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Inclusões e Exclusões / Revista Brasileira de História / 2013
Este número 66 da Revista Brasileira de História traz aos nossos leitores um dossiê que representa uma amostra do modo como a produção historiográfica nacional e internacional tem analisado a temática “Inclusões e Exclusões”. Tratando de contextos espaciais e temporais diversos, os artigos exploram os modos como sociedades, Estados, movimentos sociais e correntes políticas definem os limites de pertencimento a determinadas comunidades simbólicas: ‘povo’, ‘nação’, ‘raça’ e ‘classe’, entre outras. Nesses processos, as linhas divisórias entre os ‘de dentro’ e os ‘de fora’ afetam decisivamente as bases de titularidade a direitos numa determinada ordem e o reconhecimento de determinados grupos sociais como sujeitos históricos coletivos. ‘Inclusão’ e ‘Exclusão’, portanto, são frequentemente polos opostos de um mesmo processo, no qual as definições sobre a legitimidade das estruturas de poder e de desigualdade existentes ou da luta pela sua superação são tensionadas por conflitos. Construção de identidades, participação política, tolerância e respeito à diversidade, são algumas das questões que derivam dessa problemática geral e ganham lugar de destaque nos diversos trabalhos aqui reunidos.
O primeiro texto do dossiê é “Os pangermanistas na África: inclusão e exclusão dos nativos nos planos expansionistas do império, 1896-1914”, de Marion Brepohl. Analisando o impacto do pensamento racista nas políticas de expropriação territorial praticadas por alemães contra nativos na antiga África Alemã do Sudoeste (atual Namíbia), Brepohl argumenta que esse processo foi legitimado pela estigmatização dos negros em geral e, de forma mais específica, pela manipulação do mito dos bushmen, uma tribo nômade local descrita por pioneiros da antropologia do século XIX como uma espécie de sub-raça, “um corpo entre o macaco e o homem”.
Em “O conceito político de povo no período da Independência: história e tempo no debate político (1820-1823)”, Luisa Rauter Pereira demonstra como os principais grupos políticos atuantes no Brasil no período digladiaram-se em torno das definições de quem constituía o ‘povo’, articulando argumentos científicos, jurídicos e sociológicos para sustentar visões mais inclusivas ou mais restritivas de cidadania.
Renata Figueiredo Moraes, em “Uma pena de ouro para a Abolição – A lei do 13 de maio e a participação popular”, analisa o movimento coletivo objetivando incorporar simbolicamente um amplo número de cidadãos comuns como participantes ativos de um ato visto como inaugurador de um novo momento histórico no Brasil. Mapeando um conjunto mais amplo de manifestações, a autora se concentra na campanha de arrecadação de doações financeiras levada a cabo por um periódico com vistas à aquisição de uma pena de ouro a ser utilizada pela princesa regente no momento da assinatura da lei.
Em “Trabalhadores e associativismo urbano no governo Jânio Quadros em São Paulo (1953-1954)”, Paulo Fontes apresenta os resultados preliminares de pesquisa sobre petições apresentadas por organizações populares com base territorial ao gabinete da prefeitura paulistana. O artigo reconstitui o complexo jogo que conecta a organização e a luta dos habitantes da periferia por suas reivindicações no pós-guerra à trajetória meteórica de Jânio Quadros, cujos dotes de tribuno popular ecoavam a presença política dos trabalhadores no espaço da política institucional. Os contornos do ‘sistema político populista’ que emergem do trabalho de Fontes são muito distintos das imagens de massas amorfas manipuladas por líderes carismáticos que povoaram o imaginário acadêmico e político do país por várias décadas.
Lourival Andrade Júnior, em “Os ciganos e os processos de exclusão”, examina as perseguições sofridas por um povo marcado por sua condição nômade e pela ausência de um Estado nacional próprio. Lançando mão de um conjunto diversificado de fontes, Andrade examina como a caracterização negativa dos ciganos realimenta o preconceito no qual se baseia o cerceamento dos seus direitos.
Em “O Partido Comunista Brasileiro e o governo João Goulart”, Jorge Ferreira examina a evolução do posicionamento da principal força política da esquerda brasileira durante um conturbado período caracterizado, de um lado, por mobilizações de massas em defesas de reformas e, de outro, pela desestabilização da ordem democrática. Distanciando-se dos rótulos simplificadores que pretendem desqualificar a atuação dos comunistas com bases no pré-julgamento sobre suas opções estratégicas e táticas, o autor busca reconstituir o contexto de atuação dos atores diante dos desafios e possibilidades colocados. Como mostra Ferreira, o anti-imperialismo, a defesa da democracia e das reformas de base, que sintetizavam a linha política dos comunistas no período, não se traduziam automaticamente em posicionamentos predefinidos diante dos desafios da conjuntura. Ao contrário, demandavam o exercício permanente da decifração de um cenário dinâmico e repleto de incertezas.
O dossiê se conclui com “Adeus à classe trabalhadora?”, de Geoff Eley e Keith Nield. A versão original deste artigo, publicada na International Labor and Working-Class History em 2000, desencadeou um grande debate, em função do provocativo balanço apresentado pelos autores. Eley e Nield reconhecem a contribuição das novas abordagens teóricas que, desde os anos 1960, abalaram muitas das convicções presentes nas origens da história social marxista. Destacam, igualmente, como a emergência dos novos movimentos sociais e do feminismo vieram a exigir uma renovação da agenda historiográfica. Longe de defenderem o abandono do conceito de classe, porém, oferecem uma sofisticada justificativa da sua atualidade, indissociável do imperativo de atualização teórico-metodológica no reexame das temáticas tradicionais da história social.
A seção de avulsos contém sete artigos. Abrangendo a história brasileira de meados do século XVII ao início do XVIII temos “Carreira e trajetória social na monarquia e no império ultramarino português, governadores gerais do Estado do Brasil (1640-1702)”, de Francisco Carlos Cosentino, e “Um espelho possível de santidade na Bahia colonial: madre Vitória da Encarnação (1661-1715)”, de William de Souza Martins. Em “As Câmaras e o Ensino Régio na América Portuguesa”, Thais Nivia de Lima e Fonseca examina um período imediatamente posterior, que se estende de meados do século XVIII às primeiras décadas do XIX. Libertad Borges Bittencourt, por sua vez, trata de um personagem chave do processo de independência da Colômbia em “Escrever, contar, guardar: o diário de Santander no exílio europeu (1829-1832)”. Três artigos tratam de vertentes políticas do Brasil do século XX: “O pensamento corporativo em Miguel Reale: leituras do fascismo italiano no integralismo brasileiro”, de João Fábio Bertonha; “Cruzada pela democracia: militantes católicos no Brasil republicano”, de Ana Maria Koch; e “Os petistas e a crise do socialismo real: os desafios da renovação e as heranças das esquerdas tradicionais”, de Izabel Cristina Gomes da Costa.
O número encerra-se com quatro resenhas. A primeira delas, escrita por Samuel Silva R. de Oliveira, analisa uma obra cujo foco relaciona-se diretamente à temática do nosso dossiê: A poverty of rights: Citizenship and inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro, de Brodwyn Fischer. Antonio de Pádua Bosi examina Cash for your trash: Scrap recycling in America, de Carl A. Zimring. O pequeno x: biografia e historiografia no século XIX, de Sabina Loriga, foi resenhado por Douglas Pavoni Arienti. Por fim, Lidiane S. Rodrigues comenta A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar, de Marieta de Moraes Ferreira.
Alexandre Fortes
FORTES, Alexandre. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.33, n.66, jul. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]