Posts com a Tag ‘Judeus’
Um mundo sem judeus: da perseguição ao genocídio, a visão do imaginário nazista | Alon Confino
No presente livro, Alon Confino, professor em Universidades nos Estados Unidos e em Israel, apresenta uma interpretação do nazismo e do genocídio judeu baseada, essencialmente, na perspectiva da história cultural e intelectual. O livro se insere, assim, numa tendência historiográfica que busca dar sentido ao Holocausto a partir de uma visão antropológica, que visa entender os sentimentos, as perspectivas e a imaginação que conduziram à formatação de uma política de Estado genocida.
O esforço do autor, nesse sentido, não é o de reconstruir o que aconteceu, mas o que os nazistas pensavam estar acontecendo e que justificava suas ações e atitudes. Ele se propõe, assim, a entrar na mente nazista e investigar de que forma os alemães imaginavam um mundo sem judeus e porque isso seria positivo para a Alemanha e para o mundo. Leia Mais
Nazi Germany and the Jews, 1933-1945 | Saul Friedländer
Saul Friedländer, catedrático de História da Universidade da Califórnia em Los Angeles, tem se dedicado, há tempo, ao estudo da História Contemporânea e, em particular, à Alemanha nazista e a perseguição aos judeus. Ganhador de diversos prêmios, o historiador nascido na década de 1930 em Praga, em família judia de idioma alemão, viveu a infância na França e enfrentou a ocupação. Após a Segunda Guerra (1939-1945), imigrou para Israel e desde o final da década de 1980 é professor na Califórnia. Este volume é uma versão resumida do original que ganhou o prêmio Pulitzer, resultado do belo trabalho de Orna Kenan, e que permite o acesso mais amplo à obra.
Logo na introdução de Kenan, o leitor é apresentado à tese de Martin Broznat, do Instituto de História Contemporânea de Munique, de que até o final da guerra a população alemã nada sabia sobre a Solução Final (o extermínio de judeus e outros povos) e que deveria ser considerado um período normal da História alemã e europeia. Friedländer questionou a noção de normalidade e apontou que o antissemitismo era popular (völkisch) e, para isso, examinou, em detalhe, a documentação referente ao período em que o nazismo controlou o estado alemão, a partir de 1933. Fica claro que as restrições aos judeus foram crescentes, atingindo, também de maneira cada vez mais intensa, os chamados mestiços (Mischlinge), como quando em 15 de abril de 1937 os doutorandos de sangue judeu não poderiam defender suas teses. A radicalização, contudo, ocorreu a partir de 1938, com a anexação da Áustria e o estabelecimento de um modelo de ação contra os judeus que antevia a solução final. A Noite dos Cristais e a intensificação à perseguição foram consequências imediatas. Leia Mais
The Familiarity of Strangers. The Sephardic Diaspora, Livorno, and Cross-Cultural Trade in the Early Modern Period – TRIVELLARO (LH)
TRIVELLARO, Francesca. The Familiarity of Strangers. The Sephardic Diaspora, Livorno, and Cross-Cultural Trade in the Early Modern Period. New Haven: Yale University Press, 2009. Resenha de: TAVIM, José Alberto R.S. Ler História, n.58, p. 235-235, 2010.
1 Em 1964 Susan Sontag escreveria um ensaio subversivo (para muitos), que designaria «Contra a interpretação». Nele considerava que a função da crítica de arte devia ser «mostrar como é o que é, ou mesmo que é o que é, em vez de mostrar o que significa»1.
2 De facto, é difícil não considerar esta obra como uma pièce d`art, inclusivamente quando Aron Rodrigue opina «This is a superb and sophisticated book…». O livro está escrito de uma forma aliciante, e estruturado quase artisticamente, interpretando a enorme e diferente massa documental de uma forma inteligente, até porque convence o leitor. De qualquer forma, tal não significa que seja de leitura fácil, pois o leitor passa por assuntos de teor diferente, de capítulo para capítulo, enunciados de forma densa.
3 Então a questão fundamental é que parece uma pièce d`art do ponto de vista da escrita e da complexa estruturação interna mas trata-se objectivamente de um livro de História, melhor, de histórias, que Francesca Trivellato tenta entrelaçar, como está espelhado no título. Daí podermos avançar para «o que é» e lançar hipóteses sobre «o que significa».
4 É uma obra essencialmente sobre Cross-Cultural Trade partindo da análise da documentação de uma firma judaica de Livorno no século XVIII? Não. O que a autora pretende explicitar de uma forma incisiva é que não devemos deixar de contextualizar muito cuidadosamente os nossos objectos de estudo, nomeadamente quando se utiliza um conceito que nasceu depois da pós-modernidade. Quando o livro se fecha e vemos o falhanço destas poderosas famílias de mercadores judeus de Livorno – os Ergas e os Silveras – por causa de um grande diamante não vendido ficaremos para sempre alerta sobre o uso anacrónico de determinada terminologia, como a de «firma judaica». Trata-se portanto de um livro cheio de preciosismos técnicos e de contextualizações que se espraiam ao longo de dez capítulos. Entre estes destacamos a introdução metodológica e historiográfica, que remete para os paradigmas destes estudos, como os de Philip Curtin e seus críticos; o capítulo com informação actualizadíssima sobre a complexa diáspora sefardita e sua prática negocial, nomeadamente no Mediterrâneo, uma área esquecida, como salienta Francesca, para o século XVIII, face ao desabrochar das potências do Norte, como os Países-Baixos e a Inglaterra; o tratamento das formas de transacção económica dentro da comunidade que acompanham intrinsecamente as transacções sociais que eram o casamento, o dote, entre outros; o acento na heterogeneidade das redes comerciais dos Ergas e Silveras, que abarcavam outros sefarditas, conversos, italianos e até hindus de Goa; a exploração temática do complexo comércio de troca entre o coral mediterrânico (com magníficas imagens da época sobre o processo da sua extracção) e os diamantes da Índia, e sobre os agentes envolvidos; e finalmente, como já foi referido, a tragédia final do grande diamante, nunca vendido e que arruinou os esforços de investimento das duas famílias de Livorno.
5 Pessoalmente encontrei a solução para questões que colocava há muito e para as quais não encontrava resposta satisfatória. Por exemplo, para o facto da diáspora dos Arménios, por comparação, atingir uma densidade humana e geográfica mais limitada no Ocidente. Por outro lado, a exploração da etiqueta nas letras dos mercadores, como factor de solidificação e controle social, mesmo fora do ethos judaico, era uma temática que esperava ser tratada há muito tempo e que aqui é focada magistralmente.
6 O que significa esta obra? Que a História Económica e Social não será a mesma, sobretudo para quem não está interessado na temática da Diáspora Judaica. Passo a explicar: para quem está interessado na temática da Diáspora Judaica e se mantém actualizado, já há muito que explora esta matéria vasta tendo em conta a diversidade das conjunturas, a heterogeneidade social dos parceiros, os jogos institucionais e culturais da credibilidade, e sobretudo sabe que a História Económica e Social da Diáspora Sefardita é não só indissociável da complexa História Cultural das várias comunidades, como também lhe é intrínseca: por isso, a detalhada e excelente obra de I.M. Bloom, The Economic Activities of the Jews of Amsterdam2 está datada, e o livro de Jonathan Israel, Diasporas within a Diaspora3, passou a ser referente. De qualquer forma, até porque nesta obra, como a autora assume, se trata de um estudo de caso como partida para uma História Global, a eficácia do caminho epistemológico acima enunciado está facilitado.
7 Quem não pretende estar interessado na temática da Diáspora Judaica porque chega a negar uma especificidade face à clássica História Económica e Social, que comporte a necessidade epistemológica de uma área científica designada Estudos Judaicos ou similar, ficou ultrapassado. Quem ler a obra de Francesca Trivellato tomará consciência que é caricato, em termos académicos, esgrimir hoje considerações científicas contra uma Historiografia Portuguesa – até Lúcio de Azevedo – que pretendia demonstrar a equivalência entre modernismo negocial e exclusividade étnica, que em alguns casos assentava em considerações eugénicas. Essa historiografia e outra devem ser devidamente contextualizadas e Francesca Trivellato demonstrou que estes cientistas sociais devem isso sim estar suficientemente actualizados para compreender o funcionamento cultural das relações internas de cada grupo em questão, no sentido de apreenderem as matizes das relações que entre eles se mantinham. Lucubrar acerca das potencialidade positivas de um grupo, no sentido de demonstrar que afinal, per se, ocupava um espaço económico-social de excelência outrora atribuído unicamente a um outro (por exemplo, o dinamismo dos mercadores cristãos-velhos face ao dinamismo dos mercadores cristãos-novos e judeus), transforma-se num empreendimento tão relativo como evidenciar parcerias, mesmo sem insistir que afinal nestas o peso de um grupo (por exemplo, os cristãos-novos) era menor do que se pensava. Com esta obra entendeu-se que era imprescindível, no âmbito da História Económica e Social, compreender o contexto social em que o grupo actuava, quais as potencialidades e limites da especificidade de actuação económica e social dos seus membros, dentro e fora da comunidade, e como tentavam lidar com as suas limitações e possibilidades, num determinado contexto, para rentabilizar as suas actividades junto de outros grupos, que no caso dos Ergas e Silveras, viviam em Amesterdão, no Médio Oriente e até na longínqua Goa – algo que o estudo social de um grupo utilizando com singularidade o cosmopolita conceito de elite tornaria redutor. Numa posição oposta, e perante o desfecho do diamante, seria até absurdo considerar, como ainda hoje se assiste em algumas paragens, que a atitude essencialista de mostrar a positividade de um determinado grupo, face a forças consideradas opressivas, é um trabalho de cidadania.
8 Pelo contrário, quando acabamos a leitura desta obra, ficamos com a sensação que da operacionalidade sobre a matéria apurada surgiu um objecto maior que transcende a História dos Ergas e dos Silveras (cheguei a esquecer-me deles em algumas páginas da obra): a da densidade social e cultural que preside a qualquer contrato económico, dificilmente observada na estrita História Económica – por vezes da Globalização avant la lettre – das formas de circulação dos produtos, do capital, do crédito, dos preços, etc. Assim, a História Económica Social torna-se Humana, ou seja o homem torna-se o seu principal objecto, e não o produto ou o gráfico. Ou parafraseando Hanna Arendt: «É com palavras e actos que nos inserimos no mundo humano»4. E qualquer transcendência interpretativa de teor económico, cultural ou até de transgressão política (caso da cidadania) fica verdadeiramente mais limitada.
9 Resta acrescentar algumas sugestões. Como é frequente para estudos de períodos mais tardios do Antigo Regime, falta alguma retrospectiva que tornaria este caso de Cross-Cultural Trade menos singular, sobretudo envolvendo judeus e o Oriente, e que provavelmente o incluiria numa tradição secular bem visível na relação entre Portugueses e grupos até de muçulmanos no espaço asiático, desde o século XVI. Por outro lado, constatando-se pela leitura da obra que é fundamental ultrapassar clichés que não passam pela perspectiva de Cross-Cultural Trade, tomada numa acepção mais dinâmica que tem em conta todos os contextos em que naquele as personagens envolvidas agem, seria necessário então aprofundar outra vertente de análise: no que respeita concretamente aos judeus sefarditas e conversos, e para além dos Ergas e Silveras, como se estruturam as diferentes dialécticas das relações sociais internas e junto de outros grupos sociais e poderes institucionais, que tornaram possível um secular envolvimento em Cross Cultural Trade’s, não tendo estes ao mesmo inflectindo, decisivamente, no desaparecimento das fronteiras sociais da coesão do grupo?
Notas
1 Susan Sontag, «Contra a Interpretação», in Contra a Interpretação e outros ensaios, Lisboa, Gótica, (…)
2 Herbert I. Bloom, The Economic Activities of the Jews of Amsterdam in the Seventeenth and Eigteenth (…)
3 Jonathan Israel, Diasporas within a Diaspora. Jews, Crypto-Jews and the World Maritime Empires (154 (…)
4 Hanna Arendt, A Condição Humana, Lisboa, Relógio d`Água, 2001, p. 225.
José Alberto R.S. Tavim – Departamento de Ciências Humanas – IICT
Paisagem estrangeira: memória de um bairro judeu no Rio de Janeiro | Fania Friedman
FRIEDMAN, Fania. Paisagem estrangeira: memória de um bairro judeu no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2007. Resenha de: SILVA, Lúcia. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.4, n.4, p. 213-216, 2008.
Images malgré tout / Georges Didi-Huberman
Meise Lucas – Universidade Federal do Ceará.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Images malgré tout. Paris: Les Éditions de Minuit, 2003. Resenha de: LUCAS, Meise. Revista Trajetos, Fortaleza, v.3, n.6, p.239-242, 2005. Acesso somente pelo link original. [IF].
Social Discredit: Anti-Semitism, Social Credit and the Jewish Response – STINGEL (CSS)
STINGEL, Janine. Social Discredit: Anti-Semitism, Social Credit and the Jewish Response. Montreal & Kingston: McGill-Queen’s University Press, 2000. 280p. Resenha de: SEIXAS, Peter. Canadian Social Studies, v.37, n.2, 2003.
There is a tendency for Canadians today to understand anti-Semitism as simply one more form of ethnic discrimination and prejudice that might take its place next to anti-black, anti-aboriginal or anti-Asian expressions and actions. While these forms of prejudice have much in common, each also has its own particular content rooted both in distinctive mythologies and in the differing histories of their victims and perpetrators in Canada and beyond. Anti-Semitism in Canada in the 1930s and 1940s involved an image of Jews as international conspirators, secretly plotting world domination through an inchoate combination of international banking, communism and Zionism. In the mythology, based on the forged but widely circulated Protocols of the Elders of Zion, Jews thus posed a threat to national sovereignty, property, peace and prosperity.
In the 1930s, Social Credit doctrine made its way from its originator, Liverpool’s Major C. H. Douglas, to the Canadian West. As Janine Stingel demonstrates, Social Credit was wholly dependent on an anti-Semitic conspiracy theory (p. 13). Anti-Semitism was not a coincidental adjunct to this right-wing populist movement, but resided at the core of a paranoid vision of bankers and money-lenders swindling honest Canadians out of the wages of their toil. Depression-era Alberta was fertile ground for such a message, particularly when it came through the medium of a popular radio-preacher turned politician, Bible Bill Aberhart. Alberta thus became home to the only North American jurisdiction with a government that officially endorsed anti-Semitism.
Stingel’s Social Discredit is constructed as a parallel history of two organizations: the Social Credit Party in Alberta (and beyond) and the Canadian Jewish Congress (CJC). The reorganization of the CJC in 1934, in response to heightened levels of nationally organized anti-Semitism, roughly corresponded to the origins of Social Credit in Canada (in 1935). The inclusion of the CJC enables the author to tell not just a story of Jews as victims, but to also give them voice as actors in response to discrimination.
That voice, as Stingel tells it however, was neither strong nor effective. The CJC leaders’ first impulse was to proceed with a positive campaign, in the belief that moral suasion and education were the key tools (pp. 33-34). Thus, rather than seeking legal measures to bar public expressions of hate, the CJC published reports on the status of Canadian Jews, demonstrating that they were not all financiers. By the end of the war, with a new kind of knowledge about the potential impact of anti-Semitism, the CJC stepped up its campaign, shifting to a broad-based appeal against all race hatred (p. 87). Yet, it remained focused on the attitudes of non-Jews and, according to Stingel, this assumption would greatly impede its public relations work regarding Social Credit’s anti-Semitism (p.87).
In the immediate post-War years, anti-Semitic expressions from Social Credit actually increased. Stingel chronicles several meetings between Social Credit and the CJC leaders which resulted in private expressions of sympathy (some of my best friends) followed by public statements that further raised the threat of international conspiracy. Even when leaders were demonstrating their commitment to disavow anti-Semitism, they ended up reinforcing it.
‘Max,’ Social Credit leader Solon Low said to CJC agent Max Moscovich in 1946, ‘you’ve known me most of my life-I am definitely not anti-Semitic’ (p. 105). Low promised to ensure that anti-Semitic statements would be eliminated from the Social Credit paper. A few weeks later he gave a national radio address on CBC:
Do you know that the same group of international gangsters who are today scheming for world revolution are the same people who promoted the world war? Do you know that these same men promoted and financed the Russian revolution? Are you aware that these arch-criminals were responsible for the economic chaos and suffering of the hungry thirties, for financing Hitler to power, for promoting World War Two with its tragic carnage? Do you know that there is a close tie-up between international communism, international finance and international political Zionism? (p. 105).
While Low did not mention Jews by name, anti-Semitic mythology was entirely intact. In the face of what was either Social Credit’s deliberate duplicity or uncomprehending blindness, as Stingel tells it, the CJC continually failed to mobilize effectively.
By 1947, when the Congress finally started to move towards legal and electoral action, there were other more potent challenges to Social Credit’s anti-Semitism. Little did [the CJC] know that Social Credit’s anti-Semitic foundations were already beginning to crumble (p.121). There was intensive pressure from the regional and national press for the Social Credit leadership to disavow anti-Semitism publicly and to bar its most virulent proponents, like Norman Jaques, from its press. Party leader and Premier Ernest Manning went far enough in his purge of anti-Semitism, that splinter groups accused him of selling out to the Zionists in a bitter factional war.
Stingel concludes that it was Social Credit, not Congress, that ultimately solved the Social Credit problem (p. 161). The CJC’s campaigns were problematicat bestgrossly ineffective at worst (p. 163). Yet the appeal of and public tolerance for anti-Semitism decreased in the late 1940s. By early 1949 Congress could safely relax its vigil on Social Credit (p. 175).
Social Discredit is traditional organizational history in that it is based heavily in the archives of the two organizations, on the public press and on the organizations’ own media. We spend a lot of time reading about who said what to whom at which meeting. Finally, having followed the leaders of the two organizations through a decade and a half, with Social Credit continuing to spout conspiracy theories and the Canadian Jewish Congress continuing to be ineffective, Stingel does not really offer an explanationat this levelof why the change in Social Credit came between 1947 and 1949. Apparently the answer does not reside in the speeches and press releases. However, if the causes of change lie elsewhere, in the larger story of the shaping of a vigorous anti-Soviet Cold War ideology and on the renewal of Western prosperity (p.189), the reader cannot help but feel a bit disappointed at having followed the organization men from meeting to meeting in such detail for two hundred pages.
Peter Seixas – University of British Columbia. Vancouver, British Columbia.
[IF]Cicatriz do universal | Sander Gilman
Freud, em Moisés e o monoteísmo, comparou o ego a um tecido cicatrizado. Essa metáfora médica, proposta em um momento já relativamente sólido da psicanálise como saber independente da medicina, não deixou de ser notada por Sander Gilman em sua ‘leitura judaica’ da obra do fundador da psicanálise.
Para Gilman, a cicatriz evoca muito fortemente a judaicidade de Freud — vivida por este de modo intenso e real, tanto corporal quanto simbolicamente, ao longo dos 16 anos em que o câncer o afligiu. Pois elas — cicatriz e judaicidade — estão associadas, no saber médico de então, à sífilis e ao câncer, remetendo-nos a uma longa série de pesquisas e debates sobre a propensão ou imunidade dos judeus a essas doenças, o que, por sua vez, remete às várias abordagens “racialistas” da especificidade judaica, e especialmente, porém num plano mais geral, às categorias subjacentes, como loucura, doença, alteridade. Cicatriz, ainda, remete à marca judaica por excelência, a marca física da (ou representada pela) circuncisão: marca ambígua, tão carnal quanto simbólica, que não cessa de demandar (e receber) interpretação. Leia Mais