Posts com a Tag ‘Infância (d)’
La niñez desviada. La tutela estatal de niños pobres/ huérfanos y delincuentes. Buenos Aires/1890-1919 | Claudia Freidenraij
Al inicio de la última década del siglo XIX, Buenos Aires era una ciudad en ebullición. Devenida en capital nacional, se vio transformada por el crecimiento demográfico, la construcción del puerto que asegurara la comercialización de los productos pecuarios provenientes de su antigua campaña, la inminente crisis económica y la Revolución del Parque que, aunque derrotada, implicó la renuncia del presidente Miguel Juárez Celman. Este es el escenario inicial donde se desarrolla el análisis de Claudia Freidenraij, basado en la reescritura de su tesis doctoral, defendida en 2015. Leia Mais
Infância e educabilidades | Revista Nordestina de História do Brasil | 2020
A proposta de organizar o dossiê temático Infância e Educabilidades na Revista Nordestina de História do Brasil (RNHB) incide no interesse em divulgar este campo historiográfico e a sua produção na Bahia. Parte do interesse conjunto das organizadoras em apresentar as possibilidades de articulações e relações entre o campo de pesquisa histórica sobre a Infância com aquelas referentes às diversas formas de sua Educabilidade – na Escolarização ou Educabilidade Formal; nas Educabilidades Informais; e nas Educabilidades Não-Formais, na perspectiva daquelas que ocorrem em diversas relações socio-históricas. O âmbito espacial é o Brasil, contemplando qualquer período de sua história.
Por infância compreendemos como uma classe especial de pessoas qualitativamente e hierarquicamente diferentes dos adultos, cujos critérios para definir esta fase da vida humana são social e historicamente condicionados.
E como afirma Neil Postman:
Não devemos confundir, de início, fatos sociais com ideias sociais. A ideia de infância é uma das grandes invenções da Renascença (…) a infância, como estrutura social e como condição psicológica, surgiu por volta do século XVI e chegou refinada e fortalecida aos nossos dias.[1]
Dessa forma, alguns autores, como Postman, defendem que a ideia de infância surgiu associada diretamente ao desenvolvimento da prensa gráfica, que possibilitou a impressão de livros, e, consequentemente, o acesso democrático à leitura, alfabetização socializada. Surgindo, portanto, o fenômeno da escolarização que tinha como alvo a criança.
Outro historiador de grande destaque e um dos pioneiros em história da infância é Philippe Ariès, em seu livro História Social da Criança e da família [2]. Este autor, embora não discorde da importância da escolarização na construção da infância, enfatiza as mudanças nas relações familiares resultantes da economia capitalista e do surgimento de uma classe burguesa para explicar a origem da ideia de infância e as subsequentes práticas voltadas para promover a socialização deste grupo de forma diferenciada dos adultos. Ariès dialogou diretamente com a segunda geração da Escola dos Annales, dedicando-se à produção de uma história da infância através de uma história das mentalidades. É inegável a influência deste autor na história da família e da infância no Brasil, que, no início, recorre principalmente aos estudos demográficos para estudar estes campos historiográficos. Uma das pioneiras a estudar a história da infância foi a historiadora Maria Luiza Marcílio. Esta, a partir de pesquisas desenvolvidas no Centro de Estudos Demográficos e Históricos na América Latina (CEDHAL), publicou, em 1988, o livro História Social da Criança Abandonada. A autora demonstrou o universo da criança abandonada e sem família desde o período colonial até as primeiras décadas do século XX [3].
No final década de 1990, a história da infância no Brasil aproximou-se da história social da cultura, enfatizando os aspectos sociais, de gênero e de raça que definem e redefinem a infância, nos mais diferentes períodos históricos. Da mesma forma, a história da educação ampliou seu escopo para as questões de escolarizações e educabilidades. Incorporou também as proposições da História Cultural e da História Social. Acompanhando estas novas tendências da história da infância e da história da educação/escolarização/educabilidades, o nosso dossiê objetivou aglutinar pesquisas diferenciadas sobre estas interfaces historiográficas. Uma das propostas no dossiê temático foi a de que os artigos apresentassem pesquisas empíricas feitas para a Bahia/Brasil, espaço histórico-geográfico e sociopolítico da norma editorial da RNHB, nas suas múltiplas temporalidades, assim como, com usos de fontes históricas dos mais variados espectros.
Quanto aos recortes e problematizações, o interesse foi que estes enfoquem nas subtemáticas referentes às intersecções dos amplos campos temáticos entre Infância e Educabilidades, tais como os projetos institucionais de asilamento e proteção à infância; as infâncias, suas educabilidades e as relações de classe, gênero e raça; as propostas de instituições escolares para a infância; a infância presente nos impressos pedagógicos, livros e materiais didáticos para a educabilidade da infância: a infância nas reformas educacionais; as territorialidades e cartografias da infância e das suas educabilidades; categorizações e classificações de infância nas escolarizações e medicalizações, articuladas ou não: usos da mão de obra infantil articuladas à escravidão, liberdades, à formação de ofício e profissionalização nas suas articulações com educabilidades; resistências e táticas de sujeitos anônimos e subalternos em diversos espaços e formas de educabilidade e experiências de ou com a infância; infâncias e trabalho, bem como a idealização da infância e do amor materno e seu oposto, a negação da maternidade.
Assim, os artigos do dossiê Infância e Educabilidades apresentam algumas das atuais investigações sobre estas temáticas, no esforço de ampliar e divulgar o campo. São sete artigos, que, temporalmente, referem-se três à primeira República; um ao período do Segundo Império e sua sociedade escravista; um às lembranças e memórias deste período imperial e dois ao período mais recente do Brasil. Recobrem à Bahia, enquanto espaço geográfico e administrativo, ao enfocarem sujeitos da capital – Salvador –, dos “sertões” de Feira de Santana, Juazeiro, Caetité – do recôncavo –, São Gonçalo dos Campos, e do baixo Sul-Marau e Camamu.
São trabalhos realizados por pesquisadores (as) no âmbito de cursos de pós-graduação e graduação, assim como na pesquisa continuada de caráter profissional do (a) historiador (a). A ordem de apresentação escolhida pelas organizadoras foi a do recorte de ordem alfabética dos autores (as).
Andréa Barbosa e Camila Mota em Nem presa, nem morta: direitos reprodutivos no Brasil e o movimento feminista abordam o debate sobre a negação do mito do amor materno mediante a análise do aborto no Brasil e a associação entre a maternidade e a maternagem como atributo exclusivo da reprodução e do “destino biológico” dos corpos femininos. Para tanto, recorrem ao argumento de que a imposição da culpa e do pecado às mulheres que praticam o aborto é decorrente de uma mentalidade que impõe unicamente à mulher os cuidados e a socialização da criança. A naturalização da maternagem, ou seja, os cuidados e a educação de uma criança são atribuídos a uma suposta natureza feminina. Dessa forma, para investigar este processo de criminalização da negação da maternidade através do aborto, as autoras analisam a legislação penal brasileira que criminaliza esta prática, especificamente o Capítulo I do Código Penal de 1940 e a historicidade deste código. Da mesma forma, investigam o perfil das mulheres que abortam no Brasil mediante a análise da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizada no ano de 2016, assim como a posição das teorias feministas acerca da reprodução. Por fim, as autoras concluem que transpor as desigualdades de classe e gênero e alcançar a equidade dentro da sociedade de classes é preciso para dar às mulheres o direito de escolher ou não ser mãe.
Em espaço interiorano, a cidade de Juazeiro, na Bahia, o artigo O Aprendizado Agrícola de Juazeiro e o ensino para pobres e negros (Bahia, 1909-1930) de Daiane Silva Oliveira e Maurício de Oliveira da Silva trata da experiência de educabilidade da criança rural, sertaneja, no Aprendizado Agrícola instalado nesta cidade, em 1910. Apresenta pesquisa empírica sobre esta instituição entre 1919-1930, e problematiza a sua criação como parte dos desdobramentos dos projetos civilizatórios republicanos e suas elites agrárias. Os autores destacam que estes aprendizados foram instalados em outros estados do país, de acordo com um critério de “tradição agrícola”. A escrita apresentada priorizou destacar nos aprendizes desta instituição – meninos e meninas – a evidência da presença de crianças pobres e negras a partir de um conjunto de fotografias de 1920, com a metodologia de heteroatribuição da classificação racial, conforme Maria Lúcia Muller [4]. Além desse registro fotográfico, foram utilizados documentos oficiais como as mensagens de Presidentes da República, Relatórios, mensagens e diversos Comunicados oriundos do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC) do Brasil.
Ione Sousa e Bruna Santana da Silva trazem a primeira referência ao século XIX, ao Segundo Império e à sociedade escravista brasileira com Ingênuos (as) e seus serviços: estratégias de usos e modos de fuga (Bahia, 1874-1900). As autoras apresentam algumas experiências nos usos da mão de obra de ingênuos na Bahia, temática já percorrida pelas mesmas, pelo uso de dispositivos legais como a Tutoria e a Assoldada para a circunscrição do trabalho do (a) “ingênuo (a)” – o (a) filho (a) da mulher escrava nascido (a) livre por força da Lei 2040, de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre Livre. São educabilidades no trabalho do labor na lavoura, no qual mães-cativas e sua parentela deveriam preparar futuros trabalhadores (as) na mesma sujeição. Mas nem sempre esta estratégia deu certo pelas ações contrárias de mães, parentes e dos próprios (as) ingênuos (as). Lançando mão de uma rica documentação que registra as relações entre as crianças ingênuas, suas mães, proprietários e ex-proprietários escravistas, tutores, assoldadores, Curadores de Órfãos, Juízes de Órfãos, destacam sujeitos que protagonizaram experiências contundentes nas lutas pela liberdade no cativeiro que existiu no Brasil.
Jacson Lopes Caldas n’A infância negra e o aprendizado de saberes populares femininos: memórias da ceramista Crispina dos Santos e da artesã Marilene Brito em Feira de Santana – BA traz narrativas sobre a educabilidade do saber-fazer de práticas de artesanato familiar feminino e popular via as memórias da ceramista Crispina dos Santos e da artesã Marilene Brito. São saberes transmitidos por gerações de mulheres negras – em lugares de memória – destas sujeitas na cidade de Feira de Santana, que se entrelaçam, da infância à vida adulta, em aprendizados transmitidos no cotidiano de mães/avós/tias como táticas que possibilitaram o trabalho no comércio do artesanato popular como meio de sobrevivência durante a fase adulta.
Maria Cristina Machado de Carvalho em Tradições orais: memórias transgeracionais do trabalho de crianças escravizadas – São Gonçalo dos Campos (Bahia, 1880-1950) também trata dos aprendizados familiares no trabalho cotidiano, quanto às tensas experiências do trabalho da criança escrava. Enfoca as memórias familiares transgeracionais nas narrativas sobre experiências/conhecimentos/testemunhos relacionados à vida dos antepassados, transmitidos por meio das narrativas orais através das gerações no período de 1880 a 1950, em São Gonçalo dos Campos, local de intensa produção fumageira e de subsistência.
Ainda sobre o interior da Bahia, alto Sertão de Caetité e circunvizinhanças, Miléia Almeida em “O fructo de amores ilícitos”: Infanticídios na contramão do mito do amor materno (Alto Sertão da Bahia, 1890-1940) focaliza experiências de mulheres sertanejas pobres quanto à gravidez, aborto e infanticídio. Problematiza representações sobre a infância expressas em processos judiciais, artigos da imprensa, assim como ressaltadas nas práticas femininas costumeiras que estes registros permitem evidenciar. Considera que a concepção de infância “historicamente construída nas sociedades ocidentais”, assim como “o mito da maternidade inata”, serviram de base para a condenação de mulheres que vivenciavam outros valores socioculturais. Sob uma perspectiva da análise de gênero, o texto busca colocar as mulheres como sujeitos e provocar o debate de um “tabu histórico”.
O último texto deste dossiê, de Verônica de Jesus Brandão, O jardim de infância nas teses apresentadas pelos professores primários da educação pública do município de Salvador nas Conferências Pedagógicas (1913-1915) nos faz retornar à Salvador e à primeira República ao explorar a criação dos Jardins de Infância como espaços de educabilidade. Problematiza que embora esta forma de educabilidade não estivesse oficialmente elencada nos temas das referidas Conferências Pedagógicas, a importância das mesmas nos projetos de educadores a colocou em pauta, numa variedade de temas: currículo, espaços e reflexões dos docentes sobre o Jardim de Infância.
Assim, terminamos esta primeira tentativa de sistematização do campo, óbvio que com lacunas e omissões. Agradecemos à RNHB a iniciativa de submissão de propostas e o acolhimento da nossa.
Notas
1. POSTMAN, Neil. O desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999. p. 12.
2. ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982.
3. MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: HUCITEC, 1988.
4. MULLER, Maria Lúcia Rodrigues. Professoras Negras na Primeira República. Cadernos PENESB, Niterói, v. 1, n. 1, p. 21-68, 1999.
Andréa da Rocha Rodrigues Pereira Barbosa – Doutora em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Feira de Santana, BA, Brasil. E-mail: andrearocha66@hotmail.com Orcid: http://orcid.org/0000-0001-8376-1945
Ione Celeste Sousa – Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Professora da UEFS Feira de Santana, BA, Brasil. E-mail: ionecjs@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9721-750X
BARBOSA, Andréa da Rocha Rodrigues Pereira; SOUSA, Ione Celeste. Apresentação. Revista Nordestina de História do Brasil. Cachoeira, v.3, n.5, p.6-11, jul./dez. 2020. Acessar publicação original [DR]
Infância, Juventude e Família / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2016
A Revista Brasileira de História & Ciências Sociais – RBHCS tem a satisfação de apresentar sua nova edição. Com uma posição editorial orientada pela transdiciplinaridade, essa edição segue seu ideal ao trazer produções acadêmicas que fornecem ao leitor a oportunidade de discutir temas caros às ciências humanas, por diversas abordagens e enfoques teóricos. Trata-se de explorar olhares múltiplos sobre temas comuns aos campos científicos que exploram as relações humanas. Nessa edição o Dossiê Temático “Infância, Juventude e Família” trás exemplos dessas discussões referente à essa temática ao longo da História.
Apresentamos aqui abordagens que navegam por temas como a infância e sua representação ao longo tempo até discussões jurídicas acerca da menoridade penal. Resgatar a criança e a juventude ao longo da História é um desafio, assim como entender esses agentes em nossa realidade presente. A ponte entre o presente e o passado pode nos ajudar a compreender realidades sociais esquecidas e marginalizadas como a infância desvalida e o jovem infrator, estigmas discursivos tão presentes.
Além do dossiê, esta edição ainda conta com artigos livres com temas comuns à História & Ciências Sociais, como migrações, saúde e religião, além de resenhas e a sessão Arquivo e Pesquisa. Estamos assim, imensamente gratos pela colaboração dos nossos autores, avaliadores e leitores que acreditam e tornam a RBHCS um verdadeiro instrumento de troca e produção de conhecimento para as Ciências Humanas.
Denize Terezinha Leal Freitas
Jonathan Fachini da Silva
José Carlos da Silva Cardozo
Diretores da RBHCS
FREITAS, Denize Terezinha Leal; SILVA, Jonathan Fachini da; CARDOZO, José Carlos da Silva. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.8, n. 15, jan. / jun., 2016. Acessar publicação original [DR]
História, Infância e Juventude / Projeto História / 2015
Esta coletânea de artigos sobre História, Infância e Juventude traduz reflexões a respeito das formas de viver a infância e a juventude em diferentes momentos. Nestas vivências não há oposição absoluta entre passado e presente, tampouco um tempo se reduz no outro. Ao longo dos anos historiadores, pedagogos, médicos, jornalistas, estudiosos do tema pretenderam dar visibilidade aos sujeitos que tiveram suas experiências ocultadas, muito porque eram consideradas apenas como vivências em transição à idade adulta, está carregada de significação e sentido. Novos estudos revisitaram fontes e memórias problematizando a infância e a juventude presente nelas, direta ou indiretamente, e, a partir disso, esses sujeitos históricos ganham visibilidade através de diferentes materiais pesquisados como imprensa, processos crimes, inventários, registros de batismo, estatísticas, prontuários médicos, fichas escolares, mobiliários, literatura, produção de campos de saber (pediatria, pedagogia, entre outros), dados estatísticos sobre mortalidade infantil e juvenil, por exemplo.
As questões envolvendo crianças, adolescentes e jovens são muito abrangentes, e vê-los como sujeitos de direitos ainda é um desafio presente numa sociedade que ainda vê a criança, de modo especial, apenas como o “futuro da nação”, esquecendo-se das experiências infanto-juvenis no presente cotidiano carregado de misérias, abusos, violências, privações, maltrato, pouca efetividade – em muitos casos – dos direitos à educação e saúde.
Muitas são as práticas de repressão e desqualificações que atingem diretamente os mais pobres, a evidência da desigualdade entre sujeitos leva a práticas violentas, sobretudo de jovens que muitas vezes são mortos sem direito a despedida dos familiares, revelando uma seletividade na violência e um “genocídio de jovens negros” como explicitam anualmente estudos como o Mapa da Violência.
A despeito de todas as dificuldades, hoje, depois de 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, vemos ONGs, governo, sociedade civil, jovens e adolescentes, ativistas, desenvolvendo práticas comunitárias de valorização da experiência dos sujeitos, que permitem ter alento quanto à uma sociedade que respeite e promova a dignidade humana desde antes do nascimento e considere a vida como intensa em todas as fases do desenvolvimento pessoal e social. A redução da mortalidade infantil, a expansão da escolarização, a ampliação do atendimento de saúde, a vacinação em massa, o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos ativos, entre outras medidas, tem permitido, em termos comparativos com os anos anteriores ao ECA, uma melhoria na vida de milhares de crianças. Espaços de experimentação na valorização da dignidade humana infanto-juvenil são inúmeros, um deles é o caso dos CEU’s (Centro de Educação Unificado da Prefeitura de São Paulo), que cria e disponibiliza toda uma ambiência cotidiana que intensificam a formação humanizada e os vínculos da escola com a comunidade local propiciando o ensino de línguas estrangeiras, atividades artísticas (corais, peças teatrais), o uso do espaço aos finais de semana pela comunidade da região, podendo ali construir sociabilidades, estratégias para trabalhar, saindo assim da condição de miséria absoluta.
Contemplamos no dossiê várias experiências infantis, relatos de internação na infância, a questão do ensino de História é evocada como parte da formação da infância e juventude, a imprensa escrita é usada para avaliar suas propostas de ser criança, a menoridade penal é discutida como tema que vem de outros períodos e ganha contornos precisos no presente, diferentes estados são evocados na experiência da infância.
A ideia é abrir espaços de discussão entre diferentes áreas e entre historiadores que debatem o tema e ao fazê-lo pensam numa mudança histórica que pensa a criança e jovem como agentes ativos e não passivos, pensamos em tirá-los do anonimato.
Os artigos reunidos nesse dossiê tratam de diferentes dimensões da temática da História da Infância e da Juventude, inúmeras fontes, bem como abordagens, expressando a densidade da experiência histórica que envolvem direta ou indiretamente jovens e crianças. Imagens encantadas ou cristalizadas desses sujeitos são rechaçadas artigo por artigo, deixando evidente que existem múltiplas infâncias e juventudes.
Pensando na multiplicidade das experiências infantojuvenis, a antropóloga colombiana Ximena Pachón, com o artigo “La persistente presencia de los niños combatientes em la história de Colombia”, apresenta reflexões a respeito da participação de crianças e adolescentes nos principais conflitos armados da Colômbia ao longo do século XX (1º Guerra de los Mil Dias – 1899-1902; 2º Guerra Civil “La Violéncia” – 1946-1965; 3º Guerra Civil atual – 1966-2015). Contrariamente a uma história da infância idealizada, são problematizadas inúmeras situações vivenciadas no contexto da sociedade colombiana em circunstâncias vinculadas diretamente à guerra (crianças arregimentadas para a luta armada) ou em momentos afetados pelas lutas. A experiência de violência e da guerra são apresentados como fatores que tangenciaram a participação de crianças e jovens no conflito, o que destaca para as múltiplas formas de experienciar a infância na sociedade latino-americana.
O debate sobre a Redução da Maioridade Penal para menos de 18 anos é antigo no Brasil, remonta o fim do século XIX e, ao longo do século XX, inúmeras foram as ocasiões em que esta proposta esteve colocada por setores reacionários. Olga Brites e Eduardo Silveira Netto Nunes, expõem no artigo “Contra a redução da maioridade penal no Brasil: o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Osasco, fim dos anos 1970”, uma análise sobre a mobilização popular e de comunidades periféricas contrárias a propostas de redução da maioridade penal que estavam tramitando no Congresso Nacional em fins da década de 1970. O texto centra a sua reflexão na atuação do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Osasco e sua articulação com grupos periféricos na defesa dos direitos de crianças e adolescentes e na mobilização contra os projetos de lei reduzidos a idade penal. O tema da infância, neste caso, ganhou uma representatividade improvável, pois, ao se defender as crianças e os adolescentes, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Osasco tencionava em diferentes frentes o governo civil-militar autoritário então vigente.
Através do artigo “Ana Maria Machado: inventando o futuro. A utopia de um mundo de paz e tolerância: reflexões sobre infância e juventude”, Maria do Rosário Cunha Peixoto desenvolve a análise sobre a obra “O Canto da Praça”, de Ana Maria Machado, livro direcionado ao público infantojuvenil, publicado pela primeira vez em 1986, destacando a estruturação sensível da narrativa, pela qual advoga possibilidade de uma sociedade pacífica, justa, tolerante. Ao pensar a literatura infantil como um dos espaços de construção da subjetividade nas crianças, o artigo desvela a forma como o livro construiu representações do tempo, das ambiguidades, na perspectiva de respeitar a criança e suas experiências impor a ela uma “infantilização que não é dela”.
O enfoque adotado por Nelson Tomelin Júnior, no artigo “Infância contada entre muros”, analisa as reminiscências de pessoas idosas que vivenciaram parte de suas trajetórias em instituições psiquiátricas e divisaram suas experiências com diagnósticos diversos que as classificavam como doentes psiquiátricos. A partir de depoimentos orais, principalmente, o autor reflete as vivências de cinco idosos tangenciando momentos de solidão, sofrimento, alegria, solidariedade, afeto, tristeza, pelas quais essas pessoas passaram, destacando as memórias sobre a infância, tensionando muitos olhares que atribuem ao diagnóstico de uma doença psiquiátrica, a transformação do sujeito em “doente”, pelo que não seriam portadores de subjetividade. Ao acessar e valorar as reminiscências desses idosos, permite ao leitor desvendar trajetórias de vidas segregadas pela doença psiquiátrica e “esquecidos” da história.
Tratando de outra dimensão da memória histórica e da relação desta com as crianças e os adolescentes, Marcos Silva, no artigo “Entre o espelho e a janela”, problematiza, no formato de um ensaio crítico, a ideia de que o conhecimento histórico necessita ser reconhecido como um “Direito à História”, pelo qual crianças e adolescentes teriam o direito subjetivo a acessar dimensões das experiências compartilhadas socialmente. A história vivida seria trabalhada no sistema de Ensino, de forma complexa, diversificada, múltipla e crítica. A educação fundamental seria o espaço para reestabelecer os liames e a ligação entre as gerações na sociedade, não como um processo laudatório dos “grandes feitos”, mas sim como um exercício constante de revisitação às tensões, conflitos, lugares sociais, lutas, e diversidade de interesses em disputa em cada contexto histórico.
O papel das representações sociais sobre os jovens de classe média na revista Realidade foi o objeto central do artigo de Silvia Arend intitulado “Jovens brasileiros nas páginas da Revista Realidade”. Arend realiza uma análise sobre as representações veiculadas na Revista Realidade relativas à infância e à juventude, focando as relações de trabalho e familiares envolvendo esses grupos etários. A construção de uma “juventude” de classe média, consumidora e leitora da Revista, e de temas a ela pertinente é desvelada pela autora ao longo do texto, projetando clareza sobre assuntos em circulação e que povoaram as mentes de segmentos sociais juvenis de classes médias, por vezes pouco estudados sob a ótica da História da Infância e da Juventude.
Tratando ainda dos processos de escolarização no Brasil, Iranilson Buriti de Oliveira, no texto “Como canários nos alçapões”, procura analisar as representações construídas na obra Doidinho de José Lins do Rego, sobre a vida infantil de crianças no Internato de Seu Maciel, em Itabiana, Paraíba, estória ambientada em fins do século XIX e início do XX. O autor desvela aspectos da cultura escolar como o autoritarismo nas relações entre adultos e crianças, assim como entre professores e alunos, narradas com riqueza de detalhes nos escritos de Rego, desvelando como foi sendo instituída a escolarização no Brasil republicano, sob o signo da violência e do desrespeito à subjetividade infantil.
Ao lado dos artigos selecionados, consta do dossiê uma entrevista que registra as experiências de um protagonista importante nos debates sobre os direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil, o jurista Dr. Antônio Fernando Amaral e Silva, na qual desvela bastidores inacessíveis na mudança do antigo sistema da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral, bem como expõem reflexões acerca dos percalços e conquistas na luta pela efetividade desses Direitos, hoje ameaçados por inúmeras pautas conservadoras como a redução da maioridade penal.
O dossiê conta ainda com a apresentação de pesquisa relacionadas à temática da infância e da juventude de autoria dos pesquisadores Ivannsan Zambrano Gutierrez, Thiago de Faria e Silva.
Essa edição da revista conta ainda com quatro artigos livres, resultado da política da revista de fluxo contínuo de contribuições, são eles: “Michel de Certeau e os limites da representação histórica”, de João Rodolfo Munhoz Ohara; “O meu lembrar pelos meus direitos: memória e direito à cidade em uma favela do Rio de Janeiro”, de Mauro Amoroso; e, “Higiene do corpo e Higiene da mente: algumas raízes da psiquiatrização da educação no Brasil”, de Alexandre Fernandez Vaz, Lara Beatriz Fuck.
Por fim, compõem a edição duas resenhas elaboradas por Maria Nicolau, Alexandra Dias Ferraz Tedesco, versando sobre contribuições historiográficas atuais.
O conjunto de textos dessa edição colabora com a difusão e a expansão dos estudos de História da Infância e Juventude somando-se a outras iniciativas como o Grupo de Trabalho em História da Infância e Juventude da Associação Nacional de História (ANPUH) em nível nacional e regional (ANPUH-SP).
Boa leitura.
20 de dezembro de 2015
Olga Brites. E-mail: olgabrites@uol.com.br
Eduardo Silveira Netto Nunes. E-mail: edunettonunes@hotmail.com
BRITES, Olga; NUNES, Eduardo Silveira Netto. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v.54, 2015. Acessar publicação original [DR]
Infancia en la historia del tiempo presente / Tempo e Argumento / 2015
Infância e infâncias no tempo presente, abordadas no singular e no plural, têm centralidade neste Dossiê cuja organização esteve a cargo das professoras Susana Sosenski, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e Liliana Ruth Feierstein da Universidade de Humboldt de Berlim. Estas estudiosas reuniram pesquisadores e pesquisadoras desta temática que são aqui apresentadas em investigações que remetem a vários tempos e lugares. São contribuições de autores e autoras reconhecidos que vêm do México, Alemanha, Cuba, Espanha e do Brasil, as quais se apresentam em sete (7) artigos, que permitem conhecer e pensar tanto sobre este complexo e multifacetado processo da construção social da infância, como sobre os percursos desses sujeitos que se singularizam, hoje, como seres históricos e de direitos.
Para pensar e construir novas bases para a história da(s) infância(s) foi necessário retroceder no tempo cronológico para municiar‐se de recursos ao entendimento deste tempo presente e, nesta perspectiva, o primeiro artigo de autoria das Professoras Gisele de Souza e Andréa Cordeiro, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) vai ao início do século XX para fazer reflexões sobre o papel simbólico da infância na modernização da América, tendo por base empírica os debates nos primeiros Congressos Americanos da Criança (1916‐1922), momento em que a educação da criança foi considerada como motor do desenvolvimento das nações e do continente americano.
Solidamente fundamentados e mantendo a centralidade da interpretação em documentos oficiais, a historiadora Sílvia Maria Fávero Arend, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), analisa o debate acerca das relações de trabalho no campo da infância, adolescência e juventude durante a construção da Convenção Universal dos Direitos da Criança pelos países membros da Organização das Nações Unidas e Organizações Não Governamentais entre 1978 e 1989. Seu artigo traz, igualmente, informações sobre a presença desta normativa internacional na legislação brasileira para as crianças, adolescentes e jovens instituída no Brasil no ano de 1990. Na mesma clave temática, Paulí Dávila e Luis M. Naya, professores da Universidade do País Basco, na Espanha, analisam a representação da infância na América Latina a partir dos discursos elaborados pelo Comitê dos Direitos da Criança, entre os anos de 1990 e 2013.
Pesquisa de base etno‐histórico da professora Alma Durán‐Merk, mexicana, que trabalha na Universidade de Augsburg, na Alemanha, apresenta as construções e as experiências da infância em um contexto migratório, tendo como alvo o caso de crianças alemães vivendo no México (1900‐1933). O artigo, através da fineza das análises comparativas, conclui, especialmente, que a ascendência estrangeira não é, por si, garantia de uma infância transnacional. A escrita como catástrofe é analisada pela professora Andréa Gremels, da Universidade Goethe / Frankfurt. Neste artigo, ancorada nas atuais preocupações acadêmicas em delinear a emergência dos estudos sobre infância(s), ela reflete sobre duas obras de caráter autobiográfico produzidas em 2006 por escritoras cubanas que vivem nos Estados Unidos e que destacam a narrativa de suas infâncias entrelaçadas com o momento histórico de Cuba que ocasionou um movimento diaspórico nos anos de 1970.
Na tentativa de romper um certo silêncio histórico que oblitera a presença de crianças em manuais escolares, o artigo da historiadora Susana Sosenski propicia uma alentada reflexão sobre a importância do ensino de história da infância na escola para que as crianças possam aparecer como atores sociais e não apenas como sujeitos subordinados ao poder dos adultos.
Fechando o Dossiê, o historiador Humberto da Silva Miranda, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) analisa, nas páginas do jornal Diário de Pernambuco entre os anos de 1964 a 1985, como o discurso de abandono das crianças e as políticas públicas de assistência foram construídas nesse período sócio‐histórico, estabelecendo uma conexão com a atuação da Febem em Pernambuco, instituição fundada no primeiro ano da Ditadura Civil‐Militar.
Compõem, também, esta edição dois (2) artigos de demanda contínua que produzidos no tempo presente são como finas contribuições para a compreensão dos fenômenos de nossa contemporaneidade. Neles se articula uma rede de pensamentos em que a teoria e a empiria são tecidas em narrativas problematizadas que transparecem na qualidade dos textos. Mora González Canosa, da Universidade Nacional La Plata, da Argentina, descreve as políticas de construção do peronismo, nos inícios da década de 1970, detendo‐se às estratégias discursivas das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) para legitimar sua identificação com o peronismo a partir de uma perspectiva marxista cujo objetivo final era o socialismo. Já o artigo de Luisa Delgado de Carvalho estuda e preserva o arquivo pessoal de Astrogildes Delgado de Carvalho, educadora que atuou nas décadas de 1930 a 1980 no Rio de Janeiro, na educação infantil e na formação de educadoras dos Centros de Atendimento ao Pré‐Escolar (Capes), juntamente com a Organização Mundial para a Educação Pré‐ escolar / Brasil / Rio de Janeiro (Omep / BR / RJ).
Na seção de Entrevista, há o testemunho do Professor Igor Alexis Goicovic Donoso, da Universidade Nacional do Chile, que respondeu a questões sobre seu trabalho em História Política com ênfase em História da violência política, que foram levantadas pelas doutorandas de História da UDESC / SC, Cristina Iuskow e Juliana Miranda da Silva. A resenha que integra este volume da Revista foi elaborada pela doutoranda Marilane Machado (UFPR) e discute, entre biografia e história, o livro da Profª Mary del Priore intitulado: O Castelo de Papel: uma história de Isabel de Bragança, princesa imperial do Brasil, e Gastão de Orléans, conde D’Eu.
Reafirmar e refinar um conhecimento epistemológico sobre a(s) infância(s) em inúmeros percursos foi um dos objetivos perseguidos neste Dossiê em que leitores e leitoras encontrarão nos estudos, esperamos, uma verticalidade fina e uma horizontalidade densa.
À leitura e ao desejo de que ela possa enriquecer os universos dos sujeitos e da cultura.
Maria Teresa Santos Cunha
Luciana Rossato
Editoras‐ Chefe
CUNHA, Maria Teresa Santos; ROSSATO, Luciana. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.7, n.14, 2015. Acessar publicação original [DR]
Gênero e Infância / Tempos históricos / 2012
Em 1999 a Revista Brasileira de História em seu volume 19, número 37, trazia a público o dossiê “Infância e Adolescência”, passados oito anos, em 2007, a referida Revista apresentava o dossiê “História e Gênero”. Lendo tais dossiês, inicialmente, perguntamos: o que eles têm em comum? Pistas à resposta nos são dadas por Joana Maria Pedro e Rachel Soihet3 “ao historicizarem e analisarem a trajetória do campo historiográfico da história das mulheres e das relações de gênero”. Em seu artigo, as autoras evidenciam a pertinência de pesquisas que contribuíram para a legitimação desse espaço historiográfico que por muitos / as na acadêmica, ainda, é entendido como periférico e de caráter secundário em relação a outros campos de estudos, considerados por eles / as mais importantes à História.
Se a história da criança se fez à sombra da dos adultos4 , e se podemos arriscar que o que ela tem em comum com a história das mulheres e das relações de gênero é o lugar periférico em que muitos da academia insistem em mantê-la, não nos equivocamos ao dizer que o que também as une é o despertar do crescente e importante interesse de muitos pesquisadores e pesquisadoras que, através de suas várias pesquisas, múltiplas abordagens e diferentes metodologias, consolidaram os campos da história das mulheres e das relações de gênero e o campo da história da infância. Nos curtos espaços de tempo, entre a organização dos dois Dossiês e entre os dias atuais (1999-2007-2012), muitas pesquisas foram realizadas e publicações feitas acerca das relações de gênero e da história da infância, sendo que o dossiê Gênero e Infância da Tempos Históricos, tem por objetivo contribuir na difusão e divulgação das pesquisas e produções historiográficas nestes campos da História que a nós são tão caros.
Assim, a historiadora portuguesa Helena da Silva, no artigo intitulado “Relações de gênero na enfermagem em Portugal (1886-1955)” 5 , apresenta uma instigante reflexão sobre o processo de feminização da profissão da enfermagem em Portugal a partir dos anos de 1930. Segundo a autora, esta mudança esteve associada à introdução dos modelos britânico e norte-americano onde os profissionais da saúde eram do sexo feminino. Todavia, nas associações e nos sindicatos dos profissionais da enfermagem os homens permaneceram dominando o cenário.
As historiadoras brasileiras Joana Maria Pedro e Gleidiane de Souza Ferreira, no artigo denominado “São Honestas? Defloramentos em Fortaleza nas primeiras décadas do século XX”, através da análise de processos penais, discutem como se dava a construção da representação social da “mulher honesta” no início do século XX na cidade de Fortaleza, especialmente no âmbito dos grupos sociais mais pobres daquela sociedade. O discurso da moral, segundo as autoras, prevalecia sobre os demais.
A historiadora argentina Cecília Rustoyburu, no artigo “Infancia y maternidad en los discursos de la pediatría psicosomática (Buenos Aires, a mediados del siglo XX)”, descreve como paulatinamente o discurso da Pediatria adquiriu uma grande importância na sociedade argentina do início do século XX. A autora foca sua análise na obra do médico Florêncio Escardó que divulgava estes novos saberes científicos através dos meios de comunicação.
A historiadora Olga Brites e historiador Eduardo Silveira Netto Nunes, ambos brasileiros, analisaram como o campo da publicidade em relação à infância foi sendo forjado no Brasil. Os autores no artigo “Infâncias e propagandas em revistas: anos 1920 – 1950” apresentam um panorama das principais características das peças publicitárias publicadas em diferentes periódicos entre 1920 e 1950.
O historiador brasileiro Daniel Alves Boeira, por sua vez, no artigo “O patronato agrícola de Anitápolis (SC): o núcleo colonial, os “menores” e a comunidade (1918- 1930)”, analisa as práticas escolares e laborais vigentes na principal instituição de acolhimento de crianças e jovens pobres e / ou indisciplinados do início do período republicano, o Patronato Agrícola.
A historiadora brasileira Ana Paula Pruner de Siqueira no artigo intitulado “As relações familiares estabelecidas no cativeiro e no pós-abolição em Palmas- PR”, descreve, a partir de registros paroquiais e processos de tutela, as trajetórias familiares de escravos e seus descendentes que habitavam na região de palmas (PR), no século XIX.
As historiadoras brasileiras Anelise Rodrigues Machado de Araujo e Elisangela da Silva Machieski, esboçam uma reflexão sobre a obra “História de Abandono: Infância e Justiça no Brasil (década de 1930)”. Além das discussões relativas a narrativa histórica, as autoras argumentam sobre a importância das reflexões presentes no livro para a compreensão da questão da infância na sociedade brasileira atual.
E Por fim, o historiador Lucas André Berno Kölln ao se debruçar sobre a obra “O Romance Histórico”, do filósofo húngaro György Lukács, reflete acerca do objetivo do autor, qual seja, a relação entre a Literatura e a História, trazendo um importante e sempre atual debate acerca das potencialidades e limitações que se apresentam entre a Literatura e a História, bem como a íntima ligação entre estes dois campos de produção do conhecimento.
Notas
3. SOIHET, Rachel, PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero. Revista Brasileira de História, Florianópolis, vol. 27, n. 54, 2007.
4. PRIORE, Mary del. História da criança no Brasil. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 1996, p. 7.
Ivonete Pereira1 – Professora da Graduação e do Programa de Pós-Graduação do Curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
Silvia Maria Fávero Arend2 – Professora do curso de História Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
AREND, Silvia Maria Fávero; PEREIRA, Ivonete. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.16, n.1, 2012. Acessar publicação original [DR]
Infância, Adolescência e Juventude: olhares sobre o passado e o presente / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2010
O século XX é o século da descoberta, valorização, defesa e proteção da criança. No século XX formulam-se os seus direitos básicos, reconhecendo-se, com eles, que a criança é um ser humano especial, com características específicas e que tem direitos próprios. No século XX as pesquisas sobre a Infância entram no campo da Historia e das Ciências Humanas.
O ano de 1959 representa um dos momentos emblemáticos para o avanço das conquistas da infância. Nesse ano, as Nações Unidas proclamaram sua Declaração Universal dos Direitos da Criança, de significativo e profundo impacto nas atitudes de cada nação diante da infância. Nela, a ONU reafirmava a importância de se garantir a universalidade, objetividade e igualdade na consideração de questões relativas aos direitos da criança. A criança passa a ser considerada, pela primeira vez na história, prioridade absoluta e sujeito de Direito, o que por si só é uma profunda revolução. A Declaração enfatiza a importância de se intensificar esforços nacionais para a promoção do respeito dos direitos da criança à sobrevivência, proteção, desenvolvimento e participação.
Fundada nos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e neste instrumento dos Direitos da Criança (1959), a Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos promoveu em 1989 a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
O Brasil ratificou a Convenção logo em 1989, momento em que o país tratava de remover o entulho autoritário de anos de ditadura militar, acolhendo-a com grande entusiasmo. O cumprimento integral das disposições da Convenção exigiria uma ação integrada e integradora por parte do Estado e da sociedade civil, tanto no âmbito das políticas sociais universais, como no dos programas dirigidos aos grupos vulneráveis; tanto no campo de uma ação codificadora destinada à adequação das leis nacionais aos preceitos da Convenção, quanto no de uma ação concreta de políticas sociais.
A ação codificadora do Brasil está positivada já na Carta Constitucional de 1988, principalmente em seus artigos 227, 228 e 229, que seguiram a doutrina da Declaração dos Direitos da Criança, de 1959. Vale a pena relembrar aqui os termos do artigo 227:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à Criança e ao Adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A homologação dos dispositivos da Carta Magna em favor da infância, fundados na Declaração dos Direitos Humanos e na Declaração dos Direitos da Criança foi estabelecida primorosamente no Estatuto da Criança e do Adolescente o ECA , assinado em 1990. Este documento legal representa uma verdadeira revolução em termos de doutrina, idéias, práxis, atitudes nacionais ante a criança. O ECA colocou o Brasil como modelo em termos de leis em favor da criança.
Em 1984, quando foi criado na USP, o CEDHAL (Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina), seu Projeto de pesquisas inaugural, multifacetado intitulou-se: A Criança e a Família na Historia da População Brasileira. De forma sistemática, coletiva, com metodologias avançadas inaugurava-se no país a inclusão da Criança na pesquisa da Historia Social.
De lá para cá, houve um avanço extraordinário nos conhecimentos sobre a criança brasileira (aqui entendida, como pela ONU, como todo o ser menor de 18 anos). Sabemos hoje muito mais sobre a criança da elite, a criança pobre, a criança abandonada, a criança escrava, a liberta, a negra, a indígena, a criança na escola. Trata-se de um campo de pesquisas vasto, multifacetado, complexo e exige grandes esforços para se conhecer melhor esse segmento da sociedade, exige proteção e cuidados especiais em razão de sua falta de maturidade física e mental.
As dificuldades começam justamente pelas fontes. Os conhecimentos sobre a criança no passado se dão pela escrita dos adultos, e de modo geral de adultos homens e das categorias letradas. As fontes escritas preservadas são escassas, espalhadas, pontuais. Uma verdadeira garimpagem pelos arquivos vem revelando, nos últimos anos, acervos novos que trazem luzes sobre facetas ou setores da infância que não se conhecia.
A Revista Brasileira de História e Ciências Sociais, demonstrando sua concepção avançada incluiu neste seu número especial a temática da “Infância, Adolescência e Juventude: olhares sobre o passado e o presente” estimulado pesquisadores que estão trabalhando na área a escreverem artigos sobre a Criança.
A variedade de assuntos deste número mostra a percepção da amplitude do interesse atual de jovens pesquisadores em aprofundar os conhecimentos sobre o tema da infância. São aqui incluídos trabalhos que vão do sepultamento dos anjinhos no Ceará, aos contratos de trabalho infantil no século XIX, em área de São Paulo, à experiência única de uma escola paroquial no sertão na Bahia, criada e dirigida por um monge cisterciense alemão em meados do século XX, à colocação da juventude como valor a partir da referencia ao cotidiano, passando pelas crises dos anos de 1980 expressas em música Rock e as referencias sobre a atenção normativa sobre a infância e a adolescência expressas no ECA de 1990.
Os artigos aqui publicados mostram a variedade de temas na História da Criança. Será certamente um estímulo ao desenrolar de novas pesquisas, com novas fontes e em novos campos a serem iniciadas.
Maria Luiza Marcílio – Professora Titular de História da USP. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP, desde 1997.
MARCÍLIO, Maria Luiza. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.2, n. 4, jul. / dez., 2010. Acessar publicação original [DR]
Infância e Adolescência / Revista Brasileira de História / 1999
Infância e Adolescência é o tema do dossiê deste número da Revista Brasileira de História. A relevância e oportunidade da discussão não requer malabarismos teóricos, ela é evidente num país onde quase oito milhões de crianças perambulam pelas ruas. Miséria, abusos, violência, drogas, prostituição, roubo, crime, medo da morte são os ingredientes que compõem o cotidiano dessas crianças, que possuem pouca ou nenhuma perspectiva de futuro. Cenas de chacinas, perseguição policial, espancamentos ou que evidenciam abandono, descaso, delinqüência infanto-juvenil e exploração sexual transformaram-se em imagens que caracterizam o Brasil e, âmbito internacional.
Nesse sentido o artigo de Bengt Sandin, que analisa o lugar da criança na sociedade sueca, poderia parecer, num primeiro momento, muito distante da realidade local. Contudo, ao evidenciar os novos significados que a noção de infância adquiriu no decorrer do século XX, o autor fornece um balanço amplo e de longo alcance, que extrapola fronteiras nacionais e aponta para a emergência e consolidação de um modelo de infância planejada e racional, que acabou por substituir os ideais românticos herdados do século XIX. O leitor indagará a respeito dos limites e paradoxos desses modelos na sociedade brasileira.
O abandono está no centro das preocupações de Judite Trindade, que insere o problema em ampla perspectiva espaço-temporal. O diálogo com a experiência européia, sobretudo francesa, colabora para precisar os pontos em comum e as especificidades brasileiras ao longo de mais de três séculos. As diferentes condutas em face da infância abandonada permitem discernir mudanças no discurso e nas práticas médicas, legislativas, educacionais e assistenciais em relação às crianças que, no limiar do século XX, passam a ser encaradas como seres que necessitam ser protegidos e salvos de perigos que podem comprometer seu futuro.
A escola, que Judite já indicara como um componente essencial das novas preocupações que cercavam a infância, é o tema do artigo de Alessandra Schueler. Perscrutando projetos, debates, reformas e políticas públicas da segunda metade do século XIX, a autora evidencia que o princípio da obrigatoriedade do ensino primário às crianças e jovens foi constantemente reiterado. Esclarece as motivações e expectativas que envolviam as propostas educacionais então em pauta, articulando-as com as preocupações do tempo: o fim do trabalho escravo e a necessidade de formar cidadãos morigerados, úteis à nação e portadores de um saber técnico; a tentativa de controlar a criminalidade, a delinqüência e a desordem social por meio da retirada das crianças e adolescentes das ruas e becos das cidades; o combate à ignorância e ao analfabetismo, que se fazia acompanhar pela difusão de determinados comportamentos e valores morais.
Nas discussões em torno da infância, a rua e os seus perigos constitui-se um tema recorrente. A imagem de crianças ociosas, vagando sem a supervisão de adultos, é freqüentemente mobilizada para legitimar intervenções e medidas do poder público. Valendo-se da literatura, de relatórios policiais, dos discursos de homens públicos e empresários, da grande imprensa, dos jornais operários e de imigrantes, Esmeralda Blanco descortina os múltiplos significados que a rua assumia na São Paulo do início do século XX: espaço de lazer operário e de sociabilidade para os habitantes das classes pobres; mas também o lugar do ócio, crimes, delinqüência, vícios, prostituição, enfim dos comportamentos desviantes e socialmente inaceitáveis.
As crianças, adultos em formação, como nos ensina a autora, deveriam não apenas ser retirados das ruas mas também educadas, corrigidas e disciplinadas. Porém, o mundo do trabalho, no qual estavam depositadas as esperanças regeneradoras, pouco se coadunava com a construção idílica e sacralizada de infância, como atesta a ferrenha exploração a que estavam submetidos os meninos e meninas que vivenciavam o cotidiano das fábricas.
A preocupação com o futuro da nação sempre permeou o discurso em torno da questão da infância. A comemoração do Centenário da Independência em 1922 colocou na ordem do dia o debate em torno da identidade nacional, da modernização e do lugar do país no cenário internacional. James Wadsworth evidencia como a infância ocupou lugar dos mais importantes nesta discussão. Apoiado em ampla pesquisa, o autor analisa os modelos de assistência à infância idealizados pelo médico Arthur Moncorvo Filho, suas inúmeras atividades e propostas em relação aos cuidados que deveriam ser dispensados às mães e às crianças. Discute, ainda, as motivações sociais, econômicas e ideológicas subjacentes ao discurso das elites brasileiras e às concepções que resultaram, em 1927, no Código de Menores.
Antes deste Código, crianças e adolescentes em situação de conflito com a Lei estiveram sujeitas aos Códigos Criminal do Império, Penal e Civil. Escandindo normas e prescrições legais, Ailton José Morelli discute a questão da imputabilidade penal, evidenciando a distância entre as determinações e as práticas efetivas, o que permite colocar em outros termos a decantada impunidade dos “menores”, fossem eles infratores ou abandonados.
Fecha o dossiê o artigo de Marina Ertzogue, que adentra o cotidiano dos estabelecimentos disciplinares do Serviço Social de Menores do Rio Grande do Sul entre 1945-1964 para flagrar punições e castigos preconizados em regulamentos, manuais, leis e textos pedagógicos. Descortina-se um amplo panorama das estratégias de “recuperação” das crianças e jovens sob custódia do poder público.
Mary Del Priore abre a seção de artigos. O leitor é convidado a percorrer o imaginário em torno do corpo feminino e as formas de sua descrição e apreensão tanto pela filosofia cristã quanto pelo saber médico dos séculos XVII e XVIII. Especulações em torno da fisiologia feminina consubstanciaram-se numa construção que estigmatizava a mulher, considerada um ser social e moralmente inferior.
A exclusão e o estigma também estão presentes no texto de Sandra Pesavento. A personagem, porém, é outra. Por meio de memórias, romances, crônicas e jornais dos anos 1880 a 1920, a autora distingue os contornos de uma outra Porto Alegre: a da cidade condenada e amaldiçoada que se deseja normatizar. O registro lingüístico permite-lhe rastrear a carga simbólica e os significados pejorativos e discriminatórios atribuídos a espaços, estabelecimentos e moradias. Delineia-se, então, uma cartografia de práticas, sociabilidades e comportamentos marginais ou desviantes em relação a um ideal que se desejava implantar.
Interpretações dissonantes a respeito do Brasil são analisadas nos artigos de Eliana Dutra e José Carlos Reis. No primeiro, a autora foca sua atenção em Plínio Salgado com o intuito de esclarecer o quadro referencial e as matrizes subjacentes às suas concepções de nação, povo, identidade e brasilidade. Dutra estabelece, de forma nítida, o débito de Plínio, assim como de Cassiano Ricardo, Ronald de Carvalho, Tristão de Ataíde, Tasso Silvieira e Vicente Licínio Cardoso, para com o romantismo de viés conservador. Reis, a seu turno, elege A Revolução Brasileira (1966), de Caio Prado Júnior, como tema. As polêmicas, oposições e reações que a interpretação suscitou são reconstituídas pelo autor, que insere a obra no contexto do impacto da derrota sofrida pelas esquerdas na década de 1960.
Os efeitos do regime que se instaura em 1964 são apontados por Antonio de Almeida, que se volta para o ABC paulista e pontua as dificuldades e adversidades enfrentadas pela liderança sindical a partir do golpe militar. A emergência, em meados da década de 1970, de movimentos de contestação à ordem deu-se, como evidencia o autor, a partir da ampla participação das bases, o que acabou por redimensionar a prática política anterior, calcada na cúpula dirigente. A experiência do novo sindicalismo desembocou na fundação do PT e da CUT.
O Conselho Editorial manifesta seus agradecimentos à Professora Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura, que colaborou decisivamente para a concretização do dossiê Infância e Adolescência; ao CNPq; à ANPUH Nacional e aos núcleos de Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, que viabilizaram os recursos financeiros para a publicação deste número.
Deixamos aqui registrada a profunda consternação pela perda da Profª Drª Ilana Blaj, reconhecida historiadora, docente do Departamento de História da USP, membro do Conselho Editorial da RBH e nossa estimada colega. A ela este número é dedicado.
Conselho Editorial
Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.19, n.37, set., 1999. Acessar publicação original [DR]