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Une autre science est possible! Manifeste pour un ralentissement des sciences – STENGERS (BMPEG-CH)
STENGERS, Isabelle. Une autre science est possible! Manifeste pour un ralentissement des sciences. JAMES, William. Apresentação de Thierry Drumm., Paris: Les Empêcheurs de Penser en Rond/La Découverte, 2013. 215p. Resenha de: SARTORI, Lecy. Outra ciência? Conhecimento, experimentos coletivos e avaliações. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.13, n.3, set./dez. 2018.
“Une autre science est possible! Manifeste pour un ralentissement des sciences” (Uma outra ciência é possível! Manifesto por uma desaceleração das ciências) é o último livro da filósofa da ciência Isabelle Stengers, professora da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica. Filósofa, graduada em química e pesquisadora da história da ciência, Stengers é uma importante intelectual que reflete sobre a relação entre política, ciência e economia capitalista, e também discute sobre uma antropologia implicada em questionar os saberes, as disciplinas e as instituições.
Stengers participou do colóquio intitulado “Os mil nomes de Gaia: do Antropoceno à idade da terra”, ocorrido em 2014 no Rio de Janeiro, evento que, de forma geral, discutiu os temas da catástrofe ambiental e da mudança climática global. A catástrofe ecológica global é analisada por meio do conceito de Gaia. Para Stengers (2014), Gaia não é apenas outra forma de nominar a Terra como um recurso a ser explorado de forma sustentável, mas sim um “[…] novo campo científico […]” ou “[…] um complexo conjunto de modelos e dados interconectados […]” (Stengers, 2014, p. 2, tradução nossa), produzindo novos sentidos e respostas ao capitalismo globalizado. Seu último livro publicado em português tem como título “No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima” (Stengers, 2015). Suas análises fazem-nos pensar em possibilidades criativas de ações de resistência política e de lutas anticapitalistas.
No livro ora resenhado, Stengers (2013, p. 8, tradução nossa) explora uma possibilidade de “[…] reconciliação do público com sua ciência […]”, no sentido de produzir saberes a partir das preocupações, das hesitações, das consequências e das opiniões sobre determinada ideia ou solução científica.
Aqui, “[…] produzir saberes […]” aproxima-se, como aponta Stengers (2013, p. 9, tradução nossa), daquilo que Latour (2004, p. 235) denominou de “[…] matter of fact […]” ou “[…] matter of concern […]”, para criticar a objetividade científica, ou do que Guattari (1987, p. 8) chamou de “[…] matière à préoccupation […]”. Stengers (2013) propõe não apenas produzir um campo de comunicação, mas discussões acerca das respostas dos cientistas para situações que nos dizem respeito, como os problemas sociais e econômicos (por exemplo, o desemprego, a poluição, o esgotamento dos recursos naturais, o efeito estufa, o câncer, as patentes de medicamentos). O livro apresenta a importância da elaboração de uma inteligência pública das ciências, por meio da noção de compreensão, que seria o mesmo que produzir em conjunto (com diferentes atores, cidadãos, especialistas e pesquisadores) ações que impliquem soluções sem ignorar as preocupações econômicas e sociais. A ideia principal é possibilitar o encontro entre uma multiplicidade de pessoas e os conhecimentos capazes de criar de forma inteligente propostas para grandes problemas. A partir dessa ideia, Stengers (2013, p. 83, tradução nossa) propõe a “[…] desaceleração das ciências […]” ou slow science (que apresenta a mesma lógica de iniciativas como slow food, slow city, slow economy). Ela fala, dessa forma, de uma ciência produzida de maneira lenta e em conjunto com outras pessoas e saberes, que ativam conhecimentos experimentais e criativos na formulação de novos modos de existência e de resistência, opondo-se à captura de regimes de subjetividade capitalista.
Este livro é composto por cinco capítulos e pela tradução de um texto do filósofo americano, médico e psicólogo William James (1948-1910). A tradução é antecedida por uma apresentação feita pelo pesquisador Thierry Drumm. A capa do livro exibe ilustração de Milo Winter, publicada no livro de Verne (2011), “20 mil léguas submarinas”. A publicação foi organizada pela editora Les Empêcheurs de Penser em Rond – La Découverte. O livro agrega artigos de Isabelle Stengers anteriormente publicados, uma conferência e um artigo inédito. Pode-se afirmar que esta obra apresenta reflexões e discussões muito mais amplas do que a ideia apontada no título, trazendo à tona temas como as avaliações de produções acadêmicas, a elaboração de uma ciência coletiva e experimental, assim como discussões sobre objetivos e funções dos experts.
Em seu manifesto, Stengers (2013) expõe o corporativismo referente ao financiamento acadêmico, bem como as contradições que sujeitam as pesquisas e as produções científicas. No primeiro capítulo, “Pour une intelligence publique des sciences” (Por uma inteligência pública das ciências), Stengers (2013) questiona a autoridade das ciências, por meio de discussões coletivas e da participação dos cidadãos na exposição dos problemas sociais. Essa forma coletiva de refletir sobres os problemas e de elaborar soluções foi denominada pela autora de “[…] inteligência pública das ciências […]” (Stengers, 2013, p. 10, tradução nossa). Desse modo, a autora resiste às “[…] pretensões dos saberes científicos […]” (Stengers, 2013, p. 15), participando da produção do que Haraway (1995, p. 18) denominou de “[…] saberes localizados”.
Nesse sentido, Stengers (2013) propõe a construção de um espaço de discussão com entusiastas que não fazem parte da academia para compor uma produção em conjunto. Isso, no entanto, não significa a popularização da ciência, a qual é entendida como a divulgação das produções científicas para um público amplo. O objetivo dessa popularização é conscientizar os cidadãos sobre direitos, deveres e responsabilidades sociais. Os cidadãos são educados a fim de que produzam reflexões e informações para os pesquisadores desenvolverem as análises científicas. Diferentemente dessa ideia, Stengers (2013) propõe a formação de grupos que sejam capazes de produzir conhecimento (ou uma ciência experimental) e desenvolver formas de ação junto aos elementos dos contextos sociais em que os próprios atores estão inseridos.
No subtítulo do livro, Stengers (2013) destaca a ideia de desaceleração da ciência ou de uma ciência lenta, feita no tempo necessário para a elaboração de suas questões, e não sujeita ao mercado do capital e aos indicadores de produção. A autora mostra como a ciência que está sujeita às necessidades do capital é elaborada de forma rápida, não refletindo sobre suas consequências futuras. Como exemplo, ela dispõe no segundo capítulo, intitulado “Avoir l’étoffe du chercheur” (Competências do pesquisador), as consequências das descobertas científicas como o uso de organismos geneticamente modificados (OGM). Segundo a autora, as descobertas científicas foram produzidas visando os interesses econômicos, ao invés de terem sido analisadas as suas consequências, buscando-se evitar a destruição do planeta. Para ela, as soluções deveriam ser produzidas de forma criativa, sem serem subestimados as dificuldades e os saberes locais. Nesse sentido, as lutas políticas não acionam a ideia de representação, mas devem produzir “[…] caixas de ressonância […]” (Stengers, 2015, p. 148) que explicitem as experiências, fazendo com que as pessoas reflitam sobre formas de ação e as produzam.
Uma interessante contribuição do livro é a discussão sobre a lógica econômica capitalista. Em seus efeitos, esta lógica diminui o tempo necessário para produzir questões e para analisar as consequências de determinadas ações científicas. Nesse contexto, as regras de financiamento à pesquisa direcionam a produção científica e diminuem a autonomia do pesquisador, o qual fica sujeito aos temas interessantes ao poder econômico e à indústria que investem em suas análises. Stengers (2013) explicita a regulação da produção científica por meio da “[…] fórmula de excelência […]” (Stengers, 2013, p. 52, tradução nossa), que dirige o comportamento para o “[…] conformismo, oportunismo e flexibilidade […]” (Stengers, 2013, p. 52, tradução nossa), exigências da nova forma de gestão do conhecimento.
No terceiro capítulo, “Sciences et valeurs: comment ralentir” (Ciências e valores: como desacelerar), Stengers (2013) apresenta uma análise da forma como o conhecimento científico é atualmente avaliado, procurando-se uniformizá-lo, sem se considerar a pluralidade e a qualidade da produção. Neste cenário, o que importa é o número de publicação, e não a qualidade do que está sendo produzido como conhecimento. Para exemplificar, ela expõe a produção científica do filósofo Gilles Deleuze, o qual, segundo o formato atual de exigência de publicação, seria um pesquisador com pouco êxito ou baixo desempenho em avaliações1 científicas. Conforme Stengers (2013), devemos questionar esse formato de produção rápida de conhecimento e formular ferramentas para resistir aos critérios de avaliação das universidades.
Outra contribuição do livro é a tradução de um texto de William James, apresentado por Thierry Drumm. O artigo de William James, “Le poulpe du doctorat” (ou The Ph.D. Octopus), foi publicado, pela primeira vez, em 1903, na revista Harvard Monthly. No texto, o filósofo apresenta, de forma jocosa, uma crítica à política acadêmica e à regra que torna o doutorado obrigatório para os professores universitários. A universidade, por sua vez, é comparada a uma máquina de produção de títulos. A contribuição do texto está na descrição crítica do modo de funcionamento da produção acadêmica de sua época. James mostra-se contrário ao status e ao prestígio daqueles que possuem um diploma, como o de doutorado. O título de doutor, segundo o autor, incentiva o esnobismo acadêmico e a publicidade individual. Acionar o título como uma ferramenta resulta no conformismo e na institucionalização de uma lógica quantitativa. Para James (1903), o objetivo da universidade é instruir as pessoas, e não valorizar um título concedido ao pesquisador que se dedica por um tempo a um determinado assunto.
Infelizmente, não existe uma versão em português do texto de William James. Recentemente, a editora da Universidade de São Paulo (Edusp) publicou um livro organizado pela historiadora Maria Helena P. T. Machado com as cartas que William James escreveu ao participar de uma expedição ao Brasil, em 1865-1866 (Machado, 2010). Ele apresenta o jovem William James questionando a ciência da época e a produção criacionista de seu professor e chefe da Expedição Thayer, Louis Agassiz. William James, mais simpático à teoria da evolução de Charles Darwin, criticou a posição política (com interesses americanos na exploração da Amazônia) e ideológica de Louis Agassiz, que defendia o racismo e as teorias da degeneração. Os escritos de William James explicitam os interesses políticos e o financiamento da coleta de dados prevista na Expedição Thayer, bem como a sua perspectiva de análise. Como William James, Isabelle Stengers analisa a produção científica, a política de financiamento à pesquisa e as formas de avaliação da sua época.
No penúltimo capítulo, “Plaidoyer pour une Science ‘Slow’” (A defesa de uma ciência “lenta”), Stengers (2013, p. 83, tradução nossa) destaca a fabricação de uma “[…] economia do conhecimento […]” que produza vínculos de cooperação crítica e de produção coletiva. Trata-se de modificar o foco das avaliações para destacar o conteúdo das produções de conhecimentos, e não o número de artigos publicados ou patentes adquiridas. A slow science, antes de ser uma exigência de mais tempo e de autonomia para a formulação de questões importantes, procura estabelecer outras articulações, além dos vínculos firmados com o mercado e com o Estado.
O livro de Stengers (2013) é instigante ao analisar a forma como a produção científica atual é insustentável. A autora aponta o modo como os pesquisadores acreditam que as soluções dos problemas serão elaboradas de forma racional ou científica, ao mesmo tempo em que ignoram a opinião, as preocupações e os saberes daqueles que são afetados pelos problemas sociais. Ao afirmar que “[…] uma outra ciência é possível […]”, Stengers (2013, p. 6, tradução nossa) explicita no último capítulo, “Cosmopolitique: civiliser les pratique modernes” (Cosmopolítica: civilizar as práticas modernas), que não é uma questão relacionada à qualidade da informação que está em jogo, mas sim a necessidade de os pesquisadores serem capazes de produzir ciências a partir de uma inteligência coletiva, que conecte diferentes modos de elaboração de saberes e reative outras formas de resolver os problemas e de resistir às demandas impostas pelo mercado à produção científica.
Notas
1Algumas referências sobre o modo como as avaliações (ou ‘cultura de auditoria’) limitam as produções de saberes e as ações criativas são Strathern (2000), Shore (2009), Power (1994) e Giri (2000).
Referências
GIRI, Ananta. Audited accountability and the imperative of responsibility: beyond the primacy of the political. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Audit cultures: anthropological studies in accountability, ethics and the academy. London: Taylor & Francis, 2000. p. 173-195. [ Links ]
GUATTARI, Félix. Les schizoanalyses. Chimères, Bedou, Paris, n. 1, p. 1-21, 1987. [ Links ]
HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 7-41, quad. 1995. [ Links ]
JAMES, William. The Ph.D. Octopus. Harvard Monthly, Cambridge, v. 36, n. 1, p. 1-9, 1903. [ Links ]
LATOUR, Bruno. Why has critique run out of steam? From matters of fact to matters of concern. Critical Inquiry, Chicago, v. 30, n. 2, p. 225-248, Winter 2004. [ Links ]
MACHADO, Maria Helena P. Toledo (Org.). O Brasil no olhar de William James: cartas, diários e desenhos, 1865-1866. São Paulo: Edusp, 2010. [ Links ]
POWER, Michael. The audit explosion. London: Demos, 1994. [ Links ]
SHORE, Cris. Cultura de auditoria e governança iliberal: universidades e a política da responsabilização. Mediações, Londrina, v. 14, n. 1, p. 24-53, jan.-jun. 2009. DOI: http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.2009v14n1p24. [ Links ]
STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima. Tradução Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2015. (Coleção Exit). [ Links ]
STENGERS, Isabelle. Gaia, the urgency to think (and feel). In: COLÓQUIO INTERNACIONAL OS MIL NOMES DE GAIA DO ANTROPOCENO À IDADE DA TERRA, 2014, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos… Rio de Janeiro: Departamento de Filosofia/PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, 2014. Disponível em: <https://osmilnomesdegaia.files.wordpress.com/2014/11/isabelle-stengers.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2018 [ Links ]
STRATHERN, Marilyn. New accountabilities: anthropological studies in audit, ethics and the academy. In: STRATHERN, Marilyn (Ed.). Audit cultures: anthropological studies in accountability, ethics and the academy. London: Taylor & Francis, 2000. p. 1-6. [ Links ]
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Lecy Sartori – Universidade Federal de São Paulo. E-mail: lecysartori@gmail.com
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