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Direitas em movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil / Janaína M. Cordeiro
No processo de permanente reconstrução da memória social sobre a ditadura civil-militar brasileira, prevaleceu, ao longo das últimas décadas, o mito de uma sociedade sempre resistente aos militares. Como considera Daniel Aarão Reis (2004), de sua parte, a academia tendeu também a privilegiar como objeto de estudos os grupos que resistiram à ditadura, “relegando ao silêncio as manifestações de apoio e consentimento de expressivas parcelas da sociedade”. Apenas recentemente a historiografia tem abordado, com o devido cuidado, os movimentos, instituições e manifestações que, respaldaram o regime, desconstruindo, na opinião de Denise Rollemberg (2010), “uma memória de resistência, não raramente mitificada”. Revisitar, assim, os processos que teriam nos levado a um “consenso democrático”, produtor de conciliação e esquecimento, é uma tarefa que se apresentaria como o principal desafio para um conjunto de historiadores e cientistas sociais empenhados em “tentar compreender o regime instaurado em 1964 como um processo de construção social”, do qual participam ativamente diversos atores sociais.
O livro Direitas em Movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil, defendido originalmente por Janaina Martins Cordeiro como dissertação de mestrado e agraciado com o Prêmio Pronex/ UFF em 2009, compõe de forma exemplar esse amplo leque de estudos, voltados para uma releitura das relações entre o regime militar e a sociedade civil. Em sua análise, a autora aponta claramente para a função legitimadora que alguns setores da sociedade brasileira tiveram não apenas no momento do golpe, mas durante as mais de duas décadas que marcaram a implementação de um projeto de “modernização conservadora” que permitiu que os militares se mantivessem no poder. Embasado nas reflexões do alemão Andreas Huyssen e dos franceses Pierre Laborie e Henry Rousso, o estudo nos permite, de muitas formas, ampliar a compreensão acerca do complexo “universo simbólico, cultural e também material dos grupos que apoiaram o golpe” e a ditadura civil-militar. Leia Mais
La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática | Daniel Lvovich e Jaquelina Biquert
Andreas Huyssen, em seu texto Resistência à memória: os usos e abusos do esquecimento público (2004), afirma que a sociedade contemporânea permanece obcecada com a memória e com os traumas provocados pelo genocídio e pelo terror de Estado. Tendo em vista este quadro, o esquecimento teria se tornado sinônimo de fracasso ou, como considera Jeanne Marie Gagnebin (2006, p. 54), o elemento final de tudo aquilo que pesa “sobre a possibilidade da narração, sobre a possibilidade da experiência comum, enfim, sobre a possibilidade da transmissão” da lembrança e da construção histórica. Nesta perspectiva, do culto às memórias sensíveis e do gradativo aumento da produção historiográfica sobre esta temática, está a análise proposta no livro La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática, dos pesquisadores argentinos Daniel Lvovich e Jaquelina Bisquert, ambos docentes da Universidad Nacional General Sarmiento.
Em pouco mais de cem páginas, os autores propõem algumas reflexões tanto dos usos políticos da memória sobre a ditadura militar, como sobre as mudanças das representações e dos discursos sobre o período na Argentina. Para tanto, o livro foi dividido em seis capítulos, que abordam períodos distintos, que se iniciam no ano do golpe, em 1976, e terminam no ano de 2007, quando se encerra um ciclo de importantes investimentos por parte do Estado na construção de políticas de memória.
Já na introdução do livro, os autores propõem uma problematização do papel que a memória ocupa na sociedade argentina e que, em seu uso cotidiano, tornou-se uma bandeira que preenche um espaço singular na reivindicação de grupos distintos que clamam por “memória e justiça”. Outro aspecto relevante nesta parte do texto é a importante distinção entre as duas tradicionais formas de representação do passado: a história e a memória.
Na visão de Lvovich e Bisquert, a história tem como função abordar o passado em conformidade com exigências disciplinares, aplicando procedimentos críticos para tentar explicá-lo, compreendê-lo e interpretá-lo da melhor maneira possível. Já a memória está ligada às necessidades de legitimar, honrar e condenar (p. 07). Como parece consensual no debate sobre o tema, a memória tem sua importância na coesão e na formação identitária dos povos, ainda que se deva considerar o quanto operam sobre ela as subjetividades individuais, e como distintos grupos representam o passado de formas – não raras vezes – contraditórias. O que significa dizer que, se o passado é único, imutável, é preciso considerar que os seus sentidos e significados não o são.
À medida que novas demandas sociais ou novos grupos de poder emergem, podem ocorrer substantivas mudanças na construção discursiva do passado. Os autores chamam, assim, a atenção para o fato de que, já há algumas décadas, a memória tornou-se uma preocupação central na cultura e na política, movimento assinalado pela criação de museus, monumentos e comemorações – muito em função da internacionalização das memórias das vítimas da Segunda Guerra Mundial (p. 09).
O primeiro capítulo El discurso militar y sus impugnadores (1976-1982) é dedicado ao estudo da formação do discurso militar sobre sua chegada ao poder e das justificativas construídas para as suas ações violentas. A diferença do golpe militar de 1976 frente aos outros desencadeados naquele país estaria, sem dúvida, no papel adotado pelas Forças Armadas, que assumiram para si a responsabilidade de ser “salvadora” e “revolucionária”, com propostas de mudanças na sociedade argentina, após o caótico governo de Maria Estela Martinez.
O Proceso de Reorganización Nacional tinha por objetivo reestabelecer a “vigência dos valores da moral cristã, da tradição nacional e da dignidade de ser argentino”, bem como, assegurar “a segurança nacional, erradicando a subversão e as causas que favorecem sua existência” (p. 17). De forma semelhante ao que aconteceu em outros países da América Latina, o discurso construído em cima da figura do inimigo do regime recai no subversivo, no antiargentino que, além de praticar o terrorismo, através de suas ideias ofende a moral. Não só mata militares, como também é o que incita a briga familiar, joga pais contra filhos, leva a contestação até as escolas e as fábricas. É contra este indivíduo que o Estado entrou em “guerra interna”, justificando suas violações aos Direitos Humanos.
Outra noção de guerra, agora externa, foi também utilizada pelos militares para justificar a entrada na Guerra das Malvinas (1982), a fim de gerar um consenso na sociedade sobre a necessidade de tal aventura. Abordando tais temas, os autores apontam nesta primeira parte para as formas com que as Forças Armadas conduziram o discurso sobre sua atuação.
O segundo capítulo La transición democrática y la teoria dos demonios (1983- 1986) analisa a primeira mudança na construção do discurso sobre o período. Com a derrota na Guerra das Malvinas (que levou o regime ao colapso), a atuação cada vez mais significativa das organizações de Direitos Humanos e com o julgamento da Junta Militar o discurso do Estado caiu paulatinamente em descrédito. A versão que vem à baila é a trazida pelo Informe Nunca Más, em que aparece a clássica teoria “dos demônios”.
Esta teoria diz que a Argentina esteve durante anos sob a violência política praticada por dois extremos ideológicos: o Estado e a guerrilha. Todavia, a sociedade, sob este prisma, está alheia a tudo isto, e mais, ela é vítima da ação dos demonios e é isentada de qualquer responsabilidade na eclosão do golpe de 1976. No prólogo do Informe se condena abertamente a violência terrorista, independente de sua origem ideológica, e se assume uma perspectiva baseada tão somente na dicotomia entre ditadura e democracia, o que silencia as responsabilidades de civis e militares na repressão surgida ainda no governo de Maria Estela Martinez (p. 35). Outro cambio de interpretação se deu na visão sobre a guerra das Malvinas. Com a derrota da Argentina, os soldados entraram para a história como vítimas, inocentes e inexperientes, que “foram enviados para morrer e não para matar” (p. 40).
O terceiro capítulo, Un pasado que no pasa (1987-1995) trata, principalmente da fragilidade de se abordar essa memória recente da ditadura em um período de reconstrução democrática. Após o período de turbulência durante o governo de Raul Alfonsín veio o governo de “pacificação nacional”, de Carlos Menem. Ou seja, as agitações causadas pelas polêmicas acerca das leis de obediência devida e punto final e pelo ataque ao quartel de La Tablada, o país mergulha em uma tentativa institucional de abrandar essas questões. Tal política, que incluía indultos a militares sublevados, relativizou a questão do terror de Estado. Para o presidente, somente com o passado reconciliado se poderia “abrir as portas para um futuro promissor”. Segundo os autores, Menem incitou a nação a construir uma memória baseada no esquecimento (p. 53), o que, contudo, teve efeito contrário, já que a memória sobre a repressão continuava cada vez mais viva e a sociedade cada vez mais sectarizada.
El boom de la memória (1995-2003) é o quarto capítulo, que trata do período em que a memória sobre a repressão veio à cena pública de modo mais impactante – seja na sociedade, seja nos ambientes acadêmicos. O fator responsável por este fenômeno foi a confissão de Adolfo Scilingo sobre sua participação nos chamados vôos da morte. O acontecimento teve o efeito de desencadear uma série de “autocríticas” entre os militares, que se diziam arrependidos de sua atuação na repressão. Somado a isto, novas organizações de Direitos Humanos, como os H.I.J.O.S (Hijos e Hijas por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio) passaram também a inovar no método de pedir justiça, sob a forma de escrache.
Essa nova forma de protestar (o escrache) consistia em uma marcha até a residência de algum repressor a fim de grafitar o local e avisar à comunidade que seu vizinho foi um colaborador ou repressor. O avanço dos meios de comunicação, sem dúvida, auxiliou nessa fase de boom, com a divulgação de fotografias, vídeos e filmes, fazendo com que surgisse uma demanda social que clamava pela abertura dos arquivos da repressão. A academia não ficou alheia a este debate e a memória sobre o período e seus desdobramentos tornou-se um objeto de reflexão bastante visitado nas universidades.
A partir do ano de 2001, começaram a surgir os “lugares de memória”, lugares de homenagem às vítimas da repressão. Esta “hipermemória”, como escrevem os autores, converteu as vitimas em heróis revolucionários, estabelecendo uma nova divisão social – ainda simples e maniqueísta, entre bons e maus (p. 74).
Las políticas de memoria del Estado (2003-2007) é o capítulo que encerra o livro, descrevendo e analisando a importância dada à questão dos Direitos Humanos e à questão dos julgamentos durante o governo de Néstor Kirchner. Com a declaração da inconstitucionalidade das leis Punto final e obediência devida, dezenas de processos tiveram que ser revistos e novos julgamentos voltaram a ocorrer. A centralidade deste capítulo está na discussão sobre como a memória das vítimas do regime tornou-se forte, eliminando quase que por completo a versão militar dos fatos.
Outros pontos importantes discutidos dizem respeito à proliferação dos centros de memória, em especial, da Escuela Superior de Mecanica de la Armada (com todo o debate sobre como utilizar este espaço, para transformá-lo em museu) e à importância das manifestações de rua nas comemorações do 24 de março, aniversário do golpe, sobretudo, na comemoração dos seus 30 anos, em que o presidente chamou a atenção para o fato que “não só as forças armadas tiveram responsabilidade do golpe. Setores da sociedade tiveram sua parte: a imprensa, a igreja e a classe política” (p. 87).
Com um texto simples em sua linguagem, mas repleto de importantes referências historiográficas e de fontes jornalísticas acerca do tema, os autores ilustram todo o processo pelo qual a “história da memória” sobre a ditadura e o terror de Estado passou ao longo de aproximadamente trinta anos na Argentina.
O livro lança luzes sobre os debates que aconteceram na sociedade durante este período, mostrando que, mesmo quando uma ou outra visão prevalecia, ela não aparecia sem que houvesse vozes dissonantes no interior dos muitos grupos sociais e políticos. Sendo assim, trata-se de um livro importante para quem quer compreender o estágio atual da sociedade argentina, que levou muito recentemente grandes repressores ao banco dos réus, colocando aquele país como o mais adiantado entre seus vizinhos no que diz respeito à justiça de transição. La cambiante memoria de la dictadura desperta a curiosidade sobre este tema, que ainda rende – e renderá entre os argentinos e entre os brasileiros – apaixonadas e calorosas discussões.
Referências
GABNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar Escrever Esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006.
HUYSSEN, Andreas. Resistência à memória: os usos e abusos do esquecimento público. In: BRAGANÇA, Aníbal e MOREIRA, Sonia Virginia. Comunicação, Acontecimento e Memória. São Paulo: Intercom, 2005.
LVOVICH, Daniel y BISQUERT, Jaquelina. La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática. Buenos Aires: Biblioteca Nacional, 2009.
Diego Omar da Silveira – Universidade Federal de Minas Gerais.
Isabel Cristina Leite – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
LVOVICH, Daniel; BISQUERT, Jaquelina. La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática. Buenos Aires: Biblioteca Nacional, 2009. Resenha de: SILVEIRA, Diego Omar da; Leite, Isabel Cristina. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.30, n.1, jan./jun. 2012. Acessar publicação original [DR]
Memorias de insurgencia: historias de vida y militância en el MLN-Tupamaros – ALDRIGHI (HO)
ALDRIGHI, Clara. Memorias de insurgencia: historias de vida y militância en el MLN-Tupamaros. 1965-1975. Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 2009. 456p. Resenha de: LEITE, Isabel Cristina. História Oral, v. 13, n. 2, p. 189-192, jul.-dez. 2010.
O imperativo no olvidar tornou-se a tônica dos países do Cone Sul que recentemente passaram por situações de arbítrio e violações dos direitos humanos sob o signo de ditaduras civil-militares. A década que se seguiu aos anos 2000 foi marcada pela ascensão ao poder de presidentes que tiveram algum tipo de militância contra esses governos. Deste modo, veio à baila, em graus diferentes e sobre temas diversos (seja a questão da abertura de arquivos, seja a punição de militares), o debate acerca da revisão do passado, no sentido de se fazer justiça às vítimas desses regimes.
A eleição presidencial de 2009 no Uruguai foi acompanhada de dois plebiscitos polêmicos. Todavia, o que nos importa aqui é o que se refere à aprovação de um projeto de lei apresentado pela Frente Ampla, que previa a anulação da Ley de Caducidad,1 promulgada em dezembro de 1986. Se, por um lado, as eleições deram vitória a Jose Mujica, candidato da Frente Ampla (cujo passado fora de militância na guerrilha urbana dos Tupamaros), por outro, o plebiscito foi marcado pela derrota do referido projeto de lei, tirando de cena a possibilidade, naquele momento, de se levarem os militares ao banco dos réus.
É neste contexto histórico que Clara Aldrighi lançou Memorias de insurgencia no ano de 2009. A historiadora atualmente é docente de História Contemporânea na Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación da Universidad de la República, e na juventude também integrou o Movimiento de Liberación Nacional Tupamaros.
A organização guerrilheira MNL-Tupamaros foi a mais destacada dentre as demais organizações uruguaias. Sua gênese ocorreu antes mesmo do período militar (1973-1985). Ela surgiu no ano de 1962, congregando em seu corpo de militantes diversos segmentos da sociedade, tais como profi ssionais liberais, professores, operários e estudantes. Apesar da infl uência cubana, sua opção de luta armada foi via guerrilha urbana. O auge da organização – que naquele momento conquistou a simpatia de grande parcela da população – ocorreu em 1968, após uma série de ações bem-sucedidas que evitavam o enfrentamento direto com a polícia e não faziam uso indiscriminado da violência.
Suas principais operações consistiam em denúncias de corrupção do governo, demonstrações de força e poder de fogo, bem como expropriações fi nanceiras. A partir da década de 1970, houve um refl uxo do apoio popular, dada a guinada para a militarização por parte do grupo (Padrós, 2005, f. 289-299).
É por meio de trajetórias individuais, tendo a história oral como metodologia de investigação, que Clara Aldrighi reconstrói a experiência tupamara e lança luzes no ambiente político e cultural em que surgiu o grupo.
Citando Isaiah Berlin, a historiadora justifi ca sua opção teórico-metodológica: “comprender la historia es comprender lo que los hombres hicieron en el mundo en que se encontraron, lo que exigieron de él. Cuales fueron las necesidades sentidas, las metas, los ideales.” (p. 8).
O livro é uma compilação de 17 entrevistas com antigos militantes tupamaros, sendo cinco delas realizadas com integrantes da direção do grupo.
Este conjunto de entrevistas é parte de um montante que a autora levou cerca de uma década para coletar, e que foram utilizadas para a elaboração de dois outros trabalhos: o livro La izquierda armada: ideología, ética e identidade en el MNL-Tupamaros (2001), e o artigo “Chile, la gran ilusión” (2006). A seleção dos depoimentos publicados forma um mosaico de experiências e opiniões, por vezes contraditórias, sobre temas sensíveis acerca do período, como a repulsa ou a reivindicação desse passado guerrilheiro.
Os depoimentos foram divididos em dois blocos, sendo o primeiro com oito entrevistas, abarcando o período de 1965 a 1972, de forma que vislumbra a fundação do grupo, seu auge em 1968, suas ações exemplares, as relações intersujeitos, a vida privada e as experiências traumáticas de cárcere e tortura. O segundo bloco abrange os anos entre 1973 e 1975, e trata de temas variados, tais como os exílios chileno, cubano e argentino, questões de gênero, a fragmentação do grupo e a formação de outros, desaparecimentos forçados e a tentativa de reorganização do agrupamento no Uruguai.
A iniciativa deste tipo de obra é válida e importante, na medida em que há carência de publicações de fontes orais, primárias, na íntegra. Tais fontes possibilitam aos historiadores, sobretudo aos que se dedicam ao estudo da memória e seus usos políticos, refl etirem sobre questões inerentes à memória, a exemplo das suas ressignifi cação e construção social que dão forma à identidade do grupo (Groppo, 2002, p. 190).
Metodologicamente, torna-se um desafi o lidar com depoimentos. Atualmente, a historiografi a latino-americana tem trabalhado no sentido de dar atenção ao testemunho, todavia, não o tomando como “ícone da verdade”, a exemplo do que ocorreu nos primeiros anos após as ditaduras militares (Sarlo, 2007, p. 56). De acordo com Florencia Levin, “o testemunho não pode tomar o lugar da explicação, da argumentação e da construção argumentativa do historiador, senão não haveria História, somente memória”, ou melhor, completa, “nem sequer é História Oral, é mais bem uma memória do testemunho” (Levin, 2009, p. 7).
As dinâmicas de lembrar e esquecer ocorrem no momento presente, todavia, sua temporalidade é subjetiva. A todo tempo se remete ao passado, enquanto cobra vínculo com o presente e busca projeções para o futuro; por isso, há a necessidade de se historicizar a memória, analisado as transformações pelas quais passa cada um dos atores sociais e o que recordam ou esquecem ( Jelin, 2002, p. 3). Para além destes dramas, esse conjunto de fontes nos dá indicações acerca da realidade de outros países que lidaram com a mesma experiência – no caso, a autoritária – e como a memória deste passado (aqui, de guerrilha) vem sendo tratada, como os envolvidos lidam com a questão.
Referências
GROPPO, B. Las políticas de la memoria. Revista Sociohistórica: Dossier Las políticas de la memoria, n. 11-12, p. 187-198, 2002.
JELIN, E. Comemoraciones: las disputas em las fechas in-felices. Madrid: Siglo XXI, 2002.
PADRÓS, E. S. Como el Uruguay no hay…: terror de Estado e segurança nacional no Uruguai. Tese (Doutorado em História)–Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
SARLO, B. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
URUGUAY. Ley Nº 15.848. Funcionarios militares y policiales. Se reconoce que ha caducado el ejercicio de la pretension punitiva del Estado respecto de los delitos cometidos hasta el 1º de marzo de 1985. Montevideo, 1986. Disponível em: <http://nulidadleycaducidad.org.uy/node/4>. Acesso em: 18 jul. 2011.
1 “Se reconoce que há caducado el ejercicio de la pretension punitiva del Estado respecto de los delitos cometidos hasta el 1 de marzo de 1985.” (Uruguay, 1986).
Isabel Cristina Leite – Doutoranda em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).