A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822) | João Paulo Pimenta

A desagregação dos impérios espanhol e português é objeto de vastíssima bibliografia. Vinculado a esse assunto, a independência das colônias americanas é um dos temas de estudo marcado por uma infinidade de debates historiográficos importantes. No caso específico do Brasil, um desses importantes temas historiográficos refere-se à dicotomia continuidade/descontinuidade com o passado colonial. Outros pontos importantes relacionam-se com a problemática da manutenção da unidade e com o debate sobre a recolonização do Brasil. A historiografia é abrangente, e boa parte dessas discussões remete ao século XIX.

O livro de João Paulo Pimenta, A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822), é mais um trabalho importante que surge nesse vasto conjunto bibliográfico. O livro propõe uma mirada significativamente insinuante ao tratar esse momento histórico de uma perspectiva ampla, que insere diversos espaços e atores em um cenário maior de profundas redefinições. Esses espaços e atores são aqueles vinculados à “crise e dissolução do Império espanhol na América” e aos envolvidos diretamente na realidade luso-americana.

Pimenta procura estudar como a experiência hispano-americana condicionou a trajetória política dos sujeitos na América portuguesa num contexto mundial turbulento, marcado pela guerra na Europa e pela fragilização dos controles metropolitanos sobre as colônias americanas. Em seus termos,

as transformações políticas em curso na América espanhola durante a crise e dissolução do Antigo Regime constituíram um espaço de experiência para o universo político luso-americano, em grande medida responsável pelas condições gerais de projeção e consecução de horizontes de expectativas na América portuguesa, dos quais resultou um Brasil independente de Portugal, nacional, soberano, monárquico e escravista” (p. 31)

Nessa passagem, estão sublinhadas as duas categorias históricas concebidas por Reinhart Koselleck, a categoria de “espaço de experiência” e a de “horizonte de expectativas”. De fato, ao longo do livro, é possível notar grande unidade narrativa que demonstra como o universo de crise do império espanhol constituiu-se como um espaço de experiência para que os atores vinculados diretamente ao mundo luso-americano pudessem projetar um horizonte de expectativas para o império português. Em diversos momentos do livro, a associação é evidente, como, para citar apenas um exemplo, no caso da Revolução Pernambucana de 1817, quando a experiência hispano-americana explodiu internamente no espaço político luso-americano.

Organizado em quatro capítulos que seguem a lógica dos acontecimentos internacionais entre 1808 e 1822, Pimenta acompanha as vicissitudes que marcaram os impérios espanhol e português, ambos afetados diretamente pelo curso das guerras napoleônicas e por um ambiente revolucionário que facultava a mobilização e a propagação de ideias de transformação. A leitura do livro permite o entendimento de que o Brasil se inseria num contexto marcadamente revolucionário na qual a proximidade com os acontecimentos da América espanhola era determinante para a atuação dos sujeitos – fossem eles apoiadores da Corte joanina ou críticos dela.

No primeiro capítulo, intitulado “A América ibérica e a crise das monarquias (1808-1809)”, tem-se uma compreensão da situação crítica vivida por Portugal e Espanha e da aproximação das experiências desses dois países, que combatiam o mesmo inimigo. A integração econômica entre diversas partes do império português e a América hispânica, especialmente as relações comerciais com o Rio da Prata, e os acontecimentos revolucionários que se iniciam com a invasão napoleônica das metrópoles ibéricas oferecem as bases para a atuação da política externa da Corte joanina. Com o colapso das metrópoles ibéricas, Pimenta expõe as reações hostis na América espanhola ao novo governante francês e o surgimento de diversos projetos para enfrentar a crise, com ênfase para o “projeto carlotista”, que impulsionou disputas em diversos pontos do continente, como no Alto Peru (p. 74-75).

Esse primeiro capítulo apresenta passagens importantes que contextualizam a crise do início de século XIX na América e na Europa, com destaque para a ação da Grã-Bretanha, numa clara tentativa de inserir os acontecimentos americanos na chamda Era das Revoluções. O momento revolucionário fica evidente no fracasso do projeto carlotista incentivado pela Corte do Rio de Janeiro, que pretendia a fidelidade da América espanhola a um parente – Carlota Joaquina – do rei espanhol destronado. Nas palavras do autor, tal projeto

encontrava o mesmo obstáculo que qualquer outro encontraria: a impossibilidade de obtenção de uma unanimidade dentro de uma unidade em profunda crise de legitimidade e de representação política como era o Império espanhol, e que agora conhecia a explosão conflituosa de sua natural diversidade. Vimos como o ocaso dos tradicionais vínculos de coesão nacional fazia surgir dilemas e contradições sem solução, convertendo-se em revolucionário até mesmo aquilo que se pretendia conservador. Ao propor uma manutenção – que era ao mesmo tempo uma substituição – desses vínculos por meio da preservação da dinastia, o projeto carlotista tampouco escaparia a essas armadilhas. (p. 84)

O capítulo 2, “O Brasil e o início das revoluções hispano-americanas (1810-1813)”, apresenta a monarquia portuguesa já consolidada no Rio de Janeiro. Sua ideia central é simples. À medida que se aprofunda na América hispânica, a crise do colonialismo espanhol teria condicionado a política na América portuguesa. De acordo com Pimenta, foi crucial para o governo de D. João acompanhar de perto as notícias da parte convulsionada da América espanhola, especialmente porque, como já referido, os contatos entre uma parte e outra dos domínios ibéricos – muitos dos quais comerciais – eram frequentes, e o perigo de contágio, real. Uma vez mais, compreende-se por que o espaço de experiências das colônias espanholas constituiu-se como um horizonte de expectativas para a política joanina. Isso explicaria três elementos muito importantes abordados no capítulo. O primeiro diz respeito à intensa correspondência entre América e Europa travada pelas autoridades portuguesas. O segundo, à repercussão dos acontecimentos internacionais nos jornais que circulavam no Brasil, especialmente Gazeta do Rio de Janeiro, Idade do Ouro do Brasil e Correio Brasiliense. Por fim, à política interna do governo joanino como, por exemplo, os silêncios e lacunas nas notícias da Gazeta do Rio de Janeiro, a censura a periódicos e a perseguição feita pela Intendência Geral de Polícia do Rio de Janeiro aos franceses – inimigos naturais na Europa – e espanhóis – possíveis inimigos e vizinhos na América. Eles poderiam divulgar ideias perigosas e revolucionárias, segundo o ponto de vista das autoridades. Por isso, conclui Pimenta, “a situação dos domínios espanhóis claramente punha em xeque a própria possibilidade de sustentação da monarquia como regime político. O que notadamente não poderia deixar de dizer respeito ao Brasil, ainda mais porque tudo isso se passava em territórios a ele contíguos” (p. 186).

No terceiro capítulo, denominado “O Brasil e a restauração hispano-americana (1814-1819)”, tem-se um enfoque mais preciso na situação dos países ibéricos no contexto da nova ordem pós-napoleônica. O cenário de turbulência da América hispânica, marcada pela guerra civil – objeto de denúncia do Correio Brasiliense – e o acompanhamento e a atuação do governo de D. João frente à situação dramática dos vizinhos são dois pontos que o autor consegue muito bem correlacionar. Nesse contexto, as peças de um xadrez revolucionário se movimentam no tabuleiro do espaço Atlântico, tanto do lado de cá, na América, quanto do lado de lá, na Europa, com a nova ordem sendo construída a partir do Congresso de Viena. O difícil jogo de aproximação que se constrói entre os governos de Portugal e Espanha nesse contexto, a ameaça à segurança interna ao império português, as tensões geradas pelo governo de Buenos Aires e pela atuação de Artigas, a necessidade de proteção às fronteiras e a invasão da Província Oriental, tudo isso chama a atenção do leitor para a complexidade do quadro que se apresentava para o universo político português. Nesse sentido, cumpre destacar dois pontos: a caso da localidade de Marabitanas, às margens do rio Negro, na Amazônia, e a atuação de Lecor na Província Oriental. No que se refere ao primeiro ponto, destaca-se a proteção às fronteiras dos domínios portugueses em uma localidade distante do Rio de Janeiro. O aparente isolamento não esconde as intensas comunicações feitas pelo comandante do posto militar de Marabitanas, Pedro Miguel Ferreira Barreto, com o governador do Rio Negro, bem como a necessidade de negociações entre os portugueses nessa fronteira e os revolucionários na Venezuela. Com relação à Província Oriental, destaca-se o modo como atuou o militar Carlos Frederico Lecor na consolidação dos interesses portugueses na região sul do Brasil. Todo esse cenário de turbulências, guerra civil e ameaças de revolução preocupavam a Corte joanina, especialmente após o movimento revolucionário de 1817 em Pernambuco. Justificava-se, desse modo, o acompanhamento das transformações no mundo hispano-americano. Como escreve Pimenta, “o ano de 1817 agregou a um conhecido quadro de medos, tensões e descontentamentos um novo componente: a revolução, que agora se concretizava não somente na vizinhança, mas também no interior do Reino Unido, em Portugal e no Brasil”.

O momento crítico entre os anos de 1820 e 1822 é o assunto do último capítulo, “A Independência do Brasil e a América”. Esse capítulo representa uma continuidade com a tese central da pesquisa de Pimenta, qual seja, a de que a experiência da América espanhola conformou o universo político do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e também a experiência histórica dos partidários da independência do Brasil. Apesar disso, não houve uma determinação mecânica dos ritmos e caminhos entre o que ocorria nas independências da América hispânica e no Brasil. Nas palavras do autor, a experiência hispano-americana

desfrutará [no momento de crise final dos impérios ibéricos] de condições especialmente favoráveis de amplificação no mundo português, amadurecida e publicizada em proporções até então inéditas. Após ter introduzido, durante os anos anteriores, elementos determinantes para as modalidades desde então assumidas pelos projetos de futuro formulados no universo político luso-americano, essa experiência continuará a ser metabolizada no contexto vintista, para fazer despontar uma solução progressivamente hegemônica para a crise portuguesa, cuja perpetuação será o ‘motor’ da própria independência e constituição do Brasil como Estado autônomo, nacional e soberano.

A crise manifestada pela experiência hispano-americana e suas implicações para o universo político do Reino Unido se manifestará em diversos assuntos, como os debates acerca da permanência de D. João no Brasil e a incorporação da Província Cisplatina ao Reino Unido. A Revolução do Porto e a reunião das Cortes de Lisboa, episódios que acentuaram as diferenças entre os interesses portugueses e os do Brasil, são analisados de modo integrado ao quadro de ruptura definitiva que ocorria em diversos pontos da Américas espanhola. A crise apresenta aos brasileiros um leque de alternativas temerárias. Entre elas estavam a guerra civil – que no plano linguístico expressava-se pelos termos anarquia e revolução – e a independência.

Ao final da leitura, uma certeza. A de que é imprescindível inserir os acontecimentos ocorridos na América no quadro mais amplo da Era das Revoluções. Sem dúvida, as ocorrências estudadas por Pimenta podem ser classificadas como revolucionárias porque “tanto Portugal e Espanha quanto seus respectivos impérios ultramarinos integram uma mesma conjuntura política e econômica mundial, marcada pelo avanço do Império de Napoleão e sua subsequente submissão aos padrões reacionários legitimistas da Santa Aliança, bem como pela emergência da Grã-Bretanha na condição de potência hegemônica, alavancada pelo seu pioneirismo no desenvolvimento de padrões industriais de produção capitalista” (p. 462). A leitura do livro, sem dúvida, permite perceber essa perspectiva ampla.

Agregando valor aos grandes temas historiográficos sobre a independência do Brasil, o livro de João Paulo Pimenta será referência para qualquer estudo que revisite o processo de independência do Brasil quebrando as grades de ferro do nacionalismo metodológico.

Marco Aurélio dos Santos – Departamento de História da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: marcoholtz@uol.com.br


PIMENTA, João Paulo. A independência do Brasil e a experiênciaamericana (1808-1822). São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2015. Resenha de: SANTOS, Marco Aurélio dos. A independência das Américas na era das revoluções. Almanack, Guarulhos, n.12, p. 214-217, jan./abr., 2016.

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El imperio de las circunstancias: las independencias hispanoamericanas y la revolución liberal española | Broberto Breña

O novo livro do historiador mexicano Roberto Breña merece destaque tanto por seu empenho em abordar, de forma bastante sugestiva, diversos aspectos da história política do mundo revolucionário hispânico, como por seu esforço em produzir um texto destinado também a um público mais geral interessado no assunto. El imperio de las circunstancias: las independencias hispanoamericanas y la revolución liberal española, composto por oito capítulos que contemplam cenários espanhóis e hispano-americanos de inícios do século XIX, representa uma continuidade de outros trabalhos do autor sobre o chamado “primeiro liberalismo” espanhol, as revoluções hispânicas e questões de cunho mais acentuadamente historiográfico.

Logo nas primeiras páginas, Breña anuncia duas ideias centrais de seu texto: “império das circunstâncias” e “ciclo revolucionário hispânico”. Referente à primeira, o autor afirma que centrou seu interesse na vida e obra de certos personagens, convencionalmente conhecidos como precursores dos processos emancipatórios hispano-americanos, e como as diferentes circunstâncias que os rodeavam teriam desempenhado papel decisivo em suas ações. Breña constrói e defende, ao longo do livro, a ideia de que tais circunstâncias (sociais, políticas, econômicas) não teriam permitido, com frequência, que esses personagens atuassem como desejavam. Sobre a segunda, ao inserir os processos de independência da América hispânica e a revolução liberal espanhola em um denominado “ciclo revolucionário hispânico”, o autor propõe uma leitura, numa perspectiva eminentemente política-intelectual, que privilegia a ligação direta entre acontecimentos peninsulares e americanos. A exemplo do que vem fazendo grande parte da historiografia a respeito, Breña destaca que foram alguns episódios metropolitanos e seus desdobramentos que provocaram uma série de respostas das colônias a precipitarem o início da história enfocada. Partindo, então, de uma abordagem que enfatiza a dimensão hispânica das revoluções tratadas no livro, o autor mostra cautela diante do chamado enfoque “atlântico”, o qual insere tais processos revolucionários num cenário mais amplo de movimentos político-ideológicos, a partir de uma série de pressupostos com os quais não está inteiramente de acordo.

A maneira como as informações e ideias são apresentadas e trabalhadas no livro evidencia o esforço do autor em construir e relacionar elementos diversificados de um mesmo contexto histórico. Dentre os oitos capítulos, o primeiro e o sexto, sobretudo, abordam o cenário metropolitano. O primeiro capítulo enfatiza a crise provocada pela orfandade da monarquia espanhola, as soluções políticas peninsulares adotadas após a invasão napoleônica e seus impactos e repercussões na América hispânica. O capítulo 6 trata da Constituição de Cádiz de 1812 e das formas de representação nela implicadas como marcos iniciais de uma vida política moderna no mundo hispânico. Neste apartado, Breña comenta sobre a importância do “primeiro liberalismo” espanhol e a efervescência constitucional vivida nos territórios hispano-americanos, enfatizando como esta Constituição amparou, em diferentes localidades, os primeiros processos eleitorais, influenciou aspectos jurídicos, debates ideológicos e a própria cultura política como um todo. Diretamente sobre as ideias liberais espanholas e sua influência no que agora se poderia denominar de “primeiro liberalismo hispano-americano”, o autor afirma que “el liberalismo que empieza a manifestarse en los diversos territorios americanos tuvo connotaciones distintas respecto al metropolitano” (p.197), demonstrando que no decorrer dos processos de independência da América hispânica aspectos centrais da ideologia e de práticas liberais sofreram modificações consideráveis. Finalmente, Breña aborda as ambiguidades e tensões que caracterizaram esses princípios políticos em ambos os lados do Atlântico, mostrando como o tema do republicanismo manteve estreita vinculação com o liberalismo neste contexto revolucionário.

Os capítulos 2, 3, 4 e 5 apresentam personagens, seus escritos e ideias entre o final do século XVIII e o início do XIX. Ao analisar, dentre outros, Francisco de Miranda, Simon Bolívar, San Martín, Bernardo Monteagudo e Servando Teresa de Mier, o autor trata de seus pensamentos, projetos e anseios, trilhando uma espécie de caminho no qual introduz o leitor a realidades políticas, sociais e ideológicas de diferentes partes da América hispânica, em especial durante seus processos de independência. Retomando uma das ideias centrais do livro, Breña faz uma reflexão sobre esses homens e seus supostos “fracassos” (ideia antiga na historiografia, mas aqui baseada na obra do historiador alemão Stefan Rinke, Las revoluciones en América: las vías a la independencia 1760-1830. México, El Colegio de México, 2011), para tentar demonstrar como as circunstâncias teriam se imposto sobre o pensamento e a ação de tais personagens. Sua argumentação é sustentada na ideia de que elementos como o caráter “prematuro” de alguns movimentos independentistas, a impossibilidade de algumas capitais imporem suas autoridades e legitimidades, e a adoção da forma republicana de governo em sociedades sem experiência alguma com instituições representativas teriam conformado um “império de circunstâncias” que, de modo distinto em cada caso, resultaria ser mais poderoso que a vontade de líderes.

Assim, para Breña, esses protagonistas exibiriam uma capacidade muito limitada para exercerem influxos sobre acontecimentos políticos, salvo em situações mais imediatas, como ele próprio afirma:

[…] los procesos emancipadores americanos se caracterizan, entre otras muchas cosas, porque casi todos los grandes líderes que participaron en ellos fracasaron en los proyectos políticos que se propusieron y porque en la mayoría de los casos (tratándose, insistimos, de líderes de primer nivel) no pudieron pasar de la fase bélica a la fase de estabilización o de construcción y, cuando lograron hacerlo, muchos de ellos fracasaron políticamente” (p.136).

No entanto, quando se concebe a inexistência de qualquer história de sociedades que seja totalmente movida por vontades individuais, a constatação de que os “próceres” das independências eram capazes de incidir sobre suas realidades apenas de forma muito limitada, submetidos que estavam a condicionamentos impostos pela realidade que lhes dava significado, as ideias de “fracasso” e “império das circunstâncias” parecem necessitar menor ênfase do que Breña a elas concede. Mesmo assim, é de inegável valor a tentativa do autor em expor vinculações entre acontecimentos peninsulares e americanos, bem como apresentar sustentos doutrinais e ideológicos, instabilidades e ambiguidades políticas como sendo compartilhados nestes espaços pari passu a particularidades de cada território.

Outro aspecto a chamar a atenção é o fato do processo independentista mexicano ser apresentado como um caso distinto. Breña argumenta, por exemplo, que características como a magnitude da revolução social iniciada por Miguel Hidalgo, ou o fato da independência mexicana ter se consumado por meio de um acordo “não violento” entre elites políticas e militares o distinguiram dos demais abordados no livro, afirmando que:

[…] las características señaladas dan al Virreinato de la Nueva España un lugar distinto, que acrecienta su carácter distintivo por el hecho de que, como es sabido, se trataba del territorio más rico, más poblado y cuya capital, la Ciudad de México, no tenía parangón en el contexto hispanoamericano (p.148).

Por certo, o autor não deve desconsiderar especificidades como essas, aliás presentes em toda parte e em todo tempo no processo geral que analisa; porém, ao colocar a Nova Espanha nesse lugar, sendo ele próprio um historiador mexicano, o livro de Breña parece recomendar ao leitor a sensação de cautela quanto à adequação de considerar-se esse um caso verdadeiramente peculiar. Caso contrário, não se perderia aí um dos elementos mais ricos que ele mesmo nos mostra, isto é, o caráter geral de um contexto e de um processo cravado de particularidades?

Os últimos dois capítulos, 7 e 8, apresentam, respectivamente, discussões de caráter metodológico e historiográfico. No 7, é possível acompanhar um profícuo debate metodológico que nos leva à posição do autor frente a imersão dos processos revolucionários hispânicos no denominado “ciclo revolucionário atlântico”. Breña reconhece que a adoção do enfoque atlântico pode trazer contribuições importantes, mas também postula que tal perspectiva tende, de maneira geral, a realçar semelhanças e continuidades entre processos específicos, pouco considerados como tais. Para o autor, a falta de similitudes entre, por exemplo, as revoluções norte-americana, francesa e as hispano-americanas, e o fato destas últimas terem sido majoritariamente conformadas por guerras civis a envolverem diversos grupos étnicos, realçariam diferenças pouco ou nada valorizadas por aquele enfoque. Aqui, Breña não nega denominadores comuns ou influências recíprocas entre tais revoluções, mas ressalta a inconveniência de interpretar as hispânicas como resultado de um suposto contagio ideológico-doutrinal proveniente dos Estados Unidos ou da França, postura reveladora de uma forte carga anglo-saxã contida em muitos dos adeptos do enfoque atlântico.

Por fim, o capítulo 8 apresenta posições e um compromisso de Breña frente à questão das comemorações dos bicentenários das revoluções hispânicas. Para ele, as mesmas deveriam favorecer a abertura de espaço para publicações, seminários, congressos, etc., que elaborassem, incentivassem e promovessem, além de uma revisão historiográfica crítica, uma visão mais complexa e abrangente dos acontecimentos do mundo hispânico entre 1808 a 1830. O autor manifesta que essas comemorações poderiam representar inclusive uma excelente oportunidade para a expansão do tema para além dos circuitos acadêmicos (o que não necessariamente implica o abandono do rigor metodológico), o que evoca novamente um dos objetivos bem cumpridos deste livro.

Permeado por notas explicativas e comentadas que ajudam a situar o leitor em debates mais amplos, e encerrado com um apêndice a oferecer “una bibliografía mínima de literatura secundaria sobre las revoluciones hispánicas desde la perspectiva, sobre todo, de la historia política e intelectual”, El império de las circunstancias, com seu forte teor crítico e amplo repertório de conhecimentos da matéria, representa indubitável contribuição positiva a uma historiografia que não para de crescer ao passo que – felizmente – não cessa de se renovar (p.299).

Priscila Ferrer Caraponale – Doutoranda em História pela Universidade de São Paulo (FFLCH/ USP – São Paulo/Brasil). E-mail: priscilaferrer@usp.br


BREÑA, ROBERTO. El imperio de las circunstancias: las independencias hispanoamericanas y la revolución liberal española. México, D.F.: EL Colegio de México; Centro de Estudios Internacionales, 2013. Resenha de: Priscila Ferrer Caraponale. O ciclo revolucionário hispânico e suas “circunstâncias”. Almanack, Guarulhos, n.8, p. 162-165, jul./dez., 2014.

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