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A pesquisa histórica em trabalho e educação – CIAVATTA; REIS (TES)
CIAVATTA, Maria; REIS, Ronaldo Rosas (Orgs.). A pesquisa histórica em trabalho e educação. Brasília: Liber Livro Editora, 2010, 200 p. Resenha de: DAMASCENO, Rosangela Aquino da Rosa. Revista Trabalho, Educação e Saúde, v.12, n.1, Rio de Janeiro, jan./abr. 2014.
A coletânea dos organizadores Maria Ciavatta e Ronaldo Rosas Reis apresenta estudos e pesquisas desenvolvidos no âmbito do Programa de Cooperação Acadêmica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Procad/Capes) que resultam de cinco pesquisas, duas teses e uma dissertação. Estruturado em duas partes – a primeira, “Trabalho e educação: interfaces com a história e a arte”, e a segunda, “Trabalho e educação: a indústria, seus processos e ideologias” -, o livro é permeado de registros sobre a produção da existência humana, mais especificamente no que tange à pesquisa histórica em trabalho-educação.
Conduzindo o olhar para os centros de memória, observa-se que eles se constituem para a preservação das múltiplas memórias e integram um espaço estimulador de reflexão do fazer histórico dos vários segmentos sociais. Em um entendimento mais aprofundado de cidadania, a memória torna-se processo de construção da identidade, porque contribui para a formação cultural, compreensão do real e análises da evolução de lutas sociais que se desenvolvem no tempo e no espaço.
A pesquisa “Arquivos da memória do trabalho e da educação: centros de memória e formação integrada para não apagar o futuro”, de Maria Ciavatta, expressa os resultados de uma pesquisa mais ampla, da qual foram selecionados os seguintes recortes: a historicidade do conceito de formação integrada nos debates político-pedagógicos; arquivos escolares e centros de memória sobre a escola e o trabalho; a memória fotográfica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis, unidade Rio de Janeiro (Cefetq), e o Centro de Memória do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet/RJ). Partindo dessas abordagens, a autora situa a história em sua relação espaço-tempo e defende a importância do registro na construção da identidade de grupos sociais. A questão da relação trabalho-educação é dissecada no espaço das escolas de ensino médio-técnico de forma contextualizada, com a proposta, sobretudo, de discussão e reflexão sobre o tema da formação integrada. Assim, a escola, em toda a sua complexidade, cenário de lutas ideológicas, se inscreve com todas as suas tensões e mediações como ‘lugar de memória’.
Nesse contexto, a falta de políticas e fomento para criação de espaços destinados à guarda de acervo e à preservação do patrimônio colabora de forma ostensiva para os apagamentos da memória institucional, o que o texto em diversos momentos flagra. O estudo aponta ainda a memória do trabalho e da educação como um tema pouco explorado. Ressalta também a pesquisa à luz das fotografias, realizada nos centros de memória do Cefetq e do Cefet/RJ, como uma fonte de pesquisa social que precisa constituir-se num movimento de intertextualidade com outras fontes. Em suas considerações finais, alerta: “o primeiro pressuposto da formação integrada é a existência de um projeto de sociedade” – e defende o centro de memória “como elemento aglutinador, gerador de coesão social”.
Ainda na primeira parte do livro, Jorge Gregório da Silva apresenta o artigo “A reconstrução dos caminhos da educação profissional em Manaus (1856-1877): refletindo sobre a criação da Casa dos Educandos Artífices”, no qual, sob a lente do materialismo histórico, busca desvelar as categorias recorrentes no discurso sobre trabalho e educação em Manaus. Partindo de um levantamento baseado em uma pesquisa documental e uma pesquisa bibliográfica, revela que a Casa dos Educandos Artífices alicerçou sua proposta pedagógica em um detalhado plano de organização didática e administrativa da educação escolar. Para esta publicação, o autor dividiu seu estudo em três seções: trabalho e capital: antecedentes históricos do projeto de educação profissional em Manaus; a criação da Casa dos Educandos Artífices de Manaus; os efeitos das categorias de análise no processo histórico de construção da educação profissional em Manaus (1856-1877). As reflexões sobre estas questões, notadamente, mobilizam uma argumentação que se alimenta no protagonismo do ideário marxista.
No artigo “Trabalho, arte e educação no Brasil – notas de pesquisa: sobre a dualidade no ensino de arte”, Ronaldo Rosas Reis coaduna as interfaces da arte com a história. Ao apresentar o contexto do trabalho desenvolvido, ressalta que há alguns anos pesquisa as relações sociais entre produção artística e o ensino de arte no Brasil. De forma analítica, introduz três notas sobre as investigações: nota explicativa, sobre o sistema de belas-artes; nota 1, sobre a Escola de Arte e de Ofícios numa sociedade ‘modernizada’; nota 2, sobre a arte no modernismo; e nota conclusiva, a razão dualista, a arte e o ensino artístico. O resultado, uma fecunda obra com significativa contribuição para os estudos sobre educação e arte e trabalho-educação, descortina oportunidades para outros estudos e mediações sobre o tema.
Encerrando a primeira parte do livro, Maria Inês do Rego Monteiro Bonfim apresenta o artigo “Trabalho docente na escola pública brasileira: as finalidades humanas em risco”, organizado em duas seções: o capitalismo e as especificidades do trabalho de ensinar; e o Estado brasileiro e o enfraquecimento do trabalhador docente. Com ênfase, defende a ideia de que o trabalho docente é determinado historicamente pelo modo de produção capitalista e denuncia, de forma contundente, a expropriação do trabalhador docente ante a dominação e o controle hegemônico, reiterando a importância de se pensar o trabalho docente da escola pública em sua articulação com a dinâmica social no capitalismo da atualidade.
A segunda parte do livro é protagonizada pela relação trabalho-educação, em temas ligados à indústria, seus processos e ideologias. Abre a cena o trabalho de Arminda Rachel Botelho Mourão, comprometido em subsidiar estudos que trazem para discussão a universidade tecnológica no contexto das políticas de ciência e tecnologia. Assim, “Tecnologia: um conceito construído historicamente”, estudo indispensável por seu caráter de atualidade e relevância do tema, é explicitado nas seções: a técnica: diferentes concepções (a técnica como instrumento de uso; a técnica como entidade autônoma; e a técnica como produto histórico); discutindo a tecnologia; e a construção de uma nova visão tecnológica.
O trabalho de Eliseu Vieira Moreira, “A teoria da qualidade total como política educacional do capitalismo”, está estruturado didaticamente em duas partes. A primeira – a teoria da qualidade total: um novo simulacro transplantado para a educação básica – busca “entender que a materialidade histórica da transplantação ideológica da qualidade total, do campo empresarial para o campo educacional, se deu em quatro focos diferentes”. A segunda – a qualidade como categoria de controle da educação – mostra as políticas implementadas pelo Banco Mundial e outros organismos, visando ao ajuste estrutural e sua manipulação nas relações de trabalho. Contrapondo-se à teoria da qualidade total, um projeto integralmente baseado na lógica do ideário neoliberal, o autor defende a ideia de uma qualidade na qual esteja inserida a qualidade de vida. Aportado em suas reflexões, filia-se claramente ao embate teórico, colocando-se frontalmente contra a transplantação da teoria da qualidade total no campo produtivo-empresarial para o campo das políticas educacionais. A pesquisa instiga a reflexão e a necessidade de se pensarem formas de intervenção e resistência ao modelo perverso e excludente ditado pelo ideário neoliberal.
Em “Crescimento econômico do capital, emprego e qualificação profissional no Amazonas”, Selma Suely Baçal de Oliveira debruça-se sobre a questão do desemprego, analisando as modificações impostas pelos atuais padrões do processo produtivo – competitividade e maior acumulação – presentes no conflito histórico entre capital e trabalho. O contexto da investigação desmembra-se nos temas metodologia e procedimentos; o debate teórico; o movimento do emprego/desemprego no estado do Amazonas no início do século XXI; e a indústria eletroeletrônica no Brasil e o contexto manauara. Com atenção aos processos metodológicos da pesquisa, promove um detalhado levantamento no qual analisa os indicadores de emprego e desemprego na Zona Franca de Manaus, no período de 2000 a 2003, com trabalhadores da categoria de eletroeletrônicos. Sua abordagem contempla a reflexão sobre as relações de trabalho e o contexto atual da disputa trabalho-capital. Alerta ainda para significativas mudanças no ‘mundo do trabalho’, em que destaco: a forte entrada do capital estrangeiro, o avanço tecnológico (automação da produção) e as perdas dos direitos sociais de cidadania conquistados pelo conjunto dos trabalhadores, cidadania essa preconizada pelo Estado em suas reformas.
A segunda parte do livro encerra-se com “Educação corporativa na indústria naval”, artigo de Antonio Fernando Vieira Ney. Notável por suas contribuições ao debate sobre educação corporativa, revela a manobra do capital para formar mão de obra do seu interesse. Para tal, lança seu olhar sobre a indústria naval e sobre como ocorre a divisão do trabalho nos estaleiros. Desdobra suas análises em questões como a conceituação de educação corporativa; a constituição da educação corporativa; as considerações sobre o trabalhador da indústria naval e a aplicação do tecnólogo na indústria naval. O autor elabora seu estudo com expressiva contribuição para pesquisadores da área trabalho-educação, trazendo à luz elementos que podem auxiliar na compreensão do interesse do capital em assumir a responsabilidade de formação profissional, abrindo um campo de possíveis reflexões e ações no espaço político.
Por fim, cabe o registro da percepção de uma costura ideológica e uma linha discursiva contra-hegemônica permeando as produções dos autores.
Rosangela Aquino da Rosa Damasceno – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: rosangela.rosa@ifrj.edu.br
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