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Community, Culture and the Makings of Identity: Portuguese-Americans along the Eastern Seaboard – HOLTON (LH)
HOLTON, Kimberly Da Costa; KLIMT, Andrea (Eds.). Community, Culture and the Makings of Identity: Portuguese-Americans along the Eastern Seaboard. North Dartmouth: University of Massachusetts Dartmouth, 2009. Resenha de: AZEVEDO, Joana. Ler História, n.61, p.196-200, 2011.
1 A coletânea Community, Culture and the Makings of Identity da emergente coleção «Portuguese in the Americas Series», editada pelo Center for Portuguese Studies and Culture da Universidade de Massachusetts Dartmouth, reúne um conjunto de estudos, sobre os contextos históricos, políticos e culturais que caracterizam a emigração portuguesa para os Estados Unidos da América e, em particular, o modo como os emigrantes se fixaram ao longo da costa leste. De forma menos aprofundada, integra ainda um pequeno conjunto de reflexões sobre outras populações imigrantes de língua portuguesa, como a brasileira e cabo-verdiana.
2 Os Estados Unidos da América são actualmente, e conjuntamente com o Canadá, um dos principais destinos das migrações internacionais. No caso português, o fluxo migratório transatlântico inscreve-se no primeiro grande ciclo migratório, iniciado em meados do século XIX até às primeiras décadas do século XX e, posteriormente, na vaga migratória dos anos 1960. Os emigrantes que chegaram aos EUA eram oriundos na sua maioria dos arquipélagos dos Açores e da Madeira e estabeleceram-se principalmente na área da Califórnia e de Massachusetts. Os EUA mantiveram-se, com oscilações, um importante destino da emigração portuguesa até ao início dos anos 1990. Atualmente estima-se que aí se estabeleceram cerca de 210 mil imigrantes nascidos em Portugal, número que ascende a 1,5 milhões de pessoas se considerarmos todos aqueles com origem portuguesa.
3 O fenómeno das migrações tem sido amplamente estudado pelas ciências sociais portuguesas, mas a produção científica sobre a emigração portuguesa, considerada uma característica estrutural da demografia nacional, diminuiu significativamente após os trabalhos de referência relativos às grandes vagas migratórias da década de 60 e só mais recentemente se tem vindo a renovar o interesse por este campo de estudos. Um dos fatores que contribuiu para relegar este âmbito de estudo para segundo plano foi o facto de Portugal se ter tornado, a partir dos anos 1980, um destino de imigração, acompanhando uma tendência observada noutros países do espaço europeu. É hoje reconhecido que no padrão migratório português coexistem duas dinâmicas, uma de imigração e outra de emigração, sendo, no balanço, esta última muito mais expressiva.
4 Os organizadores da obra, na sua nota introdutória, mostram precisamente como também nos Estados Unidos da América a imigração portuguesa foi objeto de reduzida produção científica, apesar dos fluxos substanciais e continuados. Neste sentido, a presente obra propõe-se antes de mais como um contributo para estruturar um campo de estudos sobre a experiência luso-americana. Caracteriza a vários níveis a presença dos portugueses nos EUA ao longo de dois séculos. Compila vinte contributos multidisciplinares situados no âmbito das ciências sociais, em parte inéditos, em parte já previamente publicados, mas com pouca visibilidade e difusão.
5 As contribuições para esta coletânea estão organizadas em torno de cinco eixos de análise. O primeiro debruça-se sobre as questões da cidadania, da pertença e da comunidade. Parte-se de um estudo de Irene Bloemraad sobre a questão da «invisibilidade política» dos portugueses. Na literatura, a invisibilidade foi atribuída aos baixos níveis de escolarização dos portugueses, à experiência de uma ditadura que desincentivou formas de participação cívica e política e a traços culturais enraizados que teriam determinado historicamente o seu reduzido envolvimento político. A partir de uma comparação dos níveis de participação política dos portugueses em Boston e Toronto, Bloemraad vem mostrar que tais interpretações não tomaram suficientemente em consideração o efeito das instituições políticas e das políticas para a imigração no país de acolhimento. Explorando as diferenças entre os dois contextos, conclui que há entre os portugueses de Toronto maiores níveis de cidadania e uma maior visibilidade política, atribuíveis a políticas governamentais de apoio às comunidades locais, ao discurso multiculturalista e à relação do sistema político com as elites migrantes. Segue-se o texto de Bela Feldman-Bianco que aborda o debate sobre transnacionalismo a partir de investigação conduzida em Portugal e em New Bedford. Trata dois momentos distintos: o período da depressão económica dos anos 1920 e 1930, e no contexto da internacionalização da economia global, nos anos 1970 e 1980. Em análise, as (re)construções diferenciadas da classe, etnicidade e nacionalismo ao longo de diferentes gerações migrantes, no contexto da criação por parte do Estado português de uma nação portuguesa desterritorializada assente, segundo Feldman-Bianco, na reinvenção da memória coletiva e da saudade. Por fim, o texto de Andrea Klimt reconstitui o processo de formação de duas comunidades, nos EUA e na Alemanha, comparando trajetórias de vida de emigrantes portugueses, respetivamente, no sudeste de Massachusetts e em Hamburgo. Klimt identifica diferentes configurações relativamente aos modos de integração e aos projetos de vida: na Alemanha mais orientados para o retorno a Portugal e sem intenção de fixação, nos EUA, mais orientados para a fixação permanente no país de destino.
6 O segundo eixo de análise reflete sobre identidade, representações nos media e cultura expressiva. O primeiro contributo é o de João Leal, centrado na celebração das festas do Espírito Santo entre os imigrantes de origem açoriana em East Providence. No ritual dos «Impérios Marienses» coexistem duas dinâmicas: a recriação rigorosa das tradições e um processo de inovação cultural que foi incorporando diversas transformações que refletem o novo contexto sociocultural onde ocorrem. Por um lado, mantém e reforça a ligação dos imigrantes entre o local de origem e de destino, por outro, encerra uma função de tradução e de diálogo com a cultura americana. Já Kimberly DaCosta Holton dá conta de uma pesquisa etnográfica em torno do folclore português recriado no contexto de Newark. Os ranchos folclóricos dão expressão a específicas dinâmicas transnacionais de ligação económica, emocional e social a Portugal, criando «um só espaço de ação social». Entre outras implicações o folclore sustenta, segundo Holton, políticas migratórias na origem e no destino, reforçando o domínio da língua e valores portugueses, dos fluxos económicos entre os dois países, bem como a visibilidade política dos portugueses. Seguem-se os textos de Lori Batista e de Katherine Brucher nos quais se analisa o lugar da cultura expressiva e as políticas de negociação de identidades imigrantes a partir de dois casos ilustrativos: o primeiro, uma exposição sobre imagens da Virgem Maria na arte portuguesa, organizada nos anos 1990 pelo The Newark Museaum; o segundo, a digressão de uma banda portuguesa de Rhode Island a Portugal. A partir da análise de arquivos do jornal Diário de Notícias, no período entre 1919 e 1973, Rui Correia discute o papel da imprensa imigrante, em particular, enquanto espaço de pluralismo e dissenso durante o regime salazarista. O lugar dos media é objeto também do contributo de Onésimo Teotónio Almeida. Em análise o caso do Big Dan’s, um acontecimento media made dos anos 1980 na imprensa americana, a representação mediática produzida a este respeito e as implicações em termos da construção da imagem da comunidade portuguesa.
7 Na terceira parte, a obra aborda o tema da educação, mobilidade social e cultura política. No texto de M. Glória Sá e David Borges discute-se a ideia de que os menores níveis de mobilidade social dos portugueses são atribuíveis a uma herança cultural que subvaloriza a educação. Com base na análise de dados longitudinais relativos a educação, ocupação e rendimento por local de residência, os autores mostram que os baixos níveis educacionais dos portugueses de Massachusetts são resultado de estratégias racionais para fazer face aos constrangimentos do mercado laboral e das oportunidades educativas. Clyde Barrow procura desconstruir a ideia de que os portugueses apresentam menores níveis de participação cívica e política do que outros grupos étnicos nos EUA. Com base em três inquéritos realizados no sudeste de Massachusetts, em finais dos anos 1990, Barrow mostra que os níveis de participação, o comportamento e as preferências políticas dos portugueses se correlacionam em larga medida com os seus níveis educacionais e estatuto socioeconómico. Adeline Becker aborda o papel da escola e os efeitos das políticas educativas na identidade étnica de estudantes imigrantes portugueses na área urbana de New England.
8 Um quarto eixo de análise explora os temas do trabalho, do género e da família. A pesquisa de Penn Reeve debruça-se precisamente sobre a participação laboral dos portugueses do sudeste de Massachusetts, num período de grandes transformações do movimento laboral nos EUA, entre os anos 1920 a 1950. Reeve argumenta que apesar dos estereótipos dominantes, historicamente os portugueses foram parte ativa dos movimentos laborais da época, com uma participação moldada pelas lutas e tensões entre forças políticas conservadoras e radicais/de esquerda no seio dos sindicatos e da sociedade. Louise Lamphere, Filomena Silva e John Sousa restituem os resultados de um vasto projeto de investigação que analisa as estratégias mobilizadas por mulheres trabalhadoras na zona industrial de New England nos domínios do trabalho, das redes de parentesco e da organização dos papéis familiares. Ann Bookman aborda um estudo de caso na indústria elétrica procurando identificar os fatores que concorreram para a sindicalização feminina e reconstruir o processo de mudança social que engendrou formas de ativismo político entre trabalhadoras migrantes. Observando a interseção entre família, local de trabalho e comunidade, Bookman conclui que a sindicalização constitui uma forma de empowerment das mulheres imigrantes, que reforça a sua rede social no local de trabalho; há, no entanto, uma grande variabilidade nos padrões de empowerment entre diferentes grupos.
9 Por último, um quinto eixo analítico é dedicado à raça, pós-colonialismo e contextos diaspórios e integra etnografias sobre outros grupos imigrantes oriundos do espaço lusófono. O texto de Miguel Moniz traz a debate a questão controversa do reconhecimento legal das minorias migrantes nos EUA e reconstrói o processo etno-histórico de exclusão dos portugueses do estatuto legal de minoria étnica. Colocando em evidência a natureza política deste processo, Moniz mostra como as categorias de raça e etnia são estrategicamente convocadas, de forma fluida, ambivalente ou mesmo contraditória, pelo Estado e pelos atores sociais. Entre os imigrantes lusófonos e seus descendentes este processo teve como consequência a emergência de duas categorias inter-relacionadas que definem o ser white portuguese e o ser black portuguese. O único contributo relativo à imigração brasileira nos EUA surge no trabalho etnográfico de Ana Ramos-Zayas que analisa os modos como se produzem as interações quotidianas de mulheres brasileiras com a comunidade portuguesa de Newark, num contexto fortemente racializado e permeado por estereótipos de género. Na etnografia que nos apresenta, Gina Gibau explora as políticas da identidade de cabo-verdianos a residir em Boston, examinando a questão da relação dialética entre os processos de atribuição racial e de autoidentificação na construção das identidades individuais e coletivas deste grupo. Com um segundo contributo, Holton aborda agora os movimentos pós-coloniais e a experiência dos retornados portugueses em Newark. Seguindo as memórias de alguns retornados, reconstrói as dinâmicas sociais e políticas, os laços afetivos e os processos decisionais que informaram as trajetórias entre Portugal, Angola e os EUA. As narrativas falam de uma integração não conseguida em Portugal e de identidades que têm Angola como principal referência. Por último, Marilyn Halter examina as transformações que atravessaram os movimentos migratórios de cabo-verdianos em finais do século XIX e, posteriormente, na vaga pós-colonial, examinando em particular as questões da raça e do reconhecimento, etnicidade, formação da identidade cultural.
10 Caroline Brettell encerra a obra com uma síntese das problemáticas aí exploradas, delineando propostas de investigação futuras que, somadas às questões deixadas em aberto por cada um dos autores, definem, num certo sentido, uma espécie de agenda de investigação científica atual nesta área.
11 Esta é uma obra marcada por uma enorme pluralidade de autores, abordagens conceptuais, períodos históricos de análise, metodologias, mas também quanto aos grupos tomados como objeto de investigação. O que a obra acrescenta em diversidade de conteúdos perde, no entanto, nalguns casos, em qualidade, representatividade dos grupos e rigor comparativo. Entre os seus objetivos propõe-se debater um conjunto de questões inovadoras e ainda pouco exploradas relativas à história, cultura e às dinâmicas sociais de portugueses e outros grupos étnicos lusófonos inter-relacionados, resgatando-os de uma certa invisibilidade social e académica.
Joana Azevedo – CIES – Instituto Universitário de Lisboa