckert, Sven; Connelly, Matthew; Hofmeyr, Isabel; Kozol, Wendy; Seed, Patricia. AHR conversation: on Tansnational History, The American Historical Review, 1 dec. 2006, vol. 111, no 5, p. 1441-1464.
Silvia Maria Favero Arend – doutora em História pela Universidade Fed eral do Rio Grande do Sul e professora do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (smfarend@gmail.com).
MULLER, Verônica Regina (org.). Crianças dos países de língua portuguesa: histórias, culturas e direitos. Maringá: Editora da Universidade Estadual de Maringá, 2011. 275 p. Resenha de: AREND, Silvia Maria Favero. Uma história dos direitos da criança nos países lusófonos. Estudos Históricos, v.25 n.50 Rio de Janeiro July/Dec. 2012.
Manual Interlat. Comprensión escrita en portugués, español y francés | Gilda Tasara Chávez e Patricio Moreno Farías
Interlat es una bella obra, que acusa rigurosidad, compromiso y amor por parte de todas las personas involucradas en su realización. Su motivación se encuentra en EuRom 4, novedoso método para la enseñanza simultánea de portugués, español, italiano y francés, editado en Florencia, en 1997, e impulsado por las Universidades de Provence, Lisboa, Salamanca y Roma. Interlat se suma, pues, a los proyectos desarrollados en Europa, siendo ahora Chile también uno de los propulsores del método de intercomprensión que posibilita una comunicación exitosa entre personas de distintas lenguas, expresándose cada una en la suya.
Los autores Tassara y Moreno, explican que Interlat se remite a la comprensión de escritos en tres lenguas: portugués (por ser Brasil una indiscutida potencia latinoamericana), español (lengua emergente y propia de la América hispana) y francés (por la influencia de la cultura del país galo en el mundo de la educación en particular). En efecto, tal como los mismos autores lo expresan, todo conduce a pensar que será “en torno a estos tres ejes -e l español y el portugués como lenguas continentales, y el francés como idioma latino de formación humanista- que América Latina debiera construir su futuro en materia de política lingüística”. Leia Mais