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Manuais escolares, mediações tecnológico-pedagógicas da Escola Moderna / Cadernos de História da Educação / 2018
São várias as locuções para designar os livros destinados ao uso escolar: manuais pedagógicos, livros didáticos, livros escolares, manuais didáticos etc. Todas elas versam sobre questões relativas ao ensino, mas também à aprendizagem, seja para formar professores ou alunos, por causa da cadência que tais livros imprimem à organização do trabalho didático. O que os caracterizam são a forma didática aliada aos conteúdos cognitivos, mas ambos se engendram para a constituição do livro escolar.
Esse dossiê reúne seis artigos, sendo cinco sobre livros escolares de teor diverso: três deles se referem a manuais de Pedagogia, destinados à formação de professores, dois se envolvem com manuais didáticos, destinados ao aluno, e referidos aos fundamentos de educação e à aprendizagem da escrita e da redação; e o último trata, com especificidade, de conteúdos relativos às “regras comuns para os professores das classes mais baixas” explicitadas no Ratio Studiorum.
Contemplam tais análises datações diversas: 1599, 1825, 1851, 1874, 1895, 1965 e os anos de 1980-1990. Por isso, seriam tais livros escolares expressões da ‘longa duração’ de F. Braudel (1902-1985), uma locução cunhada em 1949; porém, não se trata de afirmar que tais livros escolares sejam apenas expressões de um tempo longo, mas sim de considerálos como partícipes centrais da escola moderna enquanto mediações em diferentes tempos e espaços diversos.
Poderiam ser considerados como singularidades, mas também como mediações, representadas por esse dossiê, uma vez que estão presentes nos inúmeros colégios jesuítas pelo mundo afora, na Itália, na França, no Brasil e na Colômbia. São eles mediações representantes de uma história cruzada e mesmo interconectada em vista de sua disseminação e de sua circulação, o que permitiria a investigação comparada.
Nos objetos envolvidos pelos artigos desse dossiê, a escola se encontra protagonizada, seja pela orientação ao professor, seja pela destinação ao aluno. Ou seja, tal centralidade privilegia o que a escola deve fazer, seja pelo protagonismo de que goza o professor, seja pelas demarcações didáticas destinadas ao aluno.
Talvez o que esteja em foco seja mesmo o ensino, pois tais textos-objeto do dossiê contemplam conteúdos específicos inspirados em organização didática adequada, em linguagem acessível e em facilitação do entendimento. Quando tais livros escolares são denominados por manuais, sua origem se refere a manus, que em latim significa mão, o que designa que seja algo manuseável, que seja levado à mão do leitor aquilo que é essencial em termos de conhecimento.
Por isso, ao manual é inerente ser didático, isto é, apropriado ao ensino. Além disso, os conteúdos, por consequência, estão associados a uma dada disciplina, cuja raiz deriva do verbo latino, discěre, cujo significado é aprender, instruir, estudar. Em suma, o molde didático tem em vista a formação do professor, como é o caso dos manuais pedagógicos, mas não deixam os livros escolares de se constituírem como mediação tecnológico-pedagógica.
Como se observa, os livros escolares são inerentes à cultura ocidental, por exemplo, desde o Didascalicon, da Arte de Ler de Hugo de São Vitor (1096-1141), um manual destinado à orientação da leitura. Com certeza, estão presentes em tais livros escolares concepções de pedagogia e de educação, traduzidas em orientações antropológico-filosóficas, éticas, psicológicas, religiosas, políticas e metodológicas em relação ao ensino. Certamente, sob tais orientações estão as concepções de professor, de aluno, de ensino, de aprendizagem, didática etc.
O artigo de Mirella Dascenzo se conduz em torno do método indiciário e arqueológico, ao modo de Sherlock Holmes, através de um manual de Pedagogia destinado à formação de professores. Seu foco é a busca de indícios de tradições metodológicas e didáticas subjacentes, que possam revelar a circulação do saber pedagógico e didático destinado à referida formação dos docentes. O manual de Pedagogia em foco tem por título, Istruzioni di Mauricio Serra ao maestro della scuola normale del villaggio di Bunnanaro in Sardegna. Sua publicação é de 1825, antes portanto da unidade italiana, e está circunscrito ao período de medidas assumidas, a favor da instrução do povo, pelo Reino do Piemonte e da Sardenha antes da referida unidade. Em particular, tratava-se de induzir os párocos a coadjuvar o Estado em torno da empresa educativa. Em termos de resultados, argumenta a autora que as tradições metodológicodidáticas sedimentadas constituem o ‘ritmo lento da História’, a ‘longa duração’ de F. Braudel; além disso, o manual de Maurício Serra permite entrever experiência e sensibilidade didática amadurecida, além de revelar a possibilidade de complexa reconstrução da história comparada das culturas escolásticas e da educação.
O artigo de Karl Lorenz tem por objeto o Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (Método e Sistema de Estudos da Companhia de Jesus) aprovado em 1599. Tal documento, conforme o autor, tem por arquitetura as políticas, os procedimentos administrativos, os currículos e as práticas de ensino nas instituições educacionais jesuíticas na Europa e no exterior. Seu foco específico é o programa das letras humanas, cuja análise converge para o comportamento profissional do professor jesuíta responsável por sua implementação. Este trabalho identifica as ações que um jesuíta brasileiro teria demonstrado quando ensinando as humanidades em um colégio brasileiro nos séculos XVI e XVII. Suas ações e atividades pedagógicas são inferidas das Regras comuns para os professores das classes mais baixas explicitadas no Ratio Studiorum.
Ariclê Vechia tem por objeto o manual intitulado, Fundamentos da Educação, de Amaral Fontoura. Nas primeiras décadas do século XX, os educadores brasileiros se apropriaram de um conjunto de ideias de renovação educacional que convencionamos chamar de Escola Nova. As ideias “escolanovistas”, permeadas por diferentes vertentes de pensamento, nortearam as reformas educacionais e as práticas educativas até os anos 1960. Nesse programa de reformas educacionais, a publicação de livros foi uma das principais estratégias para divulgar valores e conhecimentos destinados a conformar a prática docente. A partir de meados dos anos 1940 houve uma renovação das preocupações com os aspectos teórico e metodológico da formação de professores, sendo que os manuais pedagógicos assumiram a função de guia para o professor. Alguns de seus autores eram “escolanovistas”, de vertente católica, como Amaral Fontoura, autor do manual, Fundamentos da Educação, a primeira obra da Coleção Biblioteca Didática Brasileira assinada por ele, e que teve grande aceitação nas escolas normais do país.
Sara Evelin Urrea Quintero e Elizabeth de Sá focalizam um manual de orientação ao professor rural colombiano, e visam explicitar a formação de professores expressa em Hacia una Escuela Nueva. Unidades de capacitación docente, por intermédio das representações de ruralidade e de professor rural nele presentes. Seu marco temporal está circunscrito aos anos de 1980-1990. Na verdade, Escuela Nueva é um programa educacional pensado especificamente para a zona rural colombiana, nascido nos anos de 1970 e vigente até os dias atuais. O presente artigo tem como objetivo analisar o manual para a formação dos professores, Hacia una Escuela Nueva. Unidades de capacitación docente, visando compreender as representações de ruralidade e de professor rural inscritos nele. Pela análise, foi possível perceber que o modelo pode se vincular ao ruralismo pedagógico, não só por utilizar como pano de fundo a vida camponesa, mas pelo seu caráter nomeadamente prático. Ditas pedagogias revelam representações sobre o rural que o compreendem como um cenário pacífico, harmonioso, livre de conflito e com uma forte presença do Estado.
Geraldo Inácio Filho tem por objeto o livro, Princípios de Composição: descripções, narrações, cartas, etc, de Guilherme do Prado, cuja edição é de 1895. Tal manual didático caracteriza-se por prescrições para o ensino da redação / composição na escola, e procura ressaltar como o autor assimilou conhecimentos que contribuíram para fazer da composição / redação um saber escolarizado. Em termos de resultados, o autor configura tal manual como expressão da Escola Nova. Em termos de contextualização, situa-se que a escola brasileira, no fim do século XIX, tinha como ponto forte o ensinar a ler, escrever e contar. E o manual em pauta refere-se justamente à arte de bem escrever. Por isso é atípico, posto que grande parcela dos até então estudados tratam da leitura e não da redação. Assim sendo, esse manual de composição permite perceber o interesse do autor em não se afastar do que se fazia e se pensava no mundo, ao mesmo tempo que levava em consideração nossa realidade nacional.
José Carlos Souza Araujo tem por foco dois manuais de Pedagogia: Cours Pratique de Pédagogie, de Jean-Baptiste Daligault, publicado na França em 1851 – e traduzido e publicado no Brasil, através de duas edições, uma em 1865 e a outra em 1874 – e o Compêndio de Pedagogia de Braulio Jayme Muniz Cordeiro, cuja publicação se deu no Brasil em 1874. O objeto dessa investigação é de caráter comparativo dos referidos manuais destinados à formação docente. O autor privilegia, nesse artigo, as concepções de Educação, ângulo teórico da Pedagogia, Ciência da Educação, a qual também compreendia a dimensão prática, envolta em questões relativas ao que se denominava então por Metodologia. Em termos de resultados, tais manuais foram enfocados como expressões singulares da Pedagogia da Essência, através da vertente humanista cristã, além de se encontrarem assentados em relações culturais, políticas, religiosas, educacionais e escolares. De um lado, tais manuais são singulares em relação à totalidade social, constituindo-se como compartilhantes do processo de formação e qualificação docente no Brasil, àquela altura ainda através das escolas de primeiras letras; de outro, em termos de totalidade social, estão radicados em concepções fundadas na Antropologia, na Ética, na Metafísica de caráter teológico, na Política, no Civismo, na Teologia, na Pedagogia, porém demarcadas pela visão de mundo cristã.
José Carlos Souza Araujo – Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Uberaba. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: jcaraujo.ufu@gmail.com
Geraldo Inácio Filho – Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, com estágio de pós-doutorado concluído na Universidade de Lisboa. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: gifilho@uol.com.br
ARAUJO, José Carlos Souza; INÁCIO FILHO, Geraldo. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 17, n.1, jan. / abr., 2018. Acessar publicação original [DR]