Jesus de Nazaré. O Que a História tem a dizer sobre Ele | André Leonardo Chevitarese

Este texto analisa a mais recente publicação da autoria do professor Dr. André Leonardo Chevitarese, intitulada: “Jesus de Nazaré, o que a história tem a dizer sobre ele”. O livro, com aproximadamente cento e dez páginas, busca fazer uma síntese sobre a personagem que fundou a sociedade ocidental: Jesus de Nazaré.

O livro é dividido na seguinte sequência: a “Apresentação”, escrita pelo filósofo e professor Dr. Gabrielle Cornelli, a “Introdução”, redigida pelo próprio professor Chevitarese, na qual sinaliza a distribuição da obra em seis capítulos bem estruturados, a saber, “I – Uma Outra Narrativa de Nascimento”, “II – Uma Vida em Nazaré”, “III – Um Caminho sem Volta”, “IV – O Reino de Deus Instaurado em Cafarnaum”, “V – O Ensino e a Performance de Jesus”, e “VI – A Crucificação de Jesus”. Além disso, há quatro apêndices que ajudam na compreensão do leitor menos familiarizado com a temática. Leia Mais

Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré | Reza Aslan

Muito se fala sobre Jesus Cristo. Muito se escreve sobre ele. Mas Jesus de Nazaré, o Jesus histórico ainda é muito pouco conhecido. O livro de Reza Aslan procura apresentar não só o judeu da Galileia, executado pelos romanos durante a Páscoa judaica no começo do século I, como também a sociedade em que ele viveu.

Reza Aslan nasceu no Irã, mas sua formação acadêmica foi toda nos EUA. É interessante observar, que logo no início do livro o autor nos fala dessa experiência. Como ele relata nas Notas do Autor, na parte inicial do livro, Aslan nasceu em uma família de muçulmanos, que emigraram do Irã após a revolução sua família acabou por afastar-se do islamismo. Aslan deu mais um passo na integração ao novo país quando se converteu ao cristianismo aos quinze anos num acampamento evangélico para universitários. Parecia-lhe que agora ele estava mais de acordo com a América.

No entanto, com a continuidade de seus estudos acadêmicos, um fosso entre o Jesus que pregavam na Igreja e o Jesus histórico o levou a dar mais uma guinada em sua vida. Acabou rejeitando a sua fé. No entanto suas pesquisas lhe revelaram um Jesus mais real e digno de confiança do que aquele da igreja. Seu livro é uma tentativa de apresentar as demais pessoas esse Jesus de Nazaré.

O livro está dividido em três partes e concluído por um Epílogo. Na parte I (capítulos 1 ao 6), ele descreve a Palestina do tempo de Jesus, com suas tensões entre as classes sociais, entre os grupos religiosos e entre a população local e os invasores romanos. Na parte II (capítulos 7 ao 12), ele vai tratar da vida de Jesus, seus ensinamentos e alguns dos episódios que Aslan considera chaves para entender quem foi e o que pregava Jesus de Nazaré. A parte III (capítulos 13 ao 15) é dedicada a apresentar como a Igreja foi desconstruindo a imagem do Jesus histórico e a substituindo pela de Jesus Cristo, o filho de Deus, modificando sua mensagem estritamente judaica (apresentada na parte II) por uma mensagem mais universal, que transcendesse as fronteiras do judaísmo. Por fim o Epílogo, mostra o que ele considera o desfecho: a transformação do camponês galileu do século I em Deus, com o concílio de Nicéia codificando e tornando ortodoxa uma crença que já era bastante comum na Igreja da época.

O autor acrescentou a obra um mapa da Palestina do século I e uma ilustração descritiva do Templo de Jerusalém, construído durante o reinado de Herodes, o grande. Aslan também fornece dezenas de notas explicativas sobre cada capítulo do livro que valoriza a obra como um recurso para o pesquisador de religiões que desejar aprofundar-se mais sobre o tema do Jesus histórico e a Palestina do primeiro século.

Aslan explica que os evangelhos foram escritos décadas após a morte de Jesus, por volta do ano 70. Fora eles, os escritos mais antigos sobre Jesus são as cartas de Paulo, que também foram escritas algumas décadas depois de sua morte, por um homem que afirma expressamente não ter conhecido Jesus, nem buscado informações sobre ele com aqueles que foram seus discípulos diretos. Foi durante essa ausência de documentos escritos que ele acredita que a imagem que se tinha de Jesus foi radicalmente alterada.

Mas qual então era a imagem que os primeiros discípulos e seguidores tinham de Jesus? Para o autor, Jesus era sim mais um dos legítimos representantes do conturbada Palestina do século I. Uma terra na qual os invasores romanos impunham suas leis e seus impostos e onde era cada vez maior a crítica aos privilégios da rica classe sacerdotal, que em aliança com os invasores governava o país. Por todos os cantos daquela terra homens levantavam-se contra o estado das coisas, muitos deles acreditando serem enviados de Deus para expulsar os romanos e restaurar a pureza do culto a Deus no grande templo de Jerusalém.

Dessa forma, desde a conquista romana até a destruição de Jerusalém e do Templo, os judeus viram levantar-se messias e profetas, alguns mais bem-sucedidos que outros, conduzindo multidões a revolta contra o poder constituído. Mas Jesus ainda era uma figura controvertida. Sua pregação, registrada nos evangelhos muitas vezes se contradiz. Numa hora ele prega a paz e em outra diz ter vindo a terra para trazer a espada. Muito dessa contradição pode ser, segundo o autor, fruto dos evangelhos que mesclavam fatos históricos, com fábulas e mitos sobre Jesus, como se costumava fazer na escrita oriental da época, para dar autoridade e beleza ao texto. Aslan chama a atenção para o fato que os escritores dos evangelhos não teriam como estar familiarizados com a nossa noção de veracidade histórica, de se aterem aos fatos.

Para Aslan, Jesus seria uma adepto da chamada “Quarta filosofia”, assim chamada para diferenciar dos outros grupos: saduceus, fariseus e os essênios. Essa filosofia teria sido fundada por dois líderes rebeldes judeus que assumiram um fervoroso compromisso com a libertação de Israel e sua insistência a não servir a nenhum senhor a não ser Deus. Seriam zelotas, palavra derivada de zelo, que segundo Aslan (pag. 65)

…implicava uma adesão estrita a Torá e à Lei, uma recusa em servir a qualquer mestre estrangeiro – servir a qualquer mestre humano de maneira geral – e uma devoção à soberania de Deus. Ser zeloso ao Senhor era andar nas pegadas ardentes dos profetas e heróis do passado, homens e mulheres que não toleraram ninguém que quisesse se associar a Deus, que não se curvaram a nenhum rei exceto o Rei do Mundo e que lidaram cruelmente com a idolatria e com aqueles que transgrediram a lei de Deus.

Não eram um partido político ou uma associação, faz questão de esclarecer o autor, nem se pode confundir com o partido zelota surgido décadas depois em 66 dc. Era um desejo, uma ideia de piedade, ligado a uma expectativa apocalíptica. Uma crença que se difundia principalmente entre os camponeses e as camadas mais pobres da população de que o reino de Deus estava próximo.

E era este o cerne da pregação de Jesus e de sua atuação. Para exemplificar Aslan utiliza uma conhecida passagem do evangelho, quando em resposta a pergunta de que se era ou não lícito pagar impostos a César, Jesus responde, “devolvei a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” O autor mostra que essa resposta é uma das principais evidencias de que Jesus era um zelota. Nesta afirmação Jesus reivindica a terra que os romanos tomaram porque seu legítimo proprietário é Deus. Seria o bastante para que ele fosse enquadrado como um bandido, o que seria confirmado depois, quando da prisão de Jesus, quando um grupo armado de espadas e clavas é enviado a seu encontro.

Mas o que faria de Jesus diferente de tantos candidatos a messias surgido durante aquela época conturbada. Aslan mostra que sua fama como curandeiro e exorcista o tornou uma figura diferente das demais. Diferente de nosso pensamento racional atual, no tempo de Jesus as pessoas estavam mais abertas ao sobrenatural, ao impacto do maravilhoso em suas vidas, e aquele pregador itinerante judeu respondia a suas expectativas com milagres, e, o que era mais espantoso para a época, nada cobrava por eles. Aqui, Aslan delimita a separação entre o acadêmico, o estudioso de Jesus e o seguidor: a crença nos milagres. Mas ele chama a atenção para o quão estéril é essa discussão, e argumenta que as pessoas que seguiam Jesus acreditavam nesses milagres e em nenhum momento foi posta em dúvida as qualidade de Jesus como milagreiro e exorcista sejam por fontes canônicas ou não. Mesmo os inimigos da Igreja, em suas lutas e debates contra ela colocaram em dúvida a capacidade de Jesus de realizar milagres, preferindo acusa-lo de fazê-lo por meio de magia, afirmando mesmo que ele não passava de um mágico.

Uma outra diferenciação entre Jesus e os demais milagreiros e exorcistas da época era a reivindicação messiânica que Jesus fazia para si mesmo. Seus prodígios, milagres e sinais eram a prova de que o Reino de Deus estava chegando.

Como o Reino de Deus estava próximo de ser estabelecido e ele escolheu 12 apóstolos (representando as 12 tribos de Israel), que estariam a frente de Israel. Nesse reino não haveria espaço para estrangeiros, ou para aqueles que não se submetessem ao Deus de Israel. O Deus sangrento que ordenou aos israelitas não pouparem nem mesmos os animais dos povos que habitavam Canãa, quando da conquista, o Deus coberto em sangue dos inimigos tão presente nas mensagens proféticas de Israel. Aslan acredita que não há evidencias que comprovem que seja outra concepção que Jesus tinha sobre Deus. Nos evangelhos ele se recusa abertamente a atender estrangeiros e quando ordena a seus discípulos para irem pregar sobre o advento do Reino de Deus, os adverte a não entrar em cidades estrangeiras.

Durante seu ministério Jesus prepara-se para a tomada do poder e no livro de Aslan pode-se acompanhar passo a passo essa preparação. No entanto no momento final, ele falha. Em Jerusalém, na Páscoa, a mais importante festa judaica, com a cidade lotada de peregrinos o drama de Jesus se desenrola. Jesus é preso e crucificado como sedicioso. Ele ousara assumir funções régias. Aslan acredita que diferentemente do que é apresentado no evangelho, não houve julgamento. Considerado criminoso político ele foi crucificado para que servisse de exemplo a todos os que também desejassem revoltar-se contra Roma. A história de Jesus poderia ter terminado ali, assim como a de vários aspirantes a messias que vieram antes ou depois dele.

No entanto, os seguidores de Jesus continuaram juntos e sua pregação consistia que ele fora ressuscitado dentre os mortos. Judeus que vivam fora da Palestina, helenizados e desejosos de praticar um judaísmo mais atenuado, começam a converter-se a esse ramo do judaísmo e começam a transformá-lo para que o cristianismo se tornasse mais aceitável fora dos círculos judaicos. Paulo, um judeu converso anos depois da morte de Jesus, foi um dos principais agentes dessa transformação do cristianismo. Eles se desvencilhavam das escrituras do judaísmo e faziam sua crença mais universal, mais cosmopolita.

Aqui entra o que Aslan considera um dos primeiros embates do cristianismo: a luta pela hegemonia entre a posição defendida por Paulo a posição do Conselho Apostólico, sediado em Jerusalém e liderado por Tiago, o irmão de Jesus. Para o autor as cartas de Paulo foram escritas como armas nessa luta que segundo Aslan, Paulo acabou perdendo, conforme descrito nos Atos dos Apóstolos, ao ter que submeter-se aos rituais de purificação que ele deplorava.

No entanto, a vitória de Tiago e do seu cristianismo primitivo e fechado, um ramo do judaísmo, foi provisória. Quando os romanos destroem Jerusalém, os cristãos decidem cortar os laços com o judaísmo e apresentar os judeus como culpados pela morte de Jesus. Buscam então inspiração em Paulo, para transformar o camponês zelota, cujos os seguidores acreditaram ter ressuscitado depois de sua execução em Deus.

Aslan percorre em seu livro boa parte da história da Palestina. Para entender Jesus como um homem de seu tempo, para mostrar que além da figura que é apresentada pela Igreja, há uma figura tão fascinante quanto, que foi esquecida sobre camadas de doutrina elaboradas depois de sua morte. Apresenta um Jesus histórico. Apresenta um Jesus revolucionário. Apresenta um Jesus humano.

Wagner Pires da Silva – Graduando em História pela Universidade Estadual do Ceará – UECE.


ASLAN, Reza. Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré. Trad. Marlene Suano. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. Resenha de: SILVA, Wagner Pires da. Sobre Ontens. Apucarana, p.184-187, out. 2014.

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