Pariremos com prazer | Casilda Rodrigáñez Bustos

Casilda Rodriganez
Charla Casilda Rodrigáñez Bustos | Imagem: Instituto Europeo de Salud Mental Perinatal

Casilda Rodrigañez Bustos nasceu na cidade de Madrid na Espanha, em 16 de maio de 1945. bióloga, escritora e feminista, em seus livros ela abordou questões sobre o corpo das mulheres, o parto, a maternidade, as culturas pré-patriarcais, a análise crítica do patriarcado relacionando a desconexão das mulheres com seus corpos, entre outros assuntos dessa natureza. No Brasil, dois de seus livros foram publicados pela Editora Luas: A Matrística: aqui e agora e o livro resenhado. Dentre suas obras, escreveu El asalto al HadesLa sexualidad y el funcionamiento de la dominaciónLa Represión del deseo materno y la génesis del estado de sumisión inconsciente, além de vários artigos e ensaios – todos estes ainda sem tradução para o português brasileiro. Os originais desses textos encontram-se disponíveis no site da autora: https://sites.google.com/site/casildarodriganez/.

Pariremos com prazer aborda positivamente o útero como potência de vida, reconectando-o ao prazer e anunciando os meandros da invenção do parto com dor. O livro engloba as discussões: “Pariremos com prazer”, “Parto orgásmico: testemunho de mulher e explicação fisiológica” e “Estender a teia”. Na primeira parte do livro, “Pariremos com prazer”, Casilda apresenta a tese do parto com prazer e a renúncia à dor no parto como significado de reapropriação feminista do poder fisiológico do útero descontraído e exercitado para o orgasmo. Em “Parto orgásmico: testemunho de mulher e explicação fisiológica”, analisa a capacidade autoerótica das mulheres nos antigos rituais voltados para o exercício uterino e a preparação para o parto natural. Ela analisa, em imagens artísticas, a aparição destes rituais. E, finalmente, “Estender a teia” aborda a reconquista e o reaprendizado dos movimentos uterinos, tais como sentir sua pulsação e cadenciar seu fluxo em todo o corpo para recuperar a maternidade como local de afeto e de empoderamento. Para apresentar a tradução, a Editora Luas convidou a ginecologista feminista Halana Faria e a terapeuta reichiana Cláudia Rodrigues para escreverem o Prefácio. Leia Mais

Testo Yonqui – PRECIADO (REF)

PRECIADO, Beatriz. Testo Yonqui. Madrid: Espasa, 2008. 324 p. Resenha de: LESSA, Patrícia. Mulheres testosteronadas: adictas, malditas, transgressoras, bombásticas? Revista Estudos Feministas v.19 n.1 Florianópolis Jan./Apr. 2011.

Beatriz Preciado é filósofa, estudou teoria de gênero na New School for Social Research, em Nova York, onde foi aluna de Jacques Derrida e Agnès Heller. É autora do livro Manifesto contra-sexual, traduzido para cinco idiomas, e entre seus ensaios destacamos Sex Design (Centre Pompidou, 2007), Multitudes Queer (Multitudes, 2004) e Savoirs-Vampires@War (Multitudes, 2005). Atualmente, ensina teoria contemporânea de gênero em diferentes universidades, entre as quais destacamos Paris VIII, l’École des Beaux Arts de Bourges, e Programa de Estudios Independientes del Museu d’Art Contemporani, de Barcelona. A autora se fundamenta nas teorias feministas contemporâneas, que problematizam a performatividade dos gêneros e servem como marco conceitual para discutir corpo, sexualidade e gênero.

O livro Testo Yonqui é dividido em 13 capítulos, dentre os quais destacamos as seguintes discussões: era farmacopornográfica; história da tecnossexualidade; farmacopoder; pornopoder; micropolítica de gênero na era farmacopornográfica; e vida eterna. Preciado qualifica sua obra como livro de autoficção, pois se trata de um protocolo de intoxicação voluntária à base de testosterona sintética, de um ensaio corporal, do corpo experimental em mutação no período que dura a escrita do livro. Ela descreve o uso da testosterona sintética em forma de gel, que é absorvida na pele; basta uma dose de 50 miligramas de Testogel diárias para experienciar o que ela nomeia como mutação de uma época. Leia Mais

O que é lesbianismo / Tania Navarro-Swain

O livro, O que é lesbianismo, editado pela Brasiliense em 2000, é uma edição de bolso da coleção ‘primeiros passos’, por isso, demonstra uma visão muito particular da autora com um posicionamento intelectual específico ao tema em pauta.

A autora inicia seu livro fazendo uma pequena advertência aos possíveis leitores: “quem estiver vestido no cimento de suas certezas não mergulhe nestas águas” (p. 9), pois a “arrogância dos paradigmas” e o “totalitarismo do senso comum” já tentaram petrificar o tema aqui em debate. O Discurso da autora transita pelas teorizações feministas e foucaultianas fazendo uma divisão do livro em três capítulos. O primeiro capítulo discute os indícios e interpretações da historiografia recuperando as discussões da epistemologia feminista para demonstrar a ‘desordem’ que o sujeito lesbiano causa ao conhecimento comum e científico, por isso, sua ocultação na historiografia tradicional. Com o título: ‘Nosso nome é legião: o espaço vivido’ o segundo capítulo demonstra a presença do sujeito lesbiano na literatura, nas teorizações e nas representações diversas. O último capítulo trata dos ‘Perfis Identitários’, ou seja, trata das atuais discussões sobre identidade empreendidas pelas teorias feministas e foucaultianas, discussões que não aceitam a identidade presa ao sexo e sexualidade e, propositivamente, a autora sugere o nomadismo identitário como contrapartida.

O que a história não diz não existiu é o título que inicia a discussão dos indícios e interpretações em história no primeiro capítulo, onde é problematizado o estatuto histórico, que apegado em modelos fixos, anulou a aparição das lesbianas por representarem uma contradição à “ordem natural da heterossexualidade dominada pelo masculino” (p.13). Cabe ao atual fazer histórico questionar, problematizar, na tentativa de buscar os significados e os valores das condutas humanas esquecidas pelas certezas da história-ciência do século XIX: “a história, dona do tempo, esqueceu que tempo significa transformação, esqueceu a própria história para traçar um só perfil das relações humanas” (p.14). Daí decorre que os indícios da história podem apontar outras culturas e civilizações onde as mulheres amavam-se umas às outras, pois masculino e feminino nem sempre tiveram a mesma conotação (p.16), embora o imaginário ocidental esteja marcado por Adão e Eva, representantes de dois pólos: a imagem de deus e a submissão, a sexualidade naturalizada, binária, formada por relações assimétricas, é também histórica (p.17).

Trabalha com uma concepção de História não-linear onde o papel de historiador é importante, pois seus olhos estão impregnados de valores e crenças atuais, seu papel não é desvendar algo que estava oculto, mas, interpretar os indícios, nos quais os fragmentos do passado atestam o real, segundo interpretações possíveis e as representações que constroem o mundo. A História é, então, mais um discurso, dentre tantos outros, onde os historiadores são mediadores entre o passado e a construção do conhecimento histórico atual. O papel da História é o de questionar, tentar apreender os significados e valores que orientam atos e gestos (p.14).

A heterossexualidade compulsória como regra universal determina os papéis sexuais do verdadeiro masculino e feminino, assim a tolerância quanto às práticas sexuais diversas depende do grau de hegemonia da heterossexualidade (p.17). Os filósofos da Antiguidade Grega são citados como marco entre razão e mito, mas, as práticas sexuais dos mesmos nem sempre são incorporadas aos seus discursos, ocultando-se os sentimentos elevados entre homens. E quanto às mulheres na antiguidade? O silêncio paira sobre a vida das mulheres atenienses, embora o confinamento delas em casa não signifique sua inexistência. A vida das mulheres em Atenas diferencia-se de Esparta, lugar onde elas viviam separadas dos homens.

Em Esparta, Tebas e Siracusa, sabe-se indiretamente, pelos atenienses, que as mulheres tinham maior liberdade, porém, no ocidente cristão a homossexualidade feminina “desaparece da ordem do discurso”, “não se fala, logo não existe” (p.19), pois ao nomeá-las cria-se uma imagem, cria-se uma personagem no imaginário social. Durante o período da Inquisição criase o termo “Sodomitas” para definir as mulheres que viviam ou estabeleciam algum tipo de relação afetiva ou sexual com o mesmo sexo, não possuem um nome nem mesmo direito à existência.

Serão os indícios da História capazes de recuperar essas vidas ocultadas? A oposição entre a representação normativa do feminino e as guerreiras, vistas como mito, por alguns dos grandes nomes da Historiografia, são tomadas como exemplo do apagamento daquilo que é tido como incomum (p. 21-22). O discurso transforma a mulher guerreira em ilusão, embora descreva eventos, datas e em alguns casos até nomes. Florestan Fernandes e Sérgio Buarque de Holanda descrevem as amazonas como paródias do homem e o homem como referente da força, do combate, do ataque, da independência. A historiografia como memória social pode naturalizar comportamentos? E quanto à homossexualidade feminina? Porque a história oculta povos matriarcais e comunidades de mulheres guerreiras relegando-as a paródias do masculino? A história colabora na construção de um modelo de feminino, tipo frágil e submisso, naturalizando os comportamentos e criando representações sociais regidas pela ordem patriarcal, como o discurso ideológico dos museus que colabora no ideário da evolução histórica na passagem do primitivo para o civilizado, do matriarcado para o patriarcado. A poeta Safo de Lesbos serve como exemplo das regras da heteronormatividade, ou seja, é necessário enquadrá-la nos parâmetros do binário homem/mulher para caracterizá-la, mesmo sabendo da beleza de sua poesia, é necessário discursar sobre sua sexualidade: Horácio dirá que Safo era máscula, Ovídio relata seu suicídio após ter sido abandonada por um homem (p.30-32).

Na discussão da identidade atrelada ao sexo Foucault mostra como a taxionomia imprime-se às coisas e modela os seres conforme a divisão binária e hierárquica da sociedade.

Mas a autora pergunta: a reprodução sempre ordenou o mundo? Sempre ordenou as relações? (p.35). Para lembrar que os discursos são construídos em suas “condições de saber”, Navarro- Swain cita Hadcliff Hall, que escreveu sobre o amor trágico entre mulheres (p.40) e Nathalie Clifford Barney, escritora norte-americana, que viveu na França, amou exclusivamente inúmeras mulheres e morreu aos 95 anos, publicou muitos livros, organizou a Academi dês Femmes.

Para Navarro-Swain a história das mulheres está por ser desvendada: “o que a realidade social não retêm perde a espessura da realidade” (p.50). Simone De Beauvoir mostra-se indecisa quanto ao lesbianismo, mas por fim toma-o como escolha existencial. Para a autora ela é arauto do feminismo, fundadora das teorizações e ainda assim cai em contradição quanto ao tema do lesbianismo. Algumas falas de Beauvoir demonstram o poder da representação social no discurso e no imaginário quando a autora reafirma a natureza feminina em oposição à virilidade lésbica e recai no modelo binário.

Mas enfim, se na idade média a sexualidade está associada ao silêncio, a repressão e a procriação na modernidade a homossexualidade será tratada como doença ou crime. A ciência e a jurisdição irão separar a boa da má sexualidade. E para tal a psicanálise torna-se um dos mecanismos para elucidar a evolução sexual e demonstrar que o sexo natural é a heterossexualidade.

Mathieu, Monique Wittig, Nicholson, Gayle Rubin são algumas das teóricas feministas citadas que discutem o lesbianismo na tentativa de ancorá-lo para além do binário. As representações do mundo são duplas: vida/morte, bela/feia, assim “a verdadeira mulher é diferente da prostituta e da lésbica”, a segunda é preservada na ordem do sistema e a última apagada dos discursos. Para a autora: “a inversão da ordem não representa revolução dos costumes” (p.66), hoje as revistas, o cinema, os direitos demonstram uma maior proximidade entre os homossexuais, mas, o homem ainda quer manter o lugar dominante. Por isso o livro O que é Lesbianismo vem abrir um caminho para pensarmos o tão temido tema da homossexualidade feminina, quem sabe sacudindo as evidências e modificando as representações, sem emitir uma resposta uniformizante ao que seja uma lesbiana.

Patrícia Lessa – * Patrícia Lessa – Mestrado em Filosofia da Educação (UNICAMP/SP), doutoranda em Estudos Feministas (UnB/DF). Professora na Universidade Estadual de Maringá/UEM – PR.


NAVARRO-SWAIN, Tania. O que é lesbianismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. 101p. Resenha de: LESSA, Patrícia. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.9, p.150-153, 2005. Acessar publicação original. [IF].