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Imprensa e ideologia / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2017
Esse novo número da Revista História em Reflexão é composto por um dossiê com artigos que possuem o periódico como objeto de pesquisa para a construção do conhecimento histórico por parte dos historiadores e das historiadoras e um conjunto de artigos de temática livre.
Atualmente o historiador e a historiadora possuem no periódico uma rica fonte para a pesquisa histórica. Contudo, nem sempre foi assim. No texto História dos, nos e por meio dos periódicos, Tania Regina de Luca afirma que na historiografia brasileira até a década de 1970 era relativamente pequeno o número de trabalhos que se valiam de jornais e revistas como fonte para o conhecimento da história do país. Para isso pesava uma tradição historiográfica moldada desde o século XIX, associada ao ideal de busca da Verdade dos fatos, que acreditava que isso apenas seria possível com fontes de tempos longínquos, analisadas de modo objetivo e imparcial. Os periódicos, por tratarem do cotidiano, com registros fragmentários da vida presente, pareciam pouco adequados para esse fim. Foi ao longo do século XX, quando o território de Clio gradativamente ampliou seus temas de pesquisa, abrindo espaço para uma história social, econômica e cultural, e não apenas política, que passou a redefinir o que seria fonte histórica, incluindo dados estatísticos, literatura e periódicos, por exemplo. Os Annales, a história cultural, a nova história política, foram propostas historiográficas que valorizaram o periódico como fonte histórica. E a historiografia brasileira não ficou isolada dessa renovação que atingiu Clio, contribuindo para isso a produção acadêmica, por meio de teses, dissertações e revistas especializadas. Nesse sentido, os diversos artigos que compõem esse número de História em Reflexão estão em sintonia com essa nova forma de compreender a produção do conhecimento histórico.
Na parte do dossiê há o artigo de Edvaldo Correia Sotana que analisa o material jornalístico sobre a manutenção da paz mundial publicado pela revista O Cruzeiro entre os anos de 1945 e 1953. Com esse artigo ele estabeleceu como objetivo demonstrar: a) o anticomunismo da revista O Cruzeiro; b) a possibilidade de investigar o noticiário internacional em periódicos brasileiros; c) a importância de olhar a posição político-ideológica de periódicos voltados para o entretenimento.
Cláudio Kuczkowski e Tatiane Dumerqui Kuczkowski abordam sobre a condição dos periódicos enquanto objetos e documentos de pesquisa no espaço da escrita acadêmica em História. Especificamente, examina a matéria nas teses defendidas nos Cursos de Doutorado dos Programas de Pós-Graduação de três Universidades do Rio Grande do Sul, Brasil: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). O artigo propõe-se constituir uma visão panorâmica de como esses materiais vêm sendo estudados.
Ana Gonçalves Sousa e Adriana Aparecida Pinto apresentam como as mulheres eram representadas no jornal A Tribuna, de Rondonópolis / MT, analisando o discurso da imprensa local sobre o papel e lugar social atribuído as mulheres na década de 1980, buscando perceber as formas de resistência e manutenção da ordem e de uma sociedade machista, que ainda concebia o lugar da mulher na esfera do privado e aos homens na esfera pública.
Matheus de Carvalho Leibão faz uma análise de editoriais do jornal O Globo que comentavam a questão das cotas raciais no acesso ao ensino superior público no Brasil. A partir de uma leitura do material do jornal entre os anos de 2003 e 2012, destacam-se os argumentos mais recorrentes utilizados pelo jornal na sua posição contrária à Lei de Cotas, encaminhada pelo governo federal e sancionada em 2012 por Dilma Rousseff.
Paula Antonia Henn e Marta Rosa Borin analisam a figura do Papa Pio XII e de que forma o Vaticano atuou no cenário internacional durante a Segunda Guerra Mundial, partindo da análise das ações do Pontífice Romano de 1939 a 1945, através da revista A Ordem e Revista Eclesiástica Brasileira (REB). Com isso elas buscaram entender a linha de ação política do Vaticano veiculada na imprensa brasileira neste período.
Herib Caballero Campos e Carlos Gómez Florentín estudam o discurso político do periódico “El Semanario de Avisos y Conocimientos Útiles”, que era voz do governo paraguaio para mobilizar os cidadãos no conflito do país contra o Brasil, Argentina e Uruguai. Luiz Eduardo Pinto Barros investiga como os periódicos paraguaios e brasileiros trataram a ocupação militar brasileira numa região de fronteira, em 1965. De acordo com Luiz Eduardo Pinto Barros, manifestações de repúdio ao Brasil foram expostas no Paraguai de diferentes formas, tendo grande espaço na mídia controlada pela ditadura militar de Alfredo Stroessner, que soube tirar proveito da situação e explorar o litigio fronteiriço a favor de sua imagem como “defensor dos interesses nacionais”. Já no Brasil, sob um regime militar, o assunto teve menor repercussão, mas foi explorado por periódicos brasileiros de maior circulação como interesse nacional, ao mesmo tempo em que houve casos de veículos oposicionistas declarados fizessem do impasse mais um objeto de crítica ao governo Castelo Branco.
Bruno Cortês Scherer discute as relações entre o espiritismo e outras perspectivas religiosas no Rio Grande do Sul em meados do século XX, a partir das publicações da revista A Reencarnação, editada pela Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS). São analisadas as percepções do movimento espírita organizado sobre o catolicismo e a umbanda, entrevendo a posição e as ações do espiritismo no campo religioso.
Na parte dos artigos livres há o trabalho de Mirian Martins Finger e Jorge Luiz da Cunha, o qual aborda noções de representação balizadas em fragmentos pertencentes aos domínios da filosofia, da história e da arte, a partir de um recorte da série do artista Iberê Camargo, intitulada Carretéis. Na primeira parte do texto é exposto noções de representação vinculadas à noção de verdade, tanto no que tange as narrativas dos eventos históricos, quanto às produções artísticas. Na segunda, são analisadas duas obras da Série e verificar como Iberê representou plasticamente seu objeto de memória, o carretel.
Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski reflete em seu artigo sobre a morte e seus lugares de memória e sobre o suicídio cercado de tabus e silenciamentos. Para isso utiliza narrativas de testemunhas de inquéritos policiais sobre suicídios do final do século XIX e início do século XX em Castro / PR como exemplos de ‘não lembrar’, ‘não dizer’, para não constituir uma memória que justifique um ato suicida.
Maria Verónica Perez Fallabrino trabalha com diários familiares escritos por mercadores florentinos do Tre-Quattrocento, chamados Ricordi ou Ricordanze, são uma documentação muito rica para o estudo dessa sociedade. Esse material é analisado não somente por se tratar de uma tradição amplamente difundida ou pela diversidade de informações registradas – acontecimentos familiares, impressões pessoais, sentimentos, negócios e assuntos da vida pública –, mas também pela intenção desses mercadores de reconstruir a memória familiar e pela consciência que tinham da importância que o passado familiar exercia para o homem. Esses diários apresentam anotações precisas, de caráter informativo e de natureza prática, apelam à invocação religiosa e refletem a individualidade de cada mercador na forma e conteúdo dos registros. Luciene Carla Corrêa Francelino analisa a atuação das irmãs de Jesus na Santíssima Eucaristia na Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim, entre os anos de 1929 a 1950, período em que as freiras administraram internamente o hospital.
Luciene Carla Corrêa Francelino defende a hipótese que as religiosas cuidavam dos doentes internados na instituição, mas esse cuidado rompia as fronteiras do corpo e alcançava os limites da alma, visto que estas se preocupavam com o conforto espiritual dos convalescentes e de seus familiares, favorecendo a cura ou minimizando o sofrimento e possibilitando uma melhoria na qualidade de vida daqueles que eram atendidos no hospital.
Por fim, há o texto de Marisa Bittar, convidada especial para escrever na Revista História em Reflexão. Nesse trabalho ela expõe os fatos mais imediatos que culminaram na lei de 11 de outubro de 1977 que dividiu Mato Grosso e criou Mato Grosso do Sul sem consulta à população. Baseado em fontes primárias de pesquisas sobre o regionalismo, o divisionismo, a criação de Mato Grosso do Sul e atuação de suas elites políticas, o artigo focaliza a decisão do general Ernesto Geisel, então presidente da República, a posição dos dois últimos governadores de Mato Grosso (uno), a postura dos seus parlamentares e políticos em geral no processo de divisão do Estado. Marisa Bittar revela que não houve mobilização popular pela divisão, e expõe as articulações “subterrâneas” que respaldaram a decisão de cima para baixo, concluindo que a criação de Mato Grosso do Sul só foi possível porque o regionalismo secular que caracterizou a sua formação encontrou contexto favorável ao coincidir com os interesses geopolíticos do regime militar.
Ricardo Oliveira da Silva – Professor do Curso de História UFMS / CPNA
Nova Andradina / MS, 1º de fevereiro de 2018.
SILVA, Ricardo Oliveira da. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão, Dourados- MS, n. 11, v. 22 jul. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]