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Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva – BERTUSSI; OURIQUES (ES)
BERTUSSI, Guadalupe Teresinha; OURIQUES, Nildo (Coord). Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva. São Paulo: Cortez, 201. 453p. Resenha de: KRAWCZYK, Nora. Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva. Educação & Sociedade, Campinas, v.33 n.118 jan./mar. 2012.
A professora Guadelupe Teresinha Bertussi acaba de trazer ao Brasil um projeto editorial que deu origem à publicação, pela editora Cortez, do Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva, coordenado por ela e pelo professor Nildo Ouriques. Tem como predecessor a publicação de sete anuários mexicanos de educação, de enorme sucesso editorial. O êxito desse projeto editorial incentivou a professora Guadelupe a trazê-lo ao Brasil, sendo alocado no Instituto de Estudos Latino-Americanos (Iela), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O Anuário educativo mexicano: visión retrospectiva, editado anualmente, desde 2001, pela Universidade Pedagógica Nacional (UPN), do México, inicia um modo de fazer “história do presente”, nas palavras de Guadelupe, que vai além dos limites nacionais, para chegar agora a nosso país. O objetivo que acompanha esta produção há mais de dez anos no México, e agora no Brasil, é “oferecer ensaios que analisam, os principais problemas, propostas, realizações, sucessos e fracassos que o sistema educativo vem enfrentando nos últimos anos, e que tenham sido registrados nas notícias publicadas pelos principais periódicos do país” (Garcia, 2004, p. 158).
Segundo Guadelupe, sua condição de brasileira-mexicana1 e seu interesse constante pela realidade educacional de ambos os países levaram-na a propor este projeto ao Iela. O Anuário tomou como fonte primária as notícias sobre educação veiculadas no ano de 2008 pelos jornais on-line existentes no país. Coletadas diariamente, essas fontes foram organizadas por temas num banco de dados, que pode ser consultado com acesso gratuito. Posteriormente analisadas por especialistas, resultaram na publicação do Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva.
Um anuário pode ser pensado como uma publicação anual, mas também e principalmente – e este foi o desafio da professora Guadelupe – como o registro de um momento histórico e uma importante fonte de estudo do cenário educacional brasileiro. O ano que este Anuário registra, em 2008, é significativo na política educacional brasileira: tinham-se passado seis anos do Governo Lula; cumpriam, aproximadamente, um ano de existência o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Programa Brasil Profissionalizado, o Ensino Médio Integrado, o Ensino Médio Inovador, ações afirmativas nas universidades federais – todos eles impulsionados pelo governo federal. Outros programas, implementados há pelo menos quatro anos, tais como: o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), continuavam sendo aspectos importantes de debate. Também outros atores sociais tomavam maior visibilidade na arena político-educacional: o movimento Educação para Todos, o Observatório da Educação, entre outros.
Ao mesmo tempo, no cotidiano escolar também se renovavam situações conflitivas – indisciplina ou violência; laicidade versus luta pela hegemonia religiosa na escola pública; condições de trabalho docente e qualidade do ensino; as TIC e as mudanças nos processos educativos. Podemos dizer que estávamos diante de um cenário educacional em que conviviam velhos e novos problemas, velhos e novos desafios, em todos os níveis de ensino.
Esses e outros temas que repercutiram nas matérias dos jornais brasileiros ao longo de 2008 são analisados por especialistas na área, no Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva. Uma obra desse porte nos obriga a refletir sobre o que significa que um tema tenha grande repercussão na mídia. Ela dá uma conotação valorativa à realidade existente e coloca assuntos em pauta nas conversas no lar, no trabalho ou entre amigos.
Segundo Thompson (2002), a mídia cria, para a esfera política, um capital simbólico que é a credibilidade, ou a destruição dela, sobre determinada ação, situação social ou personagem público. A constatação dessa influência na formação de opinião pública a respeito de temas de interesse comum, na esfera da ação política e privada, levou a mídia a ser definida como o quarto poder.
A educação nunca foi um tema especialmente relevante nos meios de comunicação de massa, porém, a partir da década de 1990, quando a reforma da educação sob uma perspectiva sistêmica passou a formar parte da agenda da maioria dos governos dos países no Ocidente, ela também veio aocupar, aos poucos, maior espaço na mídia. Isso se deve a vários fatores, um deles é o fato de essa reforma educacional no Brasil fazer parte de uma tendência internacional de reforma da gestão do espaço público e do papel do Estado, que precisava do convencimento Nora Krawczyk da sociedade; outro é a retomada da sobrevalorização da educação como potencial de empregabilidade, mobilidade social e competitividade do mercado nacional no âmbito internacional.
Por último, mas não menos significativa, a importância que toma, nas últimas décadas, a informação, com vista à orientação e ao controle da ação social e política. Isto é, hoje a mídia pode ser considerada um dos dispositivos de regulação2 social da educação, que difunde um tipo particular de informação, de conhecimento.
Ao mesmo tempo que a mídia põe em evidência momentos de problematização pública de determinado tema, ela mesma também problematiza, seleciona e põe em circulação determinadas informações e pontos de vista, chamando a atenção da população e buscando sua adesão.
O Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva é composto por 20 artigos, organizados em três partes: “Ano de 2008: a educação nacional em questão”; “Novos contornos da educação brasileira”; e “O tempo presente da educação escolar”. A escrita desses artigos conta com a colaboração de José Marcelino de Rezende Pinto; Roberto Leher; Gaudêncio Frigoto; Luiz Antônio Cunha; Vânia C. Mot a; Luiz Araújo; Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Celso João Ferreti; Maria Ciavata e Marise Ramos; Angela C. de Siqueira; Maria Teresa Esteban; Marcelo Badaró Mat os; Eliete Ávila Wolff; Gilvan Müller de Oliveira, Erni J. Seibel; Dalila Andrade Oliveira e Ada Ávila Assunção; Regina Leite Garcia; José Sérgio Carvalho; Francisco José da Silveira Lobo Neto; Flávia Schilling e Silene de Moraes Ares Freire.
É, sem dúvida, uma literatura bastante interessante para estudiosos e “curiosos” da situação educacional atual em nosso país. E, para finalizar, gostaria de recuperar a lembrança – presente na página 430 deste Anuário – de uma afirmação de Eric Hobsbawm no prefácio a A era dos extremos (1995): ao referir-se às fontes que lhe foram imprescindíveis para compreender o seu presente, destaca, entre outros, a imprensa diária ou os periódicos. O Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva oferece-nos não apenas um registro dos artigos divulgados pelos jornais disponibilizados pela internet – que em si mesma é uma fonte de estudo de extrema importância -, como também, e principalmente, a análise deles de forma independente, crítica e contextualizada numa realidade concreta.
Notas
- 1. Guadelupe é uma professora brasileira radicada no México desde 1974.
- 2. Com o termo “regulação”, refiro-me à dimensão do fenômeno definido por Barroso (2006, p. 13) como “(…) um processo activo de produção de ‘regras de jogo’ (Reynaud, 1997 e 2003) que compreende, não só, a definição de regras (normais, injunções, constrangimentos, etc.) que orientamo funcionamento do sistema, mas também o seu (re)ajustamento provocado pela diversidade Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva de estratégias e acções dos vários actores, em função dessas mesmas regras. De acordo com esta abordagem, num sistema social complexo (como é o sistema educativo) existe uma pluralidade de fontes, de finalidades e modalidades de regulação, em função da diversidade dos actores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias”.
Referências
BARROSO, J. (Org.). A regulação das políticas públicas de Educação. Lisboa: Educa, 2006. p.13. [ Links ]
GARCIA, R.L. Entre_vista Guadelupe Terezinha Bertussi e o Anuário da Educação do México. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 25, p. 156-176, jan.-fev.mar.-abr. 2004. [ Links ]
DELVAUX, B. Qual é o papel do conhecimento na acção pública?. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 109, p. 959-985, set.-dez. 2009. [ Links ]
HOBSBAWM, E. A era dos extremos. O breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 9. [ Links ]
THOMPSON,J.B. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia. Petrópolis: Vozes, 2002. [ Links ]
Nora Krawczyk – Doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: norak@unicamp.br