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Timor-Leste Por Trás do Palco / Kelly C. Silva e Daniel S. Simão
Publicado recentemente, o livro “Timor-Leste Por Trás do Palco – Cooperação Internacional e a Dialética da Formação do Estado” é ruma coletânea de textos produzidos por autores com as mais diversas formações e experiências na área de cooperação internacional, e produto do seminário internacional Cooperação Internacional e a Construção do Estado em Timor- Leste. O livro apresenta uma crítica às práticas da cooperação como instrumento de poder e de suas relações com as conjunturas históricas, poderes e culturais locais pré-estabelecidas, bem como os problemas decorrentes da atuação de diversas organizações na região.
Os autores organizadores possuem formação na área de antropologia, e realizaram uma intensa pesquisa de campo em Timor Leste. Algumas questões principais são lançadas ao longo da obra, e na tentativa de respondêlas, os textos trazem à tona as inúmeras facetas e os problemas derivados do campo da cooperação internacional e de sua atuação na reconstrução de um Estado.
Um das questões abordadas que instigam a reflexão do leitor é a atuação dos organismos internacionais no Timor-Leste, vista por algum tempo como exemplo fantástico de como uma cooperação internacional deve se dar, e que se transforma – a partir de uma crise militar – em um modelo de Estado fracassado. Essa é a idéia que a obra tenta refutar. Nenhum dos extremos deve ser tido como verdadeiro. Não se trata de um exemplo de perfeição, mas também não se trata de um modelo totalmente equivocado e implodido com tal crise. Os problemas, segundo alguns dos textos, são provenientes de dificuldades que estão presentes em qualquer outro tipo de atuação internacional, e os fatos acorridos não depõe contra toda uma construção positiva decorrente dos projetos empreendidos pelas organizações atuantes.
Ao identificar os problemas, o livro aborda questões fundamentais para a compreensão dos erros e acertos e porque não dizer, para correção e elaboração de novos projetos nas áreas de relações internacionais, política interna e externa, atuações militares – sobretudo da Força de Paz, com intensa participação brasileira – e projetos culturais na reconstrução de um Estadonação.
O livro, composto de vários artigos, é dividido em três partes. Na primeira delas, intitulada “Timor-Leste: passado, presente e futuro.”, procedeuse à uma análise do período que vai do início da ocupação colonial portuguesa até o acirramento da crise no país, passando diferentes momentos do longo período e principalmente pelos problemas causados pela exploração, pelos problemas das tentativas de descolonização, culminando com a crise militar e com a sua solução através da intervenção internacional.
Os portugueses estiveram presentes desde as conquistas do século XVI, de modo que, na reconstrução do país, tema principal do livro, torna-se imprescindível o papel da presença do passado colonial português, pois são inúmeros e importantes os laços estabelecidos entre a cultura portuguesa – bem como as influências intercontinentais inerentes a ela – e as populações locais.
Em 1975, a Indonésia anexou o Timor-Leste ao seu território. Como resistência, houve a formação de guerrilhas armadas e redes clandestinas de combate ao invasor, além da resistência diplomática formada por exilados na Austrália, Moçambique e Portugal. Em 1999 a Organização das Nações Unidas (ONU) propõe uma espécie de consulta popular para definir a anexação. Com resultado contrário, dá-se uma retirada em meio a massacres e a destruição de grande parte da estrutura física do país.
Em busca de uma solução, a ONU interveio através da UNTAET/ United Nations Transitional Administration in East Timor (Administração Transitória das Nações Unidas no Timor Leste), que incluía uma administração civil juntamente com uma força de paz, na tentativa de reconstrução e instauração de um governo autônomo. Além da ONU, outras organizações internacionais passaram a auxiliar neste processo, por exemplo, Banco Mundial, Banco de Desenvolvimento Asiático, Missões religiosas, ONGs, etc…
O segundo capítulo, sob o título “Timor-Leste e a cooperação internacional. Economia, política e administração pública”, é composto de artigos que remetem aos problemas da interferência externa nas questões econômicas e políticas do país, explicitando aspectos positivos e negativos de tal cooperação. São levantadas nessa parte, questões como o papel das instituições monetárias e bancárias, da jurisdição e outros campos da administração pública, além do modo como é tratada a educação e a cultura na reconstrução do país.
A interferência internacional no campo econômico, político, e sobretudo quando procura estabelecer um processo eleitoral, torna seu papel delicado.
Uma das autoras (organizadora) do livro, em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, afirmou que Portugal apoiava determinado candidato, ligado à FRETILIN, às eleições, enquanto os interesses australianos estavam destinados a outros candidatos.
Tal afirmação gerou desconforto em Portugal, e provocou a seguinte carta em resposta às afirmações da pesquisadora: “Li, com interesse, a entrevista hoje (10 de abril) concedida à “Folha de S. Paulo” pela Professora Kelly Silva, da UnB, a propósito do processo eleitoral em Timor- Leste. Sem querer retirar legitimidade à livre interpretação desenvolvida nesse texto sobre o posicionamento e motivações das diferentes forças em confronto, não posso deixar de discordar sobre a alusão que nela é feita ao papel de Portugal nesse contexto, e que o título escolhido sublinhou. O meu país tem demonstrado, ao longo de décadas, um empenhamento inquestionável, e unanimemente reconhecido, em favor do reforço das instituições democráticas timorenses. Isso pressupõe o natural respeito por quaisquer resultados que decorram do respectivo funcionamento. Procurar ligar a posição oficial portuguesa a qualquer facção política em Timor-Leste configura um processo de intenções que, em absoluto, rejeitamos, por não ter apoio em quaisquer factos concretos. Embaixador Francisco Seixas da Costa”1 As acusações não incluíam apenas Portugal, pois na mesma entrevista ela afirmou que havia claros interesses da Austrália em manter a fragilidade política no Timor, para facilitar a exploração de petróleo, bem como manterse em uma posição estrategicamente favorável do ponto de vista militar.
Não vem ao caso tomar uma posição em defesa de um dos lados. Porém, o que se assinala é que o envolvimento da comunidade internacional nas questões referentes ao país nem sempre são desvinculados de interesses econômicos e políticos. Daí a importância de uma regulação e verificação de um órgão superior quando se trata do problema da cooperação internacional.
Na terceira e ultima parte, intitulada “Construção do Estado”, são levantadas questões ideológicas relativas ao papel dos órgãos internacionais na reestruturação dos poderes e autoridades, e a publicação finaliza com uma série de discussões sobre a eficácia da cooperação concedida e as dificuldades enfrentadas pela comunidade internacional.
Apesar de ser uma coletânea com diferentes abordagens, o livro parece defender uma tese: a experiência no Timor-Leste não pode ser vista como um exemplo de extrema eficiência e eficácia, como foi divulgado e se sustentou por algum tempo, mas também não se trata de um total fracasso na formação do Estado através da cooperação internacional, como passou a ser visto após a crise militar. Trata-se, segundo os autores, de uma iniciativa com erros e acertos, com sucessos e insucessos, que devem ser analisados num contexto problemático que apresenta mudanças durante o processo de reconstrução do país. Outro ponto levantado está no fato do país ter grande diversidade cultural e conjunturas históricas específicas, o que torna o papel da cooperação internacional complexo e desafiador.
O livro aponta, não apenas nesta parte, mas em sua totalidade, para pontos positivos e negativos da cooperação internacional. Uma das críticas está no conflito idiomático que instalou-se no sistema judiciário do país. O anglo-saxão usado pela cooperação internacional passou a ter que conviver com o português e com o indonésio, além das dezenas de dialetos locais.
A cooperação internacional é vista como um instrumento político que interfere no destino político do país. Deve, portanto, ser analisada criticamente, pois ao invés de resolver problemas, corre o risco de gerar outros, maiores que os existentes, aumentando as injustiças, privilegiando grupos específicos em detrimento de outros. Ao analisar criticamente o papel de tal cooperação, não só em Timor Leste, mas em outros países, a leitura do livro sugere pensar em que medida ela ocorre de modo desinteressado e realmente comprometido com a reconstrução do país, ou seja, que aspectos a tornam um problema em certos campos de atuação.
Notas 1Carta enviada ao Jornal Folha de São Paulo e publicada também no site: http://timor-online.blogspot.com/2007_04_13_archive.html Acesso: 22 nov. 2007
Fabiano Luis Bueno Lopes – Doutorando em História na Universidade Federal do Paraná.
SILVA, Kelly Cristiane; SIMÃO, Daniel Schroeter. Timor-Leste Por Trás do Palco: Cooperação Internacional e a Dialética da Formação do Estado. Belo Horizonte: UFMG, 2007. Resenha de: LOPES, Fabiano Luis Bueno. Textos de História, Brasília, v.15, n.11/2, p.291-294, 2007. Acessar publicação original. [IF]