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Lais de Maria de França | Antonio L. Furtado
Escritos no século XII quando a Europa Ocidental vivia a sua “Renascença” e desfrutava a delicada experiência da cortesia, os Lais de Maria de França mostram aos leitores do século XXI um retrato elaborado com finas cores da sociedade medieval e, principalmente, de elementos da cultura celta que estão presentes em alguns lais.
Esses textos denominados “lai” têm a sua origem na palavra celta “laid” que significa “canto”. Portanto, essas composições na sua origem provavelmente foram cantadas, acompanhadas do alaúde e das flautas, e foram compostas por uma mulher da qual, pouco se conhece da sua biografia (a hipótese mais provável é que foi meia-irmã do rei Henrique II da Inglaterra). Esses lais carregam em suas linhas elementos importantes para o estudo da cultura e da sociedade celta.
Há três lais que chamam a atenção quando tratamos dos elementos celtas. São eles: “Freixo”, “Dois Amantes” e “Madressilva”. Este último nos apresenta o episódio da madressilva e da aveleira, passagem de Tristão e Isolda , uma das mais populares narrativas medievais.
O lai “Freixo”, tem o nome de uma frondosa e bela árvore que na mitologia celta tem caráter sagrado. O freixo, (Fraxinus Excelsior) é uma árvore que tem o poder de afugentar cobras e de proteger todos aqueles que estão sob a sua sombra, segundo a mitologia e as crenças que surgiram em torno da grande árvore.
Essa árvore é responsável pela ligação com o mundo dos deuses ( na mitologia nórdica o Feixo é Yggdrasil, a Árvore do Mundo) e pela proteção para os homens. Encontramos narrado nesse lai a história da menina de origem nobre que é abandonada sob um freixo: “…largo e copado, muito espesso e frondoso, dividia-se em quatro ramificações. Fora plantado para dar sombra.” “… porque fora achada no freixo, Freixo foi o nome que lhe deram e todos a chamavam Freixo.” (p.68/69).
Esses são elementos importantes para entendermos o caráter sagrado da natureza e a interação entre o mundo sagrado e o humano.
“Dois Amantes” narra uma aventura passada na Normandia (Noroeste Francês, região vizinha à Bretanha, região fortemente marcada pela cultura celta) e a autora nos informa que foram os Bretões que fizeram um lai para contar essa aventura.
Uma bela jovem filha de um rei será dada em casamento aquele que conseguir escalar um alto morro carregando-a em seus braços sem parar para descansar.
A donzela conhece um belo jovem e os dois se apaixonam, e para conseguir cumprir a tarefa exigida pelo rei recorrem a uma mulher sábia, parenta da jovem, para que prepare uma poção que dê forças ao jovem. Mas, com a donzela nos braços esquece a poção e cai morto no pico do morro. A missão fora cumprida. A jovem enlouquecida pela morte do amado joga o frasco com a poção que se espalha na terra trazendo fertilidade ao lugar e alegria aos seus moradores.
A presença de uma mulher, parenta da jovem que “… tanto praticou a arte da medicina que é muito perita em remédios, tanto conhece ervas e raízes” (p.97) mais uma vez nos remete aos celtas: a presença da mulher mais velha detentora do conhecimento das artes da cura que se coloca a serviço do amor entre os jovens.
No lai “Madressilva”, que também é conhecido pelo nome francês “Chievrefoil”, nos conta o encontro de Tristão e Isolda numa floresta.
Desesperado por estar distante de sua amada Tristão molda um bastão com um galho da aveleira e escreve a mais marcante frase da narrativa de Tristão e Isolda:
-Bela amiga, entre nós é assim:
nem eu sem vós, nem vós sem mim”.(p.131)
Escreve isso porque observa o que acontece com a madressilva e a aveleira: quando elas se entrelaçam podem viver por um longo período, mas separadas, morrem, uma em seguida da outra.
Esses três lais nos dão uma mostra do que é possível encontrarmos nas pequenas narrativas escritas por Maria de França: um mundo envolto em magia, onde ocorrem as metamorfoses de um príncipe em cisne para conquistar sua amada, como acontece no lai “Milun”, ou então, a maldição que persegue o príncipe em “Homem-Lobo”.
As mulheres são descritas de maneira singular: envoltas nos seus véus e brocados ocultam as suas estratégias para estarem junto dos seus amados.
A natureza está sempre presente pelas árvores: freixo, a aveleira e a madressilva que nos remetem ao mundo natural, o que, para os celtas representava o elo de ligação entre os homens e o mundo sagrado.
Os lais estão permeados por elementos mágicos e naturais, o que nos leva a vislumbrar o mundo com os olhos dos celtas, onde o sagrado e o humano vivem em harmonia e colocam as mulheres muitas vezes como interlocutoras entre esses dois universos.
A tradução brasileira realizada por Antonio L. Furtado é cuidadosa e oferece ao leitor um texto leve e melodioso, conservando em suas linhas a musicalidade herdada dos celtas. O prefácio de Marina Colasanti é o convite para um passeio no mundo celta descrito em cada lai.
O público brasileiro – estudioso ou não da Idade Média – ganhou muito com a publicação dos Lais de Maria de França, não só pela excelente tradução diretamente do francês antigo, mas por ter em mãos uma obra que oferece uma das chaves para o conhecimento do mundo celta e da sociedade medieval do século XII.
Luciana Campos – Doutoranda em Letras/UNESP/S.J. Rio Preto. E-mail: lucampos@eudoramail.com
FURTADO, Antonio L. (Tradução e Introdução). Lais de Maria de França. Prefácio de Marina Colassanti. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001. Resenha de: CAMPOS, Luciana. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.2, n.1, p.62-63, 2002. Acessar publicação original [DR]