História e historiografia de Goiás / Revista Mosaico / 2015

A revista Mosaico abre o ano de 2015 com um dossiê acerca da história e da historiografia de Goiás. Essa inserção é fundamental, pois a história regional costuma ser considerada uma filha “desprestigiada” de Clio. Mas, invertendo esse preconceito comum, e rompendo com aqueles que a praticam sem assumir, esclarecemos que consideramos os estudos regionais a base da pesquisa e do ensino em História.

A crítica ao eurocentrismo de nossos programas escolares e dos currículos de graduação é demasiado conhecida, mas a inversão para um conhecimento histórico contextualizado, relevante para o ambiente onde se vive, ainda não é fácil. Este número, portanto, assume a tarefa de fornecer subsídios para uma reflexão crítica em que o local é o lugar privilegiado para a percepção do global.

O primeiro trabalho apresenta uma perspectiva renovada para abordar a história religiosa goiana. Faz um quadro do trabalho clerical no século XVIII, sem cair na interpretação de cunho mais institucional e eclesiástico, nem tratar dos desvios, tão observados na historiografia mais recente. A valentia pode ser algo esperado do comportamento masculino, mesmo de sacerdotes, ou pode ser mal vista. Dentro dessa ambiguidade, os autores Eliézer Cardoso de Oliveira e Eduardo Gusmão de Quadros apresentam casos onde padres extravasam os princípios da convivência social “civilizada” e atuam com coragem e braveza nas relações sociais.

O segundo artigo busca relacionar o passado e o presente ao tratar dos estudos sobre os quilombolas, em especial dos denominados Kalungas, na história goiana. Fernando Bueno Oliveira e Maria Idelma Vieira D´Abadia apresentam aspectos que delinearam as representações desse grupo, construídas academicamente, e como eles “resistem” as descrições que foram feitas.

O artigo seguinte trata do importante governo de Luis da Cunha Meneses em Goiás, antes dele ser transferido para as Minas Gerais e se tornar imortalizado pelas Cartas Chilenas. A época coincide com a “viradeira” na Metrópole, quando várias medidas pombalinas foram rejeitadas, ao mesmo tempo em que a economia mineradora apresentava grande decréscimo. Então, Alan Ricardo Duarte Pereira estuda de modo instigante as dificuldades de articular esses níveis administrativos. O governador precisava reconstruir redes de respeito e de confiança, levando em consideração os interesses locais e a reordenação do sistema colonial em consonância com a administração da nova rainha.

O dossiê de história goiana encerra com um estudo acerca da medicina popular. Léo Carrer Nogueira tratou da compreensão dos estudos históricos sobre as práticas de benzimento, com dados mais específicos para dois municípios goianos. Vê não apenas a “resistência” desses homens e mulheres ao projeto cientifico da modernidade, mas também aponta para uma perspectiva de respeito e de integração desses saberes enquanto fonte relevante para a superação dos problemas cotidianos.

Os artigos que se seguem tratam de temas além do espaço-tempo goianos. O primeiro aborda o imaginário feminino na obra São Bernardo, de Graciliano Ramos. Vânia Borges Arantes aprofunda o ethos do mundo e das relações de gênero nessa interessante obra literária, realizando um cruzamento do método da análise do discurso com os estudos históricos.

Cada vez mais importante, o tema do terrorismo é estudado por José Roberto Bonome e Fernando Lobo Lemes. O artigo ressalta o afastamento necessário dessas práticas e o ensino transmitido pelas religiões, em particular, pelo Islã. Defende, ainda, que um cuidado interpretativo é necessário, além do conteúdo emocional que as ações terroristas evocam.

O conceito de Brasil Colonial tem sido criticado há algumas décadas, apesar de sua circulação ainda irrestrita. Partindo dessa premissa, Caio Cobianchi da Silva e Karla Maria Silva revisitaram tal noção em autores clássicos como Caio Prado Júnior e Fernando Novais, contrastando-a com a atual perspectiva em voga de inserir o Brasil no Império Português. Para os autores, esse conceito amplia e enriquece muito mais as perspectiva de estudo.

Por fim, o numero encerra tratando da relação do cinema com a política estadunidense atual. Mário Roberto Ferraro, partindo do paradigma indiciário, analisa o filme O Mestre dos Mares: o lado mais distante do mundo (EUA, 2003). Defende que, além dos aspectos mercadológicos, evidentes na produção hollywoodiana, os interesses geopolíticos do império se apresentam nessas produções. É ler e verificar os indícios apontados.

Eduardo Gusmão de Quadros

Fernando Lobo Lemes

Organizadores


QUADROS, Eduardo Gusmão de; LEMES, Fernando Lobo. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.8, n.1, jan. / jun., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Aspectos do Império Português no Brasil / Revista Mosaico / 2014

A proposta do dossiê Aspectos do Império Português no Brasil tem como objetivo estimular o aprofundamento das reflexões no campo da história e da historiografia sobre o Império português no Atlântico Sul, através da compreensão a respeito da experiência colonial ocorrida especialmente na América Portuguesa, entre os séculos XVI e XIX.

Nas últimas duas décadas a historiografia sobre os impérios coloniais europeus tem passado por importantes reflexões e releituras, fruto do trabalho de estudiosos e pesquisadores que atuam nos mais variados centros de pesquisa e universidades situados na Europa, África, Ásia e Américas. A partir de então, o estudo sobre a expansão dos Impérios ibéricos e, sobretudo, os entrelaçamentos deste fenômeno com as transformações das sociedades no Novo Mundo sofreu o impacto promovido pelas recentes interpretações historiográficas, recolocando a temática dos impérios coloniais e, particularmente, do Império português, a partir de novas e variadas perspectivas. Assim, a compreensão renovada das formas de avaliar os diversos aspectos das colonizações modernas na América e na África portuguesas ocupa, atualmente, uma posição central na agenda dos estudiosos sobre o assunto.

No caso específico do Brasil, durante o chamado período colonial (que se estende, grosso modo, entre os séculos dezesseis e dezenove), trata-se de decifrar a história da expansão do Império português na América, em suas mais variadas vertentes, cuja consequência foi a constituição de um mundo novo, embalado por relações sociais complexas que definem as diversificadas estratégias pelos quais se assentaram os elementos fundamentais que marcaram os avanços da sociedade europeia ocidental moderna no interior dos sertões do continente americano.

Visando contribuir diretamente com este debate, cujos pressupostos têm estimulado a compreensão sobre a realidade do mundo moderno e contemporâneo, é que, por iniciativa dos editores a Revista Mosaico, colocamos o presente dossiê à disposição do público interessado no assunto.

O conjunto dos textos apresentados oferece a possibilidade de reflexões transversais que conectam aspectos distintos da história do Império português no Brasil. No primeiro artigo do dossiê Um lugar fora do mapa: a Colônia do Sacramento, Paulo Possamai reavalia a importância do papel e do lugar da Colônia do Sacramento no processo de colonização da região platina no contexto da América portuguesa, ultrapassando e problematizando as fronteiras de uma interpretação da história do Brasil fundamentada essencialmente na perspectiva dos Estados nacionais.

No segundo artigo, Culto Mariano no nordeste de Minas: uma herança do Império português nas representações dos romeiros da festa de Nossa Senhora da Abadia do Andrequicé, Maria Célia da Silva Gonçalves e Margareth Vetis Zaganelli tratam da perpetuação da identidade do homem do sertão através da expressão de sua religiosidade no nordeste de Minas Gerais, durante o século XIX. Através do estudo das representações associadas aos milagres atribuídos à Nossa Senhora da Abadia no vilarejo Andrequicé, festeiros e fiéis são percebidos como os guardiões da memória e da história local.

O terceiro texto, Deserções e privilégios: a guerra ao sul da América, retoma o ponto de partida geográfico do primeiro, para tratar de outro assunto: diante das novas diretrizes de organização e defesa militar inauguradas na segunda metade do século XVIII, Christiane Figueiredo estuda as resistências ao recrutamento militar no Brasil, durante as guerras que tiveram lugar no sul do continente americano. Ao fazê-lo, põe em evidência não apenas os limites dos poderes da Coroa portuguesa nos espaços coloniais, como também as estratégias adotadas pelos atores da sociedade colonial assentada, em sua escala local, em modelos de organização corporativos.

Mas a compreensão do Império português no Brasil passa pela percepção de suas dimensões oceânicas, cujos entrelaçamentos sociais e culturais transcendem o quadro de uma história interpretada tão somente a partir de suas fronteiras e limites territoriais. Assim, a importância do continente africano ilumina as reflexões do quarto artigo do dossiê. Em Jogo de reis: política internacional do Reino do Congo no Atlântico entre os séculos XVI e XVII, Frederico Ferreira apresenta a trajetória de contatos diplomáticos envolvendo embaixadores do Reino do Congo com portugueses, holandeses, espanhóis e representantes da Igreja Católica, revelando a necessidade de se estudar as interconexões entre os povos do Atlântico, ampliando o horizonte de debates ligados às histórias nacionais e / ou regionais.

No artigo seguinte, Bandeiras, mitos e história nos sertões da América portuguesa, José Roberto Bonome e Fernando Lemes, retomam o movimento dos bandeirantes paulistas associando-o ao processo de expansão econômica e às lutas ligadas ao imaginário, no interior de um universo cultural permeado por mitos indígenas, que envolvia, ao mesmo tempo, disputas políticas e ideológicas e a expectativa de enriquecimento rápido, num mundo de enfrentamento e aventura nos sertões desconhecidos da América portuguesa.

Em seguida, a importância da cidade colonial é destacada no estudo de Avanete Pereira Sousa em Trânsitos mercantis de uma cidade capital (Salvador, séc. XVIII). Importante núcleo urbano na Bahia do século XVIII e espaço privilegiado no processo de organização política, administrativa e econômica da América portuguesa, Salvador constitui-se em importante centro de convergência e articulação regional, mesmo após a perda da condição de capital da colônia, em 1763, com a ascensão do Rio de Janeiro. Neste aspecto, o texto ressalta a centralidade de Salvador ao dominar uma extensa rede de transações mercantis, demonstrando que a conectividade da cidade com os diferentes espaços se dá essencialmente através do campo econômico.

No último texto do dossiê, A “Vida da Madre Jacinta de São José”: uma reflexão em torno dos modelos hagiográficos, William de Souza Martins analisa o manuscrito «Vida da Madre Jacinta de São José» onde o frade carmelita João dos Santos registra as atividades de Jacinta Rodrigues Aires, nome de batismo de uma importante beata que viveu no Rio de Janeiro no século XVIII. Além de comparar relatos distintos sobre as atividades de Jacinta, o autor discute elementos ligados às narrativas de esquemas hagiográficos que ocupavam papel de peso nos escritos de vida de Jacinta e de outras mulheres que viviam nas regiões coloniais ou na Europa durante o século XVIII.

Os artigos livres que acompanham o dossiê tratam de temas distintos, mas igualmente interessantes. No primeiro deles, Quilombos brasileiros: alguns aspectos da trajetória dos negros no Brasil, Giselda Shirley da Silva e Vandeir José da Silva propõem pensar sobre as comunidades remanescentes de quilombos na contemporaneidade buscando entender historicamente a questão dos quilombos no Brasil e a sua reconfiguração a partir da Constituição de 1988. No artigo seguinte, Lila Spadoni e Ludimila Machado Jorge, no artigo Efeitos da estruturação da memória coletiva sobre a implicação pessoal: responsabilização por crimes cometidos no período da ditadura militar, procuram demonstrar, a partir de um estudo experimental, a influencia da estruturação da memória sobre a implicação pessoal relativa a acontecimentos contemporâneos na história do Brasil, como, no caso em questão, o periódo da ditadura militar. A análise dos resultados põe em cheque a suposta imunidade brasileira às tentações totalitárias ou sobre o preparo das gerações atuais para defender a democracia. Finalmente, Cláudia Glênia de Freitas, no último artigo da série, Uma abordagem teórica sobre a globalização e o Estado Nação, comenta aspectos teóricos sobre o processo de globalização, com ênfase nos aspectos jurídicos e sociais, indicando os modos através dos quais esse paradigma globalizador vem sendo incorporado pelo Estado Nação que, por sua vez, encontra-se, atualmente, em progressivo declínio.

Esperamos que os textos apresentados neste dossiê possam alargar a reflexão e o debate nos campos da história e da historiografia do Brasil e do Império português no Atlântico Sul. Desejamos a todos uma boa leitura!

Fernando Lobo Lemes – Professor Doutor. Universidade Estadual de Goiás – UEG

Christiane Figueiredo Pagano de Mello – Professora Doutora. Universidade Federal de Ouro Preto | UFOP Editores deste número


LEMES, Fernando Lobo; MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.7, n.2, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]

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