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Leituras e Leitores na França do Antigo Regime | Roger Chartier
Roger Chartier historiador francês vinculado à atual historiografia da Escola de Annales, onde trabalha sobre a história do livro, da edição e da leitura, e que nesta obra apresenta oito ensaios que constituem uma história cultural em busca de textos, crenças e gestos aptos a caracterizar a cultura popular tal como ela existia na sociedade francesa entre a Idade Média e a Revolução Francesa. O intelectual francês mostra que a cultura escrita influencia mesmo àqueles que não produzem ou lêem textos, mas interagem com eles. Ao revisitar a chamada Biblioteca Azul, coleção de livros acessíveis vendidos por ambulantes (romances de cavalaria, contos de fada, livros de devoção), além de documentos próprios da chamada “religião popular” e textos sobre temas que se dirigem a um público geral, como a cultura folclórica, o autor enfoca as tênues fronteiras entre a chamada cultura erudita e a popular, mostrando como se ligam duas histórias: da leitura e dos objetos de leitura. Leia Mais
A invenção da cidade: leitura e leitores – MELO (HP)
MELO, Orlinda. C. A invenção da cidade: leitura e leitores. Goiânia: Editora da UFG, 2007. 245 p. Resenha de: COSTA, Keila Matilda de Melo. A reconstrução da cidade: história de leitores, lugares de leituras. História & Perspectivas, Uberlândia, v.33, n.42 – Jan./Jun. 2010.
A invenção da cidade: leitura e leitores, livro de Orlinda Carrijo Melo1, tem como tema as práticas e as representações de leitura numa cidade planejada — Goiânia —, de acordo com os preceitos da modernidade, do progresso e da cultura urbana. Nesta obra, a autora apresenta a transferência da Cidade de Goiás para Goiânia a partir do imaginário social de diferentes leitores. Construção que evidencia não apenas histórias de leitores, lugares de leituras, mas também lutas econômicas e políticas que envolveram a região de Goiás no período em estudo. Dividida em seis partes, abrange a reconstrução das práticas, dos modos e das representações de leitura na cidade inventada a partir de sua fundação, em 1933, até o ano de 1959.
A trajetória profissional da autora, O começo de tudo…, introduz a obra. No contato com alunos, ela retoma discursos sobre leituras e leitores que, desde a época colonial, persistem em justificar a “carência cultural brasileira”. Em busca da sistematização desses discursos, com o objetivo de compreendê-los em um contexto real e idealizado, justificativa do título da obra, a autora se propõe não somente a investigar as práticas de leitura, mas também identificar os modos como elas se constituem na vida dos leitores dessa cidade planejada e civilizada. A explicitação desses modos tem como pressuposto “a reconstrução das diferentes maneiras como os leitores se apropriaram dos textos nos espaços que os constituíram historicamente”.
De História e histórias: o espaço dos interlocutores, Orlinda apresenta o percurso teórico e metodológico de seu trabalho. A interlocução possível é a História Cultural. Por meio do diálogo com essa fundamentação teórica são reconstruídos “os lugares praticados de leitura por operações de sujeitos sócio-históricos, nos tempos construídos pelo improviso, pelo descontínuo, pela falha, pelo lacunar”. Reconstrução feita a partir da narrativa de 16 protagonistas, incluindo uma empregada doméstica e benzedeira. Todos compõem a elite cultural de uma época marcada pelo analfabetismo.
Impasses, cotejo de fontes, indícios e diálogos contribuem para que as histórias dos leitores se entrelaçassem com a história de leitura da cidade construída. Memória individual, coletiva, afetiva, traída e recriada florescem, buscando em fontes variadas o respaldo para os fatos narrados.
A “destruição criativa” da cidade do passado : a teia dos discursos, segundo capítulo da obra, aponta o processo de mudança: para a construção de Goiânia, a descontrução da Cidade de Goiás, do sertão goiano atrasado e inculto. Os preceitos de modernidade e de progresso atingem o interior do Brasil por meio da Marcha para o Oeste. Entre o velho e o novo, entre a tradição e a modernidade, a cidade decadente dá lugar à cidade planejada.
Motivações políticas, sociais, econômicas, sanitaristas, criação de mitos e heróis impulsionaram esta mudança. Na “contramão” do discurso, a Cidade de Goiás surge como um espaço de intensa efervescência cultural e intelectual. Efervescência que dá sustentação à riqueza cultural que irá caracterizar Goiânia. Modernidade e cultura urbana são afinal os paradigmas dos novos tempos.
A cidade inventada: o progresso chegando apresenta esse prenúncio. Neste capítulo são construídas as representações e as imagens da cidade planejada como uma cidade moderna. O progresso se evidencia a partir da dicotomia “sertão civilizado” e “sertão inculto”. Os intelectuais foram os promulgadores dessa construção, uma vez que, antes de se tornar um lugar habitável, Goiânia foi constituída através de narrativas. Do cenário internacional ao brasileiro, profissionais foram chamados para definir esse novo espaço, o art-déco caracterizou-lhe o projeto urbanístico. O nome Goiânia foi escolhido enquanto continuidade à “Nova Goiaz”, prolongamento do passado que se estendeu também pelas práticas culturais. Documentos e depoimentos apontaram a expansão dos espaços de leitura. Espaços formais e informais que contribuíram para a construção das práticas e representações de leituras e de leitores no imaginário da época.
Em Lugares da modernidade : o espaço da leitura instituições diversas foram lembradas. Das instituições de leitura públicas e formais, a autora resgata a história da Biblioteca Pública Municipal de Goiânia, da Escola Normal Oficial e do Grupo Escolar Modelo. Instituições que se situam como “centros culturais e literários de igual valor aos eixos Rio-São Paulo”. Das Instituições de leituras particulares e formais, os “lugares praticados de leitura” estiveram associados ao Colégio Santa Clara, aos vendedores ambulantes, a livrarias, a bancas de revistas etc. Práticas que alcançaram espaços informais como : bibliotecas particulares, bares, farmácias, casas de famílias. A leitura se irrompe para lugares inusitados, revelando leitores que buscam a modernidade em impressos variados, por exemplo em revistas e jornais. Instituições culturais são também lembradas. O “Batismo Cultural de Goiânia” é o evento que dá origem à Associação Brasileira de Escritores – Seção Goiás e à Bolsa Hugo Carvalho. A constituição do imaginário social da cidade planejada foi assim se solidificando com os aspectos da riqueza cultural e da formação intelectual dos goianos.
Leitores: valores e representações, quinto capítulo do livro, evidencia histórias de leitores e suas práticas de leituras — valores e representações atribuídos à leitura pelos moradores da cidade inventada. “Jogos de imagens da cidade e de si mesmos”, reproduzem a nova ordem mundial centrada no progresso e na modernidade. Na leitura herdada de família “não há rito de passagem para a escola”. A leitura se consolida nas relações dos grupos que praticam as formas dominantes de cultura. A posse do livro representa o acesso a essa cultura. A partir desse objeto, outros ícones de leitura marcam essas histórias. Paralelo à leitura familiar, encontra-se a leitura herdada da escola. Ambas reproduzindo valores burgueses. Escola e família se fazem presentes nas representações da cidade que se pretende culta e civilizada.
Espaços reconstruídos aparentemente sem contradições, mas que, em determinados momentos, “memórias traídas” revelam as leituras de vida dupla. Leituras cruzadas entre permissões e censuras a partir do papel do selecionador. No entanto, a “memória coletiva” resiste e conserva viva as leituras consideradas menores.
Por meio do ato de ler, o indivíduo também “se forma e se informa”. É a leitura, ilustração técnica para o trabalho que carrega consigo estigmas do discurso liberal e define postos de trabalho.
Nesse universo de representações e imagens de leitura ganham contornos ainda a leitura feminina e a leitura masculina.
Para as mulheres, leitura de evasão, de sonhos, ocultando conflitos — limitações de leitura. Para o homem, leituras sérias pressupondo tomadas de decisões e escolhas para adentrar o campo competitivo da cidade moderna — acesso ilimitado ao impresso.
Acesso possibilitado pela ampliação de materiais escritos. Daí, a leitura, consumo da modernidade. Práticas modernas e estrangeiras são rapidamente absorvidas. A crônica social, os cartazes, os folhetos, os anúncios e os jornais propagam os eventos culturais.
Cinema, rádio, teatro, fotografia e televisão são representações motivadoras de leitura. “Leituras modernas que sugerem felicidade, conforto e sucesso”. Retrato de uma realidade que não esconde a outra margem da leitura, ou da leitura sem leitores.
Nas lembranças evocadas: analfabetismo, fracasso dos programas escolares, exclusão da maioria da população “pela negação do acesso à escola e pelas práticas de leitura pobres e estereotipadas que engrossam as estatísticas da evasão escolar”. Revelação de um cenário de leitura não autorizado, reservando a milhares de leitores um espaço à margem da ordem social.
A desinvenção da cidade: memória traída é o capítulo que finaliza esta obra. Nele, a autora retoma as cartas escolhidas pelos participantes da pesquisa para a reconstrução do passado. Na montagem desse cenário, mito e realidade permeiam as “memórias seletivas” e revelam as contradições do discurso por meio das “memórias traídas”. A face oculta da cidade inventada se evidencia e duas cidades surgem: uma harmoniosa, que fervilha em leituras; e, outra, com restrições inúmeras. Da memória traída o que resta é a possibilidade de ruptura e do dizer a mais. Da memória seletiva, o anivelamento do discurso e a definição do espaço ocupado nas práticas de leitura da cidade planejada. No entanto, “o caminho sugere vários lugares […]”.
Das inúmeras narrativas de constituem esta pesquisa, mãos experientes sustentam esta história reconstruída pelo discurso de uma “ouvinte-narradora”que, segundo Valéry, faz tornar visível o que está dentro das coisas, o que está submerso nas palavras. A capacidade de ir além do que é revelado, percorrendo diferentes fontes, de apreender a realidade a partir da “metáfora do olhar, que não se deixa levar pelas primeiras aparências”, como dizia Veiga Neto, são as características que definem um pouco da riqueza desta obra. Um livro que vale a pena ser lido não apenas pelos aspectos históricos que o constitui, mas, e sobretudo, pelas inúmeras narrativas as quais caracterizam histórias de leitores, lugares de leituras.
Keila Matida de Melo Costa – Doutoranda em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Bolsista da Capes. k_mcosta@hotmail.com 1 Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp – SP. Professora de graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Autora do livro Alfabetização e trabalhadores : o contraponto do discurso oficial.
Cultura escrita: séculos XV a XVIII – CURTO (RBH)
CURTO, Diogo Ramada. Cultura escrita: séculos XV a XVIII. Lisboa: ICS, 2007. 438p. Resenha de: DURAN, Maria Renata da Cruz. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.30, n.60, 2010.
O livro Cultura escrita: séculos XV a XVIII, de Diogo Ramada Curto, é categórico em sua proposta: “orientado analiticamente … desafia toda e qualquer forma de modelação dos sistemas de comunicação, visando trazer para o centro da análise a instabilidade criativa que se encontra presente na intervenção de cada agente (autores, impressores, mecenas, censores, leitores, etc.)” (p.12).
Seu autor, professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, na Escola dos Altos Estudos, nas universidades de Brown e Yale, no King’s College e no Instituto Universitário Europeu, funda a proposta ora apresentada na prerrogativa de que “tais estruturas podem ser vistas como definindo lugares onde se enraízam regimes de práticas” (p.14). Tal constructo nos é apresentado por meio de 12 capítulos, dispostos segundo uma lógica em que as fontes de pesquisa, a noção de história, os agentes do processo, seu modo de produzir e seu tipo de produção são concatenados em textos já conhecidos do público europeu, seja por meio de palestras ou de artigos. Separados, em sua escrita, por cerca de dez anos, os ensaios serão abordados pontualmente.
No primeiro capítulo, intitulado “Gravura e conhecimento do mundo em finais do século XV”, Curto procura abstrair do estudo do modo de produção dos livros que circularam na Alemanha, na Itália e na Península Ibérica a longevidade da combinação entre textos e imagens impressas, e as interferências entre a forma de transmissão de uma mensagem e o sentido dos conteúdos transmitidos.
No segundo capítulo, “A língua e a literatura no longo século XVI”, o foco são as “questões que supõem a possibilidade de determinar a vitalidade do uso social de uma língua” (p.58), por meio de um estudo sobre o estabelecimento de hierarquias em luta pela imposição de discursos legítimos.
No terceiro capítulo, “Historiografia e memória no século XVI”, o autor se volta para a corte de d. João II, propondo uma sondagem acerca da genealogia das obras no âmbito cotidiano e ordinário de sua existência.
No quarto capítulo, “Orientalistas e cronistas de Quinhentos”, Curto pretende demonstrar o vínculo entre feitos e obras a partir de um sentido comum, por ele afixado nas lógicas de família e de parentesco.
No quinto capítulo, “Uma tradução de Erasmo: Os louvores da parvoíce“, Curto reproduz palestra proferida no colóquio “Erasmo na Cultura Portuguesa”, realizado pela Academia de Ciências de Lisboa em maio de 1987.
No sexto capítulo, “Uma autobiografia de Seiscentos: a Fortuna de Faria e Sousa”, o autor repassa a figura do bricoleur, apontando registros autobiográficos, discursos confessionais, relatos picarescos e memoriais de serviços como interessantes fontes de pesquisa para o estudo dos homens de letras. Para mais, recorre à noção de tomada de consciência para traçar o percurso e distinguir a consciência de si de homens como Faria e Sousa.
No sétimo capítulo, “Grupos de rapazes, violência e modelos educativos”, o descentramento em relação aos processos de organização social, a valorização da esfera privada e o fim de “uma determinada concepção de espaço público” compõem o texto.
No oitavo capítulo, “Mercado e gentes do livro no século XVIII”, Ramada Curto é diligente, procurando nos arquivos notariais, comerciais e religiosos as referências pessoais das “gentes do livro” residentes em Portugal. O que o autor, outrora editor da coleção Memória e Sociedade da Difel portuguesa, acompanha são as mudanças na forma de trabalhar do escritor ocidental, o que encontra é o estabelecimento de uma relação com um público alargado e com novos tipos de mecenas.
No capítulo nono, a presença da corte portuguesa nos domínios da cultura escrita lhe permite traçar sua noção de iluminismo. Com “D. Rodrigo e a Casa Literária do Arco do Cego”, apresentam-se “numa lógica de relações claramente cortesãs” as tensões de uma época em que coabitavam figuras como d. Rodrigo e Pina Manique, protagonistas do excerto.
No décimo capítulo, “Literaturas populares e de grande circulação”, o historiador português prossegue na companhia dos documentos notariais, mas, agora, sai das casas e vai para as ruas, procurando valorizar o espaço urbano “a partir dos significados atribuídos a cada espaço particular, bem como às suas respectivas relações” (p.299).
Em “Notas para uma história do livro em Portugal” e em “Da tradição bibliográfica à história do livro” o autor problematiza as pesquisas lusófonas sobre o livro. Primeiro apontando a subalternização da produção e da divulgação de novos conhecimentos em função da cristalização de algumas explicações; depois, afirmando que suas observações têm “a ambição exclusiva de poder funcionar como guia crítico de futuras investigações” (p.414).
Nessa construção de uma “história dos sistemas de conhecimento imperiais” tendo em vista o modo como nela se desencadearam “novas perspectivas em relação ao estudo da cultura escrita” (p.17), Curto procura orientar seu pensamento a partir de dois modelos historiográficos: o de Lucien Febvre, com seu Rabelais “vivendo numa época cujas estruturas mentais não lhe permitiam pensar sequer no problema da descrença”, e o de Carlo Ginzburg, com seu Menocchio “que, uma vez interrogado pelos inquisidores, demonstrava a sua originalidade em fabricar uma visão própria do mundo” (p.14). Não se trata, todavia, de optar por um desses rumos, mas, sim, de “reforçar um ponto de vista capaz de explorar as diferentes dinâmicas sociais presentes mesmo quando se trata de sociedades altamente hierarquizadas e caracterizadas – como sugeriu Vitorino Magalhães Godinho – por diversos bloqueios” (p.15).
Do mais, que Ramada Curto traga novas questões e novas fontes para enriquecer o estudo dos domínios da cultura escrita é tão certo quanto sua proposta de movimentar a historiografia lusófona. Acerca dessas provocações e do lançamento de Cultura imperial e projetos coloniais (séculos XV a XVIII), editado pela Unicamp em 2009, deu-se um encontro ocorrido no dia 23 de outubro de 2009, no IFCH da Unicamp, aqui descrito para melhor esclarecer o lugar do autor na historiografia contemporânea.
No encontro, Silvia Hunold Lara apresentou e Alcir Pécora debateu um texto de Ramada Curto pautado pela discussão do barroco, da cultura letrada e do período compreendido entre o final do século XVI e o início do XVII. Em sua fala, o historiador português ponderou que a assistência teria contato com uma visão estrangeira de sua terra e, então, anunciou a pretensão de analisar um “conjunto de atitudes” capaz de desenhar uma autorrepresentação da época à luz dos seus “diversos contextos pertinentes”.
A arguição de Alcir Pécora distinguiu o ardil de Curto: cria-se no seu tipo de historiografia um inventário calculado que dissolve lugares comuns, mas que, ao mesmo tempo, esquiva-se de polêmicas. Ramada Curto respondeu mencionando a necessidade do historiador de buscar novas fontes e de tirar das mais comuns o estatuto absoluto por elas alcançado, não para desautorizá-las, mas para avançar com a pesquisa – no que evoca Irving Leonard, afirmando a prerrogativa de se fugir às totalizações para não perder as distinções.
A réplica de Pécora foi enfática – “Mas seu texto não responde o que pergunta!” –, no que Curto se explicou descrevendo a própria formação: lecionou uma Sociologia da Literatura Brasileira em universidades norte-americanas; aprendeu, na juventude, a ideia de mosaico; participou da efervescência francesa sobre o estudo do fragmento (o que considera um privilégio). Em Portugal, tomou lições sobre o neolusotropicalismo e aprendeu a manter o discurso sobre as colônias “a panos quentes”. Em seguida, Ramada Curto afirmou que sua intenção não é tanto fazer uma proto-história, quanto ressaltar os contrastes de cada época para dar a ideia de sua dinâmica, tendo em vista que “uma cultura deve ser vista a partir de seus fragmentos e em relação a um conjunto de práticas que envolva pessoas concretas”. Alcir Pécora não expressou convencimento ou concordância. Os espectadores, inquietos, passaram a perguntar.
Laura de Mello e Sousa foi a primeira, indagando sobre sua proximidade com Nathalie Zamon Davies na obra “A ficção no arquivo” e sobre sua opinião acerca de uma construção literária que permite o tipo de história que ela detectava nos livros do historiador português.
Para responder, Curto citou Naipaul, se disse longe de Davies e afirmou sua posição como a de alguém que busca na realidade, e não na ficção, os seus recursos. Concluiu essa resposta recomendando a leitura de Pierre Chaunu para os espectadores mais jovens.
Silvia Hunold Lara, brincando com a expressão de Pécora sobre o texto de Curto – “uma muralha” –, refere-se a ele como um mar, cujos vagalhões vêm na forma de notas de rodapé e onde as correntes têm maior importância que a desembocadura. Para ela, Sérgio Buarque de Holanda é correnteza subterrânea nesse mar, no que um aceno de Ramada Curto nos faz crer que estava certa.
Iris Kantor assinalou que não apenas os historiadores portugueses não conhecem a bibliografia brasileira, como os brasileiros não conhecem a historiografia portuguesa; que talvez esse seja um problema geracional, mas que ele só tem aumentado. Menciona a ideia de uma geografia política de intelectuais e pede que Ramada Curto se localize ali.
Ramada Curto enunciou Pierre Vilar a propósito do que colocou como uma de suas principais perguntas: “Como pensar a nação?”. Depois, descreveu suas preocupações acerca do desconhecimento da historiografia e, sobretudo, das fontes históricas assinalando, relutante, que as bibliotecas e arquivos possuem muito mais manuscritos guardados que catalogados, e que, destes, “basta que a ficha seja roubada, para se perder a memória do mesmo”.
Faço uma pergunta: de onde vem e para onde vai a ideia de uma tomada de consciência em sua obra? Ele responde: vem de uma tradição marxista e da necessidade, no momento em que vivemos, de suscitar ideias como essa. Daí por diante, entre fragmentos dispersos, tais como algo sobre a impossibilidade de classificar o passado, mas buscando conferir se seus agentes o fazem, recordo que Ramada Curto, respondendo a uma reivindicação de Pécora sobre sua metodologia, assinalou: “Não digo isso no próprio texto porque não posso estar sempre a dizer das regras do jogo que estou a jogar”.
Maria Renata da Cruz Duran – Doutora pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Quadra 02, Bloco L, 7º andar Brasília – DF. E-mail: mrcduran@bol.com.br.
[IF]A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XVI e XVIII | Roger Chartier
Resenhista
Rosilene Alves de Melo
Referências desta Resenha
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XVI e XVIII. Brasília: Editora da UnB, 1994. Resenha de: MELO, Rosilene Alves de. História da leitura, leituras da História: o livro e os leitores na Idade Moderna. SÆCULUM – Revista de História. João Pessoa, n. 2, p. 233-238, jul./dez. 1996.