Speaking of Flowers: Student Movements and the Making and Remembering of 1968 in Military Brazil – LANGLAND (VH)

LANGLAND, Victoria. Speaking of Flowers: Student Movements and the Making and Remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press Books, 2013. 352 p. IORIS, Rafael R. Varia História. Belo Horizonte, v. 32, no. 58, Jan./ Abr. 2016.

Como acrescentar ao nosso conhecimento sobre o papel da militância estudantil no combate à ditadura no Brasil? Este importante livro (escrito por Victoria Langland, do Departamento de História da Universidade de Michigan) nos oferece uma nova reflexão sobre o tema que aponta inovadores caminhos historiográficos para trabalhos futuros.

Em grande parte centrado no ano de 1968 quando, de maneira similar a eventos em outras partes do mundo, representantes discentes brasileiros se mobilizaram de maneira inédita na defesa de melhorias educacionais, sociais e políticas, a obra oferece não só uma leitura atenta sobre trágicos eventos da ditadura militar, mas analisa também como sucessivas narrativas sobre esse mesmo ano se articularam com o pro- cesso de redemocratização política e, desde então, com a própria reconstrução do movimento estudantil no país.

Embora focado no período militar, Speaking of Flowers oferece elementos para uma história do movimento estudantil brasileiro. Para tanto, a autora organiza os capítulos de maneira criativa, onde distintos momentos históricos são priorizados de modo a enfatizar seus principais eixos explicativos. Um dos argumentos centrais da análise é que os estudantes brasileiros (especialmente os de nível universitário) sempre se viram (e foram dessa mesma forma tratados por sucessivas lideranças do aparelho de estado) como protagonistas da evolução política do país. Da mesma forma, ao examinar como os estudantes se organizaram na defesa de seus interesses ao longo da história do país, dentro de um processo no qual os próprios se constituíam como ator político legítimo, o texto apresenta uma reflexão original sobre o processo de criação e recriação da memória social recente.

É nesse sentido que Langland apresenta seu projeto também como o de uma busca pelos diversos significados assumidos pelo ano 1968, assim como a da militância estudantil associada a este, que foram sucessivamente atribuídos por distintos grupos de estudantes ao longo do processo de resistência ao regime militar e da redemocratização do país. A reflexão sobre os sentidos coletivos atribuídos por distintos atores sociais para suas próprias ações é ancorada, em grande parte em pesquisa secundária, numa descrição geral do processo de constituição do movimento estudantil ao longo do século XIX e a primeira metade do século XX. É demonstrado como, ao longo dessa trajetória, os estudantes brasileiros se mobilizaram dentro de um percurso que daria as bases para a própria identidade estudantil no país desde então.

A identidade política do movimento estudantil teria assumido um viés ainda mais claro no contexto da Guerra Fria, quando este emergente segmento seria cada vez mais influenciado pelo ideário esquerdista, por vezes revolucionário dos anos 50 e 60. Essa radicalização se aceleraria após a ascensão do regime militar em 1964, especialmente ao longo do ano de 1968. Ao recontar como os estudantes reagiram de maneira assertiva e criativa à crescente repressão sofrida, a autora nos mostra como o sacrifício de muitos de seus pares levou o movimento estudantil a um novo patamar e importância simbólica. Tragicamente, essa maior militância seria um dos focos principais da acentuada violência policial do regime ditatorial, especialmente a partir de dezembro 1968, quando da outorga do Ato Institucional No. 5.

Uma das principais contribuições de Langland é a de demostrar com uma grande riqueza de detalhes como, durante o período da vigência desse importante ato institucional, a leitura sobre o ano de 1968 se tornaria mais complexa e multifacetada. De um lado, para os operadores da repressão estatal, o ano de 68 passaria a representar tudo o que não poderia mais ocorrer; e todo tipo de atividade estudantil ao longo dos anos 70 seria vista sob esse prima de suspeição e vigilância. De outro, para os próprios estudantes, o mesmo ano, assim como a mobilização juvenil a ele associada, seriam objetos de uma leitura muito mais rica e sofisticada; dentro da qual alguns aspectos da militância de então seriam privilegiados (por exemplo, a defesa intransigente do direito de expressão e participação então suprimidos), enquanto outros elementos seriam reavaliados ou mesmo rejeitados (de modo especial a participação na luta armada de várias lideranças do movimento ao longo de 68 e 69).

A reflexão apresentada no livro é rica e muito bem amparada em evidências históricas relevantes, fruto de um minucioso trabalho de pesquisa por parte da autora. Seria pois impossível fazer justiça, nesta curta resenha, aos detalhes e nuances apresentados. Caberia, contudo, apontar que, por vezes, ao tentar alinhavar por demais os capítulos entre si, de modo a apresentar uma lógica subjacente ao desenrolar dos acontecimentos, a análise tende a oferecer uma imagem talvez por demais coerente para eventos eminentemente complexos, muitos deles díspares e mesmo contraditórios; como, por exemplo, as ações de grupos de estudantes de diversos matrizes ideológicos ao longo de um período tão longo.

Da mesma forma, embora a autora inove de maneira louvável ao tratar com tanto interesse e criatividade de questões ligadas à temática de gênero, mais elementos seriam necessários para que o leitor possa de fato acompanhar algumas das assertivas de cunho analítico feitas pela autora (por exemplo, como os próprios estudantes, especialmente homens, interpretavam seus padrões de comportamento para com seus pares do sexo feminino).

Por fim, especialmente no momento em que o Brasil passa por uma verdadeira guinada conservadora, seria útil saber mais sobre como estudantes politicamente conservadores entenderam os muitos processos históricos tão bem examinados. Ainda assim, tomado como um todo, nenhum desses aspectos prejudica a leitura e não diminui em nada a capacidade persuasiva do texto; devendo os mesmos serem vistos muito mais como relevantes linhas de pesquisa à espera de novos estudos, detalhados e qualificados como o apresentado em Speaking of Flowers.

Rafael R. Ioris – Latin American Center University of Denver, 2000 E. Asbury Ave., Sturm Hall #367 Denver, CO 80208 rafael.ioris@du.edu.