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Representações Utópicas no Ensino de História | Antônio Simplício de Almeida Neto
O que pensar sobre o ensino na ditadura militar brasileira? O que modificou na estrutura do ensino com o término deste período? Em que o ensino de História contribuiu para a formação intelectual, social e política dos alunos? Refletir a partir destas indagações, motiva-nos à busca pela apreensão através do conhecimento das experiências de professoras que lecionaram entre as décadas 1960 a 1990, em pleno regime militar. Porém, o que se vislumbra nessa obra são as representações que fazem do passado, presente, até mesmo do futuro, onde suas utopias por um país melhor e uma educação de qualidade, recaem em desejos de conscientização dos alunos sobre o mundo que os rodeiam, tornando-se essencial em seus trabalhos com o ensino de História, embora há os desconfortos, as decepções, as angústias, as incertezas que trazem ao leitor uma perspectiva dualista no ensino durante o período totalitário.
A princípio, Antônio Simplício faz uma discussão sobre a concepção de história e seu utópico ensino nas escolas básicas. Refletindo sobre as interpretações de Walter Benjamin e Sevcenko da pintura intitulada Angelus Novus, tendo em vista suas perspectivas acerca do rumo que a história teria com a “falência e fim da modernidade” e o tão estimado advento da pós-modernidade.
Com isso, constatam-se os anseios e as irrealizações dos professores diante das novas perspectivas do ensino, havendo o intuito de conscientizar e educar os alunos para que compreendam a sociedade em sua totalidade, e busquem soluções para os problemas políticos, econômicos e sociais. Essa “pretensão redentora da história” traz aos livros didáticos uma carga de desejos utópicos, implicando um diferenciado modo de ver e reconhecer o ensino de História, como também sua importância no amadurecimento intelectual, crítico e participativo de professores e alunos na contemporaneidade.
De acordo com a construção da obra, é importante ressaltar a composição a partir dos fragmentos de introduções de livros, artigos, textos em geral sobre a expectativa atual dos professores para o ensino de História, na verdade, seus desejos por uma História politizadora. Pois, como numa das partes da introdução da coleção História Nova “Resta esperar, de professores e alunos, que de uma nova reflexão sobre os dados componentes de nossa história se passe de imediato àquela ação capaz de dar ao povo brasileiro o Brasil pelo qual ele realmente anseia” (ALMEIDA NETO, 2011, p.25)
. Esse desejo e sonho de ter um país emancipado no que tange aos problemas socioeconômicos, parte do pressuposto da educação como libertadora dos males da sociedade, tendo em vista o ensino de História uma arma capaz de mudar as estruturas sociais pela inteligibilidade dos alunos de que “a análise de situações passadas cria o hábito da análise de situações contemporâneas. ” (ALMEIDA NETO, 2011, p.26)
Além disso, a crise das utopias, como um dos tópicos de análise do autor, refere-se ao “declínio da modernidade” e o efeito que houve na educação, como também a oposição da pós-modernidade contundente às bases estruturais das sociedades modernas desde o período renascentista. Para isso, discute-se sobre a visão prospectiva utópica, idealizadora de transformações significativas na realidade, e como essa prospecção inclinou-se diante dos anseios e desejos dentro da sala de aula.
Diante dessas bases de discussão, ressaltar referenciais que possibilitaram o desenrolar das questões inerentes ao ensino de História durante o regime civil-militar, torna-se imprescindível à compreensão do objetivo do autor ao propor essa temática.
Antônio Simplício de Almeida Neto é graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui mestrado e doutorado em educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Tem como ênfase de trabalho Ensino de História e História da Educação. Membro da linha de pesquisa em Ensino de História; Educação: Memória e Representações; Livro didático: história e memória. Concebe-se, portanto, as características que elucidam os aportes teóricos, metodológicos e historiográficos utilizados na problematização do tema em questão.
Além disso, a trajetória em relação ao estudo de memórias e ensino durante o regime militar advém desde sua dissertação de mestrado, ou mesmo antes, pois busca elucidar nos trabalhos, tanto do mestrado quanto do doutorado, aspectos relativos ao professor como sujeito histórico das experiências escolares; ao seu silenciamento e hierarquização dentro do âmbito escolar; e seus conhecimentos e práticas de ensino de História que transformam-se em desejos, anseios, irrealizações e decepções.
A obra divide-se em quatro capítulos, possuindo suas especificidades em relação às concepções, relatos e explanação dos problemas propostos. No primeiro capítulo, intitulado “Utopias, Representações e Memória”, abre-se discussões e conflitos de ideias acerca da utopia, partindo do ponto de situar e refletir sobre o objetivo da dimensão utópica na realidade, pois, como pensam Ricouer e Falcon, que a sociedade e o ser humano não podem se desvincular das utopias por dar significado a tudo que os rodeia, sobretudo a vida.
Perspectivas de autores que também constituíram a problematização, como Boaventura Santos e Antônio Moreira, contribuintes para construção de um ensino com bases pedagógicas fixas, de acordo com ideais educacionais modernos para a renovação das escolas, o revigoramento da democracia e “dar voz aos oprimidos”, restituindo a dimensão utópica. Contudo, esse desejo de transformação e realização é inerente ao ofício do professor, tendo uma finalidade ao lecionar e explicitar conteúdos, havendo projeções e intuitos a serem alcançados com a elucidação dos temas propostos.
O autor também aborda concepções sobre Representação, melhor dizendo, Teoria crítica das representações. Uma teoria de Henri Lefebvre que trata do que de fato é a representação e como ela é formada, veiculada e seu uso em diversos momentos históricos como forma de legitimar discursos falsos ou verdadeiros – refiro-me ao mundo publicitário e as campanhas políticas. Mas também sua manifestação nas entrevistas das professoras, imbuída de desejos, realizações, projeções, limites, na sua prática de ensino, como também dentro e fora do âmbito escolar, até mesmo nos conteúdos selecionados.
Logo no segundo capítulo intitulado “Representações de História: Conhecimento e ensino”, começou-se com relatos dos professores sobre suas concepções do ensino de História, e suas representações surgidas ao longo do tempo no magistério e fora dele. Ademais, compreender a lógica da memória na busca da rememoração de conjunturas inerentes ao trabalho dos docentes, torna-se fundamental na análise dos relatos, além de que as representações presentes na rememoração motiva o autor a analisar minuciosamente as concepções de história que envolvem as práticas de ensino, os conflitos dentro e fora da sala de aula, as dificuldades em lecionar, nas referências que contribuíram para escolha de graduação, no crescimento intelectual e pessoal e na busca por ser progressista no que tange ao tradicionalismo vigente em muitos professores de História. Portanto, suas representações acerca do ensino de História, recaem em conceitos que dão luz ao que fizeram, ou fazem ao longo das suas trajetórias na educação.
Em “Representações sobre a Prática: Intenção e Gesto”, Antônio Simplício analisa as representações das professoras entrevistadas sobre suas práticas, abarcando questões que vão além de conteúdos e exposição. Através da óptica do presente sobre o passado, as professoras visualizam suas práticas, oscilando entre sentimentos de desprezo e angústia, orgulho e felicidade acerca de suas atividades realizadas durante o tempo de magistério, ou para aquelas que ainda continuam lecionando. Além disso, problematiza-se as utopias presentes nas lembranças sobre o objetivo em lecionar História, através de “noções de cidadania e cidadão crítico apresentam-se como incertos, é sobre ele que certa dimensão utópica se erigiu, disparando ações e freando impulsos, ensejando práticas criadoras ou meramente reprodutivas.” (ALMEIDA NETO, 2011, p.170)
No entanto, “abre-se os olhos” para uma nova perspectiva que é o desvelo e carinho no trato com as metodologias e conteúdos preparados aos alunos. Essa noção modifica as formas didáticas-pedagógicas da História, como as experiências das professoras Vera e Inês que “parecem ter descoberto, entre o vivido e o concebido, que outros aspectos estão envolvidos no ensino de História, além dos conteúdos e da intenção crítica”. (ALMEIDA NETO, 2011, p.171)
Por fim em “Representações sobre o ensino de História: Conservação e busca”, procura-se compreender a totalidade da prática de ensinar História, levando em conta a dimensão utópica que envolve suas representações acerca da rememoração do passado não tão distante. Além de que se discute sobre o objetivo do ensino dessa disciplina, levando em conta a visão prospectiva do presente sobre o passado, com o desejo de retorno e permanência daquele momento de “bons alunos, boas escolas e bom ensino e sociabilidade”, e a construção da consciência histórica nas alunas e alunos através da exposição em sala de aula, como também os trabalhos extraclasse – promover festa junina, lavar banheiro, pintar escola, militância – enfim, todas essas lembranças envolvem as falas das professoras como “momentos de glória”.
No entanto, contrapondo esses grandes momentos, existem seus desvios em relação à ineficácia e precariedade do ensino em geral, alegando como fatores da decadência da educação, a grande leva de alunos semianalfabetos, o choque de valores, o desinteresse dos alunos e professores, até à falta de recursos em promover uma boa aula.
Por conseguinte, a contribuição do livro de Antonio Simplício na formação de professores de História é relevante para compreendermos o processo histórico da educação no Brasil, a partir das perspectivas de professoras que atuaram num dado momento “divisor de águas” na história brasileira, e, por isso, nos instiga a refletir sobre o que buscamos com o ensino de História, e sua utilidade na formação do cidadão “racional, autônomo e democrático” (ALMEIDA NETO, 2011, p.216).
Ademais, torna-se desejável ao leitor (a) o método utilizado na busca dos relatos orais, sendo a História Oral revolucionária no campo da História, trazendo consigo diretrizes a ser seguidas para captação de tão rico material histórico: a memória. Assim, conduzindo ao cerne da história, trajetórias antes silenciadas pela historiografia tradicional, no caso as memórias de professoras do ensino básico, e que agora possibilita outra perspectiva para o tema em questão.
Michele Pires Lima – Graduanda em História pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Bolsista de IC pela mesma Instituição e CNPq.
ALMEIDA NETO, Antônio Simplício de. Representações Utópicas no Ensino de História. São Paulo: Editora Unifesp, 2011. Resenha de: LIMA, Michele Pires. Mandurarisawa – Revista Discente do Curso de História da UFAM, Manaus, v.1, n.1, p.157-161, 2017. Acessar publicação original