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Leibniz: A very short introduction – ANTOGNAZZA (FU)
ANTOGNAZZA, M.R. Leibniz: A very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016. Resenha de: SANTOS, César Schirmer dos. Uma introdução atualizada a Leibniz. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.17, n.3, p.390-391, set./dez., 2016.
Leibniz escreveu tanto que levará muito tempo até que sejam finalmente publicadas suas obras completas. Otimistas falam em décadas, pessimistas falam em séculos. Levando isso em conta, tudo o que podemos fazer é apresentar um retrato das obras de Leibniz a partir do material disponível. É exatamente isso o que a professora Maria Rosa Antognazza faz nesse pequeno e poderoso livrinho.
Maria Rosa Antognazza é professora do King’s College de Londres. No seu currículo encontramos artigos como “The hypercategorematic infinite” (2015) e “Primary matter, primitive passive power, and creaturely limitation in Leibniz” (2014), além de livros como Leibniz: An intellectual biography (2008) e Leibniz on the Trinity and the incarnation: Reason and revelation in the seventeenth century (2007).
O livro é muito bem organizado. O capítulo 1 trata da biografia de Leibniz. Tal como Spinoza, Leibniz teve que trabalhar para sobreviver. Jurista por formação, Leibniz trabalhou como diplomata e também como engenheiro de minas, entre tantas outras atividades. Tal amplitude no espectro de ofícios foi possível por causa da enorme curiosidade de Leibniz, mas também por sua genialidade e brilhantismo. Nas horas vagas, e também em horas, dias e anos em que ele deveria est ar se ocupando das tarefas a ele delegadas pelos seus exasperados empregadores, Leibniz deu contribuições decisivas à física, à matemática e à filosofia.
O capítulo 2 trata da lógica de Leibniz. Aqui vemos o quanto Leibniz foi importante para o desenvolvimento da ciência da computação. Em uma Europa fragmentada por guerras religiosas, Leibniz propôs que decidíssemos disputas religiosas, e quaisquer diferenças de opinião, através do cálculo. Para isso, seria preciso identificar os conceitos fundamentais, aqueles que compõem outros conceitos e que fazem parte das opiniões, e defini-los com precisão. Uma vez feito isso, poderíamos usar uma máquina – um análogo do ábaco, por exemplo – para calcular quem tem razão em uma disputa. Este projeto não foi realizado por Leibniz, e nós sabemos por quê. É preciso uma linguagem que a máquina entenda, e um meio da máquina passar das informações fornecidas a conclusões. Ora, é isso o que temos com nossas linguagens de programação e nossos processadores digitais. Isso Leibniz não tinha como produzir, mas vislumbrou.
O capítulo 3 trata dos projetos de enciclopédias e academias de ciências propostos por Leibniz. A Alemanha da virada dos séculos XVII-XVIII era um conjunto de “cidades-est ado” relativamente independentes. Algumas dessas unidades políticas eram suficientemente grandes para abrigar as universidades requeridas para formar os trabalhadores especializados, outras se viravam de outras maneiras. Uma dessas maneiras era o ensino através de enciclopédias, o que deu a Leibniz a ideia de uma enciclopédia organizada não em ordem alfabética, mas sim na ordem das razões. Primeiro os conhecimentos fundamentais, depois aqueles que imediatamente se seguem desses, e depois o campo aberto de conhecimentos que se seguem do que já foi descoberto. Essa proposta est á de acordo com a visão de Leibniz da pesquisa científica como uma tarefa coletiva, a qual requer instituições com financiamento garantido, o que levou Leibniz a propor imposto sobre o consumo de cigarro como meio de gerar recursos para a pesquisa.
Os capítulos 4-9 tratam da metafísica de Leibniz. Os capítulos 4-5 tratam de três elementos da metafísica de Leibniz: o princípio de identidade, o princípio de não contradição e o princípio da identidade dos indiscerníveis. Leibniz desdobra o princípio de identidade, segundo o qual A = A, em uma concepção na qual, seja qual for a verdade que se apresente, essa verdade é tal que o predicado est á contido no sujeito. No caso de algumas verdades da forma gênero-espécie isso é fácil de aceitar, pois parece analítico que ouro é um mineral, alface é um vegetal e baleia é um animal. Nesses casos, entender a definição do sujeito da frase é suficiente para se ver que a frase é verdadeira, pois visivelmente o predicado est á incluído no sujeito. Mas Leibniz defende que as verdades descobertas pelas observações de fatos empíricos também são assim. Tomemos uma verdade do tipo espécie-indivíduo, como Judas traiu Jesus Cristo. Não parece que o predicado esteja incluído no sujeito. Mas, para Leibniz, assim é, pois a propriedade de ter traído Jesus Cristo faz parte da identidade de Judas. Se Judas não tivesse traído Jesus Cristo, Judas não seria Judas. Dizer que Judas não traiu Jesus Cristo, então, seria mais do que enunciar uma falsidade, pois seria violar o princípio de não contradição, pois seria uma negação de uma instância de A = A.
O capítulo 6 trata da noção de realidade de Leibniz. Real, para Leibniz, é Deus, antes de tudo. O que quer que esteja na mente de Deus é real, e tudo o que é possível est á na mente de Deus, pois Deus só não pensa o que fere o princípio de não contradição, e o que não fere o princípio de não contradição é possível. Ou seja, o domínio do real é o domínio do possível. O domínio da existência é mais restrito, pois os únicos possíveis que são criados são aqueles que formam o melhor conjunto de compossíveis.
Os capítulos 7-8 tratam da questão da atividade da substância. Nenhum ser humano tem como conhecer cada um dos predicados que fazem com que Judas seja o indivíduo que ele é, pois é uma questão de fato se Judas fez isso ou aquilo, e nós só podemos saber disso através da história. Mas podemos conhecer duas coisas sobre qualquer substância individual, incluindo Judas. Primeiro, que cada substância tem cada um dos seus atributos, pois do contrário seria uma substância diferente daquela que é, se é que seria uma substância. Segundo, que cada substância individual é um princípio de ação, pois, do contrário, não seria uma substância. Leibniz concorda com Spinoza que toda substância age, mas conclui disso que nós agimos, em vez de concluir que não somos substâncias.
O capítulo 9 trata do atual est ado do debate sobre a filosofia de Leibniz. A principal questão que ocupa os especialistas em Leibniz é o estatuto ontológico do corpo na filosofia madura de Leibniz. Há dois problemas centrais. O primeiro problema é saber se, na fase final da sua investigação, Leibniz chega a uma noção estável e coerente de corpo. Há razões para duvidar disso. É possível que, pouco antes de morrer, Leibniz estivesse experimentando diversas posições, sem se comprometer com uma ou outra. O segundo problema é o que seria o corpo, para Leibniz, se for possível apresentar sua filosofia madura como uma proposta completa e coerente. Há duas posições. De acordo com a leitura idealista, Leibniz trata os corpos como meros fenômenos. De acordo com a leitura realista, Leibniz trata os corpos como entes com lugar na realidade criada e existente. A posição realista tem ganhado terreno, como podemos ver no artigo “Leibniz acerca de almas, corpos, agregados e substâncias na discussão com Fardella (1690)”, de Edgar Marques (2010), professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mas ainda há muito o que ser debatido.
Em resumo, est a breve introdução à vida e obra de Leibniz traz os elementos básicos para que o público visado conheça o fundamental da filosofia de Leibniz de acordo com o est ado atual da pesquisa. Estudantes e professores de graduação têm bastante a ganhar com essa leitura.
Referências
ANTOGNAZZA, M.R. 2015. The hypercategorematic infinite. The Leibniz Review, 25:5-30.
ANTOGNAZZA, M.R. 2014. Primary matter, primitive passive power, and creaturely limitation in Leibniz. Studia Leibnitiana, 46(2):167-186.
ANTOGNAZZA, M.R. 2008. Leibniz: An intellectual biography. Cambridge, Cambridge University Press, 653 p.
ANTOGNAZZA, M.R. 2007. Leibniz on the Trinity and the incarnation: Reason and revelation in the seventeenth century. New Haven, Yale University Press, 349 p.
MARQUES, E. 2010. Leibniz acerca de almas, corpos, agregados e substâncias na discussão com Fardella (1690). Kriterion: Revista de Filosofia, 51(121):7-20. https://doi.org/10.1590/s0100-512×2010000100001
César Schirmer dos Santos – Universidade Federal de Santa Maria. Departamento de Filosofia. Cidade Universitária. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: cesar.santos@ufsm.br
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