Posts com a Tag ‘Intelectuais’
Libros y alpargatas. La peronización de estudiantes/docentes e intelectuales de la UBA (1966-1974) | Nicolás Dip
En el marco del intenso proceso político que vivió Argentina con la breve “primavera camporista” (el gobierno de poco menos de dos meses encabezado por Héctor Cámpora, surgido al amparo de la fórmula popular “Cámpora al gobierno, Perón al poder”), la Universidad de Buenos Aires (UBA), principal universidad del país, experimentó importantes transformaciones institucionales, alentadas por el breve pero significativo rectorado del profesor Rodolfo Puiggrós entre mayo y octubre de 1973. Puiggrós, antiguo exmilitante comunista, en 1973 formaba parte de un amplio conglomerado ideológico situado dentro del peronismo y específicamente en torno a la Tendencia, una constelación de grupos que identificaban al peronismo como una vía revolucionaria, armada, nacionalista y antiimperialista. Fruto de ello surgieron algunas medidas llevadas a cabo en su periodo a cargo de la UBA, que fue rebautizada como “Universidad Nacional y Popular de Buenos Aires”. Se estableció una amnistía general a las sanciones contra estudiantes y otros actores universitarios a propósito del intenso ciclo de tomas y movilizaciones precedentes, en el contexto de la lucha contra la dictadura saliente. Además, se modificó el Estatuto Universitario eliminando los impedimentos al acceso y permanencia de estudiantes por razones académicas y políticas. Complementariamente, el rector definió el cierre de convenios internacionales como, por ejemplo, el que UBA tenía con la Fundación Ford. Leia Mais
Percorrendo o vazio: intelectuais e a construção da Argentina no século XIX | José Alves Freitas Neto
José Alves de Freitas Neto | Foto: Diego Nigro/ Anjo da História
O objetivo da presente resenha é abordar e discutir o mais recente livro do historiador José Alves de Freitas Neto, intitulado Percorrendo o vazio: intelectuais e a construção da Argentina no século XIX. Como resultado da tese de livre-docência do autor, a obra se destaca pela originalidade de repensar a dicotomia “civilização e/ou barbárie” utilizando a noção de “vazio”. O século XIX argentino foi marcado pelas tentativas de se constituir um projeto político para a nascente nação. Nesse sentido, para legitimar ou não esses projetos, discursos e ideias eram criados e propagados por diferentes grupos a fim de se afirmarem como representantes do progresso e da prosperidade, isto é, da civilização. A barbárie, por sua vez, simbolizava tudo aquilo – e também todos aqueles – que não contribuíam para o progresso e, por isso, não deveriam sequer existir. O apagamento de culturas era justificado pela necessidade de construir e manter uma suposta civilização. Uma das formas de se divulgar e legitimar os projetos de nação era as letras: como indica Jorge Myers (2008), o romantismo literário do século XIX contribuiu para a transformação do papel dos escritores latino-americanos em intérpretes das sociedades na quais estavam inseridos e profetas das nações emergentes.
Assim sendo, o ponto de partida da análise de Freitas Neto foi o incômodo com essas representações dualistas empregadas e atualizadas nas explicações da história argentina. Os objetivos do livro consistem, portanto, em estudar as obras do escritor Esteban Echeverría (1805-1851) – um dos expoentes da Geração de 1837 –, a circulação da revista La Moda (1837-1838) e questionar o discurso acerca do “vazio”, usado para silenciar projetos e ideais. A obra é formada por quatro capítulos e conta também com um apêndice dos conteúdos publicados em La Moda feito pelo autor. Importante ressaltar que o período estudado compreende os governos de Juan Manoel de Rosas (1829-1952), momento marcado pela perseguição e censura à oposição. Para a Geração de 1837, por exemplo, o rosismo era o representante da barbárie a ser combatida pelos portadores da civilização. Logo, as análises das obras de Esteban Echeverría, bem como o estudo de La Moda, se inserem no contexto dos anos rosistas e revelam como que as ideias de um grupo opositor foram construídas e divulgadas naquele período. Para Freitas Neto, as letras e a política estariam imbricadas de tal forma que a primeira legitimaria no plano das ideias aquilo que viria a acontecer historicamente. Leia Mais
Intelectuais e a modernização no Brasil: os caminhos da revolução de 1930 | Antônio Dimas Cardoso
Antônio Dimas Cardoso | Imagem: Inter TV
Lançada em 2020, pela Editora Unimontes, a coletânea Intelectuais e a modernização no Brasil: os caminhos da revolução de 1930, foi resultado do trabalho de organização de Antônio Dimas Cardoso e Laurindo Mekie Pereira. O primeiro, sociólogo, o segundo, historiador, ambos compartilham a experiência de, em pesquisas anteriores, avaliar a presença e a agência intelectual nas dinâmicas de modernização, sejam nacionais ou continentais. Tratase de matéria cara aos/às investigadores/as das primeiras décadas do século XX brasileiro, uma vez que recorta justamente a fase de profissionalização intelectual em uma paisagem de mudanças políticas, econômicas e culturais, especialmente, após o fim da Grande Guerra e a ascensão de Getúlio Vargas à presidência (MICELI, 2001; JOHNSON, 1995; PÉCAULT, 1990).
A complexidade da temática macro é enfrentada por autores e autoras das áreas de Direito, Ciência Política, Sociologia e, notadamente, da História. Embora não apresente uma divisão explicita, pode-se avaliar a obra em duas partes: na primeira, que reúne os cinco capítulos iniciais, as diferentes abordagens têm em comum o objeto a partir do qual constroem a argumentação, qual seja: as trajetórias de sujeitos históricos que, nascidos no final do século XIX, se posicionaram em diferentes territórios dos espectros políticos então constituídos e atuaram nas dinâmicas históricas que levaram ao poder um novo modelo institucional. Entre defensores e opositores, o leitor e a leitora terão oportunidade compreender como os eventos de 1930 resultam de disputas, alianças instáveis e diferentes graus de afinidade. Uma segunda parte, que engloba os últimos três capítulos, dá conta de evidenciar questões mais amplas relacionadas ao ensino e às reformas educacionais, às rupturas e permanências das dinâmicas eleitorais e à forma como os eventos da política brasileira foram interpretados em Portugal, no calor dos acontecimentos. Leia Mais
Alberto Flores Galindo. Utopía, historia y revolución | Carlos Aguirre e Charles Walker
Alberto Flores Galindo | Foto: Silvia Beatriz Suárez Moncada
Las últimas décadas del siglo XX fueron testigos del ocaso de los «intelectuales públicos», los cuales fueron desplazados paulatinamente por los «técnicos». Estos últimos tienden a proclamar que sus propuestas están basadas en las evidencias, aunque en la mayoría de ocasiones ocultan sus posturas políticas e ideológicas detrás de una «estadística» basada en sesgos de selección. Al mismo tiempo, las direcciones de las universidades han seleccionados cuáles son los géneros o el tipo de publicación válida para la carrera de los investigadores al priorizar los artículos de revistas académicas especializadas, que no suelen ser consultadas fuera de un campo específico del conocimiento. Esta situación ha traído como consecuencia una paradoja: a pesar que la información en la actualidad puede difundirse a una mayor velocidad y llegar a un espectro más amplio de la población, los nuevos conocimientos y los debates en las ciencias sociales y las humanidades demoran más en estar al alcance de un público amplio y toman aún más tiempo en llegar a los textos escolares. Una de las posibles consecuencias de este doble proceso, el reemplazo del «intelectual» por el «técnico» y la separación entre el investigador y una audiencia amplia, es el deterioro del debate sobre los asuntos públicos. Por ello, resulta interesante leer la compilación de ensayos que hacen Carlos Aguirre y Charles Walker sobre uno de los intelectuales públicos peruanos más importantes: Alberto Flores Galindo. Leia Mais
Percorrendo o vazio: intelectuais e a construção da Argentina no século XIX | José Alves de Freitas Netos
A história é amplamente conhecida. Durante a ditadura de Rosas, na Argentina, um grupo de jovens intelectuais, de formação liberal, mesclados a uma larga audiência, se reúne numa livraria para discutir literatura e filosofia, e acabam falando sobre a política de seu país e fundando um grupo que ficaria conhecido como a Geração de 1837. Esse salão literário não era o primeiro, nem o único a funcionar em Buenos Aires. Ele seria o embrião de outras organizações intelectuais e políticas platinas e seus principais membros conheceriam o exílio, perseguidos pelo governo que criticavam. Do degredo, escreveram manifestos políticos, poesia e prosa que fundaram longa tradição na Argentina. Essa literatura teria como principal tópica a dualidade que deu subtítulo ao livro de Domingo Sarmiento, “civilização ou barbárie”. O cerne desse argumento seria que os federalistas/rosistas/conservadores defenderiam valores bárbaros, de uma Argentina descentralizada, dividida em facções em constante defesa de interesses regionais, particulares e personalistas. Por oposição, os unitários/liberais defenderiam um país coeso, uniforme, cioso de suas particularidades (como o imenso território “selvagem” que era, ao mesmo tempo, benção e maldição), mas ciente de que deveria integrar a marcha universal da História, alinhando-se à “civilização” de matriz europeia, com ideais republicanos de base liberal. Ao retornarem do desterro, quando da queda do ditador em 1852, assumiram cargos públicos e magistraturas. Sarmiento seria presidente da República. Leia Mais
Prácticas editoriales y cultura impresa entre los intelectuales latinoamericanos en el siglo xx | Aimer Granados e Sebastián Rivera Mir
Sebastián Nelson Rivera Mir e Aimer Granados| Foto: El Colegio Mexiquense
Este libro, coordinado por los profesores Granados y Rivera, trata el tema de la cultura impresa latinoamericana. En las 284 páginas que lo componen, cumple con varios propósitos que han estado latentes en el campo de la historia intelectual latinoamericana,[1] por ejemplo, ampliar la mirada del problema de lo impreso y vincularlo con los aspectos sociales del mundo político, intelectual y cultural.
Mientras al día de hoy, en el campo de la historia intelectual, los intelectuales, sus obras y pensamientos han ido ganando una atracción y se han constituido en objetos de investigación a lo largo y ancho de nuestro continente, por el contrario, otros escenarios —tal es el caso del papel y la función de las revistas, la prensa, los epistolarios, la diplomacia, los empresarios culturales y los traductores, las sociabilidades y las redes, los congresos, la cátedra, las autobiografías y memorias y la producción investigativa y las publicaciones— aún son endebles y falta mucho por explorar en nuestros medios. Leia Mais
“A Direita na América Latina Contemporânea”: universidades, intelectuais, disputas de espaços e sentidos | Revista de História da UEG | 2021
Apresentação
“Um fantasma recorre a América Latina”. Especialmente desde os anos de 1960, depois da Revolução Cubana e seu influxo na radicalização política de alguns setores da juventude militante daquele período, os debates entre universitários “bolcheviques”, ou seja, aqueles mais próximos da experiência soviética e chinesa, que, por sua vez, baseavam-se na prática maoísta, o surgimento das propostas de socialismo nacional nos partidos populares, bem como o boom dos escritores latino-americanos fez com que se afiançara a noção cultural da hegemonia das esquerdas nos campos intelectual e universitário. Paradoxalmente, esse argumento, qual seja, o do “esquerdismo” dos e das estudantes, docentes e intelectuais, é um velho tópico usado também pelas direitas para denunciar a decadência das universidades e da cultura em geral.
Por isso, esse dossiê analisa esse sentido comum por meio de diferentes artigos que mostram as experiências direitistas de intelectuais e universitários em diferentes países latino-americanos. Entendemos o conceito de intelectual em seu sentido amplo, isto é, incluindo jornalistas e empresas editoriais, bem como atores políticos que fazem uso de instrumentos intelectuais para indicar e defender suas ações e projetos. O campo de estudos sobre as direitas latino-americanas (e de outros recortes geográficos) cresceu significativamente nas últimas décadas, ganhando legitimidade como tema de investigação social, desmentindo a alguns detratores que lhe atribuíam um caráter meramente militante. Por outro lado, com a recente irrupção de partidos e governos de direita na região, se colocaram em evidência as premissas e corpus de ideais pensados por intelectuais de direita que também assumiram uma nova visibilidade. Leia Mais
No tan pequeños universos. Intelectuales/ cultura y política en Río Cuarto/ siglo XX | E. Escudero
No tan pequeños universos es un libro que da cuenta de la dinámica cultural de la ciudad de Río Cuarto de la primera mitad del siglo XX, de las intervenciones culturales y políticas que realizaron quienes pensaron, escribieron y crearon mundos desde, y en muchos casos para, esa localidad del interior de la provincia de Córdoba. Leia Mais
The Identitarians: The Movement Against Globalism and Islam in Europe | José Pedro Zúquete
Em 2010, às vésperas da avalanche de protestos provocada pela crise econômica de dois anos antes, José Pedro Zúquete, pesquisador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, publicou Struggle for the World: Liberation Movements for the 21th Century (Zúquete e Lindholm 2010). Escrito em parceria com o antropólogo norte americano Charles Lindholm, o livro traça um grande panorama dos principais movimentos sociais e organizações políticas que se opunham ao que os autores chamam de globalização capitalista. Fossem de esquerda, como os zapatistas no México, ou de extrema direita, como o Front National francês, a publicação destaca como esses grupos operavam a partir de uma forte crítica ao estrangulamento dos modos de vida e de identidades locais.
As duas décadas que se seguiram ao fim da Guerra Fria foram marcadas pela integração do mundo em blocos regionais e pela criação de instituições supranacionais para administrá-los. Até que a expansão progressiva e desenfreada sofreu inesperadamente um grande choque. As fissuras na ordem estabelecida já existiam, é verdade, mas elas nunca ficaram tão claras quanto nos anos que se seguiram à crise de 2008. E foi seguindo personagens que viviam nessas fissuras que Zúquete passou a acompanhar a atuação de grupos políticos radicais contemporâneos. Em artigos e livros dedicados a grupos tão diversos como os praticantes da tática black block e skinheads portugueses, o sociólogo português construiu uma obra robusta sobre alguns dos principais movimentos de contestação no mundo hoje. Leia Mais
Un afán conservador | Pablo Aravena
Tengo con Pablo Aravena una larga relación de amistad e intercambio intelectual, compartiendo inquietudes, bibliografías, iniciativas académicas, el gusto por el rock, largas conversaciones de bar o restaurante después de un coloquio o de una mesa de trabajo en la universidad, en fin, como decía, una larga relación de amistad.
Reconozco en el libro que ahora comentamos los temas que han nutrido nuestra comunicación intelectual en estos años, varios de estos textos los conocía desde antes, algunas de las reseñas incluidas corresponden precisamente a publicaciones de mi autoría. Leia Mais
Grande Hotel Abismo: a Escola de Frankfurt e seus personagens | Stuart Jefries
Talvez só um jornalista experimentado como Stuart Jeffries – colunista do The Guardian – poderia fazer uma síntese tão completa de um objeto complexo como é o caso da Escola de Frankfurt. A experiência de traduzir assuntos ásperos para um público mais amplo foi decisiva para que Jeffries produzisse um livro com profundidade suficiente para atrair leitores mais exigentes e acessível o bastante para leitores iniciantes.
O título do livro, embora instigante, não descreve muito bem as intenções do autor em relação ao seu objeto. Ele foi inspirado numa crítica de Georg Lukács à ausência de um comprometimento efetivo dos criadores da teoria crítica com a práxis revolucionária, o que os tornavam comparáveis aos hóspedes de um fictício hotel situado à beira de um abismo, de onde se podia contemplar, de modo seguro e confortável, o mundo desabando. Portanto, a expressão “Grande Hotel Abismo” ironiza a sinceridade das ácidas críticas da Escola de Frankfurt ao mundo contemporâneo. Mas será que Stuart Jeffries enxergava os autores da escola como oportunistas e hipócritas que criticavam o sistema que sustentava o seu conforto apenas para marcar posição? Parece que não. Se um Adorno e um Horkheimer apenas se lamentavam à beira do abismo é porque eles se sentiam impotentes para interromper a catástrofe que visualizavam, tal qual o anjo da história evocado por Walter Benjamim. E mais: só o fato de mostrar um abismo onde a maioria das pessoas só enxergava diversão, por si só, já é um mérito suficiente. Leia Mais
Intelectuais e palavra impressa | Giselle Martins Venâncio
Redes de sociabilidade, geração e cultura política: conceitos que já não são mais desconhecidos dos historiadores brasileiros, dentre esses, pesquisadores que se lançam a investigações que tomam por objetos publicações literárias, culturais, jornalísticas, historiográficas e aqueles responsáveis pela sua produção ou difusão. Dentro deste panorama de pesquisa se apresenta o livro Intelectuais e palavra impressa. Lançada em 2016, a obra tem como organizadora Giselle Martins Venâncio, professora do departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora vinculada ao Núcleo de Pesquisa em História Cultural instalado nessa mesma instituição. Ao longo de sua trajetória como historiadora, Venâncio buscou investigar temas relativos à história da cultura escrita, tendo como uma das principais preocupações interrogar os usos sociais dos objetos impressos, bem como os conflitos e estratégias que podem nestas materialidades estarem inscritos.
Nota-se que a obra supracitada é fruto dos diversos trabalhos acadêmicos nos quais Venâncio esteve envolvida como orientadora. Os capítulos do livro são recortes de pesquisas, algumas concluídas e outras em andamento, que estão situadas nos mais diversos espaços acadêmicos da UFF, da graduação à pós-graduação e, portanto, têm como autores pesquisadores em diversos graus de formação (de graduandos a doutores) aglutinados em torno do tema da palavra impressa. Sendo assim, de uma maneira geral, o livro permite pensar em como a temática da Cultura Escrita em convergência com a História Cultural e Política é passível de ser abordada. Exibindo um breve panorama dos limites e das possibilidades que se abrem aos pesquisadores que investem nessas áreas de pesquisa e onde todos esses conceitos acima mencionados são de alguma maneira instrumentalizados, o livro proporciona reflexões que tangenciam, por exemplo, a forma de organização e ação de intelectuais ou dos grupos a eles vinculados. Leia Mais
Discursos de identidad y geopolítica interior. Indios/gaúchos/ descamisados/ intelectuales y brujos | Ana Teresa Martínez
En principio, me gustaría señalar la satisfacción que representó para mí leer este volumen colectivo, con perspectiva interdisciplinaria, que surge en el marco de un grupo de investigación interinstitucional que articula una universidad pública y un instituto de investigación del CONICET ubicados en el noroeste argentino, es decir, un lugar de enunciación periférico que ya nos interpela en tanto construcción situada del conocimiento. Aun cuando el libro, como producto de una apuesta polifónica, propone como objetos de estudio prácticas y discursos muy diferentes a los que han formado parte de mi propio derrotero de investigación, para decirlo más rápidamente mis anteojeras disciplinares considerando que vengo del campo de las letras, me resulta muy valioso porque muestra en ese tránsito de investigación diferente ecos y resonancias cercanos a mis propios intereses. Leia Mais
Perdas e ganhos: exilados e expatriados na história do conhecimento na Europa e nas Américas, 1500-2000 – BURKE (S-RH)
BURKE, Peter. Perdas e ganhos: exilados e expatriados na história do conhecimento na Europa e nas Américas, 1500-2000. São Paulo: Editora Unesp, 2017. Resenha de: SANTOS, Jair. O conhecimento sem pátria. SÆCULUM – Revista de História, João Pessoa, v. 25, n. 42, p. 222-226, jan./jun. 2020.
Todos os que acompanham a atualidade política sabem que um tema em particular está quase sempre presente no debate público, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos: a imigração. A polêmica discussão é animada não somente pelos jornalistas e atores políticos, com posicionamentos nem sempre apaziguadores, mas também pelos intelectuais. São inúmeros os acadêmicos – filósofos, historiadores, sociólogos, cientistas políticos, juristas – que tentam, através de uma análise mais serena e por meio dos instrumentos fornecidos pela ciência que professam, analisar a imigração como um fenômeno social complexo, com diferentes causas e diversas consequências para a sociedade. O último livro de Peter Burke, fruto de conferências proferidas na Historical Society of Israel em 2015, é um belo exemplo de como um historiador, de quem se costuma esperar apenas um olhar crítico sobre o passado, também pode enriquecer a reflexão acerca de problemas atuais. A obra Perdas e ganhos: exilados e expatriados na história do conhecimento na Europa e nas Américas, publicada em 2017, estuda um tipo específico de imigração: a dos intelectuais que deixaram seu país natal, de modo espontâneo ou forçado, e prosseguiram a sua produção intelectual em outras terras. A partir desse grupo seleto de imigrantes, o autor examina os efeitos do encontro – ou eventualmente do choque – entre duas culturas na produção e difusão do conhecimento. Este é o pressuposto central do livro: a imigração é um fato social de efeitos recíprocos, isto é, tanto os indivíduos que imigram quanto a sociedade estrangeira que os acolhe são de algum modo afetados e transformados pelo intercâmbio que se opera. Está claro, portanto, que o livro refuta o argumento, às vezes invocado em âmbito político, segundo o qual a influência estrangeira é necessariamente nociva para a cultura nacional. Leia Mais
Nas tramas da “cidade letrada”: sociabilidade dos intelectuais latino-americanos e as redes transnacionais | Adriane Vidal Costa
O movimento das ideias na América Latina (sua produção, circulação e apropriação) e a atuação dos sujeitos que lhes dão forma, os intelectuais, são agentes importantes para a compreensão da história da região e têm recebido atenção dos estudiosos há pelo menos algumas décadas. Sujeitos forjadores de discursos, os intelectuais agem na cultura (muitas vezes de forma estreita com o poder, como críticos ou sustentadores de sua ideologia), mobilizando signos para a transmissão de mensagens a serem decodificadas e/ou apropriadas. Na dinâmica entre matéria e subjetividade, operam a partir de relações, conectando espaços e sujeitos por meio de práticas individuais ou coletivas. As redes por eles gestadas transpassam frequentemente o espaço nacional, contribuindo para o questionamento da gênese de um pensamento, ao mesmo tempo em que possibilitam uma abertura contextual ao pesquisador que se debruçar sobre elas.
Essas reflexões são proporcionadas ao leitor de Nas tramas da “cidade letrada”: sociabilidade dos intelectuais latino-americanos e as redes transnacionais. Organizada por Adriane Vidal Costa, docente do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Claudio Maíz, professor titular em Literatura Hispanoamericana Contemporánea na Universidad Nacional de Cuyo (UNCuyo), a obra é uma iniciativa do Núcleo de pesquisa em História das Américas (NUPHA) e do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG, publicada no ano de 2018 como parte da coleção História da Editora Fino Traço. Leia Mais
Fragmento de Chile | Rodrigo Karmy Boltron
El presente libro reúne tres estudios/ensayos sobre tres intelectuales chilenos: Fernando Atria, Mario Góngora y Guadalupe Santa Cruz. Distintos, pero que tienen en común el haber pensado el neoliberalismo y el seguir haciéndolo pensable. “Fragmento de Chile es un conjunto de ensayos sobre las formas de violencia arraigadas en una perdida tierra al sur del planeta”, escribe Karmy.
La línea interpretativa consiste en revelar el postulado teológico detrás de cada autor, no como mero ejercicio de desvelamiento (un mostrar el enano metafísico que mueve el muñeco materialista), sino como el componente que posibilita la figuración de cada planteamiento, determinados por un inicial rechazo al neoliberalismo. Pero tanto como hacen posible pensarlo también marcan un límite, pues cada discurso, en la medida que asegura un sentido, nos condena también a un cierre que –en nuestra opinión– está determinado por la orientación la acción. Rodrigo Karmy dedica su último ensayo a Guadalupe Santa Cruz, en quien dicho postulado dice relación con el neoliberalismo como forma histórica del pastorado, que domestica bajo la prédica de la rentabilidad, frente a ello: “la escritura de Santa Cruz es la de una feliz ingobernabilidad que restituye justicia, que es pérdida y no acumulación” (p. 131). En el caso de Atria –el ensayo más provocador dado la contingencia nacional– se trataría “de una apuesta apofática por un Dios personal (…) que se proyecta en la concepción igualmente personal del pueblo. Este último puede desafiar la neutralización instigada por la Constitución de 1980 y recuperar así su carácter de agencia política sólo si se presenta bajo la forma de una persona. Sin embargo, nuestra tesis plantea que al circunscribir al pueblo bajo la forma de la persona, Atria limita las posibilidades de dicha potencia capturándola en un nuevo katechón”, un poder que contiene (pp. 31- 32). Leia Mais
La paradoja uruguaya. Intelectuales, latinoamericanismo y nación a mediados de siglo XX | Espeche Ximena
El texto de Ximena Espeche comienza ubicando al lector en el Uruguay de los primeros años de la década de 1950. En ese escenario uno de los líderes políticos de mayor relevancia, el entonces presidente Luis Batlle Berres, sostuvo que Uruguay era y había sido durante todo el siglo XX un “país de excepción”. En simultáneo, un vasto y heterogéneo coro de voces de intelectuales, conformado por ensayistas periodistas, economistas y educadores, denunciaba los límites (para algunos el fracaso) del modelo “batllista” y revisaba los cimientos de una identidad colectiva construida sobre la base de mitos o lugares comunes que ya no concitaban consenso. El fin de la relativa prosperidad económica, el estallido de conflictos sindicales reprimidos con violencia física y legal y la incursión en nuevas formas de co-participación y burocratización de los partidos Nacional y Colorado en el gobierno fueron solo algunos de los síntomas más evidentes de una crisis que tuvo múltiples dimensiones y convocó a la reflexión desde distintas filas.
Diversos, periféricos y autocríticos a ultranza, los intelectuales que Espeche estudia en profundidad -Carlos Quijano, Carlos Real de Azúa y Alberto Methol Ferré- atravesaron sin nostalgia el fin del Uruguay batllista y celebraron la caducidad de un modelo que, creían, había nacido trunco. Identificaron en aquel contexto la posibilidad de repensar el imaginario nacional, al que encontraban perniciosamente batllistizado, compartiendo la preocupación por la viabilidad del país, ya no en los términos de supervivencia nacional o temor a la anexión de alguno de los grandes países vecinos, sino en cuanto a sus posibilidades de desarrollo, modernización e inserción no dependiente en la región y en el mundo. Los tres compartieron la doble condición de ser juez y parte, testigos y formadores de opinión, a la vez que percibieron tempranamente la crisis como oportunidad. Leia Mais
Palavras como balas: Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939) – OLIVEIRA (Topoi)
OLIVEIRA, Ângela Meirelle. Palavras como balas. Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939). São Paulo: Alameda, 2015. Resenha de: BEIRED, José Bendicho. Para compreender o antifascismo na América Latina. Topoi v.19 n.37 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2018.
Durante a Primeira Guerra Mundial, poucos imaginavam que estava em gestação um novo movimento político radical de direita capaz de alterar profundamente a política internacional. Ao tomar o poder na Itália, o fascismo foi a primeira experiência de extrema-direita a mostrar que era possível não só derrotar o status quo liberal mas também barrar a ascensão das forças de esquerda. Em seguida, outros movimentos de direita se alastraram pelo continente europeu, quer tomando o poder quer organizando-se em novos partidos. Para o filósofo alemão Oswald Spengler, vivia-se uma fase histórica em que se divisava a própria decadência do Ocidente. As reações foram tardias, pois apenas nos anos 1930 a direita radical deixou de ser combatida isoladamente pelas forças políticas de cada país e passou a ser objeto de luta de um movimento antifascista internacional que galvanizou um conjunto de forças formado por intelectuais, organizações e órgãos de imprensa.
O livro de Ângela Meirelles Oliveira constitui uma inovadora contribuição para a compreensão do papel da América Latina na cruzada internacional de combate ao fascismo. Com base em minuciosa pesquisa documental realizada em diversos países, o estudo oferece novos elementos a respeito dos movimentos antifascistas do Brasil, da Argentina e do Uruguai por meio de um recorte que privilegia o papel dos intelectuais e a atuação da imprensa. O título da obra, extraído de um verso emblemático – Palabras como balas hay que usar contra vosotros, enemigos! – da poetisa argentina Nydia Lamarque, por si só ilustra o espírito do engajamento que tomava os intelectuais empenhados na causa antifascista.
A metodologia empregada constitui um dos pontos altos da obra. Articulando o método comparativo e a perspectiva transnacional, a autora estabelece recortes criativos, reconstrói conexões e apresenta conclusões que permitem explicar as peculiaridades do antifascismo no Cone Sul e as suas relações com o movimento antifascista europeu. Um aspecto fundamental da abordagem reside no tratamento dos intelectuais como mediadores do processo de circulação de ideias entre os países do Cone Sul e entre estes e a Europa, em especial a França. Sob a vigilância metódica das autoridades policiais, os intelectuais sustentaram a luta antifascista por meio da fundação de entidades, criação de órgãos de imprensa, elaboração de artigos, troca de correspondência, promoção de campanhas e exposições de arte.
Uma tese basilar perpassa o livro pondo em xeque interpretações consagradas na historiografia: a despeito da relevância das organizações europeias e da URSS para o antifascismo latino-americano, este teria se desenvolvido com relativa autonomia em função dos contextos nacionais. Não obstante, a autora reconhece que as organizações criadas na Europa tiveram papel central no engajamento mundial dos intelectuais na luta contra o fascismo. Fundadas por militantes e simpatizantes de esquerda, as organizações europeias gravitaram, não sem tensão, em torno da Comintern e, consequentemente, dos interesses soviéticos em relação à política internacional, a exemplo do Comitê de Vigilância de Intelectuais Antifascistas e da Associação de Escritores e Artistas Revolucionários. Um papel de destaque coube ao Comitê Mundial contra a Guerra e o Fascismo por sua influência na Europa e na América, contando com a participação dos mais renomados intelectuais de então – Máximo Gorki, Bertrand Russell, Albert Einstein, John Dos Passos e André Gide entre muitos outros – sob a direção dos franceses Romain Rolland e Henri Barbusse.
A primeira parte do livro é dedicada ao exame das organizações, intelectuais e órgãos de imprensa antifascistas do Cone Sul. No Brasil, as primeiras a serem fundadas foram os Comitês Antiguerreiros de São Paulo e do Distrito Federal, de filiação comunista; e a Frente Única Antifascista, criada na sede do Partido Socialista Brasileiro, com a participação da Liga Comunista Internacionalista, de perfil trotskista. As tensões entre fileiras fascistas e antifascistas não eram pequenas. Em 1934, ambas confrontaram-se fisicamente quando as agrupações antifascistas se concentraram na Praça da Sé, centro de São Paulo, para protestar contra um comício organizado pela Ação Integralista Brasileira, deixando um saldo de seis mortos e dezenas de feridos dos dois lados.
Vinculado à Frente Única Antifascista foi criado o Clube dos Artistas Modernos, que promoveu a famosa conferência de David Alfaro Siqueiros a respeito da técnica muralista em São Paulo, por ocasião da sua passagem pelo Brasil ao retornar do Rio da Prata para o México. Outras experiências, o Clube de Cultura Moderna e o Centro de Defesa da Cultura Popular, associados à Aliança Nacional Libertadora, visavam ambos ao estabelecimento de contato entre os intelectuais e o grande público para a difusão das artes, da ciência e da literatura. Em busca de espaços alternativos para a promoção das artes, em 1935 o CDCP organizou a I Exposição de Arte Social no Brasil, com a participação de Portinari, Di Cavalcanti, Noêmia Mourão, Oswaldo Goeldi, Ismael Nery e Alberto Guignard. Tais entidades exemplificavam o esforço da geração modernista em conferir à arte um sentido ao mesmo tempo vanguardista, popular e comprometido com as questões políticas. Paralelamente, a imprensa foi outro veiculo fundamental de resistência política e cultural antifascista, cuja atividade esteve concentrada em órgãos tais como Revista Acadêmica, Diretrizes e Cultura, Mensário Democrático, além de jornais como Marcha e o diário A Manhã.
Uma das hipóteses da autora é que o funcionamento das entidades antifascistas dependeu das condições políticas de cada país do Cone Sul. No caso do Brasil, a dinâmica política da Era Vargas foi mais tolerante com as atividades da extrema direita, a exemplo do Integralismo, do que com as correntes de esquerda, objeto de sistemática vigilância, perseguição e prisões. A repressão subsequente ao levante de 1935 e ao golpe do Estado Novo apenas aumentou ainda mais as dificuldades do antifascismo, com o desmantelamento do PCB, prisões, fugas e exílio de militantes e intelectuais. A Argentina e o Uruguai foram os destinos mais procurados pelos exilados brasileiros, que transformaram Buenos Aires e Montevidéu nos seus principais centros de atuação no exterior, a exemplo de Carlos Lacerda na sua fase comunista.
A comparação permite constatar que a Argentina abrigou o movimento antifascista mais significativo da América Latina, traduzindo-se em uma maior quantidade de organizações, pessoas e órgãos de imprensa envolvidos do que em outros países da região. Em 1930 o general José Uriburu desferiu um golpe de Estado que derrubou o governo da União Cívica Radical presidido por Hipólito Yrigoyen e implementou uma ditadura filofascista apoiada pelo exército e por milícias uniformizadas, tais como a Legião Cívica Argentina. Carente de suficiente base política, o poder foi passado aos conservadores, que restauraram o antigo sistema de eleições fraudadas, primeiramente sob a presidência de outro militar, o general Agustín P. Justo, e depois o civil Roberto Ortiz, buscando-se manter uma posição de neutralidade diante da contenda entre o fascismo e o antifascismo. Apesar das perseguições contra militantes de esquerda, havia de qualquer modo mais condições que no Brasil para a atividade política, a organização de movimentos e o funcionamento da imprensa antifascista. Um papel relevante, embora fora do âmbito da pesquisa do livro, foi desempenhado pelas coletividades de estrangeiros, notadamente a italiana e a espanhola, cujas atividades antifascistas foram estudadas no Brasil por João Fábio Bertonha e Ismara Izepe de Souza, e na Argentina, por Mónica Quijada e Andrés Bisso.
A segunda parte do livro dedica-se à circulação internacional das ideias e dos intelectuais antifascistas. A autora confere especial atenção à Agrupação de Intelectuais, Artistas, Jornalistas e Escritores por considerá-la a mais importante associação em prol do antifascismo. Criada primeiramente em Buenos Aires, e em seguida em Montevidéu, tinha como objetivo declarado “lutar pela defesa da cultura”, em outras palavras, combater o obscurantismo embutido não apenas no fascismo internacional, mas também no autoritarismo e na corrupção política praticados pelos governos conservadores. A entidade argentina chegou a contar com 2 mil associados e diversas filiais no interior do país, tendo à frente figuras como Anibal Ponce, Sergio Bagú, Manuel Ugarge, Liborio Justo, Héctor Agosti e Arturo Frondizi, então jovem membro da União Cívica Radical e futuro presidente da nação. O boletim da entidade – Unidad por la defensa de la cultura – somou-se a várias outras publicações regulares que, embora não dedicadas exclusivamente ao antifascismo, o tomaram como causa própria, tais como Claridad, Hechos e Ideas, Sur e La Internacional.
Dois interessantes aspectos sobressaem. Em primeiro lugar, a diversidade ideológica das publicações mencionadas – respectivamente socialista, radical, liberal e comunista -, assim como das organizações antifascistas. A autora contesta enfaticamente a tese do caráter essencialmente comunista do antifascismo dos países estudados, assim como do papel determinante da Comintern na sua organização. No lugar disso, identifica a existência de uma matriz liberal no antifascismo argentino e, no caso do Uruguai, aponta uma forte politização, sem vinculação partidária. Em suma, a documentação sugere que o vigor do movimento antifascista nos três países estudados dependeu justamente da heterogeneidade das suas fileiras e da amplitude do arco progressista que reunia liberais, anarquistas, radicais, comunistas, trotskistas e socialistas.
Outro aspecto a destacar é o papel das redes de sociabilidade antifascista que se estabeleceram por meio da imprensa vinculando as publicações da Argentina, do Uruguai e do Brasil entre si e estas com as da França, epicentro internacional do movimento antifascista e sede de revistas como Clarté, Commune, Vigilance e Front Mondial. O intercâmbio ocorria pela reprodução de artigos e a notificação do recebimento de revistas de outros países, a exemplo de Commune, órgão da Associação de Escritores e Artistas Revolucionários, sediada em Paris, que recebia praticamente todas as revistas antifascistas sul-americanas. No Cone Sul, as revistas da Argentina e do Uruguai trocavam uma considerável quantia de matérias com as congêneres da França, o mesmo não ocorrendo com as revistas do Brasil, que apenas mantinham contato esporádico com as publicações estrangeiras. Quanto ao intercâmbio intelectual entre os países latino-americanos, apenas existiu de modo rarefeito. Parece ter ficado mais no plano das intenções que da sua efetivação material, apesar dos apelos da portenha Claridad e da baiana Seiva em favor do seu incremento.
O Uruguai merece um lugar especial em razão da relevância das atividades antifascistas em seu território. Em 1933, abrigou o Congresso Antiguerreiro Latino-americano de Montevidéu, que, vinculado ao seu homólogo europeu e à corrente comunista, congregou centenas de delegações sindicais, camponesas, estudantis, de artistas e intelectuais. Não deixa de ser notável a marca deixada por uma ilustre brasileira. Pelo prestígio pessoal e proximidade em relação ao PCB, Tarsila do Amaral foi uma das poucas intelectuais convidadas a proferir uma conferência, e, destoando do tom geral do evento, discorreu a respeito das “Mulheres e a guerra”. Encetando uma contundente crítica ao papel destinado às mulheres pelos governos capitalistas e imperialistas, terminou sob aplausos e conclamou-as à luta antiguerreira. A análise do congresso aponta, ainda, para as divisões intestinas da esquerda e os diferentes conceitos de frente política, evidenciados nas críticas aos trostskistas, na expulsão dos anarquistas e na condenação de figuras como Augusto César Sandino e Haya de la Torre.
Às vésperas da Segunda Guerra, Montevidéu acolheu outro importante evento, o Congresso Internacional das Democracias. Composto por delegações de intelectuais dos países americanos, foi patrocinado por um conjunto de partidos políticos uruguaios. Apesar da exclusão do Partido Comunista Uruguaio, a reunião contou com uma ampla participação de delegados de todas as correntes políticas das Américas comprometidas com o antifascismo, incluindo o comunismo. Estiveram presentes personalidades como Pablo Neruda e Juan Marinello, que se reuniram em dezenas de comissões para discutir assuntos políticos, econômicos, sociais e culturais. Também participou uma delegação brasileira não oficial composta por representantes da Universidade Nacional do Rio de Janeiro e das Mulheres Intelectuais do Brasil, além de brasileiros exilados perseguidos pelo Estado Novo, cujo governo buscou impedir sem sucesso a realização. Para a autora, o evento refletia a desilusão com a Europa e representou a inflexão do antifascismo latino-americano em vista do seu alinhamento às diretrizes da política externa norte-americana que enfatizava a boa vizinhança e a união das forças contrárias ao fascismo. O título do discurso do uruguaio Emilio Oribe era emblemático dessa guinada: “Por que a América imita os europeus? Cultura autóctone e universal.”
A autora dedica especial atenção à Guerra Civil Espanhola, conflito de enorme repercussão na América Latina e divisor de posições da opinião pública, que se mobilizou tanto a favor do governo republicano quanto dos rebeldes nacionalistas. Na Argentina e no Uruguai a solidariedade aos republicanos foi especialmente intensa em razão da elevada taxa de imigrantes espanhóis em relação ao conjunto da população. Por sua vez, tais imigrantes estavam organizados em uma vasta rede de entidades associativas e jornais comunitários que impulsionaram iniciativas em favor da República Espanhola. As remessas de alimentos, remédios, dinheiro e roupas constituíram as ações prioritárias da solidariedade aos republicanos, além da acolhida dos exilados e a pressão política pela não intervenção da Itália e da Alemanha no conflito espanhol.
São examinadas as atividades da Agrupação de Intelectuais, Artistas, Jornalistas e Escritores, cuja seção argentina criou a Comissão Argentina de Ajuda aos Intelectuais Espanhóis. As ações de solidariedade dessa comissão tiveram como ponto alto os protestos e as homenagens decorrentes do fuzilamento de Gabriel Garcia Lorca, ato covarde que foi transformado em símbolo da luta da cultura contra a barbárie fascista. Os intelectuais latino-americanos viam a si mesmos como legítimos partícipes das fileiras republicanas deste lado do Atlântico. A uruguaia Clotilde Luisi, perguntando-se quem formava essa retaguarda, esse verdadeiro exército, guardião da alma espiritual do povo, respondia: os homens de ciência, professores, artistas plásticos, atores, escritores e poetas.
Em contraste, para a autora, a solidariedade dos brasileiros aos republicanos espanhóis não contou com a formação de entidades dedicadas especialmente a tal finalidade. Contando com a permanente repressão do governo Vargas, a solidariedade republicana apenas pode tomar corpo por meio de matérias divulgadas na imprensa antifascista e assim mesmo com restrições em vista da censura. Segundo o escritor Álvaro Moreyra, a morte de Garcia Lorca foi noticiada pelos jornais brasileiros com seis meses de atraso em outubro de 1937. De qualquer forma, a Revista Acadêmica foi a publicação brasileira mais empenhada no apoio aos republicanos. Após a vitória dos nacionalistas, expressou a dor da derrota e a consciência dos limites do papel do intelectual por meio de um artigo de Emil Fahrat: “Nossa dor é maior do que a tua, Espanha, porque fomos vencidos sem termos entrado na luta. Perdão Espanha pelo que não fizemos por ti.”
Apesar de atestar o vigor do antifascismo dos países do Cone Sul, o livro se encerra com a melancólica constatação do fracasso do movimento. Por um lado, os intelectuais desmobilizaram-se em razão do Pacto Germano-Soviético e da sua subordinação à Política da Boa Vizinhança. Além disso, eles se mostraram incapazes de enfrentar as medidas autoritárias dos governos brasileiro, argentino e uruguaio. Talvez seja um quadro por demais pessimista que poderia ser repensado se relacionado ao processo mais amplo de construção da democracia na América Latina. Sabe-se que a formação de uma cultura democrática, pluralista e defensora de direitos humanos básicos nos países latino-americanos é um fato inegável da sua história contemporânea. Porém, sob inúmeros percalços, não se manifestou de forma linear e nem da noite para o dia, constituindo antes um processo ainda inconcluso.
O exame do movimento antifascista sugere que ele contribuiu decisivamente para desenvolver uma cultura democrática que serviu de suporte para combater o autoritarismo em suas várias modalidades depois da Segunda Guerra Mundial. Por sua vez, a cultura política frentista, por vezes tão mal compreendida, pode ter justamente no antifascismo uma das suas raízes mais fecundas na América Latina.
Referências
OLIVEIRA, Ângela Meirelles. Palavras como balas. Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939). São Paulo: Alameda, 2015. [ Links ]
2Como citar: OLIVEIRA, Ângela Meirelles. Palavras como balas. Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939). São Paulo: Alameda, 2015. Resenha de BEIRED, José Luis Bendicho. Para compreender o antifascismo na América Latina. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, v. 19, n. 37, p. 226-231, jan./abr. 2018. Disponível em: <www.revistatopoi.org>.
José Luis Bendicho Beired – Professor da Universidade Estadual Paulista. E-mail: jbbeired@assis.unesp.br.
Crer e destruir: os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista – INGRÃO (RTA)
INGRAO, Christian. Crer e destruir: os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. Resenha de: BECHER, Franciele. Por uma antropologia das emoções do nazismo. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.21, p.482‐487, maio/ago., 2017.
A proposta de fazer uma “história das emoções” do nazismo pode parecer, em um primeiro momento, desconfortável. E isso ocorre, sobretudo, porque a representação mais recorrente do nacional‐socialismo sempre liga os seus atores a ações brutais, cegas e fanáticas. A imagem cristalizada do nazismo enquanto um caso de violência definitiva muitas vezes leva os historiadores a definirem categorias conceituais imprecisas ou genéricas, já adaptadas ao discurso que normalmente é utilizado no estudo dos regimes autoritários.
O livro de Christian Ingrao, historiador francês ligado ao Centre national de la recherche scientifique (CNRS) e antigo diretor do Institut d’Histoire du Temps Présent (IHTP), procura traçar os itinerários profissionais e militantes de cerca de 80 intelectuais e acadêmicos que fizeram suas carreiras em órgãos de repressão ligados à Ordem Negra, a SS, ao Serviço de Segurança (SD), ou ao Gabinete Central de Segurança do Reich (RSHA).
Em comum, todos os sujeitos analisados têm a participação nas missões de repressão, combate e ocupação do Leste europeu, seja nas campanhas da Polônia ou da União Soviética, ao longo da Segunda Guerra Mundial. Muitos deles estiveram implicados diretamente nas matanças efetuadas pelas forças‐tarefa dos Einsatzgruppen, e nas medidas implantadas na organização do genocídio de milhões de judeus e outras vítimas eslavas.
Através dos pressupostos teóricos da antropologia social das emoções e da história cultural, e utilizando uma vasta gama de fontes e arquivos, que inclui narrativas de vida dos akademiker, suas trajetórias profissionais, documentações dos órgãos dos quais faziam parte e seus depoimentos nos julgamentos do pós‐guerra, o autor consegue traçar um panorama competente sobre as representações de mundo desses intelectuais.
Fugindo de uma análise funcionalista das instituições e de sua incidência sobre os comportamentos, Ingrao tece o esboço sobre a forma como esses sujeitos conseguiram aliar seu rigor científico às exigências da militância nazista, criando grades de leitura do mundo e discursos de legitimação que deram suporte aos massacres e ao genocídio.
Fruto da tese de doutorado do autor, escrita entre 1997 e 2001, na Universidade de Amiens (« Les intellectuels du service de renseignement de la S.S, 1900‐1945 »), o livro toma como ponto de partida a apreensão do nazismo enquanto um sistema de crenças que combina práticas e discursos frutos de políticas públicas e institucionais, mas que também são percorridos por uma gama de emoções que vão da angústia à utopia, passando pelo ódio, crueldade e desespero, e que não podem ser apreendidas dentro dos paradigmas clássicos da política e da sociologia. Ingrao procura compreender em que medida as experiências vividas por esses intelectuais foram capazes de modelar seu sistema de representações, criando eixos de consentimento que os levariam, no futuro, a legitimar a violência extrema.
Partindo da herança de historiadores da Primeira Guerra Mundial, sobretudo do seu orientador de tese, Stéphane Audoin‐Rouzeau, que trabalhou com as experiências infantis ligadas ao conflito, o autor procura apreender a militância nazista desses intelectuais como uma reação à experiência matricial de 1914‐1918, cuja coerência entre discursos e práticas se encarnou em suas trajetórias e carreiras. Em suma, procura compreender como esses homens fizeram para crer e, por consequência, destruir. Sujeito de pesquisa inquietante, sobretudo porque confronta o fato de que setores da alta excelência acadêmica alemã atuaram diretamente em um dos mais atrozes regimes autoritários, servindo‐se, inclusive, das Ciências Humanas e, em particular, da História, como legitimadoras desses processos.
O livro é organizado em três partes: na primeira delas, Ingrao traz três capítulos sobre a experiência matricial da Primeira Guerra Mundial, e de como toda a cultura do “mundo de inimigos” e da crença no papel defensivo da Alemanha no conflito, mesmo que silenciada pelos akademiker, influenciou suas trajetórias e seus imaginários. Além disso, estabelece um panorama das instituições e dos saberes acadêmicos e militantes construídos pelos futuros oficiais entre os anos 1920 e 1930, quando turbulentas disputas políticas influenciaram nos seus sentimentos de angústia, e interferiram em suas escolhas e ambições científicas e, claro, nos seus engajamentos políticos dos anos seguintes.
Formando‐se como advogados, economistas, geógrafos, historiadores ou linguistas no pós‐guerra, muitos deles com formações universitárias multidisciplinares com alto desempenho acadêmico, esses jovens, vindos em sua maior parte das classes médias alemãs, encontraram na SS um organismo elitista que se distanciava das “hordas” do partido de massa, ou da atuação pragmática das tropas de assalto (SA). Através de diversos ritmos e itinerários de militância, entraram no jogo dos mecanismos institucionais da burocracia nazista, contribuindo para sua justificação científica e ideológica e, ao mesmo tempo, reforçando suas próprias leituras de mundo, profundamente marcadas por suas experiências de vida.
A segunda parte do livro, consagrada à internalização das crenças, à adesão ao nazismo e ao engajamento intelectual e ideológico dos jovens acadêmicos, analisa as fundamentações do dogma nacional‐socialista em sua profunda inspiração de refundação da Alemanha no aspecto sociobiológico e racial. Estudando a grade da leitura sociológica dos discursos dos intelectuais SS, Ingrao demonstra como a ideologia racial incidiu na própria reformulação da história alemã, transformando‐a em uma série de lutas, confrontos e combates identitários, todos marcados pelo selo da etnicidade.
Problematiza como a História e outras disciplinas se tornaram ciências combatentes de legitimação das crenças nazistas, justificando a guerra que estava por vir como um último combate pela salvação providencial do Império Alemão.
Ingrao foge constantemente da armadilha fácil de usar conceitos genéricos e imprecisos como o do “oportunismo” da ascensão hierárquica dentro da estrutura do Reich. Demonstra, no caso dos intelectuais SS, que havia inclusive uma tentativa institucional de frear esses interesses para proteger o ativismo e a militância. O processo de politização dos saberes dos akademiker aconteceu paralelamente à sua própria construção, e foi fortalecido com a criação de instituições como o SD e o RSHA, quando puderam aliar seu rigor científico às exigências da militância, imprimindo suas marcas nos serviços em que atuaram e participando de forma determinante na organização da repressão.
Por fim, na terceira parte da obra, Ingrao volta seus olhos à experiência de guerra no Leste europeu, onde as crenças e o fervor nazista foram empregados na legitimação da violência extrema e do genocídio. Os últimos cinco capítulos dão conta do imaginário construído em torno do novo “mundo de inimigos” eslavos, analisando a ritualística da violência, e as estratégias empregadas para colocar em prática os massacres. Além disso, finaliza avaliando as posturas dos intelectuais SS frente à derrota iminente, assim como suas estratégias de negação e reelaboração da memória nos julgamentos do pós‐guerra.
Para os nazistas, o “Leste” simbolizava uma tábula rasa na qual a germanidade poderia se modelar, ocupando o espaço de povos vistos como bárbaros e inferiores.
Dentro da retórica do “sangue e solo”, a experiência de guerra inaugurada com a invasão da Polônia em 1939, e intensificada com o ataque à União Soviética em 1941, se transformou em uma luta total contra o inimigo “judeu‐bolchevique”. O “imaginário de cruzada”, uma mescla entre fervor, utopia e guerra, forneceu a moldura justificativa para a violência que os soldados deveriam empregar, dentro de um discurso ansiogênico que instilava os comportamentos coletivos à matança.
Nesse contexto, a prática genocida se tornou uma condição da germanização, o fim último da utopia milenarista do nazismo. Representado como uma ação defensiva (pois era legítimo se defender dos agentes de destruição da germanidade, argumento semelhante ao usado pelas elites alemãs para justificar o conflito de 1914.), e visto sob a ótica da deploração (matar é um trabalho asqueroso, mas necessário), o genocídio ocorreu em meio a um investimento afetivo real dos intelectuais SS. A leitura nazista dos acontecimentos, elaborada, interiorizada e difundida pelos akademiker, constituiu então o cerne do mecanismo de radicalização e de consentimento aos massacres.
Por trás dos imperativos de produtividade e exaustividade que foram usados para colocar em prática os assassinatos em massa, estavam preocupações com um imaginário asséptico que pouparia psicologicamente os atores do massacre, limitando o seu efeito desestruturante e traumático. O estabelecimento de hierarquias na matança, e o próprio gestual da violência, refletiam o sistema cultural em que essas práticas foram forjadas.
Angústia, deploração, repulsa, ódio e gozo se confundiram nos discursos e atitudes dos que atuaram no Leste, experiência que funcionava como um “rito iniciático” para que os oficiais provassem seu grau de interiorização da crença nazista. Porém, apesar da dimensão traumática exteriorizada nos comportamentos de vários oficiais, nunca houve ruptura com o consentimento à matança, e isso se deu em função do acompanhamento do discursivo legitimador, da sistematização dos gestos e dos processos de adaptação empregados.
Face à derrota iminente, os intelectuais SS apresentaram diversas estratégias de escape, em uma distorção crescente entre os comportamentos e a realidade do front, mesmo que possam ser detectados indícios da escalada de suas angústias. Após 1945, boa parte dos akademiker passou por tribunais e comissões de “desnazificação”, em que procuraram realizar uma gestão da memória de guerra e da sua militância, usando diferentes estratégias de negação dos seus crimes ao longo dos julgamentos. A própria tese da “obediência incondicional” dentro da hierarquia nazista, utilizada pelos historiadores durante muito tempo para analisar os comportamentos dos atores do genocídio, é decodificada enquanto um desses artifícios de despistamento utilizados intencionalmente pelos intelectuais julgados.
Publicado originalmente em 2010, pela Arthème Fayard, sob o título Croire et détruire. Les intellectuels dans la machine de guerre SS, a obra de Christian Ingrao demonstra que a interiorização do sistema de crenças nazista era muito mais um caso de fervor do que de cálculo político e militante. Mesmo que o livro não seja de fácil leitura (em função, sobretudo, da temática delicada, mas também em razão de certos aspectos da tradução brasileira), o autor guia habilmente o leitor pela intrincada burocracia dos órgãos nazistas, tecendo uma narrativa que foge de armadilhas conceituais psicologizantes ou abstratas. Apoiado por uma extensa bibliografia sobre o assunto em várias línguas, e por indicações de fontes impressas e de fundos arquivísticos, sua obra traz possibilidades teóricas de problematizar os diferentes níveis de instrumentalização dos saberes, o papel dos intelectuais, da educação e, particularmente, da ciência histórica na legitimação da violência e dos regimes políticos autoritários.
Franciele Becher – Mestra em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Brasil. Franciele.becher@gmail.com.
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El Oriente desplazado: Los intelectuales y los orígenes del tercermundismo en la Argentina | Martín Bergel
El presente trabajo es fruto de la tesis de doctorado del historiador argentino Martín Bergel, defendida en el año 2010 y publicada bajo el formato de libro en el año 2015 por la editorial de la Universidad de Quilmes. En este libro el autor reconstruye el surgimiento y la difusión de una imagen positiva de Oriente, consolidada en la década de 1920, que invierte la visión clásica, dominante durante el siglo XIX y principios del siglo XX, según la cual el Oriente representa una serie de valores negativos como la barbarie, el atraso y la violencia. Bergel sitúa a este fenómeno intelectual y cultural, al que denomina “orientalismo invertido”, como un antecedente de lo que durante la década de 1950 se difundirá en Argentina como tercermundismo.
La particularidad del libro reside en que el autor propone una categoría histórica que supone una valoración diferente de aquel conjunto de imágenes y generalizaciones referidas al Oriente que el intelectual palestino Edward Said englobó bajo el término “orientalismo”. Este concepto supone, para Said, una proyección occidental sobre Oriente que se plasma en una serie de significados, asociaciones y connotaciones orientadas a ejercer una dominación sobre el mismo. A través del “orientalismo invertido”, Bergel logra articular un minucioso e interesante trabajo de investigación que alterna enfoques más descriptivos con otros más argumentativos y que confiere un papel fundamental a la dimensión material -libros, crónicas de viajes, revistas, correspondencias, intercambios epistolares, traducciones, fotografías, entre otras- que asiste a la circulación de ideas e imágenes sobre el Oriente generada por intelectuales de diversos lugares del campo cultural y político. Leia Mais
Intelectuais, modernidade e formação de professores no Paraná (1910-1980) | Carlos E. Vieira, Dulce R. B. Osinski e Marcus L. Bencostta
A publicação do livro Intelectuais, modernidade e formação de professores no Paraná (1910-1980) é resultado do trabalho desenvolvido no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Modernidade (NEPHEM), composto por membros e pesquisadores convidados da linha de pesquisa em História e Historiografia da Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. A produção do livro contou com o apoio do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), contemplado em edital específico pelo projeto homônimo.
Trata-se de uma publicação que está muito bem situada no âmbito da produção de História da Educação brasileira, trazendo em seu conteúdo o resultado da pesquisa histórica sobre algumas especificidades do contexto paranaense, caracterizadas pelas trajetórias de ao menos seis intelectuais que estiveram à frente de projetos educacionais ao longo do século XX: Lysimaco Ferreira da Costa (1883-1941), Raul Rodrigues Gomes (1889- 1975), Erasmo Pilotto (1910-1992), Pórcia Guimarães (1918-1997), Ivany Moreira (1928- 2008) e Eurico Back (1923-1997). O livro de 205 páginas conta com a apresentação de Libânia Nacif Xavier, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o título “A educação paranaense nos quadros de um projeto de modernidade”. Além da introdução assinada pelos organizadores, o livro compõe-se de cinco capítulos, os quais serão mencionados a seguir. Leia Mais
Perú y la Guerra Civil Española – CARRASCO (H-Unesp)
CARRASCO, Olga Muñoz. (Org.). Perú y la Guerra Civil Española. La voz de los intelectuales. Madrid: Calambur Editorial, 2013, 559 p. Resenha de: GONÇALVES, Marcos. História [Unesp] v.33 no.2 Franca July/Dec. 2014.
A coleção HGCE – Hispanoamérica y la Guerra Civil Española – consiste em uma série de estudos sob a direção geral do poeta e crítico literário britânico Niall Bins. Trata-se de uma recompilação de textos de época introduzidos por adensados comentários críticos sobre o impacto da Guerra Civil da Espanha entre os intelectuais da América hispânica. O Volume 3, ora apresentado, foi organizado por Olga Muñoz Carrasco, poetisa, professora e investigadora da Saint Louis University (Madrid Campus) e colaboradora honorária do Departamento de Literatura Hispanoamericana da Universidad Complutense de Madrid. Encontram-se publicados entre os anos de 2012 e 2013 quatro volumes da coleção: Equador (volume 1), Argentina (volume 2), Peru (volume 3) e Chile (volume 4), estando em fase de preparação o volume 5, alusivo a Cuba. Cada um deles reúne testemunhos que permitem conhecermos o panorama do campo intelectual do país em questão no período de 1936 e 1939, quando as disputas estavam concentradas na convivência entre as vicissitudes da política interna e as tensões geradas pelo drama da guerra espanhola. A coleção, ao aliar o diálogo entre as análises dos especialistas organizadores aos documentos selecionados, propõe uma compreensão sobre o termo “intelectual” no contexto altamente politizado e ideologicamente polarizado dos anos 1930, sem, contudo, prescindir de considerá-lo necessariamente elástico: “Para nuestra colección, “intelectual” es toda persona que participó con la palabra escrita en el debate de ideas sobre la guerra civil”. (p. 15).
A cuidadosa pesquisa de Muñoz Carrasco – desenvolvida em arquivos e bibliotecas das cidades de Lima e Madrid – constitui, assim, uma referência importante para os estudiosos da história intelectual iberoamericana, pelo menos, por duplo motivo. Primeiro, porque demarca os inevitáveis contrastes e níveis de engajamento dos intelectuais peruanos, cujas escolhas entre nacionalistas e republicanos na guerra da Espanha praticamente não admitiam recuos ou tergiversações. Segundo, porque os documentos que acompanham a obra proporcionam uma mirada sobre a representação que a elite pensante do país latino-americano construiu a partir de uma metáfora, fosse de natureza poética ou de conteúdos enunciados mais especificamente pela narrativa política: a metáfora do “espelho” traduziu o fenômeno da guerra em termos de identificação dos peruanos com a “madre patria”. Em outras palavras, o conflito não foi tratado como um acontecimento estranho ou exterior às sensibilidades políticas peruanas. Chegou a ser vivido como uma causa própria, ao aprofundar as divisões entre os intelectuais mais tradicionalistas – à direita do espectro político – e os de esquerda. Enquanto os primeiros viam na guerra a possibilidade real de acabar com o comunismo que ameaçava destruir a raiz católica do mundo hispânico, seus rivais defenderam uma ordem que designavam democrática pela qual também lutavam no Peru. Na parte inicial, uma indagação decisiva lançada às fontes atravessa o debate proposto por Muñoz Carrasco: como buscar uma Espanha que se projetava para além de suas fronteiras e de seu tempo; ou, como recuperar a origem comum entre a Iberoamérica e a mãe pátria dado que o presente de então somente as aproximava pela violência e terror compartilhados? É nessa perspectiva que a autora traçou similitudes entre as realidades históricas de Peru e Espanha, elaborando o quadro descritivo, a um só tempo amplo e preciso das atitudes e práticas que conduziam os intelectuais peruanos a caminhos incertos e antagônicos.
Segundo Carrasco, o contato entre os dois países havia sido mínimo durante quase todo o século XIX, desde que o Peru não manteve relações diplomáticas com a monarquia ibérica nos primeiros 50 anos de sua independência. Ainda que tenha se restabelecido a partir de 1879, escasseavam na relação demandas institucionais que permitissem o intercâmbio, e, em muitas ocasiões, iniciativas isoladas definiram a criação de espaços de diálogo como a Academia de la Lengua, a Academia Nacional de la Historia e a Sociedad Geográfica de Lima.
A situação passou por mudanças entre os anos 20 e 30 do século passado. Pouco a pouco foram se desfazendo as imagens negativas herdadas da época da independência, e nas celebrações do centenário da batalha de Ayacucho (1924) começaram a ser construídos novos laços culturais, evidenciados por expressivo número de livros e artigos dedicados à Espanha. A violência política e a turbulência social também foram marcas comuns no Peru e na Espanha, assim como outros pontos de contato, quanto à urgência de transformações estruturais, acentuavam o parentesco entre as duas sociedades:
[…] ambos países poseían élites políticas que buscaban un camino pacífico hacia la modernidad, habían heredado un sistema de distribución de tierra arcaico y mostraban diferencias dramaticas en el reparto de la riqueza. Por otro lado, tanto España como el Perú contaban con sectores económicos emergentes en la industria y el comercio, así como con una burguesía y un proletariado que, cada vez más, consideraban los modelos tradicionales obstáculos a sus aspiraciones. (CARRASCO, p. 33).Se no Peru a proibição e o expurgo de movimentos políticos como a APRA de Victor Haya de la Torre se intensificaram com a ditadura de Óscar Benevides e com a ascensão do fascismo, na Espanha republicana muitos projetos que apontavam para a modernização da sociedade (laicização, reforma agrária, reforma trabalhista, etc.) tenderam ao fracasso diante da intransigência obstinada de fontes de poder social, como a Igreja, o Exército, os terratenentes e a influente FE – Falange Espanhola. Depois de 1935, a brecha aberta entre as duas Espanhas (republicana e nacionalista) também apareceu no Peru, ainda que sua relevância tenha sido menor do que em outros países latino-americanos, como Argentina, Chile ou México. A maioria de intelectuais peruanos contemporâneos da guerra civil firmou-se na identidade e na trajetória política e social do Peru para mostrar o que considerava a única possibilidade viável do momento: o apoio aos nacionalistas de Franco. A oposição a eles aconteceu não só por meio dos textos de viajantes eventuais, mas também de uma poética insurgente e de um periodismo de resistência que encontraram, ora na clandestinidade, ora no exílio de intelectuais pró-republicanos, os principais lugares de ressonância.
A travessia do estudo de Muñoz Carrasco para a documentação histórica confere ao volume sua circunstância determinante, porque é ali que são escutados os dilemas saídos das vozes dos intelectuais. Podemos indagar e, sobretudo, compreender a partir de um mínimo olhar sobre os manifestos: como se organizava o campo das disputas e, principalmente, de que modos o conflito espanhol afetava vidas, obras e compromissos políticos?
A linguagem tensionada nos revela, junto ao processo de degeneração da guerra, as mudanças que aconteceram na percepção dos indivíduos e o empenho em circunscrever o conflito num horizonte de compreensão. Dos manifestos hispanofóbicos de Alberto Hidalgo e seu grito ¡España no existe! – passando pela poesia de vanguarda de Magda Portal a verter sentimentos de amor e ódio (“Te odiaba España por tus frailes hipócritas y sombrios…”), chegando-se à defesa do fascismo em Víctor Andrés Belaúnde -, o volume é rico pelo contraditório que continuamente desperta. De um lado, tal exemplo pode ser rastreado na ação do escritor pró-republicano César Vallejo (1895-1938). Do seu desterro madrilenho em 1931, via com ceticismo os primeiros passos de uma República que, a seu juízo, “no hacía más que perpetuar las jerarquías de antes”; no entanto: “Cinco años después, en cambio, la radicalización de la República bajo el Frente Popular y la resistencia popular al levantamiento militar lo encandilarían”. (CARRASCO, p. 493).
Depois de várias manifestações do poeta em favor da República por meio de correspondências, artigos em jornais e periódicos, uma de suas últimas intervenções antes da morte no exílio parisiense de 1938 veio da participação no II Congreso Internacional de Escritores para Defensa de la Cultura, realizado em Madrid no mês de julho de 1937, quando a guerra civil espanhola completava o primeiro ano. No texto-discurso “La responsabilidad del escritor”, a comovedora argumentação de Vallejo parece reafirmar uma “vocação zolaiana”, se nos é permitida a expressão, para definir o papel do intelectual na defesa intransigente daqueles que percebe como oprimidos e negligenciados pelas mais variadas espécies de injustiças e tiranias:
Me refiero ahora al aspecto de la responsabilidad del escritor ante la Historia y, señaladamente, ante los momentos más graves de la Historia. Hablemos un poco de esa responsabilidad, porque creo que en este momento, más que nunca, los escritores libres están obligados a consustanciarse con el pueblo; a hacer llegar su inteligencia a la inteligencia del pueblo y romper esa barrera secular que existe… […] Camaradas: los pueblos iberoamericanos ven claramente en el pueblo español en armas una causa que les es tanto más común cuanto que se trata de una misma raza y, sobre todo, de una misma historia. […] la causa de la República Española es la causa del Perú, es la causa del mundo entero [y] los pueblos que han sufrido una represión, una dictadura, el dominio de las clases dominantes, poderosas, durante siglos y siglos, llegan por una aspiración extraordinaria a tener esta rapidez; porque un largo dolor, una larga opresión social, castigan y acrisolan el instinto de libertad del hombre en favor de la libertad del mundo hasta cristalizarse en actos, en acciones de libertad. (VALLEJO apud CARRASCO, p. 513-514).
Ao extremo de Vallejo encontra-se José de la Riva-Agüero (1885-1944). De raízes aristocráticas, Marquês de Montealegre de Aulestia, ele encarnava, segundo a análise de Jeffrey Klaiber (2008, p. 460-462), o pensamento integrista e nacionalista, também designado nacional-catolicismo. Riva-Agüero ingressou tarde no rebanho católico, porque em sua juventude e ainda como professor em San Marcos professava ideias liberais e positivistas. Em célebre discurso de 1932 diante de seus companheiros de promoção no colégio La Recoleta, formalmente renunciou a seu passado liberal e declarou-se católico, ao alegar seu distanciamento da religião como fruto de leituras imprudentes e atropeladas. (KLAIBER, p. 460). Para traduzir seus impulsos nacional-católicos do campo da retórica ao da ação efetiva, Riva-Agüero liderou, durante a guerra civil espanhola, campanhas de arrecadação de fundos e apoios para Franco: “yo soy el mayor contribuyente mensual para la Cruz Roja Nacionalista. Deseo que allá se enteren de que cumplo con mis deberes”. (RIVA-AGÜERO apud CARRASCO, p. 433). Foi precisamente sua lealdade ao franquismo que o levou a tecer elogios ao governo peruano quando este rompeu as relações com a República, reconhecendo, ao menos implicitamente, a vitória antecipada dos nacionalistas de Franco. A radical distinção entre os intelectuais aderentes a um lado e outro da contenda fica mais patente quando Muñoz Carrasco nos oferece um excerto de discurso pronunciado por Riva-Agüero na noite de 17 de junho de 1938, no banquete do Club Nacional de Lima em homenagem ao escritor e conselheiro da Falange Espanhola Eugenio Montes:
Con inmenso alivio de ánimo, hemos visto que el Gobierno de Perú ha roto al cabo y en definitiva las relaciones diplomáticas que, siquiera en protocolo y apariencia, lo ligaban a esa hechiza y nefasta España de los rojos, la cual durante un año no cesó de agraviarnos, hasta agotar nuestra paciencia tan sufrida; España roja que no es sino la rabiosa antítesis, la negación blasfema, execrable, de la genuina y bendita España tradicional; de la sustantiva, católica y duradera: la de nuestros antepasados, civilizadores y progenitores del Perú moderno. (RIVA-AGÜERO apud CARRASCO, p. 438).
Resultado de anos de investigação, o estudo de Muñoz Carrasco recupera textos pouco conhecidos de dezenas de intelectuais peruanos da época. Coloca-nos em contato com figuras centrais no panorama das letras e da política, cuja produção completa sobre a guerra civil é imprescindível registrar. Outra virtude do trabalho é que a variedade de materiais se apresenta, metodologicamente, dentro de um critério unificado quanto às tipologias de textos selecionados: a dimensão política do conflito se revela por meio de correspondências, poemas, discursos e artigos em jornais e periódicos que formam o cerne da produção intelectual peruana sobre a guerra civil. Junto à matriz propriamente política e ideológica das militâncias, quedamos surpreendidos pelo impacto pessoal e moral que emerge da ação de cada um dos envolvidos, cujas consequências, não raras vezes, podem estar além da ação das organizações. Resta ponderar sobre a atualidade do tema. Quando muito se discute a rarefação do indivíduo no campo da literatura e a evasão do sujeito da atividade política, ou quando as marcas tradicionais do engajamento são confrontadas pelo anonimato e a diluição, que parecem frustrar o próprio núcleo narrativo das experiências, o estudo de Carrasco restitui um debate que propõe repensarmos as grandes causas emancipacionistas, as vivências e representações sobre princípios e dilemas éticos.
Referências
CARRASCO, O. M. (Org.). Perú y la guerra civil española. La voz de los intelectuales. Madrid: Calambur Editorial, 2013. [ Links ]
KLAIBER, J. , S. J. Los intelectuales y la religión en el Perú. In: AGUIRRE, C.; McEVOY, C. (Eds.). Intelectuales y poder. Ensayos en torno a la república de las letras en el Perú e Hispanoamérica (ss. XVI-XX). Lima: Instituto Francés de Estudios Andinos, 2008, p. 457-477. [ Links ]
Marcos Gonçalves – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Contato: paideia_mg@yahoo.com.br.
¿Qué fue de Los InteLectuaLes? | Enzo Traverso
Por medio de la editorial Siglo Veintiuno de Argentina, llega al público latinoamericano de habla hispana una de las últimas producciones del historiador italiano Enzo Traverso. Teniendo un pasado de militancia en el autonomismo marxista itálico, es investigador graduado en Historia Contemporánea por la Universidad de Génova y Doctor, bajo la dirección de Michael Löwy, en la prestigiosa Escuela de Altos Estudios en Ciencias Sociales de París (EHESS). Su trayectoria académica y de pesquisa la efectuó a lo largo de dos décadas en Francia, fundamentalmente en la Universidad de Picardía Julio Verne, y en la actualidad se encuentra trabajando en la Universidad de Cornell (Estados Unidos). También ha sido profesor invitado en casas de altos estudios de países de los continentes americano y europeo. Historiador especialista en la historia de la ideas, apropiadamente ha sabido converger las tradiciones historiográfi cas italianas y francesas. A través de la lente del mundo cultural e intelectual judío de Europa, Traverso trabajó sobre las relaciones entre diversas miradas y tradiciones intelectuales como el marxismo, la cultura judía de Mitteleuropa y la Escuela de Frankfurt, interpretadas en función de las catástrofes y genocidios del siglo XX. Entre sus libros publicados, en idioma español se encuentran: Siegfried Kracauer. Itinerario de un intelectual nómada) (1998); (La historia desgarrada. Ensayo sobre Auschwitz y los intelectuales) (2001); (El Totalitarismo. Historia de un debate) (2001); (Los marxistas y la cuestión judía. Historia de un debate) (2003); (La violencia nazi. Una genealogía europea) (2003); (Cosmópolis. Figuras del exilio judeoalemán) (2004); (Los judíos y Alemania. Ensayos sobre la simbiosis “ judío-alemana”) (2005); (A sangre y fuego. De la guerra civil europea (1914-1945)) (2009); (El pasado, instrucciones de uso. Historia, memoria, política) (2011); (La historia como campo de batalla. Interpretar las violencias del siglo XX) (2012); y (El final de la modernidad judía. Historia de un giro conservador) (2014). En el ámbito académico de las ciencias sociales, sus producciones sobre historiografía contemporánea, conformación de identidades colectivas y memoria son una referencia permanente. Leia Mais
Intelectuais partidos: os comunistas e as mídias no Brasil | Marco Roxo e Igor Sacramento
Os comunistas guardavam sonhos
Os comunistas! Os comunistas!
(…) Vida sem utopia
Não entendo que exista
Assim fala um comunista.
(Caetano Veloso, 2012)
Os sonhos e a utopia são traços formadores da identidade comunista, entendida aqui da forma mais simples, como a imagem que um grupo cria e projeta de si, levando a ele mesmo e aos demais a reconhecê-lo de tal maneira. O caráter onírico presente no ideário comunista mistura-se com o materialismo também típico dos seguidores do marxismo. Essa conjunção entre a crença num futuro justo e a consciência das condições materiais e históricas para se alcançá-lo nem sempre se dá de forma harmônica. Sua dissonância fica ainda mais aguda quando se trata de intelectuais comunistas, acossados entre a independência da atuação intelectual e a disciplina militante.
“Intelectuais partidos”, organizado por Marco Roxo e Igor Sacramento, traz em seu título as pistas para que se perceba que o dilema entre a liberdade criadora e a subordinação às diretrizes partidárias é um dos temas que perpassa os artigos reunidos nesta coletânea. Seu subtítulo, “Os comunistas e as mídias no Brasil”, avisa aos leitores que se trata de um tipo bem específico de intelectuais: aqueles comunistas partidos (também) entre a mídia conservadora e a militante; entre a mídia partidária e a tentativa de atuação massiva.
O tema se sobressai num momento em que já se passam dos 90 anos de fundação do primeiro partido comunista no país, o PCB2 , que, segundo Ferreira Gullar, “não se tornou o maior partido do ocidente, nem mesmo do Brasil. Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem que falar dele”. Não é no sentido de heroicizar seus feitos, contudo, que a coletânea se desenvolve. Ela busca dar vazão justamente a “outro lado” dos comunistas: a realização de diversas expressões artísticas, intelectuais e até profissionais, às vezes com o necessário pragmatismo para a sobrevivência econômica, em meio a crises de ordem política e estética.
A fragmentação que marca a trajetória do PCB chegou ao ponto máximo em 1992, quando se decidiu pela dissolução do partido – não aceita por parte de seus militantes – e criação do Partido Popular Socialista (PPS). Apesar disso e do enfraquecimento do poder de influência do PCB na política brasileira desde a ditadura militar até o surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), inicialmente como nova força aglutinadora das esquerdas, a inserção de militantes e de ideias comunistas na esfera cultural foi bastante relevante. Se as portas da política institucional estiveram fechadas durante a maior parte da história do Partidão, frestas e janelas receberam os ares de sua atuação cultural em momentos cruciais da história recente do país. Discutir como esse fenômeno se desenrolou é uma chave de interpretação que ajuda a compreender como um todo o livro “Intelectuais partidos”, nesse desafio de se escrever sobre uma obra composta por doze textos distintos, assinados por doze autores diversos.
Esses autores vêm de diferentes instituições de ensino e áreas do conhecimento, especialmente da História e da Comunicação. A coletânea se divide em três partes: 1) “Os intelectuais e as políticas culturais comunistas”; 2) “As mídias comunistas”; 3) “Os comunistas nas mídias”. Em sua primeira parte, o artigo que abre o livro situa o leitor, de forma mais geral, no terreno da cultura comunista. Assinado pelo historiador Muniz Gonçalves Ferreira, abrange um largo período histórico, iniciando-se no século XIX (para dar conta das bases da imprensa periódica comunista, feita por Marx e Engels) e chegando até o golpe de 1964, no Brasil.
Os demais textos da primeira parte trazem aspectos particulares da relação dos intelectuais com as políticas culturais comunistas: a historiadora Ana Paula Palamartchuk aborda os romances e romancistas da geração de 1930 e sua relação com o PCB. Na sequência, o jornalista e doutor em Comunicação Dênis de Moraes, dentro deste mesmo tema, trata especificamente do escritor Graciliano Ramos, no fio da navalha entre as exigências do realismo socialista para a produção cultural, consubstanciadas na política djanovista, e o desejo de liberdade de criação e de contestação. A primeira parte se encerra com um artigo que foca o período de 1964 a 1968, que corresponde à instalação e início do recrudescimento do regime militar. Assinado pelo historiador Marcos Napolitano, o texto tem um recorte temporal, mas não por expressão artística ou personagem histórico, tratando da resistência comunista à ditadura no campo cultural.
A segunda parte, “As mídias comunistas”, apresenta artigos que abordam aspectos específicos, principalmente, da imprensa partidária: sua relação com a formação de quadros; com o cotidiano e a cultura carioca; com a cultura popular, expressa através do futebol. Os artigos são assinados respectivamente pelos historiadores Marcelo Badaró Mattos, Jayme Lúcio Fernandes Ribeiro e Valéria Lima Guimarães. Apenas o último texto dessa parte não se refere à imprensa, mas ao mercado editorial. Com enfoque sobre a Revista Civilização Brasileira, o sociólogo Rodrigo Czajka dá uma importante contribuição para que se compreenda a atuação cultural da esquerda no período ditatorial e sua relação com o mercado de livros e revistas.
Os artigos da terceira parte, “Os comunistas nas mídias”, dividem-se de acordo com as expressões midiáticas: jornalismo; teatro; cinema; rádio e televisão. O primeiro, assinado pelo doutor em Comunicação Marco Roxo, aborda o trânsito de jornalistas comunistas entre os veículos conservadores e os partidários. No segundo, a historiadora Rosangela Patriota trata da dramaturgia feita por comunistas ou autores próximos ao Partidão, da década de 1930 ao golpe de 1964. O comunicólogo Arthur Autran é responsável pelo texto que trata da atuação dos cineastas comunistas de 1945 a 1981. O livro se encerra com o artigo do doutor em Comunicação Igor Sacramento sobre o trabalho de intelectuais comunistas no rádio e na televisão a partir da trajetória de Dias Gomes.
A coletânea busca dar conta de um aspecto pouco estudado dos comunistas no Brasil. Sua relação com a mídia, em geral, é abordada a partir da atuação deles em veículos partidários ou na mídia alternativa. (O primeiro caso ainda aparece em “Intelectuais partidos”, porém com recorte inovador.) Quando se trata da grande mídia, é mais comum que se trate de como ela retratou os comunistas, como é o caso do livro “O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989)”, publicado por Bethania Mariani em 1998. A atuação dos comunistas nos veículos conservadores têm recebido pouca atenção das pesquisas, com exceção de alguns artigos e do livro “Depois da revolução, a televisão: cineastas de esquerda no jornalismo televisivo dos anos 1970”, de Igor Sacramento, um dos organizadores da coletânea.
Quando se trata de comunistas e mídia, o material mais encontrado refere-se à imprensa. “Intelectuais partidos” procurou fugir disso, abordando também o cinema, o teatro, a literatura, o rádio, a tevê e o mercado editorial. Contudo, um terço dos artigos ainda tratam de imprensa, um número grande se lembrarmos que há também os textos que não são recortados por linguagem ou veículo, porém um número que reflete a maior produção existente sobre o assunto. Uma lacuna é o papel dos publicitários comunistas, tema quase desconhecido, mas que é mencionado pela socióloga Maria Eduarda da Mota Rocha em seu livro “A nova retórica do capital: a publicidade brasileira em tempos neoliberais”.
Já o aspecto cultural da atuação comunista não apresenta exatamente uma novidade no universo das pesquisas brasileiras. Ainda assim, estão dispersas em livros, teses e artigos, por vezes sobre certas figuras intelectuais e artísticas, como Oduvaldo Vianna Filho, Graciliano Ramos ou Jorge Amado. Em outros casos, podem ser encontrados textos em coletâneas já consagradas e que tem temática mais geral, como em “História do marxismo no Brasil”. Nesse ano, foi lançada mais uma colaboração sobre cultura e comunismo: o livro “Comunistas brasileiros: cultura política e produção cultural” (organizado por Marcos Napolitano, Rodrigo Czajka e Rodrigo Patto Sá Motta).
Mesmo sendo alvo de mais publicações, a cultura comunista relacionada à mídia ainda está pouco presente em livros. Dos doze artigos de “Intelectuais partidos”, apenas quatro já tiveram seus temas ou temas correlatos publicados em livros individuais por seus respectivos autores (incluindo o de um dos organizadores, Igor Sacramento, já citado nesta resenha). Dessa forma, mesmo com suas lacunas – que sempre existirão em qualquer obra –, “Intelectuais partidos” é fundamental tanto para os que pretendem compreender o papel dos comunistas na esfera midiática e cultural quanto para a História da Comunicação no Brasil.
Nota
2 Em 1922, foi fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB) e, em 1962, a organização mudou de nome para Partido Comunista Brasileiro, mantendo a mesma sigla.
Resenhista
Mônica Mourão – Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Contato: monicamourao@gmail.com
Referências desta Resenha
ROXO, Marco; Sacramento, Igor (Orgs.). Intelectuais partidos: os comunistas e as mídias no Brasil. Rio de Janeiro: E-Papers, 2012. Resenha de: MOURÃO, Mônica. Entre o pão e a poesia: dilemas da atuação comunista nas mídias brasileiras. Revista Brasileira de História da Mídia. São Paulo, v.3, n.1, p.165-166, jan./jun. 2014. Acessar publicação original [DR]
Intelectuais e Comunismo no Brasil: 1920-1950 | Cândido Moreira Rodrigues
Seguindo o fluxo multidisciplinar na investigação de discursos, práticas, representações, imagens, memórias e esquecimentos, cinco professores – da Universidade Federal de Mato Grosso, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Universidade Estadual de Londrina e Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho – condensaram suas reflexões sobre ações, pensamentos e relações de intelectuais com o comunismo na primeira metade do século XX.
O capítulo inicial, a cargo de Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus, aborda o comportamento anticomunista de Gustavo Barroso. Bacharel, parlamentar, secretário de Estado e presidente da Academia Brasileira de Letras, Barroso liga-se, na década de 1930, à Ação Integralista Brasileira (AIB), nem sempre se submetendo às diretrizes de seus principais líderes. Leia Mais
Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas – ALVES (RBHE)
ALVES, Claudia; LEITE, Juçara Luzia. Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: MAIA, Manna Nunes. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 261-266, jan./abr. 2013.
Nas últimas décadas, a produção em História da Educação expandiu-se consideravelmente”, como resultado do papel desempenhado tanto pela pós-graduação quanto por instâncias de organização, debate e divulgação da pesquisa histórico-educacional. Ao mesmo tempo, há um processo de inflexão dos modelos interpretativos, referenciais teóricos, objetos de investigação, objetivos, temáticas, fontes documentais, periodizações e metodologias de pesquisa da área.
Articulada a esses processos, houve a publicação de vários estudos que, ao analisarem aspectos da pesquisa histórico-educacional, têm permitido a problematização e (por que não?) renovação de categorias já consagradas. Entre elas, a categoria “intelectual” tornou-se objeto de investigação dos historiadores da educação, cujos trabalhos possibilitaram questionar o viés tradicional de abordagem histórica do tema. Propiciaram, portanto, superar análises que se centravam na exposição das ações e feitos dos considerados grandes personagens, de um lado, ou centradas em perspectivas que apagavam a ação dos sujeitos, de outro. Insere-se, nesses trabalhos, a publicação de Claudia Alves e Juçara Luzia Leite, intitulada Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas, que integra a coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, em comemoração aos dez anos de fundação da Sociedade Brasileira de História da Educação.
A primeira parte da coletânea procura iluminar o debate teórico com base nas contribuições de pesquisas dos autores que a compõem. No primeiro capítulo, Carlos Eduardo Vieira problematiza o conceito de intelectual a partir da análise das ideias e da trajetória do intelectual paranaense Erasmo Pilotto (1910-1992). A crença no protagonismo do Estado e no papel dos intelectuais, articulada à ideia de que o caminho para a modernidade seria trilhado por meio de investimentos na cultura e na educação, incentivou a militância de Erasmo Pilotto nos referidos campos, por meio da publicação de diferentes materiais, da ação enquanto educador, da criação de inúmeras instituições e grupos e, ainda, da ocupação de posições importantes na esfera política. Por meio do estudo dessa trajetória, o historiador põe em questão aspectos fundamentais do conceito em foco na coletânea, concernentes à construção da identidade dos intelectuais, envolvendo seu engajamento político e suas crenças na modernidade e no papel do Estado.
Em seu trabalho, Marlos Bessa Mendes da Rocha disserta sobre o Decreto-lei Couto Ferraz (1854) que instituiu, pela primeira vez, a educação como um sistema de política pública. Para analisar o referido decreto-lei, com foco na relação entre a história intelectual da política e a história institucional das práticas políticas, Rocha baseia-se em alguns pontos, dentre os quais: o vocabulário normativo da época; os axiomas herdados; os projetos de sociedade, Nação e Estado; a comparação entre o Decreto-lei Couto Ferraz e as leis que o antecederam e sucederam; a concepção de educação na época e a recepção da lei na sociedade. Além disso, o autor destaca a conjuntura da época, em especial o contexto intelectual em que as formulações do decreto-lei foram concebidas. Aqui, a questão conceitual margeia a história das ideias.
Na sequência, Claudia Alves analisa a formação da oficialidade do Exército no século XIX. Os sujeitos de pesquisa selecionados foram os intelectuais militares que desempenharam funções dirigentes e organizativas no Exército e em instâncias da sociedade e do Estado, atores não privilegiados na historiografia. Sem desmerecer o papel desempenhado pela Escola Militar e, a partir do conceito ampliado de formação (que englobaria a dimensão prática, dirigente e política), Alves demonstra que outros espaços no interior do Exército foram determinantes na formação da parcela intelectualizada da oficialidade durante o período investigado.
Amália Dias centra sua análise na dicotomia entre as funções de “intelectuais” e de “trabalhadores” que o magistério secundário enfrentou no pós-1930. De um lado, as leis e projetos implementados durante o Estado Novo puseram em marcha um projeto de profissionalização do magistério de ensino secundário, que o submetia aos parâmetros estatais, ao mesmo tempo que o requisitava como agente do “apostolado cívico”. Por outro lado, houve um movimento de reação organizada em sindicatos, efeito da condição de “trabalhadores do ensino” dos professores secundários, procurando garantir seus direitos e deveres. Nessa análise, Dias evidencia a defasagem entre o elevado prestígio social dos professores e a sua situação econômica, como trabalhadores assalariados, tratando de outra faceta da categoria intelectuais, associada à profissionalização do magistério.
A imprensa constituiu-se historicamente como locus de atuação dos intelectuais, estando fortemente imbricada à própria emergência social desse personagem no século XIX. Na segunda parte da coletânea, estudos que se debruçaram sobre a relação entre intelectuais e imprensa apresentam possibilidades de abordagem sobre esse aspecto. O capítulo de autoria de Bruno Bontempi Júnior aborda o “Inquérito sobre a instrução pública em São Paulo, publicado em O Estado de São Paulo”, em que jornalistas e educadores teceram observações a respeito do ensino primário paulista. Uma série de aspectos validou a capacidade desses personagens de dissertarem sobre a situação educacional de São Paulo, que, somada à crescente influência do jornal mencionado, fizeram com que se produzissem e veiculassem discursos educacionais considerados legítimos acerca da situação e dos rumos da instrução pública nesse estado. Recorrendo à noção de expertos de Norberto Bobbio, o autor põe em questão a formação e o pertencimento dos respondentes ao Inquérito, que têm seus discursos potencializados pela ação do jornal.
Em seguida, Clarice Nunes reflete sobre como se tornou possível a afirmação de um grupo de mulheres como intelectuais na sociedade patriarcal do final do século XIX e início do XX. Em uma conjuntura de consolidação da imprensa como canal de difusão de ideias e de mudanças na indústria jornalística e literária, foram abertos espaços nas redações dos jornais e editoras para as mulheres. Por meio da publicação de seus escritos, algumas mulheres conseguiram ultrapassar as fronteiras da casa e da escola. Ou seja, ao se tornarem escritoras, as mulheres ganharam prestígio e visibilidade na sociedade, naquele período, constituindo um grupo novo, embora minoritário na categoria dos intelectuais, potencializado pelo trabalho no magistério.
Maria de Araújo Nepomuceno toma a revista Oeste como objeto de estudo e fonte de pesquisa. Iluminado pelos conceitos de Estado e intelectual de Antonio Gramsci, o estudo identificou que a citada revista foi, gradativamente, mudando sua proposta. Originalmente projetada no âmbito da “sociedade civil” para apresentar intelectuais goianos, a revista foi se constituindo em um veículo divulgador dos princípios político-ideológicos do Estado Novo e de propaganda de Goiânia e do interventor Pedro Ludovico. A ambivalência da atuação dos intelectuais, na sociedade civil e na sociedade política, transparece nas páginas do periódico.
Se a escrita é a forma de expressão evidente do intelectual, o livro é o objeto símbolo desse trabalho. A terceira parte da coletânea traz pesquisa que analisaram livros e seus escritores. André Luiz Bis Pirola faz uma reflexão sobre a obra didática Noções abreviadas de Geografia e História do Espírito Santo, escrita pelo professor Amâncio Pereira. Analisa-o como um documento privilegiado para compreender as disputas e as alianças em torno da correta leitura de história e de educação no esforço de forjar uma “identidade nacional”. Destaca os lugares de memória e os protocolos de pertencimento, em âmbito local, que organizaram a intelectualidade e os seus debates no processo de definição do cânone historiográfico.
No seu trabalho, Maria Arisnete Câmara de Morais estuda duas publicações da escritora Sophia Lyra: Vida íntima das moças de ontem e Rosas de neve. Nelas, Sophia Lyra exterioriza alguns questionamentos, costumes, linguajar, conflitos, problemas e a situação da mulher na década de 1930, assim como traça um painel dos hábitos, tradições e maneiras de ser da sociedade brasileira naquele período. Discorre, portanto, sobre vários assuntos latentes na sociedade na primeira metade do século XX. Por meio da análise desses ensaios, Morais consegue superar a recorrente noção de que as mulheres viviam alienadas da realidade do Brasil naquele período.
Dislane Zerbinatti Moraes toma como objeto de investigação os romances escritos por cinco professores-escritores entre os anos de l920 e l935. Apesar de terem interpretações e posições diferenciadas no campo do magistério, os autores analisados por Moraes têm em comum a utilização da ficção, mais especificamente do romance, como modo de expressão das tensões, expectativas e experiências desses intelectuais enquanto professores. Por conta disso, esses escritos destacam aspectos do contexto educacional da época, visando à produção de algum tipo de transformação na realidade escolar e à obtenção de reconhecimento profissional. O romance, como ferramenta intelectual, abre um campo de expressão de insatisfações, interditado no discurso pacificador dos historiadores da educação no mesmo período.
Marcus Aurélio Taborda de Oliveira analisa o compêndio História da América, de José Francisco da Rocha Pombo, que inaugurou uma tradição de reflexões críticas à colonização europeia na América Latina, considerando o ensino de história fundamental para conhecer o passado de opressão dos povos latino-americanos, resistir aos padrões civilizatórios e reverter o quadro de atraso da América Latina. Entretanto, essa forma de conceber a colonização não se repetiu nas demais obras do autor. O texto de Taborda coloca, então, em cena, contradições que marcam uma trajetória de vida e produção intelectual, na qual, por vezes, a grande originalidade pode estar no ponto de partida.
As relações entre educação, civilização e modernidade dão o tom dos textos da última parte da coletânea. Em seu estudo, Juçara Luzia Leite assinala que o pós-Primeira Guerra fortaleceu a preocupação sobre a influência do ensino de história nas relações entre povos e nações. No caso dos livros didáticos, sua função educativa e moralizadora aparece nos cuidados de agências de Estado, tratados inclusive em convênios internacionais. A participação de intelectuais, políticos e professores, na construção desses convênios, permite observar o sentido de missão que se autoatribuíam na construção de um projeto civilizatório. Com isso, as reflexões de Leite permitem-nos perceber nuançes do uso social do trabalho intelectual, envolvido por questões que marcam uma época.
Em seu trabalho, Maria Helena Câmara Bastos analisa a atuação de Manoel Francisco Correia, intelectual representativo dos debates que propugnavam o progresso da sociedade brasileira, defendendo avanços na instrução popular. Membro da elite intelectual e política da época, Manoel Francisco Correia pretendia promover os conhecimentos úteis ao progresso da sociedade, assumindo a tarefa de remodelar o imaginário e as práticas pedagógicas no país. Para isso, organizou as Conferências Populares da Freguesia da Glória, espaços privilegiados de discussão de ideias educacionais na cidade do Rio de Janeiro no período de 1873 a 1890. Aspectos da Modernidade, que se anunciam em fins do século XIX, podem ser apreendidos na análise desse intelectual.
Iranilson Buriti de Oliveira estuda algumas imagens construídas por Belisário Penna sobre a educação sanitária, problematizando as aproximações entre os saberes médico e pedagógico. Em uma conjuntura em que os médicos assumiram a responsabilidade de remediar e educar a população, preocupados em mudar a nação a partir da escola, Belisário Penna denunciou as precárias condições sanitárias da maioria das unidades da federação brasileira e fundou a “Liga Pró-Saneamento do Brasil”, em 1918. Oliveira procura compreendê-lo a partir dos seus escritos, mapas de viagem, fotografias, retratos, buscando captar sua perspectiva crítica, mas, também, suas angústias, medos, tensões. O texto convida o leitor a perceber o que a produção de um intelectual projeta como imagem de si.
Ao final, Maria do Amparo Borges Ferro analisa a figura e a atuação do padre Marcos de Araújo Costa na primeira metade do século XIX, que teve grande influência nos diversos setores em Oeiras, antiga capital do Piauí. Embora não tenha ocupado cargos ou funções na burocracia estatal, esse intelectual piauiense lutou contra a ameaça de retorno do Piauí à condição de dependência político-administrativa da província do Maranhão e se dedicou à educação do povo, usando o patrimônio herdado na fundação e manutenção de uma escola para garotos, que se tornou referência para toda a região, entre 1820 e 1850. O texto da autora instiga a atenção para sujeitos que utilizam sua capacidade intelectual para fazer história por meio da educação.
Na presente resenha, tentamos assinalar a contribuição dessa coletânea para os estudos histórico-educacionais. São autores de diferentes regiões do país e de competência reconhecida no campo da História da Educação, que, com suas especificidades, clareza de objetivos e delimitação precisa de suas questões, proporcionaram-nos uma leitura rica e nos dão a oportunidade de pensar, questionar e enriquecer futuros estudos na temática. Ao mesmo tempo, as análises empreendidas em cada estudo são de grande valia para os interessados no passado educacional brasileiro, abordado pelo prisma da ação de um grupo específico de agentes, os intelectuais.
Ao traçar um espectro da pesquisa sobre o tema, Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas traz uma contribuição particular aos estudos sobre a categoria intelectuais, em uma conjuntura em que emergem, cada vez mais, discussões teóricas e metodológicas em torno dela. O livro incentiva os historiadores da educação a fazerem uma (re)leitura de seus trabalhos sobre intelectuais, assim como estimula aqueles que pretendem trabalhar com essa categoria. Para isso, os trabalhos nele publicados indicam vias que podem ser exploradas: itinerários de formação; redes de sociabilidade; escritos; ligações com a formulação de políticas públicas de educação; iniciativas de escolarização lideradas; representações e práticas culturais; contextos sócio-educacionais; itinerários pessoais e coletivos; ambiência cultural; constructos intelectuais de época; lugares frequentados; ideários, leituras e representações.
Manna Nunes Maia – Pedagoga formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Mestre em Educação também pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail:mannanunes@gmail.com
Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da academia | Russell Jacoby
Em meio à última greve nas Instituições Federais de ensino, a leitura de Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da Academia, levanta um debate franco sobre o papel das universidades brasileiras, de seus professores e de sua bandeira: ensino, pesquisa, extensão. Esgotado no Brasil e pouco conhecido, o livro de Russel Jacoby, um professor exmilitante de esquerda apresenta uma crítica sobre o papel do intelectual frente aos problemas do seu tempo. Foca-se na área das ciências humanas e da literatura estendendo-se um pouco ao jornalismo e aos contextos do antes e do pós-guerra nos Estados Unidos, momento da expansão dos campi por todo o país. O autor defende a tese de que naquele país o intelectual público desapareceu completamente, não deixando ninguém no seu lugar, exceto um punhado de professores universitários tímidos, dominados por um jargão peculiar nos quais ninguém na sociedade prestava muita atenção, independentemente, se conservadores ou esquerdistas. Além desse trabalho, o único prublicado no Brasil, Jacoby é autor de Social Amnesia (1975), The dialetc of Defeat (1981) e The Repression of Psychoanalysis (1983). Leia Mais
As coisas são assim: pequeno repertório científico do mundo que nos cerca – BROCKMAN; MATSON (EPEC)
BROCKMAN, J; MATSON, K. (Orgs.). As coisas são assim: pequeno repertório científico do mundo que nos cerca. Diogo Mayer, Suzana Sturlini Couto (Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 308 páginas. Resenha de: SIMÕES, Ceane Andrade. As coisas são assim? Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.14, n. 02, p. 187-192, ago./nov., 2012.
UMA APROXIMAÇÃO À “TERCEIRA CULTURA” E À SUA TENTATIVA DE SÍNTESE
Se você estivesse numa sala repleta de cientistas famosos e pudesse formular apenas uma pergunta a cada um deles, quais seriam essas perguntas? É a partir dessa provocação que John Brockman e Katinka Matson organizam a obra de divulgação científica As coisas são assim: pequeno repertório científico do mundo que nos cerca. Ela é uma escritora e artista que vem empregando a tecnologia nas suas obras para estudar a nossa intrincada relação com a natureza e com mundo2. Brockman é um agente literário nova-iorquino bastante requisitado por personalidades prestigiadas no meio científico.
Em função dessa relação íntima com pensadores e cientistas, ele foi capaz de criar diversas maneiras de estimular a manifestação destes, especialmente por meio eletrônico. Habitualmente, Brockman formula diversos questionamentos e provocações aos seus autores e os envia por correio eletrônico ou cria listas de discussão em sua página na internet3. As respostas obtidas são organizadas em livros, tal como a obra que apresentaremos.
O espaço virtual de interlocução entre cientistas, escritores, filósofos, sociólogos e investigadores criado por Brockman, no Edge Foundantion, é chamando de The World Question Center. Representa a ponte entre o pensamento científico e o pensamento filosófico-sociológico, ou seja, a tentativa de junção da cultura humanística com a científica, a qual Brockman prefere chamar de Terceira Cultura4. Segundo ele, The Third Culture “consiste nos cientistas e outros pensadores no mundo empírico que, através do seu trabalho e dos seus ensaios, estão a tomar o lugar do intelectual tradicional na tarefa de tornar visíveis os significados mais profundos das nossas vidas, redefinindo quem e o que somos” (extraído do site www.edge.org, tradução nossa).
Os colaboradores de Brockman, que ele classifica como as mentes mais interessantes do mundo, são verdadeiros intelectuais em ação e a exposição de suas ideias significa o reconhecimento das capacidades especulativas daqueles a que estamos mais habituados a ver como representantes do rigor e da exatidão.
A proposta de uma terceira cultura não é, necessariamente, uma novidade. Snow, na obra As Duas Culturas, publicada originalmente em 1959 – ampliada em 1963 sob o título The two Cultures: a Second Look, e editada no Brasil sob o título As Duas Culturas e uma segunda leitura: Uma Versão Ampliada das Duas Culturas e a Revolução Científica -, já criticava o distanciamento entre as ciências naturais e as humanidades. Tal distanciamento, resultante da especialização excessiva existente nesses dois campos, provocaria o empobrecimento da visão dos intelectuais5, tornando- os ignorantes ou nas ciências naturais ou na cultura humanística, o qual poderia ser superado com o surgimento de uma outra cultura capaz de fazer confluir vários campos do conhecimento. Essa nova cultura, ou Terceira Cultura, prevista por Snow, surgiria para reduzir o fosso de comunicação entre literatos e cientistas.
A polêmica instaurada por Snow sobre o desconhecimento de conceitos básicos da ciência pelos humanistas (ou literatos) e, por outro lado, a ignorância das dimensões sociais, éticas e psicológicas dos problemas científicos pelos próprios cientistas, pode sugerir os impactos gerados no campo educacional. Para ele, a educação deveria se ocupar com o cultivo de mentes criativas e de indivíduos que usufruam e produzam ciência e arte, assumindo o dever de minorar o sofrimento de seus contemporâneos (KRASILCHIK, 1992).
É nesse espírito de superação das dicotomias culturais que Brockman e Matson organizam As coisas são assim, uma coletânea de ensaios escritos por trinta e quatro renomados cientistas e pensadores, em abordagem sucinta e instigante.
Engana-se quem, assim como eu inicialmente, faz uma breve incursão pelo livro e acredita estar diante de um manual ao estilo “tudo que é preciso saber sobre a ciência” ou de um guia de explicitação de conceitos científicos. Os artigos presentes nessa obra ultrapassam esse lugar comum e permitem um inquietante interesse sobre a ciência e seus usos e métodos de construção de conhecimentos. Como os próprios autores afirmam na introdução, são apresentadas contribuições que funcionam como ideias elementares, conceitos básicos ou como ferramentas para o pensamento. Esse intento fica bem claro no título original do livro, publicado em 1995, “How Things Are: A Science Tool – Kit for the Mind”, que pode ser traduzido como “As coisas são assim: uma ferramenta científica – kit para a mente”.
A obra está dividida em seis partes: Pensando sobre ciência; Origens; Evoluções; A mente; O cosmos e o futuro. Os artigos são acompanhados, ao final, por uma breve descrição sobre seus autores, do que se ocupam e de suas principais pesquisas e obras. Essa síntese é bastante elucidativa e serve para situar os leitores, especialmente aqueles que têm pouca intimidade com nomes como os de Richard Dawkins, Daniel Dennet, Niles Eldredge, entre outros.
Na parte I (Pensando sobre ciência) encontramos os ensaios “Só isso ou tudo isso?”, em que a zoóloga Marian Stamp Dawkins, ao tratar das explicações científicas, lembra aos que julgam que elas retirariam a beleza dos “mistérios do mundo”, que a ideia é justamente o contrário e afirma: (…) explicar algo de modo científico não o diminui. Intensifica-o. (p.17). No ensaio “Sobre a naturalidade das coisas”, a antropóloga Mary Catherine Bateson fala das constantes confusões criadas em torno dos conceitos de natureza e natural. A forma como muitas vezes empregamos o sentido de natureza faz com que ela possa parecer algo a ser contornado. Outras vezes ela é colocada como o oposto de cultura ou como aquilo que é não influenciado por atos humanos. Então, a autora alerta: (…) o mais grave de tudo é que a visão da comunidade humana como algo separado da (e em oposição à) natureza se tornou natural.
(p.28). Em “Boas e más razões para crer”, o evolucionista Richard Dawkins fala das diferenças entre as provas encontradas pelos cientistas e as crenças. Muitas crenças são incutidas secularmente pelas tradições, por uma ação de autoridade, ou surgem por uma suposta “revelação”. Os fatos da ciência parecem ter a mesma conotação.
A diferença, segundo ele, é que os que anunciam fatos científicos viram as provas e estas podem ser examinadas.
Na parte II (Origens), estão os ensaios: “O que aconteceu antes do Big Bang?”, escrito pelo físico teórico e professor de Filosofia Natural Paul Davies, que concebe a ideia de que pensar, por exemplo, por que o Big Bang aconteceu, também pode levar a questionamentos como o que intitulou esse ensaio, em uma espécie de regressão infinita. Tal problema é enfrentado com frequência pelos cientistas.
“O fascínio da água”, escrito pelo Físico-Químico Peter Atkins, faz uma descrição sobre como, a partir de uma estrutura molecular tão simples, pode surgir a água.
Ele fala que o prazer de contemplar a água é reforçado quando sabemos de sua essencialidade para o surgimento e manutenção da vida. “De onde viemos?”, escrito por Robert Shapiro – professor de Química da New York University -, trata das origens da vida e questiona: “Como é que a vida surgiu pela primeira vez, neste ou em qualquer outro lugar do universo onde possa existir?” (p.58). “Quem culpamos pelo que somos?” escrito pelo biólogo reprodutivo Jack Cohen, fala sobre o DNA como princípio organizador da vida e desconstrói alguns mitos sobre ele, como aqueles contidos em perguntas como “Como é que o DNA faz a mosca?”. A resposta é simples, ele não faz. O que faz a mosca ou qualquer outro ser vivo é o processo de desenvolvimento no todo. “O triunfo do embrião”, de Lewis Wolpert – pesquisador da área de biologia celular –, questiona, por exemplo, “Como algo tão pequeno e sem graça quanto um ovo pode originar um complexo ser humano?” e “Como os genes, o material hereditário, podem controlar esses processos de gerar a espantosa variedade de formas vivas? (p.75).
“Do kefir à morte”, da bióloga Lynn Margulis, fala da morte e sobre o que significa “morte programada”. Ela afirma: “A morte significa a perda das fronteiras nítidas de um indivíduo; com a morte, o ser se dissolve”. (p.83).
Na parte III (Evolução), estão os ensaios: “Três aspectos da evolução”, escrito pelo evolucionista e paleontólogo Stephen Jay Gould, que trata do que a evolução não é, o que ela é e que diferença isso faz para nós. “Nossa gangue”, escrito pelo antropólogo Milford Wolpoff, trata de esclarecer as relações entre os seres humanos e o macaco e sobre o papel da Paleoantropologia em desenvolver teorias sólidas sobre a evolução humana. “E o incesto?”, escrito por Patrick Bateson – antropólogo -, fala que o desenvolvimento do tabu do incesto está historicamente relacionado ao controle do abuso sexual dentro das famílias. “Porque algumas pessoas são negras?”, escrito pelo biólogo Steve Jones, lembra que a falta de explicações simples para uma pergunta tão simples revela algumas fraquezas da teoria da evolução e daquilo que a ciência é capaz de dizer sobre o passado ou daquilo que ela já não pode verificar diretamente, ainda que ela nem sempre requeira provas experimentais diretas. Em “O acaso e a história da vida”, o paleontólogo Peter Ward questiona por que os mamíferos, incluindo os humanos, dominaram a Terra e “(…) por que os dinossauros não estão mais por aqui, se eram tão bem adaptados?” (p.138). “Ninguém gosta de mutantes”, escrito pela bióloga evolucionista Anne Fausto-Sterling, trata sobre o que é o normal e o natural na relação com o anormal e o artificial. Ela diz: “O não-natural, o natural, o normal, o anormal, o moral, o imoral se misturam. Ao discuti-los, tentemos pelo menos ser os mais claros possível.” (p.146).
Na parte IV (A Mente), estão os ensaios: “Como cometer erros”, escrito pelo filósofo Daniel Dennett, que lembra que cometer erros é a chave para o progresso.
E diz: “Você deveria procurar oportunidades para cometer grandes erros, só para então se recuperar deles”. (p.151). “A mente pode fazer mais do que o cérebro?”, escrito pelo lógico Hao Wang, questiona se essa é realmente uma pergunta científica, pois atualmente filósofos e cientistas entendem que mente e cérebro se equivalem. “Como pensar sobre o que ninguém jamais pensou?”, escrito pelo neurofisiologista William Calvin, sintetiza a interessante ideia de pensar sobre o próprio pensamento. “O quebra-cabeça das médias”, escrito pelo neurobiólogo Michael Gazaniga, discute que cada cérebro possui um padrão único, apesar de que no decorrer do “treinamento científico” as médias estarão sempre presente. “Ceteris Paribus (Tudo o mais sendo invariável)”, do antropólogo Pascal Boyer, defende que a ciência tem sido o empreendimento intelectual mais bem sucedido entre todos, até o momento. “Dar mais uma olhada”, escrito pelo psicólogo Nicholas Humphrey, trata da ilusão, do improvável e do impossível.
“O que saber e como aprendê-lo”, escrito pelo psicólogo Roger Shank, argumenta sobre a importância de aprender fazendo. “Como nos comunicamos?”, escrito pelo antropólogo Dan Sperber, discute aspectos essenciais da comunicação humana.
“A mente, o cérebro e a pedra de Roseta”, do neurocientista Steven Rose, traz elementos para a discussão sobre a dicotomia mente-cérebro e ressalta as outras diversas dicotomias presentes em nossa linguagem. “Estude o Talmude”, escrito pelo cientista da computação David Gelernter, trata sobre aprender a ler e apresenta o Talmude como um modelo importante para isso. “Identidade na Internet”, da psicóloga Sherry Turkle, faz uma análise sobre as personalidades assumidas pelos usuários de chats e sobre como os computadores mudam a nossa maneira de pensar.
Na parte V (O Cosmos), estão os ensaios: “O que é o tempo?”, em que o físico Lee Smolin lembra que qualquer criança sabe o que é o tempo, mas em algum momento terá que lidar como os paradoxos que estão por trás dessa noção. Ele explica como o mistério do tempo foi se aprofundando para ele e lança questões como: os relógios medem o tempo real? Existirá uma forma de medir o tempo real do mundo? O tempo absoluto existe?. “Aprendendo o que é através do que não pode ser”, escrito pelo físico Alan Guth, remete a pensar sobre a importância do impossível para a ciência, embora ela seja, a princípio, o estudo das coisas possíveis. “Simetria: o fio da realidade”, escrito pelo matemático Ian Stewart, fala dos padrões de simetria na natureza, lembrando que ela pode parecer apenas uma repetição de estruturas sem maior importância, mas que influencia a visão científica no universo. “Relatividade especial: porque não podemos nos mover mais rápido do que a velocidade da luz”, escrito pelo cientista da computação Daniel Hillis, discute sobre a impossibilidade de não se poder viajar mais rápido que a velocidade da luz.
Na última parte (O Futuro), estão os ensaios: “Quanto tempo durará a espécie humana?”, escrito pelo professor de Física Freeman Dyson, que trata dos prognósticos da ciência, lembrando inicialmente das previsões sombrias de Robert Malthus sobre o aumento geométrico da população e o aumento aritmético da produção de alimentos. “A singularidade do atual crescimento da população humana”, escrito pelo matemático de populações Joel Cohen, fala sobre o atual crescimento populacional na Terra. O autor lembra que a espécie humana está passando por um pico transitório e breve de crescimento populacional que, além de não ter precedentes, provavelmente será o único. “Quem herdará a Terra? Carta aberta a meus filhos”, escrito pelo paleontólogo Niles Eldredge, questiona as previsões sobre o fato de o mundo estar indo “por água abaixo”, apesar de todos os impactos negativos causados pela nossa forma de existência e pelo crescimento populacional. “A ciência consegue responder a todas as perguntas?”, em que – tomando o exemplo da desconfiança de Auguste Comte sobre a possibilidade de a ciência responder a tudo, mediante a pergunta “Do que são feitas as estrelas?” – o astrofísico Martin Rees demonstra como os astrônomos responderam sobre o que são as estrelas.
A visão trazida por essa obra remete à ciência como uma forma de entender o mundo. Aliás, uma das características que perpassa os ensaios é a do alto poder explicativo da ciência. A perspectiva é notadamente a das Ciências Naturais, por isso, apesar da intencionalidade dos autores em buscar uma via alternativa à dicotomia entre as culturas humanística e científica, temos aqui uma bela exposição dos modos de produção desse campo específico. Tal fato não lhe tira o mérito, pois como é anunciado na “orelha” dessa obra, “Ouvir o que os cientistas têm a dizer é fascinante e muitas vezes surpreendente. Um jeito novo de ver as coisas é oferecido”.
Pensar a ciência como uma lente que nos permite enxergar a realidade de uma determinada maneira, implica em compreendê-la como uma cultura, tal como uma linguagem. Ou seja, percebê-la como uma forma de consenso compartilhado por um grupo social, que afeta as suas práticas e em que a produção e intercâmbio de significados são negociados entre os seus membros. Nesse caso, a ciência não poderia ser analisada como algo que se orienta independentemente de uma matriz sociocultural, mas sim como algo em que a implicação da relação entre cognição com tempos históricos, culturas e sociedades específicas lhe é constitutiva (ZARUR, 1994).
De qualquer modo, a obra nos oferece a visão de que o exercício da indagação e do questionamento é, por si mesmo, muito precioso, e sugere, mesmo que indiretamente, uma importante reorientação para o ensino de ciências.
Notas
1 Esta resenha foi elaborada no âmbito de uma disciplina de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas, cuja tônica era a discussão sobre o papel ocupado pela Ciência em nosso contexto cultural. Nessa altura, a obra As coisas são assim foi selecionada como um texto representativo do gênero divulgação científica e antes de optar por trabalhar com ela, foram realizadas algumas buscas na internet, não sendo encontrada nenhuma resenha publicada nos meios em que se discute a educação em ciências. Entendemos que isso justifica o fato de resenharmos uma obra de publicação não tão recente.
2 Em sua técnica de fotografia, Katinka emprega scanner de mesa que, na captura das imagens, dá ritmo e profundidade às pétalas, caules e pistilos. Assim, luz e sombra contribuem para realçar, de uma forma vívida, detalhes do desenho e as suas cores. Procurar mais detalhes em http://www.katinkamatson.com. Ela é presidente da agência literária Brockman Inc. e co-fundadora e diretora da Edge Foundation.
3 Uma das perguntas anuais lançadas por Brockman no seu site (www.edge.org) foi “Qual é a maior invenção dos últimos 2 mil anos?”. A organização das respostas deu origem ao livro As Maiores Invenções dos Últimos 2 Mil Anos, publicado no Brasil em 2000, pela Editora Objetiva. Em outra lista de discussão, que alcançou 120 contribuições de cientistas, intelectuais e artistas, foi perguntado “What do you believe is true even though you cannot prove it?” (O que você acredita que seja verdade mesmo que não possa provar?). Estas ideias foram organizadas no livro Grandes idéias impossíveis de provar, publicado em Lisboa em 2008, pela Editora Tinta da China.
4 Conferir artigo de Nuno Crato na Revista da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Disponível em http://nautilus.fis.uc.pt/cec/arquivo/Nuno%20Crato/ 1998/19980711%20A%20terceira%20cultura.pdf 5 Os intelectuais (tradicionais) seriam os literatos, “homens das letras” ou críticos literários, colocados em oposição aos cientistas ou pessoas com formação científica. Para Brockman, os intelectuais da Terceira Cultura, os terceiro-pensadores, teriam o papel de comunicadores. Eles seriam “sintetizadores” da ciência, pessoas que não apenas conhecem coisas, mas que moldam o pensamento de sua geração e, para isso, estabelecem uma via de comunicação direta com seu público. Essa via tem sido conhecida hoje sob o rótulo de literatura de divulgação científica. A chamada do público para os debates científicos coloca a ciência em uma posição central na vida cultural moderna.
Referências
KRASILCHIK, M. Resenha As duas culturas e um segundo olhar. Em Aberto, ano 11, nº 55, jul./ set. 1992. Disponível em: <http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/823>.
Acesso em: 12 de agosto de 2009.
SNOW, C. P. As Duas Culturas e uma segunda leitura: uma versão ampliada das duas culturas e a revolução científica. Renato Rezende Neto (Trad.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: 1995.
ZARUR, G. I. A arena científica. Campinas, SP: Editora Autores Associados, 1994.
Ceane Andrade Simões – Mestranda em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora da Universidade do Estado do Amazonas (UFAM). E-mail: ceane.a@gmail.com
[MLPDB]Os intelectuais diante do racismo antinipônico no Brasil: textos e silêncios – NUCCI (A)
NUCCI, Priscila. Os intelectuais diante do racismo antinipônico no Brasil: textos e silêncios. São Paulo: Annablume, 2010. Resenha de: RAMOS, Alexandre Pinheiro. Antíteses, v.5, n.9, p.475-479, jan./jul. 2012.
A palavra japonesa hedatari significa “distância”, mas ela também expressa a forma como as relações interpessoais são construídas e afetadas pela distância física entre os indivíduos bem como as subjetividades encerradas em tais relações. Para os japoneses, a distância interpessoal exprime tanto o eventual reconhecimento dos diferentes níveis sociais dos quais os interlocutores fazem parte como uma atitude de reserva ou estranhamento diante de um desconhecido ou pessoa com a qual não se possui muita intimidade. A distância espacial entre os agentes é, assim, variável, pois está relacionada às circunstâncias subjetivas dos encontros – os japoneses alteram “as distância interpessoais conforme avaliações momentâneas de intimidade, reserva, superioridade ou inferioridade, e assim por diante” (Tada, 2009, p. 54). Situação distinta, por exemplo, do comportamento brasileiro, onde a eliminação ou diminuição da distância física – através de apertos de mão, abraços ou beijos no rosto – é, muitas das vezes, o primeiro passo para o engajamento dos indivíduos em uma relação social. Ora, se for possível, a partir daí, fazer uma analogia com a maneira como os pesquisadores relacionam-se com possíveis objetos de estudo, então não soará estranho dizer que, no tocante ao tema do racismo antinipônico no Brasil, nossos intelectuais apresentaram uma “postura japonesa”: o princípio da hedatari, da manutenção da distância diante do desconhecido, passou a informar, após a década de 1940, o modo como aqueles lidaram com a questão do antiniponismo – é o que se pode depreender, dentre outras questões, da leitura do livro de Priscila Nucci. O livro trata da questão do racismo contra os japoneses no Brasil, tomando como objeto privilegiado de análise os intelectuais que, sobretudo nas décadas de 1930 e 1940, envolveram-se em debates acerca da presença daqueles no país. Antes, porém, de proceder ao tratamento mais pormenorizado do conteúdo da obra, acredito ser importante ressaltar não só a iniciativa da autora em trazer à discussão um tema que, como apontado em vários momentos ao longo do texto, ficou por vários anos sob um ângulo morto – em silêncio, para retomar o propício subtítulo do trabalho –, mas também pelo fato deste ser um daqueles livros cujo mérito encontra-se relacionado, também, ao fato de não se deixar limitar pelas divisões entre os campos disciplinares: no prefácio, Elide Rugai Bastos aponta como a temática do livro é “objeto de reflexão nos campos da teoria política, sociologia, antropologia, filosofia do direito, para citar alguns” (Bastos, 2010, p. 16), com o que estou de acordo e prossigo: Os intelectuais diante do racismo antinipônico no Brasil pode ser lido como um estudo de história intelectual ou de pensamento social; é um trabalho que trata do tema do racismo em determinado momento histórico e da história das ciências sociais no Brasil. Isto pode ser verificado pela forma como a autora constrói seu texto e utiliza as fontes selecionadas, articulando-as com a devida contextualização do tempo e do espaço, ou seja, suas análises acerca dos debates intelectuais travados, por exemplo, durante a Constituinte de 1933-1934 e em periódicos (jornais e revistas especializadas) mostram a relação entre as ideias expressas e o contexto histórico bem como os lugares de onde tais ideias partiram e a maneira como eles transformaram-se em elementos de importância crucial nos processos de legitimação, crítica ou desqualificação daquilo que era debatido. Além disto, ao debruçar-se sobre a produção de Emilio Willems, intelectual privilegiado em seu trabalho, Priscila Nucci analisa ideias e conceitos caros à produção sociológica deste autor (aculturação, assimilação), enriquecendo a compreensão das obras de uma das principais figuras do processo de institucionalização das ciências sociais no Brasil. O livro possui três capítulos através dos quais a autora busca explorar os textos referentes à presença dos imigrantes japoneses no Brasil e os silêncios acerca do racismo contra os mesmos – enquanto os textos (artigos e livros) estendem-se por toda a pesquisa, fornecendo o material (ideias, argumentos) sobre o qual incidem as análises, os silêncios surgem a partir de determinado momento como uma névoa a encobrir aquilo que era, até então, visível, e conferem substância a uma ausência que se torna palpável em vista do tipo de reflexão empreendida pela autora, prospectiva ao invés de retrospectiva. O primeiro capítulo, “Mapeamento de um Tema”, apresenta a questão do racismo antinipônico, expresso de modo mais enfático em uma série de artigos e livros publicados entre nas décadas de 1930 e 1940, e a constatação da lacuna existente sobre tal assunto – por meio do levantamento crítico da bibliografia que abordou direta ou tangencialmente a questão – entre a década de 1940 e a década de 1980, quando surgiram trabalhos sobre o período Vargas que abordavam, dentre outros temas, o antiniponismo. Sublinha, aqui, a autora o fato de que, neste ínterim, os estudos sobre os japoneses no país centraram-se em aspectos internos deste grupo (relações interna, cultura) e sua inserção na sociedade brasileira (os “casamentos interétnicos”, ascensão sócio-econômica), estando de acordo com um tipo sociologia e antropologia praticada no Brasil cujas origens estavam na Universidade de São Paulo e na Escola Livre de Sociologia e Política. Ainda assim, Priscila Nucci não se furta a criticar tal postura, pois “sem se levar em consideração o racismo sofrido por eles, significa ignorar a própria dimensão histórica da vivência dos japoneses e seus descendentes no Brasil, silenciando um tema crucial para a compreensão dos modos de inserção do grupo no país” (p. 37).
O segundo capítulo, “O antiniponismo brasileiro”, busca reconstruir o debate relativo à imigração japonesa, localizando-se aí os dois lados conflitantes: de um lado, os intelectuais antinipônicos, e do outro, os pró-nipônicos. Em um primeiro momento, a autora aborda, prospectivamente, os embates ocorridos entre os representantes destas posições no período da Constituinte de 1933-1934, utilizando os discursos parlamentares do advogado pró-nipônico Morais Andrade e seus principais antagonistas, os médicos Xavier de Oliveira e Miguel Couto e o sanitarista Arthur Neiva. A ênfase da análise recai nos discursos destes, onde a autora demonstra a posição racista destes personagens, ainda que buscassem, constantemente, negá-la, localizando o racismo fora do Brasil, ou seja, racismo era aquilo que acontecia, por exemplo, na Alemanha nazista. Em suas falas, o conhecimento científico da época (psiquiátrico, médico, eugênico) representado por autores estrangeiros e nacionais – aqui, Oliveira Vianna torna-se uma referência fundamental – era utilizado como argumento de autoridade para afirmar que os japoneses eram “inassimiláveis do ponto de vista antropológico, e principalmente do ponto de vista psíquico” (p. 79), e assim dar um aval pretensamente objetivo às restrições e ações contra a imigração japonesa – a presença e aceitação destas ideias, sem dúvida tributárias do prestígio de seus produtores e dos locais de produção, pode ser verificada na criação do Conselho de Imigração e Colonização (CIC), em 1938, a qual contou com uma publicação oficial, a Revista de Imigração e Colonização. Algumas ideias foram utilizadas, posteriormente, por Vivaldo Coaracy, que escreveu uma série de artigos no Jornal do Comércio publicados na forma de livro, em 1942, com o título O Perigo Japonês. Ao debruçar-se sobre este material, a autora mostra, por um lado, como o discurso racista achava-se rotinizado nos meios intelectuais brasileiros, e por outro, como o racismo antinipônico tornou-se mais virulento diante da participação do Japão na II Guerra Mundial, pois, naquele momento, os japoneses foram tratados como uma ameaça ainda maior à nação brasileira: de elemento “inassimilável”, foi transformado em inimigo do país, da “civilização” da qual este fazia parte e, finalmente, da humanidade, devendo, por isto, ser exterminado. O lado pró-nipônico é representado, no livro, pela atuação do advogado Morais Andrade no período de Constituinte e pelo médico Bruno Álvares da Silva Lobo, que publica, em 1935, o livro Esquecendo os antepassados, combatendo os estrangeiros como resposta aos antinipônicos da Constituinte, denunciando o racismo subjacente em suas falas e ideias a despeito dos esforços daqueles em mostrarem o contrário. A participação de ambos em um debate que extrapolou o período de 1933-1934 deu-se, como mostra a autora, através da refutação dos argumentos contrários à imigração japonesa e, em seguida, da defesa desta e dos benefícios que trariam para o país, também por meio do recurso ao argumento de autoridade fornecido pela ciência, aqui representado pelas referências aos estudos de Roquette-Pinto e Gilberto Freyre. O terceiro capítulo, “Novos paradigmas…”, ocupa-se com o estudo dos textos (da década de 1940) de Emilio Willems, Hiroshi Saito, Donald Pierson e Egon Schaden, mas a ênfase recai, principalmente, sobre a produção intelectual do primeiro. Ao lançar mão de livros e artigos publicados nas revistas Sociologia, Revista de Antropologia e Revista de Imigração e Colonização e no jornal O Estado de São Paulo, Priscila Nucci oferece uma análise multifacetada a qual se beneficia do espaço intermediário onde seu objeto é construído: os textos sobre a imigração japonesa estão articulados à institucionalização das ciências sociais e ao consequente abandono, em tese, da mistura entre política e ciência além de oferecerem o ponto de partida para a análise de algumas questões centrais da sociologia de Willems, tais como os conceitos de assimilação e aculturação e sua preocupação na elaboração de estudos com alto rigor científico e sem pretensões legisladoras. Mas, sem dúvida, um dos grandes benefícios desta posição fronteiriça do objeto, somada à perspectiva de estudo adotada pela autora, é a maneira como a década de 1940 apresenta-se como um período de transição para os trabalhos relativos à imigração japonesa, pois é o momento no qual, com possibilidades crescentes de estudo do racismo antinipônico no Brasil (agora baseados em nova metodologia científica e em pesquisa empírica), este tema vai perdendo força e sendo substituído por outras preocupações advindas desta mesma transformação sofrida pelos estudos sociológicos e antropológicos. Embora alguns trabalhos de Emilio Willems já apontassem indícios de discriminação racial contra os japoneses, e seus artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo e na Revista de Imigração e Colonização – principal ambiente do racismo antinipônico – deixassem explícito seu posicionamento contra o racismo científico praticado pelos intelectuais brasileiros, isto não foi o suficiente para que os cientistas sociais se voltassem para este tema – com exceção, talvez, de Egon Schaden, que em artigo publicado na revista Sociologia, chamou a atenção, através dos estudos de Willems, para o antiniponismo. Contudo, como demonstra a autora, quando não era aceita a ideia de que no Brasil não havia preconceito racial, e sim de classe – como defendido por Donald Pierson, colaborador fixo da Sociologia – a questão do preconceito não abarcava aos grupos de estrangeiros no país, limitandose, sobretudo, à população negra; além disto, o abandono (benéfico) do conceito de raça, bem como sua desqualificação, sendo, assim, substituído pelo de cultura, acabou por contribuir para a perda do foco sobre o racismo contra os estrangeiros imigrados. A denúncia do racismo, em sua forma “científica” ou não, foi enfraquecida, curiosamente, por aquilo mesmo que poderia fortalecê-la, e os intelectuais brasileiros distanciaram-se do problema do antiniponismo. Para finalizar, gostaria de fazer uma última consideração relacionada a alguns aspectos da reconstrução do debate sobre a imigração japonesa e seus envolvidos. Através da análise do material selecionado, a autora conseguiu localizar a atuação e o embate entre duas “comunidades argumentativas” (Pocock, 2003) envolvidas com a discussão de um tema em comum, mostrando, assim, não só a forma como construíam e lançavam no meio intelectual suas ideias, mas também as estratégias adotadas pelos participantes ao responder e refutar os argumentos contrários, valendo-se, para isto, de seu prestígio e posições nos lugares de saber, o que lhes fornecia tanto proeminência nos debates – a atenção que recebiam por parte do público que os acompanhava – como a legitimidade de suas posições. As disputas simbólicas empreendidas pelos intelectuais antinipônicos e pró-nipônicos, por um lado, revelam a dinâmica e os elementos (os discursos parlamentares, livros, artigos em jornais e revistas, as próprias revistas) constitutivos do ambiente intelectual e político em determinado período da história republicana brasileira, mostrando como há uma relação bastante estreita entre ambos ao ponto de sua influência recíproca refletir-se, de algum modo, na organização social – não há como não pensar, aqui, na dupla hermenêutica de Anthony Giddens (2003) diante da apropriação, por parte da sociedade, daquilo produzido pelos intelectuais e que acaba por reentrar na vida social, pois os significados e interpretações produzidos por eles incorporam-se nas relações entre as pessoas e nas instituições. Por outro lado, elas apontam para as formas como transformações no contexto intelectual tomam corpo através, neste caso, da relação direta entre ideias e seu espaço de produção, ou seja, a mudança na percepção do racismo antinipônico achava-se diretamente ligado ao processo de institucionalização das ciências sociais. A localização deste turning point, que esclarece e justifica o vazio bibliográfico entre 1940-1980, indica, assim, os rumos tomados pela discussão da imigração japonesa a qual não se manteve igual e sofreu com os efeitos do contexto nacional e internacional, e os efeitos, ainda que não intencionais, da busca pela separação entre ciência e política. Neste sentido, o que gostaria de sublinhar é a possibilidade de, por meio do estudo de um objeto em particular (o racismo antinipônico) e bem localizado (no campo intelectual brasileiro nas décadas de 1930 e 1940), verificar: os modos como os intelectuais – em grupo ou não – atuavam e se expressavam, em determinado momento, construindo um determinado vocabulário, cujos elementos são apropriados ou mudam de sentido, que permite a identificação dos participantes entre si – e ao pesquisador, a identificação dos grupos envolvidos – e as mudanças que informam ou são provocadas pela atuação intelectual. Ao localizar o debate intelectual e seus participantes, torna-se possível rastrear, a partir deles e dos conteúdos de seus textos, sejam as relações destes com as instituições das quais fazem parte ou com outros intelectuais ou grupos.
Alexandre Pinheiro Ramos – Doutorando em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro do Núcleo de Pesquisas em Sociologia da Cultura (NUCS/IFCS/UFRJ). Bolsista CAPES.
Ingênuos/ Pobres e Católicos: A Relação dos EUA com a América Latina | Alfredo da Mota Menezes
Escrito por Alfredo da Mota Menezes, professor aposentado da Universidade Federal do Mato Grosso, e editado pela editora carioca “Fundo de Cultura” o livro “Ingênuos, Pobres e Católicos” explora a emblemática e estereotipada visão que o norte-americano, desde o cidadão comum, até as camadas intelectuais e políticas locais, sustenta sobre a América Latina.
Menezes é PhD em história latino-americana pela Tulane University, nos Estados Unidos, onde também atuou como professor visitante. Em sua obra o autor busca delinear as origens históricas da percepção norte-americana acerca da América Latina, suas supostas origens e justificativas, bem como os principais atores responsáveis pela sua manutenção, tal como a mídia, relatos de viajantes e alguns intelectuais. Para isso ele se usa de uma vasta bibliografia composta desde artigos e charges divulgadas em jornais, majoritariamente norte-americanos, até livros, filmes e documentos diplomáticos. Leia Mais
As paixões intelectuais (3 volumes) – E. Badinter
A questão do poder e da eficiência dos intelectuais europeus é, sem dúvida, um ponto de controvérsia na historiografia internacional.
Questões como quando surgiram, como se organizam, o que pensam, como agem e o que fazem os intelectuais são fundamentais não apenas para entendê-los adequadamente, mas também para pensar e inquirir a história que foi e é escrita por eles e sobre eles. Sem deixar de lado esses questionamentos, mas detendo-se num momento que marcou a França e a Europa do século XVIII, Elisabeth Badinter nos ofereceu em sua obra As paixões intelectuais, publicada em três volumes, uma verdadeira radiografia de como surgiram e se organizaram os “intelectuais” franceses em torno do “grande público”, por meio do projeto aglutinador da “Enciclopédia”, tendo por base o “espaço público”, então em formação, com a imprensa periódica. Leia Mais
Salvar la Nación. Intelectuales, cultura y política en los años veinte latinoamericanos – FUNES et. al (AN)
FUNES, Patricia. Salvar la Nación. Intelectuales, cultura y política en los años veinte latinoamericanos. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2006, 440 p. Resenha de: MANSILLA, María Liz; ZAPATAT, M. H.; SIMONETTA, Leonardo C. Anos 90, Porto Alegre, v. 16, n. 29, p. 357-364, jul. 2009.
La década abierta en 1920 es sumamente rica en lo que respecta a procesos y problemas de singular relevancia que no sólo merecen ser estudiados por su importancia coyuntural sino también porque su fuerte impronta repercutirá en etapas posteriores a lo largo de la centuria. Es esta, además, una década prolífica en lo que a debates y generación de nuevas propuestas se refiere. Así, la doctora Patricia Funes ha decidido transitar estos diez años eligiendo uno de los tantos senderos posibles.
Salvar la Nación. Intelectuales, cultura y política en los años veinte latinoamericanos es fruto de una ardua y profunda labor investigativa concebida inicialmente bajo las características y el formato propio de una tesis de doctorado, desarrollado en la Universidad Nacional de La Plata. Ahora, devenido en libro, tienen la posibilidad de circular con mayor libertad y de invitar a sus potenciales lectores a centrar la atención en torno a los contenidos e intenciones que adoptó la reflexión acerca de la Nación entre los intelectuales latinoamericanos por aquellas épocas.
En la primera parte de las tres secciones que componen la obra, la autora asienta las premisas de su trabajo, sus ejes problemáticos y el modo de abordar los mismos, mientras se va introduciendo en el análisis de los elementos y categorías generales a partir de los cuales gravita la investigación: años veinte, intelectuales y nación.
De acuerdo a Funes, se trata de una coyuntura que, comúnmente, ha quedado subsumida e invisibilizada en periodizaciones más amplias del tipo clásico como “1880-1930” o “período de entreguerras” – que invalidan cualquier reflexión de los procesos de cambios y continuidades – pero que, no obstante, posee una entidad propia que permite dotarla de nuevos significados que hacen posible individualizarla. Desde su perspectiva, los años 20 poseen un carácter coloidal y fundacional, en el que se originan múltiples tradiciones de pensamiento culturales y políticas que atravesarían el siglo XX latinoamericano.
La segunda parte del libro se detiene en el tratamiento y desarrollo de los argumentos centrales. Y un tercer apartado contempla las reflexiones finales. El libro también cuenta con un apartado con bibliografía seleccionada que evidencia un intento de síntesis de lo producido acerca del período y de incorporación de diversos enfoques y disciplinas que tienen por objeto de estudio a la sociedad latinoamericana del siglo XX – con especial referencia a la década de 1920 –, lo que permite proseguir con el estudio en profundidad de las problemáticas planteadas.
En efecto, la crisis de la Gran Guerra, la relativización de Europa como faro de la cultura y la creciente oposición a las agresivas políticas militares de Estados Unidos sobre la región fueron generando dudas, rumbos significativos y un novel continente de sentidos en el mundo de las representaciones, recortando la silueta de problemas e inquietudes comunes a un grupo de hombres de distintos países de América Latina que comenzaban a construir el colectivo específico de los intelectuales. La revolución, el socialismo, el comunismo, el antiimperialismo, el corporativismo, la democracia y la ubicación de esta parte del orbe en la cartografía de la modernidad fueron tópicos que recorrieron la reflexión de estos actores que se ubicaron desde el campo de la cultura y la sociedad. Pero, especialmente, recayó sobre ellos la tarea de pensar y crear interpretaciones y lecturas en torno a la Nación, entidad de sentido conformada desde múltiples visiones y ambivalentes significados al calor de una discusión que atravesaba tanto el plano filosófico-cultural como el político.
Apelando a un registro de análisis que podría caracterizarse como político-cultural, la historiadora entrelaza con soltura y fluidez la reflexión en función de dos grandes universos semánticos. Por un lado, los contenidos y significados inherentes de los discursos y representaciones que pujan por definir qué es la nación en la arena filosófica-cultural. Y por otra parte, se hace presente la intención en el plano político de los intelectuales de cristalizar solidaridades colectivas y (re)crear una “comunidad imaginada” vinculada a la determinación de precisar inclusiones y exclusiones. A ello se suman los enfoques específicos de la historia social, incorporando sobresalientes aproximaciones sobre las sociedades y los contextos que sostienen el accionar de dichos agentes.
En concordancia con su propuesta de análisis, no se contemplan sólo la producción de los intelectuales que se autodefinen abiertamente como pertenecientes a los diversos nacionalismos y como productores de acepciones más o menos felices sobre la Nación.
Por el contrario, el elenco de hombres visitados se amplia de manera sorprendente y, a la vez, sus postulados van siendo cruzados y confrontados no en función de países o de biografías sino a partir de un conjunto de problemas que permitan un acercamiento más explicativo al conjunto de debates antes aludido. En este sentido, la ponderación hermenéutica y metodológica de tres ámbitos específicos (México, Perú y Argentina) y de los personajes escogidos (Víctor A. Belaúnde, Jorge Luis Borges, Manuel Gálvez, Manuel Gamio, Francisco García Calderón, Manuel González Prada, Víctor Raúl Haya de la Torre, Pedro Henríquez Ureña, José Ingenieros, Vicente Lombardo Toledano, Leopoldo Lugones, José Carlos Mariátegui, Andrés Molina Enríquez, Alfonso Reyes, José E. Rodó, Ricardo Rojas, Luis Alberto Sánchez, Manuel Ugarte, Luis Valcárcel, José Vasconcelos, Alberto Zum Felde, entre otros), no sólo ofrece la oportunidad para tensar al máximo las dificultades para pensar América Latina en clave regional y brindar el andamiaje necesario para ver cómo cada uno de estos tópicos son tratados en realidades nacionales bien disímiles, sino también permite romper con aquellas visiones endógenas, ufanistas y cerradamente nacionalistas que coadyuvaron a configurar los imaginarios y resortes sobre los que reposaban las historiografías nacionales y abrir canales de diálogo entre distintas tradiciones. Cabe aclarar que la preeminencia dada a estos tres espacios dominantes, que se subordinan a los ejes sobre los que se ha configurado la interpretación, no obtura la peripecia de hacer referencia a otras realidades a lo largo de la obra, recurriendo a un método comparativo que enriquece de forma significativa los planteos a través del muestreo de diferentes tramas de producción intelectual.
La segunda parte del libro se detiene en el tratamiento y desarrollo pormenorizado de los nudos centrales, desplegados en torno a cinco acápites temáticos. En un primer momento se indagan las disímiles y complejas relaciones entre Nación, crisis y modernidad. Bajo el rótulo de “Salvar la Nación” – frase que emerge con insistencia en las más heterogéneas interpretaciones de comienzos de la década –, se piensa en los ejes de cada una de las interpretaciones de la Nación (el Inkario, las mayorías nacionales, la vida civil, la fuerza o la potencia, la religión católica, la historia en común) en función de dos tradiciones clásicas de los tiempos modernos: una idiosincrásica, y la otra constructivista. La hipótesis fuerte de Funes es que la Nación ya no es considerada como un atributo o un perímetro que acompaña o completa al Estado, sino que es tomada como el espacio de condensación de las complejidades y contradicciones sociales en el contexto de una modernidad esquiva y ecléctica pero advertible a todas luces.
En “La Nación y sus otros”, se pone de manifiesto el desplazamiento de una concepción intelectual de nación a partir de las categorías que imponían la tradición liberal (cuyo énfasis recaía en la noción de ciudadanía) y la tradición positivista (acentuando la idea de morfología racial) a una concepción que abrevaba en las consideraciones sociales y culturales. La tesis central de esta sección es que en esta década, el pensamiento latinoamericano buscó una hermenéutica que no clausurara ni el pasado ni el futuro y que contuviera fórmulas para ensanchar la Nación a partir de dos variables: en el tiempo (apelando al pasado, a las tradiciones y a los orígenes) y en el volumen social (al considerar al “otro” antes excluido, encarnado en las figuras del indígena y del inmigrante).
Por ende, el desafío radicó en conciliar en el proceso de incorporación a un conjunto de alteridades complejas y de distinta entidad: étnicas, culturales, religiosas, sociales y regionales.
En tercer lugar, la autora remarca la importancia que el pensamiento antiimperialista de posguerra tuvo en la medida en que constituyó un dilema que configuró un perímetro inclusivo a escala regional y señaló destinos y estrategias comunes para América Latina. Ya no sólo eran las otredades internas los “problemas” a resolver, sino que se sumaron las fronteras culturales y económicas que se recortaron frente al “otro” externo que obligaba a tomar posiciones frente o contra la dominación imperialista pergeñada desde Estados Unidos. A lo largo de “Antiimperialismo, latinoamericanismo y Nación”, se analiza el modo en que categorías como autonomía, autodeterminación, soberanía, independencia, patriotismo y nacionalismo eran puestas en jaque al tiempo que incitaban a reforzar el pensamiento de los intelectuales frente a los desafíos de un “afuera” imperialista.
En el capítulo “Lengua y Literatura: arcanos de la Nación”, se examinan las polémicas en torno del idioma, la presencia de la literatura nacional y la edificación de un canon literario, temas que muestran los sentidos que se imprimieron sobre la Nación. En esta línea, la consideración en los años veinte de los binomios culto/popular, moral/escrito, español (o castellano)/lenguas indígenas, entrelazados con la reevaluación del canon literario, la designación de precursores de la literatura nacional, la ampliación de autoridades y precedencias, las formas de datar y compendiar las historias se conjugan en implícitos y fuertes pilares sobre los que se apoya el discurso y los fundacionales imaginarios nacionales de la década.
Finalmente, en el quinto apartado, “Ser salvados por la Nación. Las búsquedas de una nueva legitimidad”, las protagonistas del debate son las ideologías políticas. Para Funes, la problemática de la definición de la Nación se consolida en el terreno intelectual paralelamente al proceso de debilitamiento o superación del orden oligárquico como correlato de la creciente complejización social y la aparición de actores sociales en la escena pública. Esto condujo a repensar los vínculos entre Sociedad y Estado, en una línea donde nociones como república, democracia, revolución, socialismo, corporativismo son leídos en otra clave, para hallar nuevos y alternativos principios de legitimidad bajo premisa de que es posible “ser salvados” por la misma Nación que se está discutiendo.
Más allá de la unidad en la coherencia y rigurosidad desplegadas para tratar cada problema, se suma otro elemento del orden metodológico que atraviesa los capítulos reseñados: la forma de organización interna. Invirtiendo el orden clásico de la exposición, cada apartado inicia con una clara explicitación de las conclusiones para luego desandar el camino que llevó a ellas. De igual modo, cada capítulo se halla encuadrado en el abordaje de distintos materiales: históricos propiamente dichos, que sirven de soporte material para rescatar la información empírica que configura, en criterios cronológicos, un proceso; teóricos, que colaboran para la comprensión, delimitación y evaluación de los problemas presentados; y fuentes, que son de gran utilidad puesto que permiten una aproximación más estrecha a lo producido por los diferentes actores y posibilitan contar con cierto número de documentos que ofrecen un margen de evidencia de las visiones y perspectivas en la coyuntura. El libro también cuenta con un apartado con bibliografía seleccionada que evidencia un intento de síntesis de lo producido acerca del período y de incorporación de diversos enfoques y disciplinas que tienen por objeto de estudio a la sociedad latinoamericana del siglo XX – con especial referencia a la década de 1920 –, lo que permite proseguir con el estudio en profundidad de las problemáticas planteadas.
La cuidadosa reconstrucción sistemática de las lógicas de configuración de los imaginarios nacionales en América latina durante los años 20 ha sido un desafío y al afrontarlo, la autora ha realizado una muy importante contribución al conocimiento de nuestra historia latinoamericana, manifiesta en una prosa ágil y bajo un tono que es capaz de ir y venir con soltura entre los diferentes aspectos del debate intelectual sin contradecir la lógica narrativa que pretende. Convergencias e integraciones de este tenor son, por cierto, estimulantes y una vez más, se ponen de manifiesto en la aplicación del método comparativo, estableciendo similitudes y diferencias que ese proceso global presenta cuando se lo aborda a escala de cada sociedad nacional. La tarea de repensar nuestros intelectuales ha operado aquí como una excusa para desandar las peripecias de la construcción compleja de la Nación. En este sentido, otra virtud que reviste el trabajo es que ha logrado superar por un lado, los postulados esencialistas y las naturalizaciones ahistóricas y, por otro, las interpretaciones funcionales y fatalistas.
En síntesis, se trata de una obra que se escribe desde la pluma de la innovación y de la imperiosa necesidad de transitar nuevos caminos y formas de escritura histórica acordes a los tiempos que corren, conjugando en su prosa la rigurosidad científica en el sentido “tradicional” – la utilización de la documentación más diver sa y exhaustiva posible, la severidad de la crítica, la teorización apropiada y operativa y la sólida claridad interpretativa, producto de años de investigaciones en historia latinoamericana del siglo XX – y la lectura amena – propia de quien domina el oficio de escribir de manera atractiva, seductora y provocadora –, con el laudable objetivo de “repensar” cuestiones que refieren a nuestros problemas más actuales, como el hecho de que “(…) la historia no sólo no finaliza sino que en nuestros países, hace mucho que recién comienza”. Y en ese transitar, es necesario sentarse a discutir a Latinoamérica y a la Nación sin tapujos y encorsetamientos, en diálogo abierto y plural, como balance y como proyecto.
María Liz Mansilla, Horacio M. H. Zapata e Leonardo C. Simonetta – Escuela de Historia – Centro Interdisciplinarios de Estudios Sociales (CIESo) – Facultad de Humanidades y Artes – Universidad Nacional de Rosario, Argentina.
Leituras críticas sobre Evaldo Cabral de Mello / Lilia M. Schwarcz
A editora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com a Fundação Perseu Abramo, lançou, em 2008, a coleção „Intelectuais do Brasil‟, para abordar o conjunto da obra de certos autores, cuja “reflexão sobre o Brasil seja considerada relevante para a compreensão do país”. Foram editados quatro livros naquele ano, apresentando as obras de Evaldo Cabral de Mello, Boris Fausto, Silviano Santiago e Leonardo Boff. Cada livro ficou sob a responsabilidade de um organizador, cuja tarefa, além de articular a apresentação da obra e do respectivo autor selecionado, era reunir um grupo de pesquisadores para efetuarem análises aprofundadas. Lilia Moritz Schwarcz foi a responsável pela organização das leituras críticas que foram feitas sobre a obra de Evaldo Cabral de Mello.
Embora a coleção não apresente o que está entendendo por „intelectual‟, supõe que são indivíduos cuja obra e atuação diante do cenário nacional e internacional contribuíram diretamente para que questões políticas e culturais fossem pensadas e repensadas, quanto ao presente (ao passado e ao futuro) das sociedades. Tal definição, mesmo que indiretamente, aparece interligada entre cada um dos quatro livros até aqui lançados pela coleção. No caso de Evaldo Cabral de Mello, tal questão se apresenta em sua atuação como historiador e diplomata, cuja relação profissional não é recente no país. Em função da presença tardia de universidades no país, a formação do ofício de historiador permaneceu, durante muito tempo, em caráter „autodidata‟. A paixão pelo ofício, alicerçava-se nos Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e seus congêneres estaduais. Sem profissionalização, a atuação „autodidata‟ dos praticantes do ofício neste período tinha que, por razões óbvias, manter-se ligados a outras profissões. O exercício da diplomacia, ao lado da prática da pesquisa histórica, foi muito comum nos séculos XIX e XX, e mesmo após a criação das primeiras universidades, a partir da década de 1920, tal tradição não desapareceu. Evaldo Cabral de Mello, nesse sentido, esta enraizado nesta tradição de pesquisa, que media história e diplomacia: “fez uma carreira em tudo singular: seguiu a diplomacia e sempre alardeou um „horror‟ às instituições, as quais, segundo seu próprio depoimento, são sempre muito „conformistas‟” (p. 11), mas não se limitou a ela. Em suas obras, a “fonte documental permite perceber como a identidade é uma criação social, opositiva e circunstancial: uma resposta política a um contexto político [mesmo considerando sua relutância sobre o uso deste conceito]” (p. 9). Por outro lado, descortina a ideia “de que a vinda da Corte já levaria a prever uma independência conservadora e liderada pela monarquia”, cujo fundamento estava alicerçado numa interpretação finalista e parcial sobre a separação política, “condicionada pela história da Corte”, e por suas ações. Ao longo do livro, que conta com cinco ensaios, uma entrevista e um balanço dos ensaios efetuado pelo autor, apresenta-se esta questão e sua contribuição, para a produção da abra do autor.
No primeiro ensaio, Stuart Schwartz, faz um balanço da produção do autor, dando destaque as suas obras: Olinda restaurada (de 1975), Rubro veio (de 1986), O nome e o sangue (de 1989), A fronda dos mazombos (de 1995), O negócio do Brasil (de 1998) e A outra independência (de 2004). Para ele, esse conjunto formaria um sexteto de uma história regional do país, em que estudou parte do nordeste e a história de Pernambuco. Essas obras estariam articuladas num projeto historiográfico ambicioso e bem sucedido.
Em certo sentido, o sexteto de Evaldo Cabral de Mello é um exemplo brasileiro do ‘retorno à narrativa’ […]. O autor adotou este meio de exposição não porque desconhecesse a teoria nas ciências sociais, ou porque rejeitasse um modo analítico. De fato, seus livros demonstram familiaridade com um amplo espectro teórico; mas ele sempre concebeu a teoria e o método como ferramentas, não como propósitos da análise histórica. Além disso, criticou o que chama de ‘orgia’ nas ciências humanas e o abuso da interdisciplinaridade entre historiadores […] sempre se manteve de certa foram um positivista, e pensa ser possível à recuperação daquilo que realmente aconteceu no passado […] também acredita que a narrativa é a forma clássica do historiador, e o método mais adequado a sua tarefa: reconstruir os eventos do passado e explicá-los aos leitores do presente sem incorrer no pecado do anacronismo […] confia que a escrita da narrativa é o melhor método a partir do qual é possível começar a entender as estruturas subjacentes aos eventos e as conexões entre acontecimentos e estruturas. Ao mesmo tempo, sua abordagem também o tornou particularmente sensível a narrativas passadas, às maneiras através das quais atores históricos no passado representaram a si próprios e a sua realidade, explicaram eventos e usaram tais narrativas para criar uma mitologia que representa sua visão do mundo (p. 30-1).
No segundo ensaio, Luiz Felipe de Alencastro, prolonga essas análises, centrando-se na questão da narrativa contida nas obras do autor. Pauta-se na analise de: O norte agrário e o Império (de 1984), além de Rubro veio, O nome e o sangue e Olinda restaurada. Procura dimensionar a importância da narrativa histórica no encadeamento do enredo de cada um dos livros, fazendo também uma avaliação crítica do uso deste procedimento expositivo de dados. Para ele, o autor versa sobre um conflito luso-holandês, unindo a “metodologia histórica atual à erudição e à tradição regionalista”, numa reflexão que conforma três séculos de história, “conectando-a aos grandes debates historiográficos e tornando-a um dos capítulos centrais da historiografia das Américas” (p. 39).
Júnia Ferreira Furtado, em seu ensaio, analisa comparativamente O nome e o sangue com Grande sertão: veredas de Guimarães Rosa. Para ela, detendo-se na questão da mitologia política, enquanto Evaldo Cabral procurou demonstrar um segredo, ao expor a genealogia de uma família, Guimarães Rosa fez o inverso, no que diz respeito aos segredos do sertão, e as suas características políticas. De acordo com ela:
Ao revelar as vicissitudes e os percalços por que passou o personagem em sua tentativa de fraudar sua história familiar, criando o segredo que se oculta nas entrelinhas do processo [como cristão-novo], a narrativa [de Evaldo Cabral] desnuda o universo não só da sociedade do açúcar do Nordeste do Brasil, como também do mundo luso-brasileiro, suas formas de sociabilidade e seus conflitos. Um mundo em transformação, onde os negócios promoviam a inversão da ordem, mas onde o sangue, o nome, a honra, a linhagem e a nobreza continuavam a ser fatores estruturantes desta sociedade (p. 80).
A preocupação de Pedro Puntoni esteve mais em demonstrar as características metodológicas e as escolhas efetuadas pelo autor em sua obra. Para ele, o traço marcante da obra está em alcançar grandes sínteses sobre os processos analisados, investindo na questão narrativa, como forma de exposição dos dados, e na interpretação de uma massa documental impressionante. Por isso, a “prosa evaldiana nos conduz […] pelos desvãos desta sociedade conflituosa”, dando a “possibilidade de não apenas compreender a história, mas também de habitá-la” (p. 105).
Pautando-se na interpretação de A outra independência, Lilia Moritz Schwarcz no quinto ensaio do livro, voltou-se para o modo como Evaldo Cabral de Mello além de contraria as interpretações sobre a independência do país, não deixa de lado demonstrar que a história não é um processo teleológico no qual „os atores sociais‟ tem plena consciência de suas decisões e de suas atitudes. Para ela, as obras do autor “têm gerado movimento e feito a historiografia nacional passar por uma clara renovação e questionamento”, por que mostrou ângulos e aspectos do passado pouco percebidos, que teoria e método são importantes, mas apenas quando estão articuladas, a análise das fontes e a exposição dos dados, e que todo acontecimento impõem uma multiplicidade de olhares, não se limitando a uma única interpretação.
Na entrevista que concedeu a Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, juntamente com seus comentários aos ensaios, o autor volta à questão da articulação de sua obra num projeto coerente e organizado, destacando que não haveria tal projeto. E que foi concebendo cada obra, uma após a outra, e não todas ou um conjunto ao mesmo tempo. Ressalta a importância da carreira diplomática, para a consecução de suas pesquisas. E que:
A conclusão que tirei a partir de outras leituras foi a de que a narrativa proporciona a técnica mais adaptada a realizar a integração dos saberes históricos; e que o preconceito vigente contra ela nos meios acadêmicos não leva em conta que a opção em seu favor decorre essencialmente da natureza da realidade histórica. A historia ideal de um dado acontecimento histórico seria a meu ver a que, por exemplo, tratando da Revolução de 1848 na França, combinasse o Marx do ‘18 de Brumário de Napoleão Bonaparte’ e o Tocqueville das Recordações. O historiador não pode aceitar ser posto contra a parede pela escolha entre historiar eventos ou historiar estruturas. Não há porque optar por uma em detrimento da outra. A história puramente factual é confusa e monótona; a história puramente estrutural não o é menos, mesmo quando escrita por um historiador de talento. […] Os eventos têm uma estrutura (como demonstra a história comparada das revoluções), mas a estrutura também compõe-se de ações, pois, nada tendo de metafísica, é apenas o produto de uma miríade de microeventos, e é ação cristalizada dos homens ao longo do tempo (p. 198).
A leitura desta obra dá, portanto, um belo exemplo de como uma obra é produzida, e ao longo de sua produção quais os questionamentos, dificuldades e dilemas que perpassam por seu autor. Nesse sentido, a coleção „Intelectuais do Brasil‟ constitui um empreendimento editorial inovador e didático, por permitir uma apresentação minuciosa a produção de importantes „intelectuais‟ brasileiros, que contribuíram para a produção e a renovação do conhecimento histórico nas últimas décadas. No caso das leituras aqui apresentadas sobre a obra de Evaldo Cabral de Mello não é diferente, mesmo por que os autores possibilitaram um acesso à obra viável tanto para o iniciante, quanto para o pesquisador da área. Além disso, destaque-se o intenso debate entre os comentadores e o autor, que demonstra a complexidade que sempre permeia a interpretação de qualquer obra ou autor. O que apenas torna a obra ainda mais rica e viável para consulta. A lamentar apenas o pouco espaço que foi dado a discussão da formação do autor (principalmente, em sua infância e juventude), que apenas se inseriu na entrevista.
Diogo da Silva Roiz – Doutorando em História pela UFPR, bolsista do CNPq. Mestre em História pelo programa de pós-graduação da UNESP, Campus de Franca. Professor do departamento de História da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Campus de Amambai, em afastamento integral para estudos. E-mail: diogosr@yahoo.com.br.
SCHWARCZ, L. M. (org.) Leituras críticas sobre Evaldo Cabral de Mello. Belo Horizonte: Ed. UFMG; Fundação Perseu Abramo, 2008, 204p. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. Historiografia e “intelectuais brasileiros”. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.15, p.122-125, jul./dez., 2009. Acessar publicação original. [IF].
Inimigos da esperança; publicar/ perecer e o eclipse da erudição | Lindsay Waters
Este breve livro – ou breve ensaio – escrito pelo editor da Harvard University Press dá conta, em boa medida de argumentos, sobre o malestar que se espalha entre intelectuais estadunidenses e que, por conseqüências históricas, deve aportar no Brasil. A indisposição que motiva o livro é o frenesi da produção acadêmica que cresceu na mesma proporção em que se mantém(ve) desconhecida. Se quisermos, não consumida.
De um locus privilegiado, Waters realiza uma releitura do fenômeno da hiperprodutividade editorial que só fez crescer desde a segunda metade do século XX. Tal fenômeno decorreu das exigências adotadas pelas instituições universitárias e, principalmente, das agências de fomento que passaram a adotar o princípio da produção quantitativa como mote para mensurar a atuação dos profissionais vinculados à elabração do saber. Leia Mais
Inimigos da esperança; publicar/ perecer e o eclipse da erudição | Lindsay Waters
Este breve livro – ou breve ensaio – escrito pelo editor da Harvard University Press dá conta, em boa medida de argumentos, sobre o malestar que se espalha entre intelectuais estadunidenses e que, por conseqüências históricas, deve aportar no Brasil. A indisposição que motiva o livro é o frenesi da produção acadêmica que cresceu na mesma proporção em que se mantém(ve) desconhecida. Se quisermos, não consumida.
De um locus privilegiado, Waters realiza uma releitura do fenômeno da hiperprodutividade editorial que só fez crescer desde a segunda metade do século XX. Tal fenômeno decorreu das exigências adotadas pelas instituições universitárias e, principalmente, das agências de fomento que passaram a adotar o princípio da produção quantitativa como mote para mensurar a atuação dos profissionais vinculados à elabração do saber. Leia Mais
Raising Reds: The Young Pioneers, Radical Summer Camps, and Communist Political Culture in the United States – MISHLER (CSS)
MISHLER, Paul C. Raising Reds: The Young Pioneers, Radical Summer Camps, and Communist Political Culture in the United States. New York: Columbia University Press, 1999. 172p. Resenha de: GLASSFORD, Larry A. Canadian Social Studies, v.35, n.2, 2001.
The author of this intriguing, though sloppily edited, little book is a self-proclaimed radical parent, himself raised by parents who were intellectuals and radicals. His personal philosophy, he confides, is that the world is out there to be changed (x). His sympathy for the goals, if not always the means, of the American Communist activists described in this book is readily apparent.
Mishler’s analysis concentrates on the period from the early 1920s to the mid-1950s. This chronological era sandwiches a fifteen-year period of semi-respectability for the Communists in America, 1930 to 1945, between two decades of virulent Red Scare. His book provides a timely reminder that, during the depths of the Great Depression, and continuing through the anti-Fascist war years, the Communist Party was able to connect with significant aspects of mainstream American society and culture. During this time, Communists led labour unions, wrote leading articles for the popular press, and taught openly in universities. A combination of the Cold War, McCarthyism and working-class prosperity terminated this rapprochement between Marx and the Mayflower, though Mishler argues that much of their radical critique of capitalism resurfaced in the New Left protests of the Sixties and Seventies.
The central focus for Mishler, as it was for Communist parents in the first half of the 20th century, is the problem of how to educate children so that they would grow up to be radicals (25). The issue of which community institutions – the family, the school, the state, various voluntary organizations – are to be charged with the responsibility of socializing the next generation is an ongoing dilemma. At that time, most Communists were either immigrants or the children of immigrants. They understood the pressure on their own offspring to conform to the norms of the mainstream culture in this ‘New World’ society. Yet they rejected much of that society’s founding myths on ideological grounds. What to do? The answer was sought in after-school programs and summer camps built around the Marxist values of the parents, though these ideas were framed to be as compatible as possible with the more radical aspect of American liberalism.
Through the 1920s, the largest number of American Communists derived from the immigrant Jewish and Finnish communities. Parents and party organizers frequently clashed over the relative weight to be given to working-class solidarity, as opposed to ethnic heritage, in the curriculum of the out-of-school educational programs. By the 1930s, party thinking had relaxed somewhat, so that ethnicity was nurtured rather than shunned, even as the youth programs moved to adopt more of the trappings of the host culture, notably organized sports.
During the more strident period of party educational activity in the 1920s, parents had often been deliberately excluded from participation in the leadership of the main youth organization, the Young Pioneers. In fact, the children were sometimes taught to undermine the authority of their own parents, particularly authoritarian fathers, as a metaphor for and precursor to the coming revolutionary victory of the working class over the bourgeoisie. Mere analysis of the injustices in society was deemed insufficient. The young students were inspired by their adult leaders to take direct political action in support of their causes. This included skipping regular school attendance to take part in public rallies, demonstrations and strikes.
In the end, the institutionalized extra-school education of young Communists in America collapsed. The threats and enticements of mainstream society prevailed over a determined but tiny minority. Here and there, however, a few residual survivors – sometimes dubbed Red Diaper Babies – surface to remind Americans of an overlooked element of their past. This book and its author provide one such example.
Larry A. Glassford – University of Windsor.
[IF]