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Esportare il fascismo. Collaborazione di polizia e diplomazia culturale tra Italia fascista e Portogallo di Salazar (1928-1945) – IVANI (LH)
IVANI, Mario. Esportare il fascismo. Collaborazione di polizia e diplomazia culturale tra Italia fascista e Portogallo di Salazar (1928-1945). Bolonha: CLUEB, 2008. Resenha de: NUNES, João Arsénio. Ler História, n.57, p. 162-166, 2009.
1 Com este livro Mario Ivani prolonga o trabalho de comparação entre o fascismo italiano e o regime salazarista, acerca da qual já em 2005 publicara o que se pode considerar, até hoje, a síntese mais conseguida1. Objecto de análise é agora não tanto o confronto entre os dois regimes como o estudo da relação entre eles, tomando como ângulo de observação a tentativa italiana de alargar a sua influência política e cultural em Portugal.
2 O capítulo 1 descreve o nascimento do Estado Novo salazarista, partindo da análise das diversas componentes da ditadura militar instaurada em 1926 e da posição que Salazar nela ocupou. Ivani situa em 1936, com a eclosão da guerra civil de Espanha, a viragem decisiva que «reduziu em muito as distâncias entre o Estado Novo e o modelo político fascista». É a partir do segundo capítulo que a problemática das ideias e organizações fascistas portuguesas é abordada com autonomia. Regista-se pertinentemente que, desde início, «o advento do fascismo suscitou em Portugal uma grande atenção nos meios nacionalistas e reaccionários» e que a influência dos movimentos portugueses de derivação fascista tem sido em geral subvalorizada. Ivani deixa claro como tais movimentos, do Nacionalismo Lusitano ao Nacional-sindicalismo e à Liga Nacional 28 de Maio, se relacionaram directamente com a implantação e os primeiros anos de existência da ditadura, bem como o papel que personalidades a eles ligadas, como António Ferro, vieram a ter no regime salazarista, qualificado pelo mesmo Ferro como «fascismo em acto».
3 A tentativa italiana de «exportação» do modelo fascista constitui o objecto central da obra. Numa primeira fase, tal tentativa assume uma forma essencialmente propagandística, sendo contemporânea de outras iniciativas internacionais do regime mussoliniano, como o Congresso internacional fascista de Montreux (1934). Consistiu ela na criação dos «comités de acção pela universalidade de Roma» (CAUR) e de uma «Liga de acção universal corporativa» que, embora tendo chegado a atrair a adesão de um certo número de figuras de relevo intelectual, não lograram alcançar implantação significativa. Para o autor, o aspecto importante da acção do fascismo italiano no sentido de influenciar o Estado Novo salazarista não se situa tanto nestas tentativas de carácter directamente propagandístico como num processo de penetração orgânica mais difusa e prolongada. Numa perspectiva em que é visível a lição de Gramsci, o autor sublinha a necessidade de encarar «o conúbio entre repressão e máquina do consenso» na consolidação das ditaduras europeias e as implicações do quadro internacional em que ela decorre: «com o advento do nazismo, o antifascismo tinha superado a fase essencialmente italiana para assumir uma consumada dimensão internacional, em resposta à qual as ditaduras de direita intensificaram a colaboração de polícia.»
4 Antes de entrar propriamente na análise da colaboração orgânica entre as organizações policiais italiana e portuguesa, o livro dedica um capítulo à atitude das autoridades portuguesas perante o afluxo dos refugiados. Mostra-se como abundam os juízos racistas em relatórios da PVDE, e sobretudo como foram adoptadas medidas bastante amplas tendentes a obstaculizar a entrada de judeus ou a promover a sua expulsão: medidas que decorriam logicamente do juízo expresso pelo chefe da polícia política, segundo o qual «o hebreu estrangeiro é, por norma, moral e politicamente indesejável». Foram perseguidas, tanto em Portugal como no estrangeiro, através da colaboração com outras polícias, as redes que tentavam organizar a passagem de refugiados para Portugal. O italiano Virgilio Bartolini, acusado de implicação numa destas redes, passou três anos nas prisões e no campo de concentração do Tarrafal, sem nunca ter sido julgado. Também os judeus portugueses, nomeadamente os envolvidos na actividade de difusão religiosa da Obra do Resgate, foram objecto de discriminações, vindo o principal animador desta, o capitão Barros Basto, a ser expulso do Exército.
5 Um dos capítulos de maior interesse do livro é o que respeita às relações entre as polícias italiana e portuguesa, nomeadamente a minuciosa e inovadora análise da actividade dos membros da missão de Polícia italiana enviada a Portugal em 1937, dois dos quais permaneceram no país por quase três anos. O envio da missão nasceu de uma iniciativa do próprio Salazar perante o impasse da investigação acerca do atentado de 4 de Julho de 1937, que por pouco o não vitimou. Com efeito, a polícia política portuguesa partiu do pressuposto da responsabilidade comunista no atentado e rapidamente conseguiu, com os seus métodos habituais, a confissão dos acusados. Viria a verificar-se que eram todos inocentes mas, no curso da detenção, dois deles perderam a vida. O livro deixa claro o alcance que esta missão tinha para os agentes italianos – «alargar os espaços de manobra no interior dos aparelhos portugueses significava também estender por essa via a influência do fascismo entre as elites locais, contribuindo num esforço conjunto com os órgãos de propaganda para a tentativa de exportar o modelo fascista para Portugal» –, e bem assim as fortíssimas resistências que suscitou na direcção da polícia política portuguesa. A missão italiana recusou o caminho de estabelecer relações privilegiadas com instituições, como a Legião Portuguesa, que as procuravam, preferindo manter-se no quadro das relações estáveis com as autoridades designadas pelo governo português. O resultado cifrou-se sobretudo na conclusão de um acordo técnico entre as duas polícias (semelhante a análogo acordo italo-alemão). Com base neste acordo se deu nos anos seguintes uma reforma dos métodos da polícia política portuguesa, tendo como efeito uma muito maior penetração e sistematicidade da recolha de informações entre a população, no sentido do controle e infiltração dos meios oposicionistas.
6 Quase metade da obra é dedicada à «exportação da ideia: diplomacia cultural e propaganda fascista em Portugal» (capítulo 4). Partindo dos modestos inícios da fundação do Instituto em 1928, é analisada com detalhe a acção, que se intensifica a partir de 1933, tendente a «constituir entre os intelectuais portugueses uma espécie de partido filo-italiano». Uma série de conferências, realizadas neste ano por nomes destacados da cultura literária e científica portuguesa, lançou aquilo que na imprensa de Lisboa era descrito como «um movimento de aproximação intelectual com a Itália». Tal acção não se encerrou nas paredes do Instituto Italiano. O director do Instituto de Ciências Económicas e Financeiras, Moses Amzalak, tomou a iniciativa da criação na sua Faculdade de uma «sala italiana», inaugurada em princípios de 1935, onde chegaram a iniciar-se os trabalhos de uma «escola sindical italiana». Não menos interessante é o teor das declarações produzidas nas conferências, tendentes a reclamar os pergaminhos portugueses na história do fascismo europeu: segundo um dos conferencistas, Mussolini, Salazar e Hitler encarnavam o ideal preconizado no princípio do século XX pelo rei português D. Carlos, «figura eminente na origem da actual concepção da suprema política de guiar os povos» e continuado por João Franco e Sidónio Pais.
7 O movimento de difusão cultural fascista sofre uma breve quebra, em 1935, em relação com a agressão italiana à Etiópia e a adesão do governo português à política de sanções económicas contra a Itália, adoptada pela Sociedade das Nações. Tal adesão deveu-se em larga medida à orientação anglófila do ministro dos Negócios Estrangeiros, Armindo Monteiro, no ano seguinte demitido por Salazar2. Este contexto diz muito sobre as realidades portuguesas da época, ao mesmo tempo que explica a observação do ministro italiano em Lisboa, citada no livro, acerca da imprensa portuguesa: «hoje a parte que nos é mais favorável é a mais próxima do governo que entretanto, o paradoxo é só aparente, segue uma política decididamente inglesa».
8 Um aspecto com uma presença marginal, mas não irrelevante, na obra de Mario Ivani, são as acções de agitação anti-fascista que, apesar da perseguição policial, persistem na sociedade portuguesa e encontram ainda forma de expressão pública. Assim por exemplo, a contestação de que são objecto os leitorados de italiano nas três universidades do país, chegando-se em Lisboa, no fim de uma lição inaugural, a «gritos de ‘viva a Abissínia’ e ‘viva o comunismo’ no meio de uma algazarra geral», como é referido num relatório diplomático. Mais tarde, em 1939, uma exposição do livro italiano na «sala do Império» da Universidade de Coimbra será alvo de uma acção clandestina de sabotagem que leva à anulação da cerimónia e a um protesto oficial do governo italiano.
9 A vitória militar italiana na Etiópia relança as manifestações de solidariedade política luso-italiana. Mas sobretudo a guerra civil de Espanha, a partir de Julho de 1936, vai presenciar a unidade dos regimes italiano, alemão e português no apoio à rebelião franquista e abrir novas oportunidades à acção do Instituto de cultura, que «obtém crescentes consensos no interior da camada política e intelectual salazarista.» São relançadas as conferências de personalidades italianas e portuguesas sobre as afinidades das instituições dos dois países nos mais diversos campos. Figuras de destaque da política italiana, como Federzoni, presidente da Academia de Itália e anteriormente do Senado, visitam Portugal. Em 1937, as comemorações do centenário da Universidade de Coimbra, a que Salazar assiste, «transformaram-se num explícito tributo às delegações italiana, espanhola e alemã» e manifestação da unidade dos fascismos. São italianos a receber então o maior número de doutoramentos honoris causa.
10 O autor dedica ainda espaço a uma outra questão acerca da qual não havia investigação anterior, a da influência dos estudos eugénicos, analisando o Congresso de Ciências da População, realizado no Porto em 1940, e a criação em 1936 da Obra das Mães para a Educação Nacional, inspirada na italiana Opera Nazionale per la Maternità e l’Infanzia.
11 A parte dedicada à «acção sobre a imprensa portuguesa» é uma das mais interessantes, no aspecto da revelação do grau de identificação de importantes sectores da sociedade e da política portuguesa com as orientações do fascismo italiano, no período que precede a II Guerra mundial. O adido de imprensa da representação diplomática italiana desenvolve um trabalho sistemático de distribuição de propaganda a figuras influentes vistas como simpatizantes e cuida, além disso, do acompanhamento da imprensa portuguesa. Consegue não só fazer publicar em jornais portugueses, sob pseudónimo, os seus artigos, mas também que textos enviados pelo Ministério da Cultura Popular italiano fossem publicados no Século como artigos do seu «correspondente em Roma». Esta parte da investigação é ainda importante pelo que mostra da orientação governamental, através da União Nacional e do seu órgão de imprensa: «No decurso de 1939, o Diário da Manhã radicalizou a sua orientação a favor do modelo político italiano», correspondendo à visão de Salazar, no princípio da II Guerra mundial, da Itália como garante de uma «zona de paz». Esta italofilia não foi afectada pela publicação das leis raciais em Itália, pelo contrário: «no decurso de 1939 a aproximação do Diário da Manhã às posições do fascismo incluiu uma mais explícita exposição em sentido anti-semita».
12 O autor não restringe a análise aos jornais da capital. Também a imprensa da província é sujeita a escrutínio, constatando-se, na segunda metade dos anos 30, «o florescer de uma série de publicações periódicas de orientação limpidamente fascista, difundidas mesmo nos pequenos centros urbanos». São analisados em detalhe os instrumentos de influência italianos sobre esta imprensa, que tinham de se defrontar com os recursos financeiros superiores da concorrência, não só francesa e inglesa, mas também dos aliados alemães.
13 A partir da entrada da Itália na Guerra, as exigências decorrentes da manutenção da neutralidade portuguesa impunham limites mais estreitos à propaganda italiana. No entanto, são-nos dadas a conhecer em pormenor as actividades, legais e «clandestinas», então desenvolvidas, a distribuição de propaganda a simpatizantes (e quem eram), a recolha de informações sobre os inimigos, as formas de apoio à imprensa legal, nomeadamente de carácter local, que permanece «fiel». Não cessou nesta época a actividade político-cultural do Instituto, através de concertos, sessões de poesia e também de conferências não isentas de alcance político, nas quais continuaram a participar altas personalidades do regime salazarista. Sobretudo, é a partir de então que se verifica uma concentração de esforços na difusão da língua nas escolas portuguesas: na primavera de 1943, havia no país 57 institutos de nível médio e superior com cursos de italiano, contando com mais de 3500 inscritos, número considerável nas condições da escolaridade portuguesa da época.
14 Também a análise do período que medeia entre o 25 de Julho de 1943, data da demissão de Mussolini, e o derrube definitivo do fascismo italiano em 25 de Abril de 1945, não é deixada de lado: destinos diversos e contraditórios do pessoal diplomático e educativo italiano em Portugal, consoante aderiu ao novo governo de Badoglio ou à república de Salò, continuação da actividade fascista a coberto da direcção do Instituto no Porto, relações com os representantes dos Aliados, recusa da polícia portuguesa a impedir a actividade dos partidários de Salò em Portugal, são alguns dos elementos referidos.
15 Um último capítulo, sobre «a comunidade italiana como instrumento de propaganda», em que são sucessivamente passados em revista os «fasci all’estero» (cujo aparecimento em Portugal é anterior a 1926), a Igreja italiana e a actividade das escolas italianas em Portugal, conclui a obra.
Notas
1 «Il Portogallo di Salazar e l’Italia fascista: una comparazione», Studi storici, aprile-giugno 2005 (…)
2 Valentim Alexandre, O Roubo das Almas, D. Quixote, Lisboa, 2006, nomeadamente pp. 110-114.
João Arsénio Nunes – Dep. História – CEHCP – ISCTE-IUL