Sobre a intolerância / Revista Trilhas da História / 2019

Abordar a intolerância, desde uma perspectiva historiográfica, é um grande desafio. E não apenas pelo seu caráter sensível. A negação da alteridade, a recusa em olhar o outro como um igual é fenômeno diverso, complexo e, também por isso, polissêmico em termos conceituais. Além disso, a questão do “outro” é algo de crucial importância para entendermos aspectos enquadrados nas mais diversas escolhas conceituais e cronológicas do campo historiográfico. Afinal, a intolerância é um fenômeno de lastro na experiência da modernidade, uma tradição arraigada nas relações humanas ou um fenômeno ainda mais hodierno?

Como se um eterno retorno daquilo que os humanos estariam fadados a ser, a intolerância pode ser observada em diversas práticas e representações da experiência humana. Contudo, enquanto historiadores e historiadoras, acreditamos que a intolerância não deve ser interpretada apenas a partir do prisma da rejeição como forma inata de (não) sociabilização entre os diferentes ou iguais. Mais que isso, é um fenômeno de implicação social (religiosa, política e econômica) construído em seus determinados tempos e espaços. Seja como forma de negação da razão humana ampliada ao “outro”, ou mesmo como uma estratégia industrial pensada para silenciar e exterminar os indivíduos diferentes e indesejados, a intolerância é um sinal presente nas complexas relações que marcam experiências históricas e expressões do tempo presente.

Desdobramento do Ciclo de Palestras realizado pelo curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Campus Três Lagoas), este dossiê tem como objetivo fomentar a discussão em torno da intolerância na história e apresentar algumas abordagens possíveis.

Em “A história da população negra no Brasil e os Direitos Humanos: Uma conversa necessária em tempos de intolerância”, Delton Aparecido Felipe aborda as lutas históricas dessa população no país. Questão umbilicalmente intrincada na construção de uma identidade nacional, por sua vez exclusivista e excludente por definição, o artigo problematiza questões como direitos, Direitos Humanos e a realidade histórica dos negros, fornecendo também uma grande contribuição para o entendimento da questão Republicana no Brasil.

Em “(In)tolerância e religiões afro-brasileiras: uma análise do jornal O Diário do Norte do Paraná (Maringá-PR, século XXI)”. Vanda Fortuna Serafim e Giovane Marrafon Gonzaga oferecem uma análise que põe luz à questões recentes da intolerância racial e religiosa. A partir dessa análise, compreendemos com mais propriedade o caráter histórico e atual do racismo no Brasil, a sua dimensão religiosa, e também a necessidade de compreender a intolerância como traço constituinte de uma nacionalidade, imaginada para ser excludente.

Wellington do Rosário de Oliveira em “No lodaçal dos vícios: mulheres meretrizes e o discurso jornalístico do Correio do Paraná (1932-1937)” parte também da análise de um periódico paranaense para estudar a prostituição nas ruas de Curitiba, em um contexto de higienização e modernização urbana, na década de 1930.

O dossiê conta também com dois artigos que tratam especialmente da ditadura civil-militar no Brasil. Com enfoques diferenciados, é possível observar a relação complexa entre Estado e Sociedade nas formas de repressão e negação da política como espaço de mediação, diálogo e representação. “A Ditadura Militar no Brasil e a narrativa histórica: Esquadrão da Morte na Comissão da Verdade do Estado de São Paulo”, de Aline de Jesus Nascimento, focaliza a experiência de grupos de extermínio construídos em paralelo às estruturas do estamento ditatorial. Além disso, as complexas questões envolvidas nas relações entre memória e história são levantadas.

Em “Ditadura militar, propaganda e otimismo no Brasil dos anos 1970”, David Antonio de Castro Netto aborda as propagandas como forma de construção de consensos e enquadramentos sociais, observando como a propaganda foi utilizada como forma de desmobilização, assim como estratégia de negação do “outro” para além da violência e do exterminismo.

Trabalhando com um recorte cronológico que reflete o processo de transição democrática no Brasil, o artigo “Lésbicas e o combate às discriminações nas páginas do boletim ChanaComChana” de Paul Silveira-Barbosa e Gabriela Coutinho Sales, traz uma importante análise sobre a lesbofobia, a heteronormatividade, assim como as formas de resistência em um contexto democrático, todavia marcado por formas diversas dos legados autoritários.

A intolerância é, sem dúvida, um elo que une os textos deste dossiê temático, que trata de objetos que são, a princípio, desconexos. Agradecemos às autoras e aos autores, assim como desejamos a todos uma boa leitura!

Seções: Artigos livres, ensaio e resenha

Este número conta ainda com artigos livres, ensaio e fontes. Na primeira modalidade temos o texto Clayton Ferreira e Ferreira Borges “A historiografia francesa do século XIX nas páginas da Revue Historique (1876-1914)” que analisa quantitativamente e qualitativamente a produção historiográfica publicada no periódico francês Revue Historique, no periódico entre os anos de 1876-1914. O debate historiográfico também é abordado por Daniel da Silva Klein em “Tropologia em Hayden White: apontamentos historiográficos”. Onde o autor dialoga com os elementos centrais da tese de Hayden White, pensando sua recepção critica na historiografia e apontando caminhos possíveis para sua superação.

Na sequência o artigo “Os 50 anos da Assembleia de Deus no Brasil em pauta: múltiplos olhares na imprensa sobre as comemorações na cidade do Rio de Janeiro (1961)” de Augusto Diehl Guedes, na perspectiva da história das religiões, desenvolve análise de fontes da grande imprensa e da mídia confessional que cobriram o evento do cinquentenário da Assembleia de Deus no Brasil, em 1961. A imprensa também é a fonte utilizada por Jorge Tibilletti de Lara para discutir “As impressões da primeira grande epidemia de dengue do Brasil entre os jornais O Globo, O Fluminense e Jornal do Brasil (1986)” que aborda os debates em diversos grupos da sociedade, como médicos, sanitaristas, movimento popular e governos acerca da doença que aparece pela primeira vez como epidemia no Brasil.

A seção Artigos Livres traz por fim a contribuição de Carlos Prado para a compreensão de um debate que permeia os movimentos de esquerda desde a segunda década do século XX, sobre o caráter das revoluções em países periféricos, no texto: “A revolução chinesa e o problema das revoluções nos países ditos coloniais ou semicoloniais (1924-1927)”.

O texto da graduanda da Universidade Estadual de Maringá, Giovana Eloá Mantovani Mulza, na seção “Ensaio de graduação”, se soma ao debate da intolerância na História, foco do dossiê apresentado acima. Em “De la Demonomanie des Sorciers: a caça às bruxas na concepção de Jean Bodin” a autora discute a intolerância religiosa na França do século XVI, a partir da obra De la Demonomanie des Sorciers de Jean Bodin surgida em 1580.

Na mesma seara das intolerâncias a seção “Fontes” apresenta entrevista “Sobre a alteridade, a intolerância e a história: uma entrevista com Karl Schurster” realizada pelos organizadores do dossiê Rafael Athaides e Odilon Caldeira Neto. Por fim, esta seção traz a contribuição da graduanda na UFMS / CPTL, Núbia Sotini Santos, intitulada “Operários itinerantes: algumas considerações sobre as fichas funcionais da Noroeste do Brasil” que apresenta fontes de pesquisa sob a guarda do Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro.

Odilon Caldeira Neto – Professor Doutor. Universidade Federal de Santa Maria

Rafael Athaides – Professor Doutor. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Santa Maria- RS e Três Lagoas-MS, junho de 2019


CALDEIRA NETO, Odilon; ATHAIDES, Rafael. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.8, n.16, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Tolerância e Intolerância nas manifestações religiosas / Revista Brasileira de História das Religiões / 2009

Caro leitor,

Neste terceiro número, a RBHR apresenta o Dossiê Tolerância e Intolerância nas manifestações religiosas, resultante dos debates que nortearam o II Encontro Nacional do GT História das Religiões e das Religiosidades da ANPUH, organizado pelo GT Regional de São Paulo, na cidade de Franca, de 13 a 16 de outubro de 2008.

Visando consolidar as propostas do I Encontro, realizado em Maringá, PR, no mês de maio de 2007, o II Encontro manteve o mesmo fundamento e o mesmo formato já empregado: Palestras de abertura e encerramento, Mesas Redondas de caráter interdisciplinar, com a presença de pesquisadores e especialistas das diversas áreas do conhecimento e Simpósios Temáticos propostos por pesquisadores e especialistas em História das Religiões.

Composto por vinte contribuições inéditas, escritas pelos coordenadores dos Simpósios Temáticos e demais participantes, este Dossiê apresenta uma significativa parcela dos debates realizados pelas diversas instituições brasileiras acerca da tolerância e da intolerância, presentes nas diversas manifestações religiosas. Infelizmente, nem todos os expositores entregaram os seus trabalhos por escrito para a edição deste número.

No link Publicações, estão os Anais do II Encontro, com textos completos de alguns dos trabalhos apresentados e enviados à Comissão Organizadora em tempo hábil.

Este Editorial não poderia deixar de agradecer a hospitalidade e a competência da Comissão Organizadora da UNESP de Franca: os docentes, representados pelo Prof. Dr. Ivan A. Manoel, os discentes, representados por Juliano Alves Dias e, os assistentes administrativos, representados por Juliana A. de Paulo Damasceno.

Agradece, também, a todos os colaboradores deste número pela importância e qualidade dos textos enviados.

Boa Leitura!

Solange Ramos de Andrade

Editora


ANDRADE, Solange Ramos de. Editorial. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.1, n.3, Jan., 2009. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

A questão da intolerância nos livros didáticos / Caderno de História / 2007

A Formação de Professores tem sido ao longo dos tempos, uma problemática discutida dentro e fora das Instituições de Ensino Superior (IES), incluindo aqui os governos – nacional, estadual e municipal –, o Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras, o ForGRAD.

A LDB de 1966 debateu acerca da Formação de Professores e apontou a necessidade de se rever a dicotômica relação teoria/prática, licenciatura/ bacharelado, universidade/escola básica, condições impostas durante muito tempo aos nossos cursos de licenciatura no Brasil. Poder examinar o “famoso” e aceito durante tantos anos, formato de três mais um. Ou seja, três anos de teoria e um dedicado às chamadas disciplinas pedagógicas, relegando para este final de curso o contato com a educação básica através do estágio supervisionado. Sob a luz das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica o Conselho Universitário da UFU aprovou em 2005 uma Política Institucional de Formação e Desenvolvimento do Profissional da Educação.

A partir da introdução obrigatória das 400 horas de estágio e depois das 800 horas nos currículos das licenciaturas, as IES tiveram, dentro de suas autonomias didático-pedagógicas, que buscar opções curriculares que garantissem aos estudantes a formação própria do SER PROFESSOR (A).

A Universidade Federal de Uberlândia através do Fórum das Licenciaturas se guiou pela lei, repensou seus cursos a partir do perfil do egresso que se queria formar, das necessidades da sociedade em que está inserida, dos problemas que sempre quis consertar nos percursos curriculares e se posicionou. Distribuiu as horas criadas pela lei (800 horas de práticas) por todo o curso, demonstrando sua preocupação com a formação profissional desde o ingresso dos estudantes nas licenciaturas. Desta forma cada licenciatura refez seus caminhos.

Os Cursos de Licenciatura e Bacharelado em História mantiveram um único ingresso via processos seletivos e conservaram a obrigatoriedade de se cursar as duas modalidades juntas. Uma das grandes novidades na reformulação curricular foi a criação das disciplinas: OFICINA I e OFICINA II que espera-se serem trabalhadas em conjunto, ou no mínimo discutidas juntamente aos professores das Oficinas e também aos das Práticas de Ensino. A Oficina I com a ementa: As experiências de ensino: planejamento e elaboração de propostas pedagógicas, preparação de aulas e outras atividades a serem desenvolvidas nas escolas, foi pensada por um conjunto de professores de forma temática para que as turmas da manhã e da noite pudessem ter continuidade nas disciplinas Oficina II e Prática I e II.

Diante das possibilidades temáticas, essa equipe elegeu a INTOLERÂNCIA como eixo da disciplina. Aqui pensada também pelo inverso, a Tolerância, pensou-se trabalhar o conceito de alteridade, as diferenças sociais, econômicas, de cor, religião, sexo, enfim o pensar o OUTRO, aquele que se difere de mim. A partir de literaturas pertinentes aos temas, os alunos fariam a análise de diversos livros didáticos percebendo a intolerância/tolerância nos tempos e espaços históricos, escolhendo um deles para o aprofundamento e leituras específicas. Articular, portanto, a formação teórica do aluno com a prática pedagógica relacionados à História na Escola Básica. Produzir metodologia e recursos didáticos para o ensino de História foram os objetivos específicos da disciplina Oficina I.

Desta forma, ao escolherem no livro didático a temática com a qual o grupo iria lidar, os estudantes construíram teoricamente no texto o objeto a ser trabalhado, fizeram a análise crítica do tema explicitado no livro didático e por fim mostraram as possibilidades de se construir aulas sobre quaisquer das matérias escolhidas utilizando filmes, poesia, literatura, música, teatro, entre tantos outros recursos didáticos. Desta forma, possibilitamos aos estudantes que tivessem idéia de metodologias e didáticas voltadas para o ensino de história.

Assim, as turmas de Oficina I do primeiro semestre de 2006 trabalharam com essas idéias e geraram textos importantes para quem se preocupa em ser professor, para quem realmente deseja mudar o cotidiano nas escolas públicas, aplicar qualidade e impingir valores “novos” na profissão PROFESSOR.

A começar por meu colega Florisvaldo que incentivado pela temática nos presenteou com o texto Educação e Tolerância Democrática no qual discute a obrigatoriedade do ensino da Cultura afro-brasileira nos programas escolares brasileiros a partir de 2003; passando por Dolores, Eduardo e Talitta que construíram, a partir do teatro, possibilidades de análise crítica do período da ditadura militar no Brasil mostrando-nos no Movimento contra a Intolerância: o Teatro Brasileiro frente à Ditadura Militar como os professores da escola básica podem e devem escolher outros textos, como eles têm outras opções para além do livro didático.

Cruzadas: Imagens da Intolerância artigo de Ivan, Luciano e Tamara cruzam tempos históricos e nos propiciam um ensaio acerca da intolerância relacionando a guerra das Cruzadas no século XI e os atentados “terroristas” de 11 de setembro nos EUA. Ana Flávia e Viviane preferiram uma temática da América Central: Revolução Cubana X Intolerância Política: uma proposta de pesquisa e ensino. As autoras provocam os (as) professores (as) identificando os limites dos livros didáticos e propondo ensino com pesquisa. Lucas, Mariana e Tiago no texto Em que sentido deve-se entender a tolerância num mundo não só de diferentes, mas também de desiguais, de dominadores e dominados apostaram na diversidade da cultura brasileira e na apartação social da pobreza no processo de globalização apontando possibilidades que o professor do ensino fundamental e médio tem para trabalhar essa temática.

Rafael Guarato escreveu Intolera-me que eu intolero-te: o crime organizado no Brasil contemporâneo e preferiu desta forma trabalhar um Brasil mais atual, do final do século XX justamente por ter notado a ausência de tal temática nos livros didáticos consultados.

Quero terminar esta minha apresentação dizendo que se cada estudante for devidamente estimulado a pensar o seu fazer profissional, com certeza as respostas virão desta forma: com responsabilidade e com qualidade.

Tenham prazer na leitura destes artigos!

Vera Lúcia Puga – Doutora. Professora de Oficina I – 1º Semestre de 2006.


PUGA, Vera Lúcia. Apresentação. Caderno de História. Uberlândia, v.15, n.1, set. 2006 / set. 2007, 2007. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê