Intelectuais e resistências ao autoritarismo na América Latina  | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2021

Em junho de 2009, a América Latina foi palco da deposição do presidente de Honduras Manuel Zelaya, fruto de uma decisão do Parlamento apoiada pelo Judiciário de seu país. O episódio foi considerado por muitos como um golpe de Estado pelo fato de Zelaya ter sido retirado sem direito à defesa, numa decisão sumária. Três anos depois, foi a vez do presidente paraguaio, Fernando Lugo, passar por um rápido processo de impeachment, levado a cabo pelo Senado, em um julgamento no qual não pôde se defender. Em 2016, um novo impeachment abalou a democracia no continente: Dilma Rousseff foi destituída do cargo de presidente pelo Parlamento após ser acusada de cometer as chamadas “pedaladas fiscais”. Durante a simbólica votação ocorrida em 17 de abril na Câmara dos Deputados, que abriu o caminho para o impeachment, o então deputado Jair Bolsonaro evocou o torturador Carlos Brilhante Ustra em seu voto pela deposição, com a intenção de exaltar a ditadura da qual Russeff havia sido vítima. Em 2018, o mesmo Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, alcançando um resultado considerado improvável há poucos anos. Um ano depois, na Bolívia, Evo Morales renunciou ao cargo de presidente, que ocupava há treze anos, diante da violência e convulsão social derivadas da denúncia de fraude eleitoral. Sua sucessora, Jeanini Áñez, assumiu numa sessão legislativa sem quórum e, recentemente, foi presa acusada de tramar um golpe de Estado. Todos esses eventos, ao que pesem suas particularidades, podem ser  apontados como exemplos de tensões nas democracias latino-americanas, mostrando que certas conquistas consideradas consolidadas após as transições democráticas das últimas décadas do século XX seguiam frágeis. Leia Mais

Intelectuais, revoluções e independências em um mundo em transição (séculos XIX-XX) / Intellèctus / 2020

Apesar da acepção da palavra intelectual ser relativamente recente na história mundial, ter surgido após meados do século XIX na Rússia, e cerca de cinquenta anos mais tarde aparecer na França com o termo intellectuelles, a existência de sujeitos que discutem ideias ou analisam criticamente a sociedade ultrapassa a época contemporânea e se estende por vários séculos.

Como afirmou Bobbio (1997), ainda que anteriormente tenham sido denominados sábios, filósofos, homens de letras, doutos ou literatos, os objetos por eles debatidos sempre existiram; por isso, a problemática dos intelectuais, e suas relações / atuações na sociedade, se trata de um tema antigo e perene. Utilizando-se ainda desse autor poderíamos defini-los de uma forma geral como “sujeitos a quem se atribui de fato ou de direito a tarefa específica de elaborar e transmitir conhecimentos, teorias, doutrinas, ideologias, concepções do mundo ou simples opiniões, que acabam por constituir as ideias ou os sistemas de ideias de uma determinada época e de uma determinada sociedade.” (BOBBIO, 1997: 110) Leia Mais

Intelectuais e cristianismo / Intellèctus / 2018

Como ao Judaísmo, que lhe deu origem, e ao Islã, alguns séculos mais jovem, ao Cristianismo é associada a expressão “religião do Livro”. Religião da palavra ou, para os fiéis, da Palavra inspirada; credo no qual, desde seus tempos primitivos, crer é também interpretar. Busca de sentido que se desdobra, fazendo-se, ela própria, discurso.

Busca de sentido que extrapola o debate sobre o Cânon bíblico e suas múltiplas interpretações. Procura de significado que visa obter adesões e consensos, criando também dissensos. Ponto particularmente polêmico é aquele que diz respeito aos papéis social e político da fé e dos fiéis. E o credo, petrificado em palavras, posto em movimento por discursos e práticas, “transborda”, como rio fervente, para a praça pública. Leia Mais

Intelectuais e a relação entre a Ibero-América e a Europa / Intellèctus / 2017

Neste número da revista apresentamos o dossiê Intelectuais e a relação entre a Ibero-América e a Europa. Uma vez mais objetiva-se publicar estudos sobre as reflexões produzidas pelos intelectuais ibero-americanos e em especial as que traduzem temas pertinentes aos laços culturais, à cooperação intelectual e o próprio significado bem como o impasse no tocante à História Intelectual. Afinal, a conformação de um campo de estudo e pesquisa sobre a história intelectual é recente. Muito possivelmente o desenho deste novo terreno esteja relacionado a uma renovação no campo da História das Ideias, ao qual a História dos Intelectuais está associada, bem como à História Política.

A história intelectual, bem como a história dos intelectuais, tem sido um campo de estudo que desde os finais do século XX e tem agregado um maior número de pesquisadores e se tornado objeto constante de pesquisas, estudos e teses. No Brasil, ao longo do decênio de 1990, tomou forma estudos no tocante à história dos conceitos bem como história intelectual na perspectiva dos autores franceses. Entre os principais expoentes desta nova historiografia francesa destacam-se Jean-François Sirinelli, Michel Winock y Roger Chartier. Em Portugal assiste-se desde então à configuração do campo de estudo mais específico dedicado à história intelectual, que em conjunto com a história cultural foi-se impondo ante à predominância da história social. Leia Mais

Intelectuais, Cultura e Modernismo / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2017

A temática deste dossiê nasceu de um projeto coletivo fruto das discussões de um Seminário entre docentes e discentes do Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, em colaboração com a Universidade Estadual de Goiás. O nosso objetivo foi o de propor reflexões em torno da figura do intelectual enquanto mediador cultural, destacando-se o seu papel na formação de importantes grupos literários no contexto das correntes modernistas brasileiras das primeiras décadas do século XX. Nessa perspectiva, buscamos ainda problematizar a categoria de intelectual e os seus desdobramentos no conjunto dos debates da História Cultural e das relações entre História, Literatura e Cinema. Somos gratos à acolhida da nossa proposta pelos editores da Revista Eletrônica História em Reflexão, os quais viabilizaram um espaço privilegiado para a publicação dos nossos textos.

Diante da aguda crise política vigente no país, evidenciada por uma polarização radical entre discursos tidos como de direita ou de esquerda e o avanço de um pensamento e práticas conservadoras, faz-se importante os debates em torno do papel dos intelectuais e dos meios de mediação cultural. A coletânea organizada por Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen (2016), Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política, traz uma importante contribuição acerca dessas questões e novos olhares no interior do debate historiográfico. Numa acepção mais ampla contemplada pelas autoras, os intelectuais são

[…] homens da produção de conhecimentos e comunicação de ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social. Sendo assim, tais sujeitos podem e devem ser tratados como atores estratégicos nas áreas da cultura e da política que se entrelaçam, não sem tensões, mas com distinções, ainda que historicamente ocupem posição de reconhecimento variável na vida social (2016, p. 10).

Uma dimensão importante no que concerne ao conceito de mediação cultural é o seu significado para a História Cultural, visto que a mesma busca compreender as operações de apreensão da realidade social a partir dos sentidos atribuídos pelos sujeitos. Nessa perspectiva, analisar as práticas de mediação torna-se estratégico para o entendimento das dinâmicas de circulação, comunicação e apropriação dos bens culturais, pois as mesmas envolvem mudanças de sentidos nas intenções de seus produtores (GOMES; HANSEN, 2016, pp.12-13).

A categoria de intelectual mediador permite ampliar a noção de redes de atuação desses sujeitos, pois tais homens “duplos”, segundo definição de Christophe Charle, assumem o papel de intermediadores, ao circularem entre os produtores da cultura e o público. Os mesmos servem como meio de passagem (passeurs) entre a cultura popular e a erudita, frequentemente analisadas como separadas, estabelecendo um elo fundamental na disseminação da novidade cultural (CHARLE, 1992, pp. 72-75). Algumas ocupações são emblemáticas nesse tipo de mediação, permitindo a aproximação entre os diferentes públicos e os bens culturais, tais como: tradutores, educadores e críticos de música, literatura, cinema, televisão, teatro e artes plásticas.

À luz disso, o conjunto de artigos selecionados para o dossiê contempla textos de docente e discentes de pós-graduação em História (mestrandos e doutorandos), com vistas a ampliar as possibilidades de debate acadêmico e dar maior visibilidade às pesquisas em andamento. Os três primeiros estabelecem uma discussão que amplia a reflexão em torno dos intelectuais mediadores, assim como das práticas de mediação cultural, e os dois últimos colocam em foco as relações entre História, Literatura, Cinema e Periódicos.

O texto de José Fábio Silva, Crítica literária e mediação cultural: Nestor Vítor e o seu papel na divulgação da obra de Cruz e Sousa, analisa o papel exercido pela crítica literária, com destaque para a produção de Nestor Vítor, na difusão e canonização da obra do poeta Cruz e Sousa na virada do século XIX para o século XX. Num primeiro momento, o autor recupera a trajetória intelectual do crítico literário e a sua atuação junto ao grupo de escritores simbolistas brasileiros. Dedica-se ainda a evidenciar a atuação de Vítor como mediador cultural, pois como crítico literário dedicou-se a publicar e disseminar a obra de Cruz e Sousa. Nesse percurso, destacou-se as querelas no meio literário em torno da recepção e rejeições à obra do poeta. Por último, recuperou-se o percurso de consolidação de Cruz e Sousa no cânone literário brasileiro, ao lado do legado de Vítor nesse processo e no campo da crítica literária.

Alex Fernandes Borges, no artigo O Historiador como Intelectual Mediador da Cultura, estabelece uma análise teórica acerca da possibilidade de se qualificar o historiador como um intelectual mediador, com base no conceito proposto pelos estudos de mediação cultural elaborados por Jesús Martín-Barbero e sistematizado no estudo de Ângela de Castro Gomes e Patrícia Hansen. Borges buscou pensar a figura do historiador – como um tipo ideal – à luz das concepções formuladas na teoria de Jörn Rüsen, problematizando-o como mediador cultural, bem como caracterizando-o como um criador de conteúdos e, também, um divulgador, um tradutor capaz de construir sínteses entre as carências de orientação difusas no campo da experiência política, sociocultural e econômica. Dessa maneira, o autor chega à ideia segundo a qual os historiadores propõem narrativas que permitem dar sentido ao agir e contribuem para a formação de identidades, utilizando-se de conhecimentos de sua área e dialogando interdisciplinarmente com todos os campos das chamadas Ciências Humanas, mediando ideais e projetos políticos.

O artigo de Karla de Souza Ferreira, Mediador Cultural ou Antropólogo do Mal: Bruce Albert e o caso de “A Queda do Céu”, propõe uma análise crítica sobre o fragmento “Postscriptum, quando eu é um outro (e vice-versa)”, apresentado na obra A Queda do céu: palavras de um xamã yanomami; livro pensado por um xamã yanomami, Davi Kopenawa, e produzido pelo etnólogo francês Bruce Albert. Souza Ferreira reflete acerca do processo de produção do livro, no qual dois universos culturais se encontram. Sob este prisma, apresenta-se uma produção literária indígena do povo Yanomami, cuja importância para a construção da História Indígena é fundamental, porém, trata-se de um trabalho produzido em coautoria entre personagens com diferentes formações culturais. Por esse motivo, a autora questiona o papel de Albert no processo de elaboração do livro – seria o mesmo um mediador cultural ou um “antropólogo do mal”? – visando estabelecer um cotejamento e reflexões acerca do ato tradutório e suas implicações, destacando-se os desafios e contribuições apresentadas nesse processo.

Por seu turno, Edson Mendes de Almeida no texto Um Tico para formar adultos estabelece uma discussão acerca da revista Tico-Tico, fundada em 1905 no Rio de Janeiro, realçando o seu papel no tocante à formação e educação do público infantil. A mesma era publicada como um Suplemento na revista O Malho, trazendo em seu conteúdo histórias em quadrinhos, lendas, contos, galeria de fotos dos leitores, além das seções do Dr. Sabetudo e das Lições do Vovô. A publicação foi pioneira no âmbito de se direcionar às crianças, enquanto veículo de mediação cultural, com a proposta de estimular o gosto pelo conhecimento e pela leitura. Em vista disso, Almeida selecionou o período 1920 a 1922 do periódico, com vistas a promover um diálogo com o movimento modernista referenciado na Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922.

Já no artigo intitulado Cinema Novo e sua relação com o Modernismo literário: reflexões sobre aspectos similares, o historiador Julierme Morais propõe uma discussão acerca da relação entre as matrizes culturais que aproximaram os movimentos do Cinema Novo e o Modernismo literário brasileiro, buscando explicitar como o movimento cinematográfico, evidenciado nos anos de 1960, apresenta algumas características similares ao movimento literário, cujo marco construiu-se em torno da Semana de Arte Moderna de 1922. Segundo Morais, a aproximação entre Modernismo e o Cinema Novo pode ser pensada a partir dos questionamentos e desconstrução da linguagem artística tradicional, conduzidos pelo desejo da invenção e de discutir o brasileiro. Esses movimentos buscavam, inspirados nas vanguardas europeias de suas respectivas épocas, uma autonomia no ato da criação, assim como a possibilidade de inventar um instrumental capaz de forjar uma expressão artística que pudesse ser considerada nacional.

Por fim, cabe ressaltar que somos gratos à acolhida da nossa proposta pelos editores da Revista Eletrônica História em Reflexão, os quais viabilizaram um espaço privilegiado para a publicação dos nossos textos. Nesta medida, esperamos que os temas analisados neste dossiê possam contribuir para a edição deste volume do periódico, que constitui um importante espaço de divulgação e diálogo acadêmico, com vistas a fomentar a produção do conhecimento histórico.

Referências

CHARLE, Cristophe. Le tempsdeshommes doublés. Revue d’ HistoireModerne et Contemporaine, n 39, pp. 73-85, jan. / mars. 1992. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2017.

GOMES, Ângela de C; HANSEN, Patrícia S. Apresentação. In: _______ (org). Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp. 7-37.

Luciana Lilian de Miranda – Professora Doutora (PPGH-UFG)

Julierme Morais – Professora Doutora (UEG).

Goiânia-Morrinhos, GO, setembro de 2017.


MIRANDA, Luciana Lilian de; MORAIS, Julierme. [Intelectuais, Cultura e Modernismo]. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 11, n. 21, jul. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais, Imprensa e Poder (II) / História.com / 2017

Apresentação [1]

A comunicação de massa tem um domínio sobre a pauta da opinião pública. Ela é um importante instrumento político para convencer a sociedade acerca da legitimidade da agenda de grupos organizados; tratando-se de um elemento que não pode ser negligenciado pelos historiadores dedicados ao estudo de diversos temas como: política, movimentos sociais, economia, dentre outros.

O Brasil, assim como outros países afetados pela crise econômica iniciada em 2008, tem sido palco de eventos como: manifestações, greves, ocupações, dentre outros. Tem havido uma profusão de fatos históricos e a imprensa tem sido um veículo de disputas de narrativas que contribui para sentirmos, cada vez mais, a necessidade de cruzarmos todos os discursos possíveis que apresentam diferentes leituras sobre os acontecimentos, sejam elas confirmando a agenda pautada pelos órgãos de imprensa tradicionais ou a questionando.

As redes sociais possibilitaram que não apenas os grandes grupos econômicos pudessem ter o monopólio sobre as notícias e a formação da opinião pública, mas que, também, intelectuais, trabalhadores, jovens, idosos, a direita, a esquerda, o centro, as feministas, os evangélicos e demais variedades de sujeitos sociais pudessem disputar a “voz do povo”.

E a imprensa e os intelectuais do passado? Como atuavam? Como pensavam? Como eram lidos? Como influenciavam? Como ecoavam? Como se posicionavam? Movidos por estas e demais questões que instigam os estudiosos investigadores das práticas e processos históricos, sociais e culturais, a Revista Discente História.com propôs o Dossiê Temático “Intelectuais, Imprensa e Poder”. (v. 4, n. 8, 2017). Como recebemos muitas propostas para a publicação e considerando os problemas que enfrentamos no início de 2017, resolvemos organizar com esses artigos e resenhas dois números. Tivemos a felicidade de recebermos trabalhos que analisaram de forma “problematizadora” a atuação dos veículos midiáticos e editoriais, bem como dos pensadores em diferentes contextos.

Luiz Mário Burity e Shirley Silva, com o texto “’As tuas horas de lazer, emprega-as no estudo’: a imprensa pedagógica enquanto suporte para a cultura educacional paraibana (1930-1945)”, analisaram experiências educativas que exploraram a imprensa paraibana como veículo de divulgação de uma proposta pedagógica para o estado da Paraíba entre 1930 e 1945.

Hugo Cavalcante, no artigo “Disputas entre a agricultura e a criação de gados no Cariri cearense da segunda metade do século XIX: o liberalismo de João Brígido e o jornal O Araripe”, problematizou os discursos do jornal cearense O Araripe quando este retratava processos criminais envolvendo as esferas econômico produtiva e do cotidiano.

Alex Guimarães, no texto “Sob a pena de Júlia: sociabilidades intelectuais, imprensa e poder no entresséculos (XIX-XX)”, analisou as ações e a produção intelectual de Júlia Lopes de Almeida, que atuou na imprensa e na literatura do Rio de Janeiro entre o final do século XIX e início do século XX.

Pedro Henrique Alves, no artigo “Archimínia Barreto: mulher, negra, protestante, intelectual”, apresenta a trajetória de uma intelectual negra, protestante e de origem pobre que rompia com os estereótipos da intelectualidade das últimas décadas do século XIX e das primeiras do XX.

Além dos trabalhos supracitados, não deixe de conferir as demais seções do atual número da revista: Artigos Livres, Resenhas e História na Sala de Aula. Eles também abrilhantam a contribuição deste periódico para com os debates da historiografia e áreas afins.

Boa Leitura!

Antonio Cleber da Conceição Lemos – Conselho Editorial. Mestre em História pela Universidade Federal de Sergipe. Correio eletrônico: cleberhist@hotmail.com

Nota

1. A caricatura de Rachel de Queiroz foi retirada do website Templo Cultural Delfos. Disponível em: http: / / www.elfikurten.com.br / 2012 / 11 / rachel-de-queiroz-dama-sertaneja-das.html?m=1 . Acesso em: 27 abr. 2018.


LEMOS, Antônio Cleber da Conceição. Apresentação. História.com. Cachoeira, v.4, n.8, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais, Imprensa e Poder (I) / História.com / 2017

É com muita satisfação que apresentamos ao leitor e leitora, o Dossiê Temático “Intelectuais, Imprensa e Poder” [1] (v. 4, n. 7, 2017) da Revista Eletrônica Discente História.com. No entanto, antes de qualquer coisa, queremos tornar público nosso pedido de desculpas pelos atrasos involuntários que ocorreram para finalizarmos a primeira edição de 2017.

É difícil fazer funcionar adequadamente uma revista no Brasil, mesmo online, pois existem vários imprevistos e problemas que podem acontecer, especialmente no caso dos integrantes do Conselho Editorial deste periódico. Quando criamos a revista em 2012, ainda éramos todos estudantes do curso de graduação em História do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Hoje, a maioria dos editores já cursou ou está cursando o mestrado e doutorado em Instituições de Ensino Superior (IES) do país. Infelizmente, não conseguimos voluntários para continuar a empreitada, por isso tivemos que continuar o trabalho, nós mesmos, sem acréscimos no corpo funcional estruturante ou suporte pessoal adicional, o que sobrecarrega demasiadamente o grupo fundador de idealizadores deste projeto. Mas, como dar conta das diversas demandas de uma revista acadêmica, sendo estudante de pós-graduação? Como cuidar da revista e ter que, ao mesmo tempo, cursar disciplinas, pesquisar e escrever a dissertação, desenvolver relatórios de pesquisa e qualificação? Estes foram alguns dos dilemas que tivemos que enfrentar entre 2014 e 2018.

O mais importante é que não deixamos o projeto esmorecer. Continuamos um projeto que foi idealizado por cinco estudantes da graduação (Adalton Barbosa, Antonio Cleber Lemos, Elias Santos, Geferson Santana e João Paulo do Carmo), chegamos a alcançar a nota B3 no Qualis Capes, mas obtivemos a nota máxima B4 (Interdisciplinar) na última avaliação (2013-2016) conforme demonstra a plataforma Sucupira. Queremos que a revista continue sendo um espaço de publicação dos artigos e resenhas de estudantes de graduação, graduados, mestres e doutores de todas as instituições do país. Num cenário cada vez mais hierarquizado entre as revistas, onde estudantes de pós-graduação (mestrando e doutorandos) não podem publicar nas seções principais (Artigo Livre e Dossiê Temático), mas apenas nas chamadas “Notas de Pesquisa”. Então, queremos que a Revista Eletrônica Discente História.com continue sendo um espaço de tratamento isonômico entre todos os pesquisadores e pesquisadoras que busquem um espaço democrático de divulgação de suas pesquisas.

Aproveitamos ainda para informar que estamos dando uma cara nova para a diagramação das capas, apresentações, artigos e resenhas. Queremos adequar nosso periódico o máximo possível aos critérios estabelecidos pela área de História do Qualis CAPES. No entanto, não vamos abrir mão de alguns elementos como a não exigência de “resumo” em uma segunda língua, entendemos que nem todas as universidades oferecem cursos de línguas estrangeiras, e que nem todos os estudantes, especialmente os de graduação, ingressam dentro das mesmas condições. Não queremos dizer que o estudante não possa aprender uma língua estrangeira de maneira autodidata, mas também entendemos que nem todos conseguem, devido à desigualdade que impera no sistema de ensino brasileiro, desencadeado pelo fosso socioeconômico imposto e vigente nesse país…

Mas, voltando à proposta de apresentação do Dossiê Temático intitulado “Intelectuais, Imprensa e Poder”, contamos com a colaboração do autor Lucas Bento Pugliesi denominada de “A categoria „índio‟ nos periódicos oitocentistas da Faculdade de Direito de São Paulo”, onde o autor faz uma análise dos discursos dos intelectuais da Faculdade de Direito de São Paulo entorno dos corpos e da categoria “índio”, conforme está expresso no título do artigo. É também interessante notar, as diversas fontes usadas por Pugliesi, demonstrando que aqueles discursos “espera-se refletir como pensamento desses atores sociais que no momento ulterior assumiriam as mais variadas posições na burocracia do Império veio a impactar e responder a questões políticas coevas no que tange a legislação sobre o aldeamento indígena”, diz Pugliesi.

O artigo de autoria de Paulo Alves Pereira Júnior, intitulado de “A cobertura do caso Castro Malta pelo jornal O Paiz e a difusão do ideário republicano no Segundo Império”, vem apresentar e refletir sobre o cenário de crescimento dos periódicos que faziam circular, no país, o ideário republicano. Neste artigo, o leitor encontrará uma excelente análise histórica sobre o desaparecimento de Castro Malta, que foi reportado nas páginas do periódico O Paiz, sem perder de vistas o objetivo de entender as estratégias usadas pelo II Império para fazer circular suas ideias.

Em “Defendendo os interesses pátrios contra os inimigos do Brasil: nacionalismo e educação através do jornal Correio de São Leopoldo (São Leopoldo / RS, 1938-1943)” de autoria do professor Rodrigo Luis dos Santos, tem-se o objetivo de “analisar a interação entre os campos político e intelectual através da imprensa, a partir de um estudo de caso que tem como local o município sul-rio-grandense de São Leopoldo, durante o período mais intenso do regime do Estado Novo, durante os anos de 1938 e 1943”. A proposta da investigação é analisar a atuação intelectual de Carlos de Souza Moraes, no jornal Correio de São Leopoldo, dando especial atenção às suas ideias nacionalistas e aos discursos sobre determinadas raças e grupos étnico-raciais.

Elegemos o artigo “„Opção pelos pobres ou neoconstantinismo às avessas?‟: A imprensa que desvela os desencontros político-eclesiais entre intelectuais da igreja católica no Nordeste brasileiro (1965-1979)” de Osnar Gomes dos Santos para fechar o dossiê. Conforme Santos, a pesquisa “tem por objetivo tratar das disposições político-eclesiais da Igreja Católica, no Nordeste brasileiro, que emergiram na discussão acerca da „opção preferencial pelos pobres‟, encetada em fins dos anos 1960”. O autor faz uso de diversas fontes para entender como os religiosos exerciam suas funções intelectuais no referido recorte temporal da pesquisa, e como seus discursos influenciaram a sociedade – e o próprio Estado – sobre determinadas questões.

Também queremos convidá-los a visitar as seções Artigo Livre, História na Sala de Aula e Resenha. Apesar de todos os problemas que enfrentamos ao longo de 2017 e início de 2018, fizemos um esforço, junto aos pareceristas que nos auxiliaram durante a edição, para selecionar bons artigos e resenhas de pesquisadores graduados, graduandos, mestres, mestrandos, doutores e doutorandos de diversas IES do país.

Vida longa à Revista Eletrônica Discente História.com!

Boa leitura!

Nota

1. A caricatura do escritor baiano Jorge Amado que consta na capa da presente edição é de autoria de Tiago. Disponível em: https: / / br.pinterest.com / pin / 333759022358129191 . Acesso em: 23 mar. 2018.

Geferson Santana – Editor Gerente. Mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP / FAPESP). Correio eletrônico: santanageferson@gmail.com.


SANTANA, Geferson. Apresentação. História.com. Cachoeira, v.4, n.7, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Liberalismo: intelectuais e instituições no Brasil / Faces de Clio / 2017

A 5ª edição da revista Faces de Clio, publicação discente vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, possui como dossiê temático Liberalismo: intelectuais e instituições no Brasil. Congrega-se, nesta publicação, pesquisadores que trabalham o arcabouço político e ideológico liberal em diversas variantes e diferentes contextos históricos. A proposta é pensar formas de atuação de intelectuais que compartilharam desse aporte ideológico, bem como a aplicação dessas ideias em instituições brasileiras.

Contamos, nesta publicação, com a colaboração de doutores, doutorandos e mestres, formados em diferentes universidades do país nos cursos de História, Ciência Política e Artes Cênicas, o que demonstra a interação e divulgação do conhecimento que perpassa a revista. Formam o dossiê três artigos que se referem ao contexto do século XIX, e três que tratam do século XX. Há, também, quatro artigos livres.

Frederico Antônio Ferreira analisa a atuação do consulado brasileiro em Luanda entre as décadas de 1850 e 1860, no combate ao tráfico de pessoas escravizadas com vistas à construção de um Brasil “civilizado”. Outro estudo sobre escravidão no século XIX é o artigo de Wender Souza, que compreende a chamada “acomodação de ideias” no Brasil, pensando, dessa forma, as ideias econômicas liberais e a forma segundo a qual essas ideias refletiram nos assuntos políticos, especificamente no que se refere à instituição da escravidão.

Ainda sobre o oitocentos, contamos com o artigo de Estevão de Melo Marcondes Luz, que analisa o periódico O Homem Social, publicado na cidade de Mariana, entre os anos de 1832 e 1833. O livro é um material importante para a compreensão de diversas manifestações liberais no Brasil do século XIX, como a liberdade de imprensa e a construção de uma esfera pública.

Sobre o século XX, contamos com o artigo de Camila Oliveira do Valle. Ela aborda os “Três Poderes”, de acordo com autores como John Locke, Montesquieu, Hamilton, Madison e Jay, sob a ideia de que houve combinação de poderes – que interagem entre si – influenciando a concepção da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Juliana Martins Alves, por sua vez, trabalha o Manifesto Mineiro de 1943 como um documento representativo do fracionamento das elites no Brasil nesse contexto histórico, diante das discussões sobre o Estado autoritário-corporativo e sobre o projeto político do Estado Novo.

Ademais, há o trabalho de Lívia Freitas Pinto Silva Soares, no qual a autora analisa as propostas e os diagnósticos dos agentes que organizaram e geriram a assistência social na cidade do Rio de Janeiro, com o propósito de recuperar os modelos institucionais de amparo social e avaliar as práticas médico-assistenciais que se destacaram durante os primeiros anos do século XX no Brasil.

Esta edição também contempla trabalhos que não se referem à temática do dossiê, e que estão classificados como artigos livres. Nessa seção, a pesquisadora Camila Silva Gonçalves Figueiredo analisa, em seu artigo, o processo de monitoramento realizado pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), instituição de caráter estatal que controlava, entre outros elementos, os movimentos políticos de esquerda no país. Por meio dessa análise, a pesquisadora apresenta uma visão do Estado sobre esses investigados.

Emilla Grizende Garcia aborda, em seu trabalho, aspectos teórico-metodológicos presentes na telenovela O Bem Amado, veiculada pela Rede Globo de Televisão, considerando a potencialidade desse produto cultural como fonte histórica de destacada importância. Como exemplo, têm-se a possibilidade de conhecimento sobre contextos políticos e culturais brasileiros.

Gustavo Oliveira Fonseca busca compreender o desenvolvimento da malha urbana na vila de São Bento do Tamanduá (atualmente conhecida como Itapecerica, Minas Gerais) entre os séculos XVIII e XIX. Para isso, analisa registros administrativos produzidos pelas atividades da Igreja Católica, além de outras instituições, como as associações devocionais leigas. Thiago Herzog analisa a obra Panorama do Teatro Brasileiro, de Sábato Magaldi, para compreender relações de força e poder presentes nesse campo da dramaturgia, como estratégias, disputas, entre outros fatores.

Agradecemos imensamente pela equipe multidisciplinar, formada por colegas dedicados e competentes em suas atribuições, que contribuiu para que esta edição fosse publicada.

Agradecemos, também, aos pesquisadores que confiaram seus trabalhos à revista, promovendo a divulgação científica no meio acadêmico.

Ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, nosso agradecimento pelo apoio e divulgação.

Boa leitura a todos!

Janeiro de 2017

Leonardo Bassoli

Angelo Flavia Salles Ferro


BASSOLI, Leonardo; FERRO, Angelo Flavia Salles. Editorial. Faces de Clio, Juiz de Fora, v.3, n.5, jan. / jun., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Livros, bibliotecas e intelectuais no mundo ibero-americano (séculos XVI ao XX) / História (Unesp) / 2017

O passado esquecido e o presente trágico

O presente número da revista História (São Paulo) está constituído por dois dossiês, vários artigos livres e resenhas de importância inequívoca para o enriquecimento da discussão historiográfica do Brasil e também no âmbito internacional.

O dossiê 1, foi organizado pelo professor Paulo Gonçalves da UNESP – Campus de Assis, sobre o título Movimentos migratórios no mundo Atlântico, séculos XIX e XX. É evidente a atualidade do fenômeno migratório, cada vez mais desafiador, dos grandes deslocamentos populacionais, vítimas de graves crises econômicas, guerras ou genocídio étnico em seus países. Não é preciso retroceder aos horrores do genocídio étnico realizado pelo Império Turco Otomano aos armênios ocorrido durante a Primeira Grande Guerra e nem mesmo ao massacre de Ruanda ocorrido em 1994 (PRUNER, 1999) ou ao holocausto ocorrido na Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Basta atentarmos para o conflito interno da Síria iniciado em 2011 que tem gerado uma enorme onda migratória de sírios e árabes, sem paralelo na história do Continente, desde a Segunda Guerra Mundial. Ou para o genocídio étnico dos rohingya em Myanmar, país budista liderado pela Nobel da Paz Suu Kyi que se escancara aos olhos dos organismos internacionais sem que nada de significativo aconteça. O presente dossiê propõe uma volta ao passado, discutindo os movimentos migratórios dos séculos XIX e XX com vistas à compreensão das catástrofes que estamos vivendo no século XXI. O passado tem que ser sempre lembrado para que os dramas contemporâneos não se transformem em banalidades que não afetam a sensibilidade dos governos, dos organismos internacionais e de nós mesmos. É assim que entendemos Hobsbawm quando diz que o ofício dos historiadores é cada vez mais importante, pois cabe a ele lembrar o que os outros esquecem (HOBSBAWM, p. 13).

É sob esta perspectiva que foram reunidos aqui artigos que discutem diferentes aspectos de grupos e indivíduos e suas experiências no plano das migrações transoceânicas. Os artigos aqui elencados evocam temas bastante atuais de investigação através enfoques teóricos e metodológicos diversos. Aqui são tratados temas relativos às desesperanças e frustrações de imigrantes das mais diversas partes do mundo ao chegarem ao Brasil e em outros países, e constatarem que nada do que lhes foi prometido era realidade. Em suas sociedades de adoção tiveram que se submeter à condição de trabalhadores semelhantes aos escravos africanos, enfrentando preconceitos e imensas dificuldades de inserção social. O tráfico de mulheres brancas para fins de prostituição também compõe este quadro de degradação humana. Um dos artigos aqui apresentado discute tal fenômeno delimitando o espaço temporal de fins do século XIX a inícios do século XX, mas sua autora adverte que experiências dessa natureza não se encerram no passado, mas se fazem sempre presente nos deslocamentos de massa que caracterizam a época contemporânea.

O professor André Figueiredo Rodrigues, da UNESP – Campus de Assis e o professor Germán A. de la Reza, da Universidade Autônoma Metropolitana do México foram os organizadores do dossiê 2, que abrigou artigos abordando o tema Livros, bibliotecas e intelectuais no mundo ibero-americano (séculos XVI ao XX). A temática proposta pelo dossiê atraiu a atenção de estudiosos nacionais e internacionais que abordam o assunto sob os mais variados aspectos. Recebemos artigos sobre a história, a posse de livros e as práticas de leitura no mundo Ibero-Americano que circularam nos dois lados do Atlântico e mesmo dentro do continente americano entre os séculos XVI e XIX.

A materialidade e a discursividade de autores e suas obras, acervos bibliográficos e documentais, a historiografia do livro no universo colonial, hábitos de leitura e informações e discussões sobre as fontes disponíveis foram alguns dos temas explorados pelos artigos publicados no dossiê. Ressalte-se a discussão sobre a metodologia de análise e interpretação de fontes documentais sobre os participantes do Movimento da Inconfidência Mineira e da Insurreição Pernambucana de 1817, desenvolvidas em seus artigos pelos professores André Figueiredo e Luiz Carlos Villalta,respectivamente. Mas estes são apenas dois exemplos dos trabalhos que discutiram com densidade e profundidade a proposta do dossiê.

Enfim, nas leituras dos artigos do dossiê 2 podemos encontrar discussões instigantes a respeito das práticas de leituras em suas diversas modalidades, ou seja, podemos constatar uma coleção indefinida de experiências de leitura enquanto liberdade interpretativa e enquanto prática criativa autônoma dos indivíduos (CHARTIER, p. 121-139).

Por fim, os artigos livres publicados por esta revista neste número são variados em seus tratos teóricos, metodológicos e temáticos. Deixamos aos leitores fazer sua própria apreciação ao invés de falarmos sobre cada um deles.

Queremos tributar nossos sinceros agradecimentos aos professores que organizaram os dossiês, aos pareceristas que não hesitaram em dar suas contribuições para que a revista preserve a boa qualidade oferecida aos leitores e aos autores que deram preferência à revista História (São Paulo) para a divulgação de seus trabalhos.

Referências

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel, 1990. [ Links ]

PRUNER, Gérard. The Rwanda Crisis History of a Genocide. 2. Ed. Kamplala Fountain Publishers Limited, 1999. [ Links ]

HOBSBAWM, Eric. A Era dos extremos. O breve século XX, 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. [ Links ]

José Carlos Barreiro 

Ricardo Alexandre Ferreira

Editores 


BARREIRO, José Carlos; FERREIRA, Ricardo Alexandre. Apresentação [O passado esquecido e o presente trágico]. História (São Paulo), Franca, v.36, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais e questão nacional no mundo ibero-americano / Intellèctus / 2016

A participação de letrados e intelectuais na vida política da Ibero-América tem se intensificado desde o início da denominada “era moderna”. Na península ibérica os intelectuais precisaram se deparar com os contrastes provenientes de uma nova ordenação do mundo que a pouco e pouco substituía a ordem vigente por uma outra caracterizada pelo advento e fixação de valores como: individualismo, laicismo, mercado, parlamentarismo e economia industrial. A pouco e pouco o mundo existente foi sendo reordenado em direção ao que Weber denominou o progressivo desencanto do mundo. Na Ibero-América o processo de ruptura do estatuto colonial levou os letrados a se debruçarem sobre os formatos políticos e culturais dos novos países que se formavam, herdeiros da cultura barroca característica da Península Ibérica. Engenharia política, economia, atraso, decadência, progresso, identidade foram temas que se tornaram constante na reflexão dos intelectuais ibero-americanos ao longo dos séculos XIX e XX. Já na Península Ibérica temas como atraso, progresso, decadência, aliados a questões de natureza política, como forma de governo, fizeram com que intelectuais portugueses e espanhóis produzissem análises indicando caminhos para mudanças mais ou menos radicais. Leia Mais

América Latina no Século XX: intelectuais, disputas políticas e representações do poder / Outros Tempos / 2016

Neste volume a revista Outros Tempos incluí o dossiê intitulado América Latina no Século XX: intelectuais, disputas políticas e representações do poder, que reúne análises especializadas sobre a história política e o patrimônio histórico do continente produzidas por pesquisadores brasileiros e hispano-americanos. Os artigos abordam temas diversificados a partir de problemáticas, métodos e documentação originais e em estreito diálogo com as perspectivas da história política renovada.

Em Uma nação de estrangeiros: a imigração na Revista de Derecho, Historia y Letras, Camila Bueno Grejo analisa como um setor da elite política e intelectual argentina tratou da questão da imigração no contexto dos debates pela definição da nacionalidade. Em seguida, Maria Antonia Dias Martins, no texto intitulado Jesús Silva Herzog: um intelectual entre o estado e a cultura, analisa a trajetória do economista mexicano Jesús Silva Herzog, enfatizando sua relação com o Estado e sua participação na criação de revistas e da editora Fondo de Cultura Económica. As duas análises trabalham na perspectiva da história dos intelectuais e contribuem com o mapeamento de espaços de sociabilidade e atuação política e cultural dos intelectuais latino-americanos na primeira metade do século XX.

Os historiadores Rolando Alvarez e Verónica Valdivia revisitam um tema fundamental da historiografia contemporânea do Chile: a questão da solidez democrática do país. No texto Repressão ou democratização? A classe dominante chilena frente a crise da dominação oligárquica (1918-1927), Rolando Álvarez aborda o contexto da crise do sistema oligárquico em Iquique, cidade de forte tradição operária localizada ao norte do país. O autor demonstra como os setores dominantes encontraram maneiras para utilizar a violência contra o movimento operários por meio de um sistema político baseado em uma paradoxal relação entre repressão e democratização. Em Subversão e coerção: Esquerdas e direitas nos inícios da democracia chilena do século XX, Verónica Valdivia problematiza a tese da democratização do Chile reavaliando o posicionamento das organizações operárias e de grupos liberais e conservadores a respeito dos direitos sociais e da coerção estatal.

Os artigos de Mayra Coan Lago e Fábio da Silva Sousa analisam as representações dos trabalhadores e o posicionamento de suas organizações sobre os acontecimentos internacionais da primeira metade do século XX. No texto intitulado Revisitando o mundo feliz: um estudo das múltiplas imagens sobre os trabalhadores no Primeiro Peronismo (1946-1955), Mayra Coan Lago demonstra como os discursos políticos de Juan Domingo Perón e de Evita Perón tentaram consolidar determinadas representações dos trabalhadores argentinos com o objetivo de aprofundar a aproximação do governo com esse setor social. Fábio da Silva Sousa, no texto Um cigarro para um amigo: a guerra civil espanhola na imprensa comunista mexicana, explora a visão do jornal comunista mexicano El Machete sobre a Guerra Civil espanhola (1936-1939), proporcionando elementos para a compreensão do impacto desse acontecimento europeu nos discursos e concepções políticas dos partidos comunistas da América Latina.

Por último, o artigo de María Laura Gili, Considerações sobre herança em Villa Nueva (Córdoba-Argentina) em termos de legados sociais, apresenta os resultados de uma pesquisa coletiva e interdisciplinar sobre o potencial cultural da cidade histórica Villa Nueva, localizada na província de Córdoba na Argentina. Trata-se de um trabalho pautado nos métodos da história oral e no diálogo entre história e antropologia, cujo objetivo central é dar visibilidade a determinadas heranças sociais identificadas na cidade e, assim, redimensionar seu valor histórico-cultural.

O presente volume conta ainda com os seguintes artigos livres: “Sem educação não há missão”: a introdução da formação jesuítica no Maranhão e Grão-Pará (Século XVII), de Karl Heinz Arenz; Elogio, imperialismo e dissimulação: os relatos franceses e a natureza brasileira no século XIX, de Luís Fernando Tosta Barbato; O Partido Conservador na província do Paraná: composição social, conflitos internos e transição de comando político em dois diretórios partidários (Curitiba e Paranaguá, 1876-1879), de Sandro Aramis Richter Gomes; Espectros de lutadores: história, memória e imprensa em Sobral / CE no início do século XX, de Jorge Luiz Ferreira Lima; e A invenção do Eldorado maranhense em narrativas de migrantes nordestinos (1930-1970): aportes teóricos metodológicos, de Márcia Milena Galdez Ferreira.

Além dos artigos e integrando a temática do dossiê, publicamos uma entrevista realizada pelas professoras Carine Dalmás e Elisa de Campos Borges com o professor Paulo Eduardo Dias de Mello sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o ensino de História das Américas. Em seguida, apresentamos a proposta de análise documental “Pobre del cantor que no se imponga con su canción”: conexões transnacionais no álbum Trópicos, de Daniel Viglietti (1973), de Caio de Souza Gomes. E, por fim, as resenhas intituladas Transnacionalidad y contactos culturales en una historia de edición: el libro judío en Buenos Aires (Paulina Iglesias) e A história da América Latina sob perspectiva crítica (Romilda Costa Motta)..

Boa leitura!

Carine Dalmás

Elisa de Campos Borges


DALMÁS, Carine; BORGES, Elisa de Campos. [América Latina no Século XX: intelectuais, disputas políticas e representações do poder]. Outros Tempos, Maranhão, v. 13, n. 21, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais e cidade / Intellèctus / 2015

A Revista Intellectus vem sendo publicada ininterruptamente há quatorze anos, desde o seu primeiro número, em maio de 2002, fruto de um denodado trabalho realizado pela Professora Maria Emilia Prado, Titular de História do Brasil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Contando com a colaboração de historiadores e pesquisadores das mais diversas áreas de Ciências Humanas da América Latina, Portugal e Espanha, a Intellectus vem, desde então, apresentando uma clara vocação para a discussão acerca dos intelectuais, sobretudo no que tange a sua atuação política, projetos e ideias. Poderíamos dizer que essa proposta está no DNA da revista e, como tal, vem se afigurando como a sua característica mais marcante nesses 14 anos de presença na vida acadêmica brasileira.

Em acréscimo a essa vocação, o dossiê temático que ora apresentamos vem adicionar o tema das cidades àquele dos intelectuais e, assim, enriquecê-lo, posto que insere um agente que atua de maneira pró-ativa na composição dos formuladores de ideias, objeto maior de análise da revista. Assim, temos aqui a cidade não somente como cenário, como palco de atuações sociais e construção de ideias e conceitos por um grupo de indivíduos ilustrados, mas antes como sujeito que porta uma historicidade toda idiossincrática, e que atua na própria composição de uma coletividade e de suas ideias. Leia Mais

Intelectuais e educação na América Latina / Intellèctus / 2015

A melhor astúcia do demônio é nos persuadir que ele não existe.

Charles Baudelaire

Por vezes, recebemos em nossa trajetória de vida presentes. Presentes que na vida acadêmica estão cada vez mais raros. Alguns deles alegram nossas almas, revigoram nossas esperanças, potencializam o nosso caminhar pessoal e profissional e, porque não, sensível. Este presente, o qual muito nos alegrou, nos foi ofertado pela professora Maria Emilia Prado, líder do Grpesq / CNPq Intelectuais e Poder no Mundo Ibero-Americano: coordenar o dossiê “ Intelectuais e Educação na América Latina”.

Chartier nos alertará que a escrita de um livro possui a intencionalidade de quem o escreve, produz efeitos para quem o livro é escrito – seus possíveis leitores -, sua circulação, e as diversas maneiras como é apropriado, muitas vezes, produzem outras intencionalidades dentre as quais a do autor é mais uma. “Cada leitor, a partir de suas próprias referências, individuais ou sociais, históricas ou existenciais, dá um sentido mais ou menos singular, mais ou menos partilhado, aos textos de que se apropriar” (2002: 20). Leia Mais

Intelectuais, ciência e modernidade / Intellèctus / 2014

A revista Intellèctus (Uerj), em seu segundo número do volume XIII, dá início a uma nova fase de seu projeto editorial, passando a incluir dossiês temáticos organizados por especialistas convidados, como este que temos o prazer de apresentar sobre o tema “Intelectuais, ciência e modernidade”.

Os artigos que reunimos trazem resultados de pesquisas originais, vinculadas às distintas matrizes no campo da história intelectual, na sua especial interface com a história da ciência. Voltam-se a temáticas como a circulação de ideias e saberes – por meio da formação de redes de interlocução, leituras e correspondência entre intelectuais –, e o surgimento dos espaços formais e informais a partir dos quais, no Brasil e no espaço ibero-americano, de modo mais amplo, se constituíram os campos científicos na modernidade. Leia Mais

Intelectuais e Estado Brasileiro | Escrita da História | 2014-2015

A organização burocrática situa-o, protege-o, melancoliza-o e inspira-o”.1

Foi utilizando essas palavras que Carlos Drummond de Andrade justificou a relação entre os intelectuais e o Estado. Atuar no funcionalismo público, além de ser um resguardo financeiro, na concepção de Drummond, eliminaria os cuidados imediatos e não abriria perspectivas “de ócio absoluto”. Ainda que concordássemos com as assertivas do poeta, já é sabido que o relacionamento entre os homens de ideias e o aparelho estatal foi e continua sendo complexo. Muitos consideram essa relação como cooptação, outros apenas como um jogo de interesses, mas o fato é que ela movimenta pesquisadores do passado e da atualidade.

No âmbito dessas questões, novamente a Revista Escrita da História (REH) se apresenta como sendo um canal de discussões por meio do qual são expostos trabalhos acadêmicos oriundos de análises e pesquisas que têm por objetivo refletir acerca do “fazer científico” da História. O segundo dossiê do periódico tem a intenção de promover o debate a respeito da relação intelectuais e Estado, destacando novas perspectivas sobre o tema que nesta edição tem em comum a atuação dos intelectuais-funcionários na promoção da edição de livros, ou seja, o processo de monumentalização da História e da memória através de suas publicações.

Embora tenham a ação editorial como uma questão comum, os artigos que compõem o Dossiê “Intelectuais e Estado brasileiro” têm suas particularidades. Sendo assim, abrimos nosso segundo número com a ampliação de perspectivas comparativas, pois no artigo de Nuno Medeiros, da Universidade Nova de Lisboa, o autor explicita, para o caso de um exemplo do outro lado do Atlântico, a duplicidade de maneiras pelas quais o governo português atuou quando da publicação de livros durante o regime do Estado Novo. O pesquisador apresenta de que forma a ditadura impôs regras que cercearam a edição de livros e, ao mesmo tempo, incentivou uma “literatura oficial” do próprio Estado.

No âmbito brasileiro, André de Lemos Freixo, professor da Universidade Federal de Ouro Preto, apresenta-nos um artigo realizado a partir dos trabalhos do intelectual José Honório Rodrigues na publicação da coleção “Documentos Históricos” da Biblioteca Nacional entre os anos 1946-1953. A indagação do professor procura abranger a produção de memória dos intelectuais enquanto agentes em instituições de preservação e difusão cultural. Para isso adota as reflexões de Paul Ricœur, Jan e Aleida Assmann e de alguns representantes que considera como uma “terceira onda” de estudos da memória.

Com uma reflexão também sobre a memória, a doutoranda Maria Claudia Cavalcante, da Universidade Federal de Pernambuco, propõe um debate a partir da análise dos livros Presença na política (1958) e Depois da política (1960), ambos de Gilberto Amado. Segundo a autora, por meio dessa leitura é possível discutir as imagens construídas pela literatura memorialística de Gilberto Amado acerca de sua participação política e movimentação intelectual.

Por fim, mas não menos importante, temos o trabalho de Paula Rejane Fernandes, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a respeito da coleção Mossoroense criada por Jerônimo Vingt-un Rosado Maia. Essa coleção tinha a finalidade de promover práticas culturais na cidade de Mossoró e também o propósito de construir uma memória para a cidade e seu lugar de destaque no meio intelectual. Além disso, Fernandes destaca de que maneira as relações entre Rosado Maia e políticos influentes nos anos 1960-70, tais como Ney Braga e Jarbas Passarinho, foram importantes para a publicação dos livros do projeto.

Na seção de artigos livres contamos com a colaboração de vários jovens pesquisadores, membros das mais diversas instituições de ensino do país e com propostas de trabalho inovadoras. Temos os artigos de: Diego Ramos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Nittina Botaro, da Universidade Federal de Juiz de Fora; e Endryws Felipe Souza de Moura, da Universidade Federal de Campina Grande. Além desta seção, nesta edição contamos com uma entrevista inédita oferecida pelo professor Renán Silva, da Universidad de Los Andes (Colômbia), na qual discute os novos desafios enfrentados pelo historiador no século XXI.

E assim concluímos mais um número desejosos de que todos os leitores e leitoras façam excelentes reflexões a partir do material da mais nova edição da REH.

Atenciosamente,

Nota

1 DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos apud MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979, p. 129.


Organizadora

Mariana Rodrigues Tavares


Referências desta apresentação

TAVARES, Mariana Rodrigues. Apresentação. Escrita da História, v.1, n.2, p.10-12, out./mar. 2014-2015. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais e circulação de ideias na América Latina / Varia História / 2014

O presente dossiê de Varia Historia é dedicado à História Intelectual Latino-Americana, com ênfase na história dos impressos, das ideias e de sua circulação.

A História Intelectual é um campo de estudos que vem crescendo nas universidades e instituições de pesquisa latino-americanas, particularmente a partir dos anos 1980 e 1990, juntamente com os processos de redemocratização em vários países do continente e a necessidade de se repensar o papel dos intelectuais na vida política e social de cada um dos países e na América Latina como um todo.

O importante ensaísta e crítico literário uruguaio Ángel Rama já havia, em seu famoso livro La ciudad letrada, de 1984, indicado alguns caminhos que seriam percorridos pela história intelectual latino-americana nas décadas seguintes, particularmente sobre as vinculações entre os intelectuais e os núcleos urbanos de poder.[1]

Conforme Carlos Altamirano, em sua introdução geral aos dois volumes da Historia de los intelectuales en América Latina, além das ideias, era necessário aprofundar a reflexão sobre a posição dos letrados latino-americanos no “espaço social, suas associações e formas de atividade, instituições e campos da vida intelectual, seus debates e relações entre ‘poder secular’ e ‘poder espiritual'”.[2]

Os estudos na área de História Intelectual, em um sentido amplo, têm como seus objetos de pesquisa e reflexão não apenas a história do pensamento e o debate de ideias e ideologias, mas questões como a constituição de redes e sociabilidades intelectuais; os variados tipos de impressos, sua circulação e articulação com o debate público; as viagens e intercâmbios; as experiências de exílio e deslocamento etc. São estudos que buscam analisar as conexões entre os intelectuais e as diversas instâncias da vida pública, como a política, a diplomacia, os meios de comunicação, as instituições educativas e científicas, as expressões artísticas, associações e movimentos sociais, entre outras.

Na América Latina, as pesquisas nessa área tiveram um incremento muito vigoroso a partir dos anos 1990. A criação do Programa de História Intelectual da Universidad Nacional de Quilmes, na Argentina, em 1994,[3] e a publicação de Prismas – Revista de historia intelectual pela editora da UNQ, desde 1997, são marcos importantes para essa área de estudos. Em vários países latino-americanos – com destaque para Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai – é crescente o número de pesquisadores e trabalhos publicados na área de História Intelectual. Esse aumento teve, como um de seus desdobramentos, a realização do I Congreso de Historia Intelectual de América Latina, em Medellín, Colômbia, em setembro de 2012, e o II Congreso de Historia Intelectual de América Latina, que será realizado em Buenos Aires, em novembro deste ano.

O dossiê que ora apresentamos traz cinco artigos que abordam algumas das temáticas elencadas acima: o debate de ideias e sua circulação entre países e continentes; os periódicos, sua importância e repercussão; as trajetórias e inserção de intelectuais na cena pública.

Abrindo o dossiê, Maria Ligia Coelho Prado analisa os artigos publicados a respeito do México na famosa publicação francesa Revue des Deux Mondes, entre 1840 e 1870. A revista, muito lida pelos intelectuais latino-americanos, expressava, como demonstra a autora, os interesses nacionais e a perspectiva imperial da França. De todos os países latino-americanos abordados pela Revue, o México foi o objeto predileto das reflexões do periódico, no período estudado, em cerca de 30 artigos. Os intelectuais franceses que escreveram na Revue defendiam que seu país deveria ocupar um papel de liderança do “mundo latino”. O México era representado, nesses artigos, como um país “exótico, atrasado, anárquico, vivendo nos tempos de Felipe II”. E, como lembra Prado, durante o governo de Napoleão III, os franceses colocaram em prática esta perspectiva, ao enviar tropas para sustentar a monarquia no México, numa intervenção, afinal, derrotada pelos liberais mexicanos. Sendo assim, o artigo de Ligia Prado traz elementos para uma melhor compreensão de um aspecto pouco salientado da ação francesa na América Latina no século XIX, seu papel imperial, para além do lugar da França – e de Paris, especialmente – como o principal centro intelectual, literário e cultural, para onde convergiam, ou desejavam convergir, os intelectuais latino-americanos.

José Luis Bendicho Beired, em seu artigo Hispanismo e latinismo no debate intelectual ibero-americano, analisa a constituição de vertentes defensoras do hispanismo e do latinismo nos dois lados do Atlântico, entre meados do século XIX e meados do XX. Utilizando-se de revistas e jornais como principais fontes documentais, o autor mostra que, até inícios do século XX, não havia evidente oposição entre essas duas correntes, sendo predominante, inclusive, uma visão de complementaridade. Para intelectuais franceses, assim como para espanhóis, devia-se contrapor, às intervenções norte-americanas sobre a América ao sul do Rio Bravo, a “cultura latina”. E nos países hispano-americanos, principalmente após a intervenção dos Estados Unidos na guerra de independência de Cuba, fortaleceu-se uma afirmação latino-americanista. Após a Primeira Guerra Mundial, entretanto, as distinções entre o latinismo, vinculado às pretensões hegemônicas francesas, e o hispanismo, encabeçado pela Espanha, ficaram mais pronunciadas. O autor faz referências, também, acerca do debate sobre o iberismo, tanto na Espanha como em Portugal. Ao analisar concepções formuladas por intelectuais da península Ibérica e da América Hispânica, além de ações concretas para incrementar os vínculos com os países ibero-americanos, tanto por parte da França como da Espanha, Beired mostra a riqueza dos debates que envolviam, por um lado, filiações e vínculos intelectuais entre hispano-americanos e europeus, e, por outro, afirmações identitárias dos países latino-americanos – que cada vez mais se reconheciam como parte de uma região denominada América Latina –, sem ignorar as alterações que se estabeleceram nos termos do debate em função das significativas mudanças ocorridas na Espanha, a partir da Guerra Civil e da vitória franquista, em outros países europeus e nas Américas, ao longo do período enfocado.

No terceiro artigo do dossiê, Alejandra Mailhe analisa a revista Archivos de psiquiatría, criminología, medicina legal y ciencias afines, dirigida pelo médico e ensaísta argentino de origem italiana José Ingenieros (1877-1925), um dos mais importantes intelectuais latino-americanos de sua geração. A revista Archivos, publicada em Buenos Aires de 1902 a 1913, ocupou um lugar central, como mostra Mailhe, no desenvolvimento da psiquiatria e da criminologia como áreas especializadas do conhecimento, não só na Argentina como em muitos países da América Latina, contribuindo para a formação de uma rede de contatos e de ideias no continente. Entre seus colaboradores, Archivos teve autores latino-americanos e europeus. Entre os primeiros, brasileiros como Evaristo de Moraes, Francisco Franco da Rocha e Raimundo Nina Rodrigues. Conforme esclarece a autora, a revista tinha, como principal objetivo, o “estudo científico dos homens anormais”, especialmente criminosos e dementes, com ênfase em concepções positivistas de começos do século XX, mas com aberturas para outros enfoques. Para o leitor brasileiro, é de especial interesse a abordagem de Mailhe sobre as contribuições de Nina Rodrigues a Archivos e as divergências entre o autor brasileiro e José Ingenieros. O artigo de Mailhe procura mostrar, também, como a revista contribuiu para um processo, ainda que “muito moderado”, de “latino-americanização” dos intelectuais argentinos.

Regina Crespo, no artigo seguinte, intitulado O México de Rodrigo Otávio e de Cyro dos Anjos: entre as atribuições do funcionário e o olhar do escritor, analisa os olhares dos dois intelectuais brasileiros sobre o México, a partir de suas experiências no país setentrional em atividades diplomáticas. Depois de breves considerações sobre autores brasileiros que escreveram sobre o México – como Ronald de Carvalho, Erico Verissimo e Vianna Moog –, Crespo dedica-se à análise dos textos que, sobre o México, escreveram dois outros escritores brasileiros: o jurista Rodrigo Otávio e o escritor e funcionário público Cyro dos Anjos. Otávio esteve no México algumas vezes, entre 1923 e 1926, nas quais atuou em missões diplomáticas. Cyro, por sua vez, viveu na Cidade do México três décadas depois, de 1953 a 1954, atuando como professor da cátedra de Estudos Brasileiros na Universidad Nacional Autónoma de México e, a serviço da Embaixada brasileira, dando palestras sobre o Brasil em várias cidades mexicanas. No caso de Rodrigo Otávio, a principal fonte de Crespo foi seu livro México e Peru, publicado em 1940, além de jornais mexicanos da década de 1920 e da correspondência diplomática. Para analisar a visão de Cyro dos Anjos sobre o país hispano-indígena, a autora também se utilizou, principalmente, da correspondência diplomática, além das cartas entre o romancista de Montes Claros e o conterrâneo mineiro Carlos Drummond de Andrade.

Carlos Cortez Minchillo, no artigo que fecha o dossiê – intitulado A América Latina de Erico Verissimo: vizinhança, fraternidade, fraturas –, aborda a presença da América Latina na obra e trajetória do escritor gaúcho Erico Verissimo, com ênfase no seu relato de viagem México, publicado em 1957, e no romance O senhor embaixador, de 1965. Como sustenta o autor, Verissimo pensou a América Latina tendo os Estados Unidos como contraponto, tanto em razão do contexto da Guerra Fria como da polarização do debate político nos países latino-americanos, particularmente após a vitória, em 1959, da Revolução Cubana. A contraposição entre a América Latina e os Estados Unidos deu-se, também, face à própria vivência pessoal e profissional de Erico nos Estados Unidos, como palestrante e professor visitante em universidades norte-americanas, em 1941 e 1943-1945, e como diretor do Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, de 1953 a 1956 – períodos em que Verissimo ampliou sua sociabilidade intelectual não só com norte-americanos como também com vários hispano-americanos. Se nos anos 1940, no contexto da Segunda Guerra, Erico assumiu a defesa do pan-americanismo, na década seguinte, em plena Guerra Fria, o escritor brasileiro tornou-se cada vez mais crítico da política interna e, principalmente, da política externa dos Estados Unidos, e mais sensível às sociedades latino-americanas, suas culturas, histórias e problemas sociais. Carlos Minchillo mostra, entretanto, as ambiguidades das representações do “povo” latino-americano nessas duas obras de Erico. O artigo busca avaliar, ainda, a recepção das obras de Verissimo entre os anos de 1950 e 1970, assim como as possíveis implicações das posições políticas do autor, um social-democrata crítico tanto dos regimes ditatoriais de direita como dos regimes totalitários do Leste Europeu, naqueles anos polarizados e de intensos debates em torno do compromisso político dos escritores e intelectuais.

Esperamos que este dossiê de Varia Historia contribua com o crescimento do interesse pela História Intelectual Latino-Americana e para incrementar as pesquisas, o intercâmbio e a circulação de ideias entre pesquisadores brasileiros e hispano-americanos.

Notas

1. RAMA, Ángel. La ciudad letrada. Hanover, New Jersey: Ediciones del Norte, 1984. [ Links ] A primeira edição brasileira foi publicada no ano seguinte: A cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1985. Vale lembrar que Rama teve fortes vínculos com a cultura e a literatura brasileiras, tendo ministrado aulas na Universidade de São Paulo, em 1974, em disciplina sob a responsabilidade de Antonio Candido, e retornado ao Brasil em 1980 e 1983, apenas dois meses antes do acidente aéreo que o vitimou. Cf. AGUIAR, Flávio; VASCONCELOS, Sandra G. T. (orgs.). Ángel Rama: literatura e cultura na América Latina. São Paulo: Edusp, 2001, p. 30-35.     [ Links ] 2. ALTAMIRANO, Carlos (dir.). Historia de los intelectuales en América Latina. Buenos Aires: Katz, 2008, p. 11.     [ Links ] 3. O Programa de História Intelectual esteve sob a direção de Oscar Terán até 2005, Carlos Altamirano até 2009 e, desde então, Adrián Gorelik. Em 2011, foi criado o Centro de História Intelectual da UNQ. Cf. http: / / www.unq.edu.ar / secciones / 243-centro-de-historia-intelectual-chi / . Acesso em: 15 set. 2014.

Kátia Gerab Baggio – Departamento de História. Universidade Federal de Minas Gerais.


BAGGIO, Kátia Gerab. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.30, n.54, set. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Intelectuais, Literatura e Historiografia / Vozes Pretérito & Devir / 2014

No quadro acima do pintor francês Henri Matisse, denominado “Mulher Lendo”, vê-se uma mulher sentada de costas para o olhar curioso do seu observador. À sua frente, vestígios de um tempo esquecido, mas iluminado pela luz que parte de uma tímida luminária, permitindo ver a existência de um pequeno lugar excedido por um móvel que guarda sob sua superfície alguns objetos (quadros, vasos, objetos decorativos).

O pequeno móvel encontra-se ligeiramente aberto, dando mostras da existência de alguns papeis, provavelmente o lugar onde a mulher abriga o livro que lê de maneira silenciosa e indiferente à presença do seu observador.

A cena retratada pela imaginação e pelos pinceis de Matisse faz parte do acervo sensível do imaginário sobre leitores e leituras, desde o tempo que a Literatura se avizinha ao gosto humano de criar outras dimensões ficcionais; de abrir novas expectativas temporais e desenhar outras virtualidades ligadas ao espaço, aos sonhos, às necessidades e expectativas.

A leitora de Matisse representa o nosso desejo inconsciente de escapar do tempo comum, do tempo calendário e tornar-se andarilho no tempo da leitura. O tempo da leitura é o tempo do agora que presentifica o texto. Ele dissolve o passado, dando a esse novo formato, possibilidade e historicidade, pois o tempo se renova a partir do olhar de cada leitor(a) e de cada flâneur.

Não olhamos as coisas e as pessoas da mesma forma, mas sob nossa perspectiva. Nosso olhar é de perspectiva, referencial e moldado pela nossa experiência de leitores. É a nossa experiência que atualiza sujeitos, objetos, problemas, que nos chegam desfocados do passado. É o presente que amplia as formas do passado. Não somos presidiários do passado. Aquilo que nos chega amorfo, empoeirado, desgastado pelo tempo é atualizado pela leitura, pelo tempo sempre inebriante do presente. Somente o presente atualiza o passado. No presente de cada passado existe uma leitora de Matisse atualizando o tempo, os sentidos e as passagens.

Em nosso Dossiê, Intelectuais, Historiografia e Literatura, existem várias passagens atualizadas pela artimanha dos nossos leitores privilegiados: os autores e autoras. Há passagens com relação ao Arquivo de si: as implicações entre testemunho, escrita literária e escrita de si, escrito por Ana Cristina Meneses de Sousa; Sociabilidade intelectual na imprensa natalense na Primeira República (1889-1930), de Maiara Juliana Gonçalves da Silva; O que há de impessoal em arquivos pessoais: considerações a partir de uma experiência de pesquisa na França de Rafael Faraco Benthien; Poema erguido na rua: usos e sensibilidades de uma Teresina em dois tempos (57 / 77) de Renata Flávia de Oliveira Sousa;A cronologia das bestas e o cumprimento das profecias: o conhecimento histórico nas obras pentamonarquistas de William Aspinwall (1653-1657), de Verônica Calsoni Lima; Roberto Piva, periferia-rebelde e estética da existência: subjetividades urbanas desviantes e manifestos literários no Brasil (1958-1967), de Reginaldo Sousa Chaves; Sobre a cultura política de esquerda na França e suas reconfigurações na revista Socialisme ou Barbarie (1946-1968) de Guilherme Bianchi Moreira; Homens de cultura na Baixa Idade Média ocidental: aspectos da formação erudita de Eliane Santana Veríssimo; Carlos Eduardo Zlatic; Oswald de Andrade e a experiências de modernidade em São Paulo: identidade, sociabilidade e política, de Marcio Luiz Carreri; Luiz Costa Lima: afinidades e linha de força de uma obra de Raphael Guilherme de Carvalho; Representações da Nação: a apresentação de Alceu Amoroso Lima no álbum fotográfico Brésil de Rafael Luis dos Santos Dall’olio. Além dos textos de Ronaldo Zatta, em tributo a Helenice R. da Silva e André Feixo que discute a série de documentos históricos editados sobre a direção de José Honório Rodrigues quando este esteve à frente da biblioteca nacional.

Os artigos favorecem pensar outras virtualidades sobre a relação história e literatura, como: A cidade e a música popular: Teresina e os espaços de prática musical nos anos 1980, de Hermano Carvalho Medeiros; Euclides da Cunha, Rodolfo Teófilo e o debate sobre a migração cearense para a Amazônia, de Bruno de Brito Damasceno; Instituto do Museu Jaguaribano: discurso e cidade, de Alex da Silva Farias.

Além dos artigos, a nossa 3º edição conta ainda com uma homenagem à professora Helenice Rodrigues da Silva, ex-conselheira da revista, falecida ano passado, grande estudiosa da história intelectual, e uma resenha sobre Reflexões sobre a escrita e o sentido da História na Muqaddimah de IbnKhaldun, publicado em 2012 por, Elaine Cristina Senko, analisada pelas pesquisadores Ana Luiza Mendes, Bel Drabik.

Todos esses escritos desalojam a leitura, abrem novas virtualidades e passagens no tempo. As configurações elaboradas por nossos autores e autoras provocam por parte de nós, seus leitores, novas refigurações, ou seja, a transformação das nossas experiências vividas sob o efeito da narração.

A partir da remodelação de nossas experiências de leitor reconstruímos historicamente o passado baseados nos rastros deixados pela ausência desse. É a partir da ficcionalidade de nossa leitura que transformamos a nossa experiência temporal.

Nesse sentido fica o convite para os nossos leitores virtuais e atemporais refigurarem seu mundo de forma diferente, a partir da apreciação de nossos escritos; pois a leitura é uma atividade de recepção e de reapropriação transformadora dos nossos sentidos e percepções.

Somos todos como um quadro de Matisse, pintados pelo tempo, refigurados pelos novos sentidos que damos ao mundo. Assim como a leitora de Matisse, também subtraímos do tempo suas inquietações, pois ele passa, mas cabe a nós preenchê-lo de sentidos, remodelarmos seus rastros e permitirmos que o passado seja uma tela sempre pronta para novas refigurações e atualizações.

Boa leitura!!!

Ana Cristina Meneses de Sousa


SOUSA, Ana Cristina Meneses de. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.3, n.1, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Ideas y compromiso político: intelectuales e izquierda en la Argentina | Archivos de Historia del Movimiento Obrero y la Izquierda | 2013

Para pensar la historia de la izquierda, la exploración del papel desempeñado por sus intelectuales resulta fundamental. El análisis de sus trayectorias ilumina los caminos a través de los cuales un cuerpo de ideas germina y se desarrolla en una elaboración que nunca puede concebirse en términos individuales, en tanto se halla necesariamente influida y en interacción con la sociedad en la que se encuentra inserta. Si en general el vínculo con la política es el que históricamente más puso a prueba y afectó el devenir de los intelectuales, ello fue particularmente intenso en toda la tradición surgida desde Marx. Como expresión de ello, la espinosa dimensión del compromiso político, y más específicamente la del partido, adquirió desde siempre una particular intensidad. Constituye un prisma de análisis esencial para comprender un tema tan relevante como complejo, dada la articulación de cuestiones teóricas, ideológicas, programáticas y estratégicas. A una primera exploración de estas problemáticas está consagrado la mayor parte del presente número de Archivos de historia del movimiento obrero y la izquierda.

Precisamente, el Dossier se titula “Ideas y compromiso político: intelectuales e izquierda en la Argentina”, y se estructura en torno a tres estudios de caso. Hernán Camarero aborda el período formativo de Milcíades Peña, un destacado intelectual marxista crítico de mediados del siglo XX, forjador de una original interpretación histórico-sociológica sobre la estructura socioeconómica del país, la clase dominante y el peronismo. Examina el modo en que Peña se insertó en una de las tendencias del trotskismo durante las décadas de 1940-1950, las características políticas, programáticas y organizativas de dicha corriente y la incidencia que esta experiencia militante tuvo en la configuración de las ideas y la producción del autor de Historia del pueblo argentino. Leia Mais

Intelectuais, identidades e discursos na América Latina no século XX | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2012

É com muita satisfação que informamos que o grande número e a qualidade dos artigos recebidos e aprovados pela Revista Eletrônica da Associação Nacional de Pesquisadores e Professores de História das Américas – ANPHLAC – por ocasião da chamada de trabalhos dedicada ao dossiê “Intelectuais, nações e identidades nas Américas nos séculos XIX e XX”, resultou na organização de dois dossiês em 2012: a 12ª edição “Intelectuais, identidades e discursos na América Latina no século XX”, que aqui apresentamos aos leitores, contendo onze artigos, todos relacionados ao tema no século XX; e o de número 13 “Intelectuais, nações e identidades nas Américas – séculos XIX e início do XX”, contendo onze artigos e uma resenha, que compõem a 13ª edição da Revista. Ao fazer esta proposição o periódico buscou abarcar uma temática que nos últimos anos tem apresentado um significativo crescimento com o desenvolvimento de pesquisas centradas na relação entre intelectuais, construção de nações e identidades nacionais ao longo dos séculos XIX e XX.

Como sabemos a intelectualidade latino-americana não ficou imune às várias transformações ocorridas nos dois últimos séculos. O período em questão foi extremamente fecundo no debate intelectual na América Latina, tendo sido marcado por profundas mudanças nos campos político e cultural, o que faz com que esse recorte temporal seja um dos mais privilegiados pela historiografia nas análises acerca dos inúmeros projetos desenvolvidos pelos intelectuais do continente. Leia Mais

Intelectuais, nações e identidades nas Américas – séculos XIX e início do XX | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2012

A 13ª edição da Revista da ANPHLAC traz o dossiê “Intelectuais, nações e identidades nas Américas – séculos XIX e início do XX” com um rico e variado conjunto de 10 artigos e uma resenha de pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

As relações entre intelectuais, nações e identidades na América Ibérica nos séculos XIX e XX vêm sendo sistematicamente revisitadas, nos últimos anos, a partir de novas “leituras do passado” e de abordagens comparadas sobre as diversas experiências históricas de construção dos Estados e nações no continente americano. Neste sentido o Dossiê nº 13 apresenta-se como um espaço plural de debate e troca entre pesquisadores que trabalham com diferentes enfoques e experiências nacionais acerca do tema. Leia Mais

Intelectuais e poder / História – Questões & Debates / 1996

O dossiê “Intelectuais e poder” definido para este n. 25 da revista História: Questões & Debates, foi resultado de um curso de extensão promovido pela APAH – Associação Paranaense de História, e pelo PGHIS – Cursos de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal do Paraná. O seminário contou com a presença de Jorge Colli (Unicamp), apresentando “A pintura, a política e o poder”, de Paulo Eduardo Arantes (USP), com a palestra “Partido Intelectual Brasileiro”, de Maria Helena Capelato (USP), que nos falou sobre “A atuação dos intelectuais no Varguismo e Peronismo”, de Plínio Smith (UFPR), com o tema “Continuar e conservar. Montaigne e o poder” e ainda de Owaldo Monteul Filho (UFRJ) que abordou a “Ilustração Portuguesa e o poder”.

Para publicação nessa edição, felizmente pudemos contar com o artigo de Capelato, que apresenta uma análise comparativa da atuação e do perfil dos intelectuais — a relação entre autoritarismo político e liberdade intelectual — nos governos Vargas (Brasil) e Peron (Argentina), nos idos de 30 / 40. Também recebemos o artigo do Plínio Smith, que nos apresentou uma leitura sobre a participação de Michel de Montaigne junto ao poder, na França da segunda metade do século XVI, sobre o seu pensamento político e o sentido de seu suposto conservadorismo. Adicionamos aos dois artigos o da professora Clara Alicia Jalif de Bertranou, da Universidade de Mendoza, Argentina. Discorrendo sobre a produção intelectual latinoamericana nos anos 90, Bertranou discute, à luz da crise dos modelos tradicionais da modernidade, as perspectivas do desenvolvimento regional.

Enfim, perpassando o campo da história intelectual, o que está em discussão é tanto a produção intelectual quanto a forma como o pensamento serve para refletir ou legitimar determinada estrutura de poder. Foi com base na temática “Intelectuais e poder” que pensamos ilustrar a capa. A diversidade temporal dos artigos nos impedia de termos uma única imagem. Optamos por uma imagem que, na história da relação entre o intelectual e o poder, transformouse em um símbolo: o manifesto político e intelectual de Émile Zola, J’Accuse (1898), elaborado no conturbado caso Dreyfus. Com esse manifesto nascia o “intelectual”, conceituado como “um ser combativo que acredita em causas”. Sem dúvida, a ausência de um artigo sobre o romancista e a polêmica que seu manifesto provocou no regime francês representa um hiato em nosso dossiê. Mas ficaram faltando tantos outros: Voltaire, Victor Hugo, Sartre… Resolvemos homenagear a todos com o paradigmático J’Accuse, de Zola.

Fora do dossiê, sem que existisse a intenção, os artigos do bloco seguinte acabou constituindo também uma unidade temática: “imagens e imaginário na história”. Foi muito bem-vindo. A abordagem reflete em parte as discussões que professores e alunos das linhas de pesquisa da Pós-Graduação em História da UFPR vêm realizando. Ana Paula, com as imagens do corpo feminino na medicina; Anibal Costa, com o imaginário de missionários e feiticeiros nas missões jesuíticas paraguaias; Johnni Langer, com o imaginário do mito arqueológico da Esfinge Atlante; Marcos Araújo, com a obra do jesuíta João Daniel na experiência amazônica do século XVIII. À parte desse conjunto, Maria Luiza debate, pelo viés demográfico e etnográfico, como foram recriadas as sociabilidades de um grupo imigrante. Sua ênfase é história da família imigrante no Paraná. O artigo de Rafael Rosa poderia estar no dossiê sobre os intelectuais. Mais do que uma análise sobre o congresso estudantil de Ibiúna (1968), o que problematiza é o pensamento de esquerda no Brasil, sua visão sobre o papel dos estudantes e da universidade no processo de desenvolvimento do país.

No seu conjunto, os artigos e resenhas apresentados demonstram não só a produtividade científica dos Cursos de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, na sua interface com outras instituições, como também a maturidade que a revista História: Questões & Debates adquiriu no cenário da produção historiográfica nacional. Os temas e os recortes teóricos apresentados revelam a atualidade da revista.

Luiz Carlos Ribeiro – Doutor (DEHIS / UFPR)


RIBEIRO, Luiz Carlos. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.25, n.2, jul./dez., 1996. Acessar publicação original [DR]

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