Patrimónios de influência portuguesa: modos de olhar – RIBEIRO (A-EN)

RIBEIRO, Margarida Calafate; ROSSA, Walter (Org). Patrimónios de influência portuguesa: modos de olhar. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra; Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; Niteroi: Editora da UFF, 2015. Resenha de: PÉCORA, Alcir. Alea, Rio de Janeiro, v.18 n.3, dez., 2016.

I

Acaba de ser lançado em Portugal e no Brasil, em coedição da Imprensa da Universidade de Coimbra, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Universidade Federal Fluminense, o trabalho mais abrangente já produzido em português sobre a noção de Patrimônio – em suas várias dimensões éticas, estéticas, técnicas, culturais, sociais, históricas, políticas etc. –, no bojo dos estudos e contextos pós-coloniais, que tanto apõem desconfianças e dificuldades, como abrem veredas ainda pouco exploradas e, por vezes, sequer pensadas antes entre nós, digo, os que se podem identificar como sendo de culturas de influência portuguesa.

Pretendo comentar a grandeza desse trabalho, de um lado, fazendo sínteses rápidas, necessariamente esquemáticas (mas espero que não estúpidas), dos vários textos do livro, que cobrem questões muito novas em relação ao Patrimônio português nos vários países e regiões que os partilharam, modificaram, contaminaram etc.; de outro, propondo-lhes questões gerais que pensam o conjunto e apontam desafios a ser considerados na sua continuação.

Há um gesto de coragem no início desse projeto: sem esconder ou amenizar as assimetrias contundentes no âmbito do processo colonial, ele se propõe como gesto concreto de integração do patrimônio das diferentes culturas, países e territórios envolvidos. Como alertam os organizadores, não se trata de gesto de nostalgia romântica, mas de ação intelectual cujo propósito é subsidiar políticas de ação favoráveis à cidadania.

Em particular, o projeto pretende integrar a noção de Patrimônio à ideia de sustentabilidade cultural (não apenas social, econômica e ambiental), o que implica entendê-lo como plataforma para interação de áreas de preservação e de ação político-cultural em favor da construção da paz, da cooperação e do reconhecimento da cultura do outro.

Enquanto trabalho interdisciplinar análogo aos dos critical heritage studies, de inspiração anglo-saxônica, os estudos de Patrimônio aqui levados a cabo têm como pressuposto a crítica do eurocentrismo. Os seus dois desafios básicos são o reconhecimento das alteridades no interior de uma comunidade ampla e diversificada, e a imaginação de caminhos do desenvolvimento sustentável de cada uma delas.

Supor um Patrimônio plural significa admitir uma pluralidade de olhares e contatos, que, muita vez, obriga a questionar a ideia de “influência portuguesa”. Como dizem os organizadores do volume, a noção de influência, aqui, é basicamente entendida como um “operador histórico”, estruturado pela língua e ativado por Portugal, mas dinamizado por outras geografias e tempos diversos. O resultado pretende ser mais uma celebração de diferenças numa rede de territórios que a identificação de uma essência comum.

Também é obrigatório dizer que o livro não é uma coletânea de textos avulsos, mas uma coleção interdisciplinar cuidadosamente organizada, nascida dos debates empreendidos por duas reuniões gerais, em Bolonha e Coimbra. Está composto em duas partes separadas por uma entrevista dos organizadores com o conhecido crítico português Eduardo Lourenço, que já teve várias passagens pelo Brasil, incluindo uma bastante marcante para mim no Instituto de Estudos da Linguagem, da UNICAMP.

A primeira parte discute criticamente os conceitos tradicionalmente afeitos ao patrimônio como memória, herança, identidade, comunidade, colonialismo, origem, influência etc. e a segunda trata das disciplinas envolvidas e dos novos instrumentos de investigação propostos por elas. Passo, pois, a referir muito sinteticamente o escopo de cada um desses textos.

II

A abertura dos estudos coube a Helder Macedo, que discutiu as noções de língua, comunidade e conhecimento para indicar inicialmente que eles não compõem uma sequência lógica. Nem a língua é indispensável para definição de uma comunidade, nem esta precisa significar um conhecimento efetivamente partilhado, uma vez que, mesmo dentro de um país, as populações podem ter um persistente desconhecimento mútuo. No sentido contrário, diz o autor, escritores africanos que escrevem em línguas europeias podem eventualmente ter mais em comum com os pares europeus do que com as comunidades de origem.

O contato com a língua do poder pode efetivamente levar ao desaparecimento de línguas nativas, pois a central tende à manipulação das outras culturas e conhecimentos em favor próprio, reduzindo-as a um lugar periférico –, o que é reforçado pelo que o autor chama de “solipsismo de centro”, isto é, enxergando-se apenas a si próprio, não pensa a língua senão como instrumento de um imperialismo nacional.

Em oposição a essa política de distinção entre centro e periferia, o autor imagina a possibilidade de um centro sem lugar definido, revitalizado por alternativas não centralizadas e pela emergência de novas potências nacionais, antes periféricas, como, por exemplo, Índia, China e Brasil – países nos quais a língua portuguesa teve lugar histórico, conquanto diverso.

Tal redistribuição democrática de lugares não precisaria significar uma ameaça a nenhuma das línguas de origem, pois, para o autor, quanto mais integrada e segura da sua própria cultura, mais uma língua pode contribuir para a sobrevivência de outras, num mundo de diversidades coexistentes – pensamento que me trouxe à lembrança a afirmação pessoana de que quanto mais forte a identidade de um povo, maior a sua capacidade de importar ideias de outros.

A seguir, Renata Araújo, Professora do Departamento de Artes e Humanidades da Universidade do Algarve, discute os conceitos de influência, origem e matriz. Na de influência, enxerga menor peso hierárquico e, portanto, maior possibilidade de incorporar noções de reciprocidade e de postular um futuro para o passado que dê menos margem a mistificações nacionalistas.

A autora também observa que a ideia de Patrimônio refere “o que fica do pai”, vale dizer, guarda certo caráter fúnebre: objetos de rememoração associados a restos mortais. Daí que a necrópole seja o monumento por antonomásia: o que lembra a morte do antepassado e, ao mesmo tempo, assegura a continuidade da comunidade.

Numa perspectiva cosmopolita e contemporânea, outros pontos de vista se abrem para o enfrentamento dos fantasmas do passado: culturas híbridas, traduzidas umas das outras, que produzem polissemia e maior consciência ética das diferenças entre elas. Daí também a ideia da “tradução” como metáfora do Patrimônio, segundo a qual culturas em contato podem se tornar mutuamente Inteligíveis, sem sacrifício da sua diferença.

Uma nova geografia de difusão influente teria de ser mais centrífuga que centrípeta; menos matricial e mais ambígua, cuja vantagem decisiva está em pensar trocas, resistências e hibridações imprevisíveis em contraste com os aspectos mais coercitivos da ideia de matriz. Nesse novo registro, espera-se tanto a superação do mito étnico, como a admissão de processos de contaminação recíprocos, nos quais os mortos de comunidades diversas se enterram como “parentes” e dão margem à partilha das heranças.

Roberto Vecchi, professor de Literatura Portuguesa e Brasileira da Universidade de Bolonha, trata dos conceitos de identidade, herança e pertença. Propõe uma virada na concepção de identidade, entendendo-a na relação com o Outro, de tal modo que, analogamente, o Patrimônio seja pensado não como igual, mas como “em-comum”, o que também implica redefinição da ideia de comunidade. De uma identidade integral usualmente nostálgica passa a referir uma comunidade incompleta, não homogênea, estruturada pela falta: em construção.

Patrimônio, aqui, teria de perder a essência identitária em favor de singularidades que pactuam novas comunidades. O laço da tradição perderia força para um traço transformador, no qual as culturas são entendidas como traduções sempre incompletas e os espaços da língua portuguesa não são homogêneos, nem têm centro, admitindo mesmo a dispersão como um ganho em relação à noção tradicional de lusofonia.

Assim, contra a ideia de um poder soberano, pleno, central, apresenta-se o que o autor chama de “força débil”, assentada em projetos compartilhados sobre bens culturais “em-comum”, que não admitem grandes narrativas, mas obrigam a repensar o campo inteiro do Patrimônio. Este abandonaria os seus aspectos de museificação e monumentalização de restos dos passados, cuja narração atual já não é capaz de obter identificação de nenhuma comunidade, para se reapresentar como Patrimônio de arte residuária, menos deslumbrante e eloquente: arte modesta feita de indícios, que deve repensar a monumentalidade fora da violência e de categorias plenas. Vale dizer, como contramemória: patrimônio do outro.

Antonio Sousa Ribeiro, professor do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, trata da questão da memória, avançando na mesma direção de modos contra-hegemônicos, em que a memória representa tanto uma crítica do presente como uma estratégia de produção do contemporâneo.

Para ele, o campo de estudos da memória abriga uma visão transdisciplinar, favorável à evidência dos seus quadros sociais, não em termos de um sujeito coletivo romântico, mas antes como memória pública capaz de valorizar o reverso das histórias dominantes: um trabalho de memória consciente das histórias catastróficas do século XX. Ganham força aí os estudos da violência, do holocausto e os estudos pós-coloniais, nos quais se é obrigado, muitas vezes, a considerar patrimônios de silêncio, imateriais.

Não se imagina que essa memória seja consensual, mas sim recoberta por tensões e conflitos. Ter-se-ia de pensar numa transnacionalização da memória, o que inclui fenômenos de deslocalização e de lógicas interculturais ambivalentes.

Outro conceito relevante aqui seria o de “pós-memória pública”, que refere a relação da segunda geração de descendentes em relação a essas experiências conflitantes. A ideia a acentuar é a de que a memória tem uma dimensão multidirecional, nas quais as diferenças não se anulam, articulam-se.

Miguel Bandeira Jerónimo, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, trata do colonialismo moderno e sua justificativa usual como “missão civilizadora”, vale dizer, como empresa de “elevação moral dos povos atrasados”. Talvez o mais duro dos textos do livro, mostra como as leis imperiais evidenciavam um “racismo institucionalizado” a operar como legalização do trabalho forçado. A finalidade última delas seria a autoperpetuação, a preservação do Império, ainda que as ideologias imperiais se recobrissem de certa plasticidade que lhe permite, por vezes, tomar a forma de uma ação benevolente, como a supressão da escravatura, do tráfico, e mesmo incorporar motivações religiosas e humanitárias. Tais ideologias também podem tomar a forma de inevitabilidade histórica ou de consequência natural da superioridade europeia ou ocidental, numa variante da seleção natural, e mesmo de uma tutela progressista, que avança até o momento descolonizador.

As múltiplas doutrinas de missão civilizadora promoveram o que autor chama de “racialização” do mundo imperial, com diferentes políticas de enquadramento das populações nativas, e com diferentes lógicas de assimilação seletiva e de discriminação racial.

Outro aspecto examinado é a propaganda da missão portuguesa nos manuais de administração colonial, nos quais a educação, muitas vezes tratada com o apanágio de ciência, constituía-se sempre como educação para o trabalho.

Ou seja, abuso do trabalho nativo, racialização social, política discriminatória, ausência de estruturas educativas, escassez da presença eclesiástica, insuficiência de desenvolvimento econômico são elementos de continuidade histórica do império colonial que obrigam a refletir judiciosamente sobre o que pode receber o estatuto de patrimônio linguístico e cultural numa situação de afirmação da independência e de tratamento igualitário das antigas colônias. Diante desse quadro duro, mas realista, composto pelo autor, o que se pede é um debate sobre Patrimônio que seja, como diz, “menos etéreo”.

Francisco Bethencourt, professor do Departamento de História no King’s College, investiga os sentidos de colonização e pós-colonização, destacando tanto o processo de coisificação do colonizado pelo colonizador, em que cada um deles habita mundos excludentes, como a interiorização da repressão pelo oprimido. Tais fatos acabam relativizados pela crítica pós-moderna que observa interstícios importantes de negociação e de resistência no colonizado, ou seja, formas de sobrevivência cultural e social mesmo em situação repressiva. Seriam trocas desiguais, mas capazes de produzir formas de articulação entre tradições locais e modos de domínio.

Já a crítica pós-colonial, que avança análises de teor marxista em sociedades não europeias, produz novas análises das consequências do domínio colonial, com destaque tanto para a ideias de emancipação dos povos colonizados da mentalidade de oprimido, como para as contradições no cerne das perspectivas anti-colonialistas, como a realidade desigual do exercício do poder nos países independentes, a apropriação do aparelho do estado por pequenos grupos, a irrupção de neopatrimonialismos e clientelismos etc.

Derivam daí questões cruciais para se pensar os patrimônios da presença portuguesa em outros continentes, a começar pelo emprego de uma terminologia geralmente tributária do passado colonial. O termo “influência”, por exemplo, no dicionário Morais, está associado ao sentido de domínio, de uma submissão pessoal a quem tem direito sobre nós – o que parece produzir uma espécie de retorno do recalcado já no título do volume. De fato, não é crível que, no atual estado dos debates, seja possível não incorrer nessas contradições que são exatamente o foco dos trabalhos aqui reunidos.

O autor examina os empregos históricos de termos como colono, colonização, colonialismo, e também anticolonial e anticolonialista; detém-se no sentido de “descolonização”, onde, paradoxalmente, o domínio do território pela potência em expansão ofusca o papel das lutas das populações submetidas. Em especial, a noção de “retirada” aí implícita perpetua uma visão histórica centrada nas potências colonizadoras. Ou seja, os povos coloniais, ainda depois da independência, são “desapossados” de seu orgulho de conquista da autonomia, como se esta existisse, no limite, por capricho do colonizador.

Nessas circunstâncias, mais uma vez, como pensar o patrimônio? Para o autor, qualquer resposta deve entender que, enquanto relativo à memória coletiva, o Patrimônio é resultado de uma luta pela memória no bojo de lutas sociais e de projetos políticos divergentes.

Em sua breve intervenção, Eduardo Lourenço observa que Camões não teria escrito Os Lusíadas que escreveu se não tivesse empreendido a viagem às Índias, e é este o primeiro poema europeu a ver ou interpelar a Europa de fora. E, em outra de suas brilhantes intuições, observa que, no caso do Brasil, o Império só existiu a título póstumo: reivindicado por D. Pedro I, quando da independência. Em termos portugueses, a centralidade imperial estaria na Índia.

Conquanto o empreendimento imperial português seja do Rei, e da Nação, diversamente da Espanha cuja expansão se deu pela iniciativa privada, de comerciantes, para ele, Portugal nunca chegou a ter uma ideologia imperial, mas apenas religiosa. Como missão religiosa justificaram-se as viagens portuguesas e, em particular, como missão jesuítica, que se institui como ordem cosmopolita destinada a salvar almas para Deus.

No caso do Império do XIX, que distingue essencialmente da primeira expansão fundacional, considera que ele se dá num período em que boa parte das nações europeias tornaram-se colonizadoras, sendo que boa parte delas colonizadoras mais eficazes que Portugal.

Ainda, a reflexão sobre as colônias, no conjunto da sua obra, surge como um esforço de imaginar que não está totalmente perdido o que se perdeu. No Brasil, mais facilmente, porque a ausência de insurreição permite uma ideia de continuidade e de passado português que o inclui. Já em relação à África, há uma tragédia, cuja marca inapagável é a promoção do reino pela escravidão dos povos em contato e o fato de que os agentes decisivos dela não têm qualquer cultura humanística ou fascínio estético que permita sublimar a brutalidade da conquista, a superficialidade das trocas, ou sequer reivindicar a grandeza de uma interpelação das próprias contradições imperiais, como é a de Camões.

A segunda parte dos estudos, denominada Discursos e Percursos, começa com o estudo de uma das organizadoras do volume, Margarida Calafate Ribeiro, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Para ela, uma vez que as literaturas de língua portuguesa foram impostas a todo o Império, trata-se de verificar como uma lei do poder colonial admite a inscrição de diferenças ou a sua reversão como instrumento de emancipação – onde o fluxo também dá lugar ao refluxo.

Nas primeiras narrativas do novo mundo, eurocêntricas e religiosamente motivadas, a autora observa que tanto procuram descrever o novo mundo, o que lhes dá a oportunidade de ver a Europa de fora, como o fazem por meio de uma retórica descritiva que tem a marca do olhar europeu, uma visão por analogia ou semelhança, construída pela fabulação. Tais equivalências assimétricas insinuam um confronto do olhar: dúvidas e questionamentos das realizações imperiais. Ou seja, no desejo de poder e expansão também se manifesta um valor dinâmico de descoberta de autoanálise e do Outro, como se dá em Fernão Mendes Pinto.

Para a autora, a condição moderna de Portugal provém justamente dessa condição de mediadora de mundos, num registro planetário, cujo gesto cosmopolita não apenas torna a Europa um agente de transformação, mas um resultado dela, pois o Atlântico sul não se torna apenas passagem, mas lugar de circulação.

Na carta de Caminha, a autora observa não interiorização do Outro, mas espanto e dificuldade diante da diferença: uma hesitação entre a visão idílica e o comprometimento religioso. A despeito de si mesmo, o poder vinculado à língua imperial é também testemunho de um encontro. Portanto, numa perspectiva crítica contemporânea, trata-se, para a autora, de resgatar discursos nas margens do discurso colonial. De gerar o resgate de identidades rasuradas e histórias silenciadas: levantar inscrições de diferenças na língua portuguesa que rompem o risco de uma história única.

Trata-se de tomar a língua como plataforma de uma conversa possível, pois a hegemonia do poder colonial nunca é completa e a língua do colonizador acaba construindo a base da promoção de um diálogo. No caso africano, a subalternização das línguas nacionais pelo português oficial não impede o que a autora chama de “reescrita da libertação”: a assunção da língua escrita que seleciona e rearranja as suas partes de modo a produzir novos olhares discursivos e interdiscursivos.

Em vez de recusar a herança e o patrimônio literário da língua portuguesa, a questão está em habilitar novos herdeiros. Discutir transferências culturais, num trabalho de tradução, isto é, sem rejeição, mas também sem aceitação passiva, pois os novos cânones ainda têm de ser construídos. Em termos portugueses, trata-se de admitir que a história das literaturas das colônias são também parte da história de Portugal, e que as imagens múltiplas de culturas singulares contribuem para um desenvolvimento mais harmônico do conjunto.

Francisco Noa, professor de Literatura Moçambicana na Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, vem a seguir. Tratando das narrativas em língua portuguesa, em particular no âmbito de Moçambique, o autor considera que a literatura colonial oficial tende a produzir igualmente um imaginário colonial, de rebaixamento dos povos dos territórios conquistados. Insurgir-se contra ela significou revelar pluralidades que, como tais, eram ameaças às formas de controle.

Desde o início, os autores africanos sabiam que o poder comunicacional e transformador das narrativas é exercício de gestação de poder, que toma por vezes a forma de denúncia e de confrontação, mas que tem também um projeto fundacional. Assumido pelos escritores, tal projeto estava associado à obrigação de não esquecer e de narrar uma catástrofe coletiva, culminada nas guerras de África.

Aqui, narrar a violência e a morte são aspectos necessariamente implicados na afirmação de um patrimônio moçambicano, que apenas desta forma conquista singularidade, o que implica em apropriações, rejeições, sínteses e, enfim, diálogos entre meios e tempos distintos.

Sílvio Renato Jorge, professor de Letras da UFF, retoma a piada do brasileiro Osvald de Andrade segundo a qual só a Antropofagia nos une, para dizer que da deglutição do estrangeiro depende a constituição do diferente. Retomando os concretistas junto a Derrida, afirma o princípio de tradução e de transcriação entre as culturas, quando traduzir significa reconhecer multiplicidades irredutíveis ou equivalências sem identidade.

Numa cena político-literária de traduções, a violência é inerente: o privilégio de um aspecto implica na redução de outro. O gesto interpretativo observa espaços de negociação e de fricção, entre-lugares nos quais se favorecem processos de cisão e de hibridização que forneceriam a base dos Patrimônios de influência portuguesa, a valorizar ambivalências.

No horizonte de uma poética de descontinuidades, também a citação ocupa lugar destacado, pois no deslocamento de sentido há descontextualização e recontextualização, procedimentos marcados por uma noção de sujeito, o percurso de uma existência, os pontos de passagem numa relação tensa entre passado e presente.

Se o ponto de partida incontornável dessa poética está na língua portuguesa imposta, o ponto de chegada é o resultado de conflitos de econômicos, políticos, culturais que podem ser pensados pela metáfora da antropofagia como estratégia singular de lidar com a cultura do colonizador, de reler tradições diversas e de situar uma dinâmica própria das diferenças.

Graça dos Santos, professora da Universidade Paris Ouest Nanterre, trata dos Patrimônios de emigração, tomando por base a situação dos portugueses que foram para a França nos anos 60 e que passaram a viver um duplo deslocamento: da origem para o novo destino, e também o inverso, isto é, do novo país em relação à identidade de origem.

Como atriz e encenadora bilíngue, a autora considera haver uma imaginação própria das línguas, explorada pelo grupo de teatro Cá e Lá, criado por imigrantes portugueses na França, no âmbito da Marcha pela Igualdade e contra o Racismo de 1985. Os temas da dupla cultura, dupla pertença, de comportamentos defasados face aos de modelo francês constituem o núcleo das representações do grupo, no qual o humor é estratégia para rir de si como para levar a sério a questão de uma “cultura bastarda”.

O propósito a mover o grupo não é o de desenraizar, mas o de conceber a raiz de modo menos sectário e mais inclusivo, o que só julga possível por meio da tomada de consciência de automatismos da cultura e de sua superação.

Maria Fernanda Bicalho, professora de História da UFF, trata de novos recortes do objeto historiográfico a partir das décadas de 80 e 90, sobretudo originados de estudos anglo-americanos que ofereceram novas perspectivas em relação à historiografia anterior cuja base era o Estado-nação. Ganharam relevo tanto a História Atlântica – o complexo banhado pelo Atlântico e seu sistema de trocas econômicas, sociais, culturais etc. –, como a História Global, que estuda relações internacionais e processos que transcendem regiões, Estados e nações.

Nessas obras, estudam-se conexões até então pouco visíveis entre Portugal e os territórios ultramarinos, e isto não apenas em relação aos sistemas econômicos, mas à apropriação de espaços, reorganização de territórios, disseminação de povos, dinâmicas sociais, configurações temporais do império e práticas de identidade. São estudos que demandam novos conceitos, como o de “rede”, isto é, instrumentos de comunicação entre vários espaços, com descontinuidade territorial, pluralismo institucional e jurídico, bem como coexistência de diferentes lógicas políticas.

A consequência desse novo olhar foi, por exemplo, a percepção de que rotas imperiais eram muitas vezes controladas a partir de áreas periféricas. A noção de Império é afetada pela sua vinculação a famílias empresariais até então insuspeitas ou improváveis. Surgem, enfim, novas histórias que rompem o modelo único da transferência da trajetória europeia para as análises de outras realidades. O comércio, por exemplo, passa a admitir uma versão não-unidirecional, no qual o comparatismo eurocêntrico sofre a concorrência de um novo modo de conectar histórias, de estabelecer negociações potenciais e imprevistas de autoridade, que valorizam relações locais e regionais.

Luís Filipe Oliveira, professor do Departamento de Artes e Humanidades da Universidade do Algarve, recapitula a grande mudança sofrida pela Historiografia nos últimos anos decorrente da crítica do valor instrumental atribuído por ela aos documentos e ao monopólio da História como investigação científica do passado. Quando os documentos deixaram de ser vistos como naturais, que falavam por si mesmos, outros agentes interpretativos, até então considerados subalternos, ganharam estatuto investigativo, como a arquivística, a paleografia, a diplomática, a heráldica e a sigilografia.

A própria natureza dos arquivos entrou em causa com o debate em torno dos objetivos políticos de sua constituição, muitas vezes sob encomenda da Coroa. A partir daí, a história da nação passa a exigir a ampliação de sua investigação aos arquivos familiares e pessoais. Valorizaram-se inventários variados, textos literários, narrativas. Torna-se decisiva a questão da seleção e interpretação dos fatos pelo historiador, bem como as questões relativas a culturas, ideologias e mentalidades.

No período pós-moderno generaliza-se a desconfiança em relação aos grandes temas, que se pulverizam e passam a ser substituídos por estudos de caso, que demandam uma pluralidade de pontos de vista. Vem para o primeiro plano a consciência da metaposição do observador como alguém vinculado ao presente e, por isso mesmo, suscetível a teorias e modelos das ciências sociais.

Hoje, o caráter discursivo e construído das representações do passado estão no centro da investigação histórica, de tal modo que o historiador sofre a concorrência de críticos literários, arquivistas, antropólogos, sociólogos, jornalistas etc. As regras do ofício estão na berlinda, e nada diz mais a respeito disso do que a mudança do estatuto dos documentos. Longe de, isoladamente, entregar o mundo para o historiador, dão-lhe termos parciais, suspeitos, que precisam ser dispostos em séries, confrontados com outros indícios, informações, testemunhos, além de gestos, imagens e vestígios arqueológicos.

Há ainda o reconhecimento da dimensão monumental dos documentos, que expressa a determinação de criar leituras específicas do passado, de modo a impô-las aos pósteros. A percepção crítica dos arquivos documentais, que passam a ser entendidos como espaço de poder sobre o passado e a memória, obriga a uma maior atenção do investigador a suportes, escribas, cópias, ou seja, aos documentos percebidos como objetos sociais plenos e não apenas como fontes. O interesse pela materialidade dos documentos é uma evidência do conjunto desse processo crítico.

Se os arquivos são espaços de poder, lugar da construção de um discurso sobre o passado, outras dimensões deles passam a ser estudadas, como sua existência numa pragmática social, suas técnicas nunca neutras de organização, seus rearranjos segundo linhagens específicas. O arquivo já não é um depósito estático e alheio à vida. Revela-se em movimento e articulação permanente com a história, que tanto garante a memória, como se dispõe a ocultá-la, assegurando estatutos e privilégios, já que invariavelmente os territórios pior documentados são sempre os mais distantes dos centros de poder.

Em seguida, Sandra Xavier e Vera Marques Alves, antropólogas e professoras do Departamento de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, observam que, com o pós-modernismo, cresceram as críticas aos trabalhos antropológicos de campo, seja pela falta de polifonia dos dados, seja pelo questionamento de oposições como nativo e não nativo, seja ainda pelas relações de poder pouco discutidas em relação à própria investigação.

Admitindo a crítica, mas acentuando a importância de se manter a fronteira entre crítica textual e relações intersubjetivas em presença, as autoras traçam o surgimento de novas práticas etnográficas, com manutenção das exigências de pesquisa quotidiana, conhecimento informal e de envolvimento com as comunidades estudadas. No âmbito dessa etnografia reformada, entendem que a sua contribuição ao projeto “Patrimônios de Influência portuguesa” dá-se em termos da superação de oposições esquemáticas entre colonizador e colonizado, em favor de um olhar mais sutil para o complexo colonial, fazendo emergir vozes dissonantes, narrativas divergentes, conflitos de interesse, políticas incompletas de modo a entender o encontro colonial como efeito de processos dinâmicos.

Nesse novo ambiente, os estudos pós-coloniais, centrados na crítica textual, e as novas práticas antropológicas, de dimensão intersubjetiva, podem agir de modo articulado, com base numa “viragem material”, isto é, no estudo das formas materiais de diversos mundos sociais, cujos objetos não apenas significam ou simbolizam, mas influenciam o campo de ação social. A fotografia, por exemplo, passa a ser entendida como lugar de interações sociais e não apenas como consumo visual passivo.

Neste ponto, trata-se de descolonizar os patrimônios, antes dados como processos monolíticos ou homogêneos, dentro de uma etnografia descentrada, colaborativa, polifônica.

Mirian Tavares, professora de Cinema na Universidade do Algarve, considera, inicialmente, que os filmes de modelo hollywoodiano são uma representação simulada do real contra a qual se opõe uma cinematografia divergente, pensada tanto como lugar possível de poesia quanto como revelação de uma história periférica, mantida invisível. No entanto, constata que essa produção, no contexto do cinema africano, é usualmente tratada como world cinema, como se fosse etnografia e não propriamente cinematografia.

Mesmo visões simpáticas a ele tendem a reproduzir a visão da África como “paraíso da etnografia”, aprisionada à tradição. Ao fazê-lo, negam-lhe subjetividade real, pois ela se dissolve em traços comunitários a ser preservados como memória à beira da extinção. Ou seja, não veem o cinema ou a filosofia africana como lugar de pensamento de indivíduos independentes, com capacidade de abandonar o lugar de objeto para o de sujeitos íntegros de seu próprio presente. No fundo, trata-se sempre de uma ideia condescendente, que confirma o discurso hegemônico: defender uma cultura que não pode sobreviver sozinha.

Considerando que o cinema moçambicano, numa primeira fase pós-independência, estabeleceu-se como propaganda do novo regime, observa que, posteriormente, deu lugar a uma filmografia variada, com consequente diminuição do apoio estatal. É um cinema de resistência, uma “insanidade”, com desejo de criar alternativas, de apropriar-se da cidade fragmentada como espaço múltiplo. Cinema marginal, disruptivo, que não replica o cânone, que não se resolve na questão da memória, mas produz reflexão sobre o que vê de forma a promover ação transformadora no presente.

Ana Maria Mauad, professora do Departamento de História da UFF, observa que a ideia corrente da fotografia como realista obscurece as mediações e escolhas que se dão no ato fotográfico entre o sujeito que olha e a imagem elaborada. Uma análise fotográfica consequente também deve considerar o valor atribuído pela sociedade à imagem, bem como a grande capacidade que ela tem, como diz a autora, de potencializar a matéria e engendrar narrativas. Ademais, no caso de fotografias públicas, há que se considerar todo o processo de agenciamento, que diz respeito à sua publicação, arquivamento e guarda.

A fotografia pública, definida como registro de situações associadas ao Estado, à memória visual do poder público ou, enfim, à dimensão social dos fatos, interessa à autora como redefinição de formas de acesso aos acontecimentos históricos e de sua inscrição na memória por meio da produção de imagens com ressonância no campo social. Pode-se então falar propriamente de uma prática artística, de expressão autoral do fotógrafo (que não existe apenas como paciente de um registro realista) e também de uma prática documental, na qual se observam as condições de vida de determinados setores sociais. Tal prática, no âmbito do Patrimônio, pode recobrir informes sobre o passado, mas também a sua própria instauração como monumento, enquanto esforço deliberado de construção de símbolos a ser lançados para o futuro.

Ao analisar um álbum de fotografias realizado em 1938, em Luanda, depois publicado pela Agência Geral de Colônias, a autora observa que ele revela dois objetivos em disputa: a inauguração da exposição, que atendia aos interesses da elite local de Angola, e o registro da visita do presidente português, que atendia aos interesses do governo central de demonstrar a sua presença nas colônias. É um exemplo de como uma pluralidade de discursos pode comparecer nessas fotografias públicas, cuja função é a construção imaginária da nação. Como tais, são patrimônios visuais valiosos: não apenas registros factuais, mas lugar de manifestação de políticas de memória pública.

Luísa Trindade, professora de História da Arte na Universidade de Coimbra, trata da imagem desenhada como instrumento das áreas de Patrimônio, no tocante à arquitetura e ao urbanismo. Limitando o seu enfoque aos séculos XV-XVI e aos territórios de ação portuguesa, observa que o desenho era entendido como representação gráfica, geralmente feito na presença do objeto, com propriedade de verossimilhança. No caso das imagens de cidade, pode ser focado na urbs, vale dizer, a materialidade física dela, ou na civitas, sua comunidade humana ou genius loci.

Em qualquer dos casos, o resultado nunca é cópia fiel, mas nem por isso menos verdadeira. Há necessariamente artifício, quando o desenho tem de descrever detalhes e também propor uma inteligibilidade do todo. É sempre retórico, pois atende a uma encomenda e visa a um propósito. Pode ter a função de demonstração para a Corte de certas soluções propostas ou de ilustração de narrativas; pode ser útil na guerra, em suas formas de cartografia de defesa.

Há uma eloquência própria dos mapas, uma linguagem de poder ali articulada. A moldura técnica partilha da moldura político-social. Por exemplo, nota a autora que, no caso de representação da civitas, apenas Lisboa é desenhada, o que obviamente associa a ideia de cidade à de centro de poder.

Tais observações validam a necessidade de tratar o desenho num quadro interpretativo interdisciplinar, em que têm parte a Literatura, a Geografia, a História, a Arquitetura, a História da Arte etc. Ademais, o desenho pode ser tanto entendido como patrimônio em si mesmo, além de meio para outros fins.

José Pessôa, professor de Arquitetura na UFF, observa que é justamente do campo da arquitetura a prerrogativa de ter sido o objeto principal das construções do patrimônio histórico nacional, desde o século XIX – entendendo-se por monumento histórico sobretudo a arquitetura do passado, com suas igrejas, palácios, castelos etc. Em termos gerais, entende-se o monumento arquitetônico como o que fornece identidade às nações e também o que, enquanto documento histórico, é objeto de restauro e de ações de conservação. Nessa perspectiva tradicional, tem mais peso na ideia de patrimônio a qualidade plástica do edifício do que o valor histórico da arquitetura.

Na Carta de Veneza, de 1964, talvez o documento mais importante para o patrimônio arquitetônico, a ideia de monumento histórico é alargada até alcançar, além da arquitetura erudita, também a arquitetura vernacular, relativa a prédios mais modestos, urbanos e rurais.

No tocante à ideia de restauro é importante entender que ela se aproxima da de recriação: uma reinterpretação do passado pela consolidação de determinada imagem arquitetônica privilegiada em determinado momento histórico, segundo determinada concepção de Patrimônio. Como diz o autor, não é possível lembrar sem inventar.

No caso brasileiro, em que são raras as imagens de cidades anteriores ao século XIX, a recuperação da arquitetura colonial muitas vezes opera por meio de uma imagem idealizada que toma por analogia edifícios similares de outras regiões ou lugares. Dá o exemplo da Capela do Padre Faria, em Ouro Preto, refeita não pela descoberta de sua planta original, mas segundo o modelo da capela contemporânea de S. João Batista. Evidentemente, o procedimento é controverso: refaz-se o passado com base numa ideia de linguagem arquitetura comum, que não é rigorosamente demonstrável.

Nesse contexto, como falar de uma Patrimônio arquitetônico comum aos países de língua portuguesa? Para um arquiteto como Lúcio Costa, há uma mistura de influência e de autonomia nos edifícios coloniais de modo que, no final, os modos de ser portugueses ali encontrados, diz ele, “foram sempre brasileiros” – o que naturalmente (digo eu, não o autor) trai um princípio nacionalista bastante duvidoso para ser aplicado ao período colonial.

Ao autor do estudo, entretanto, interessa mais destacar a existência de uma dialética entre influência portuguesa e mútua influência, na qual aos modelos somam-se soluções autônomas (como a casa de taipa de pilão paulista) e adaptações locais de soluções trazidas de Portugal.

Fecha o volume o texto de Walter Rossa, um dos organizadores do volume e professor do Departamento de Arquitetura da Universidade de Coimbra. Após considerar que apenas culturas urbanas sobrevivem e que o mundo em 2008, pela primeira vez, tornou-se mais urbano que rural, o grande desafio é produzir uma alteração de paradigma que permita evoluir de um estado cada vez mais comum de aglomeração para uma nova conceptualização de cidade, capaz de a reinventar como ecossistema ideal.

Para isso, julga que será preciso observar a complexidade total do fenômeno da cidade, que hoje vai muito além do antigo limite muralhado ou da ordem disposta a partir do centro. Os processos de urbanização, que têm a ver com a construção física mas também com a vivência das gentes, admitem um estudo em tríade, composta de estrutura (parte mais perene), forma e imagem (a mais volátil), concentrando na primeira as ações mais comuns do Patrimônio.

Após considerar que a Unesco, em 1972, passou a incorporar uma vertente urbana associada à noção de paisagem (tanto natural como cultural), a área ganhou um alento interdisciplinar, consolidado em 1992, com a categoria de “paisagem cultural”, que ultrapassa a noção de centro histórico para representar sítios culturais articulados à vida presente e não apenas à ruína arquitetônica. No entanto, para o autor, os doutrinários da Unesco são apegados a clichês patrimoniais que impedem um salto epistemológico que descolaria a noção de Patrimônio das teorias de conservação e restauro de bens artísticos autônomos, sem nexo com o território e a cidade. O salto, até agora, tem-se dado em torno do conceito de paisagem urbana histórica, ou HUL (Historic Urban Landscape), aprovado apenas como “recomendação”.

Trata-se de uma evolução da ideia de Patrimônio urbanístico, pois possibilita uma abordagem integradora do patrimônio com a cultura e o dia a dia dos cidadãos. Um conceito desse tipo pode também ser aplicado a comunidades distintas, mas com afinidades culturais, como as de influência portuguesa. No entanto, diferentemente de entender essas comunidades como projeção colonial da cultura europeia, o HUL concebe formas de expressão comuns de um conjunto cultural com matizes diversas, valorizando as suas contaminações, e em franca oposição à exclusiva remissão delas às regras de um modelo fundador.

III

Isto dito, e tendo-me já desculpado de antemão pela inépcia de minhas traduções de tantos trabalhos, cuja intensidade não deveria senão aplaudir agradecido e depois calar-me, não me furto, porém, a deixar aqui três questões breves que, ademais, são uma forma de agradecer intelectualmente o grande trabalho testemunhado pelo livro ora lançado.

A questão da teoria

A primeira diz respeito ao fato de que, entendido como está sendo feito aqui, o Patrimônio tende, em certa medida, a desmaterializar-se e, por isso mesmo, passa a exigir uma teoria, ou a depender de uma teoria. Não se trata mais de conservar obras particulares, com qualidade estética ou histórica, mas de formular um campo teórico em que o patrimônio se reinventa, estendendo-se das obras aos conceitos, mais que dos conceitos às obras. Isso é perfeitamente lógico no contexto atual, mas é também ineludivelmente problemático, já que a própria interdisciplinaridade proposta aqui é, antes de mais nada, transferência das disciplinas para um espaço de modelagem teórica, em que a prática delas perde passo para a conceitualização metalinguística e metateórica.

Se essa operação de modelagem é produtiva e pode levar a dissolver vários enganos da política patrimonial do passado, é também um processo de abstratização do patrimônio, que, em determinados momentos, parece depender mais da imaginação do estudioso que da existência histórica das formas e estruturas. E o problema da imaginação do estudioso é que ele imagina por paradigmas redundantes, de tal forma que a teoria é ao mesmo tempo nova e repetida.

Não fiz um levantamento estatístico, mas é evidente que alguns autores comparecem sistematicamente no livro. E um bom autor pode ser bom, claro, mas muitas vezes um mesmo bom autor pode ser redundante ou dar a impressão de que é pouco o que se tem efetivamente à vista ou nas mãos. Acaba dando uma cara comum a uma invenção que, para ser real, precisa ser selvagem, em alguma medida, isto é, enfrentada no corpo a corpo, a cada vez, pelos diferentes pesquisadores, cujas armas interpretativas são mais fortes conforme se ajustam a sua própria experiência e estudo. Uma grande teoria brandida dezenas de vezes pelos pesquisadores mais diversos, em relação a objetos igualmente diversos, dá a impressão menos da força dessa teoria do que do exame exíguo da singularidade da obra.

A questão dos estudos culturais

Além da precedência teórica, os estudos deixam entrever uma perspectiva culturalista, usualmente edificante, isto é, que mostra boa vontade geral diante das relações assimétricas entre os povos recobertos pela ideia de influência portuguesa, e que favorece quase como parti pris as ideias de multiplicidade, pluralidade, diferença etc. Esse é um problema que diria que é inerente aos estudos culturais, e que comprometem as teses pós-colonialistas: nascem de perspectivas que têm um grande sentido de justiça e de ética do tratamento das diferenças e pluralidades das diversas comunidades, mas, no final das contas, além ou aquém dessa boa vontade, estão as obras, as cidades, as culturas, que em geral existem na contradição, na concorrência por vezes insolúvel entre as partes, e, mais ainda, no terreno minado da globalização.

Se é óbvio que todos esses trabalhos não querem bater bumbo para o passado nacionalista, também é importante que não incorram numa espiral de idealismo que se desprenda do solo duro em que todos vivemos e no qual invariavelmente predominam políticas muito parciais, senão muito toscas. Ou seja, se não queremos mais que a questão do Patrimônio seja uma epopeia do colonialismo, temos de estar muito atentos para não fazer dos estudos pós-coloniais uma épica da globalização, como suspeito que usualmente fazem os norte-americanos.

A questão estética

Por fim, um terceiro e talvez o ponto mais importante que deixaria aqui para ser pensado é que é evidente o recuo da estética nessa nova perspectiva integradora do Patrimônio. Se cresce a atenção aos direitos e diferenças, diminui na mesma intensidade a nossa capacidade crítica de avaliação do que se postula como diferente. Pois que categorias seriam adequadas para um juízo estético – e como sequer postular a noção de valor advinda de uma experiência estética — quando o patrimônio se associa sobretudo à criação de comunidades plurais com direito a partilhar um espaço até então ocupado exclusivamente pelas culturas de um centro hegemônico que nunca foi nem um pouco compreensivo?

Desse ponto de vista, fico pensando, incomodado, se o custo das teorias da partilha deve significar necessariamente o sacrifício do estético, do objeto, e, enfim, da forma (pois os conteúdos se dobram mais facilmente ao bom mocismo). Quando a forma – esta, que é o cerne de qualquer questão artística que não se esgote nas conciliações culturais edificantes – deixa de ser decisiva, pode-se ter comunidades de direito, sociedades justas e que convivem bem, mas desgraçadamente já não há Patrimônio artístico.

Nesse caso, para encerrar, gostaria de ecoar aqui a consideração da autora que reivindicou para o cinema moçambicano não uma etnografia, mas uma cinematografia: não a admissão do testemunho de uma memória coletiva em extinção, mas realmente a construção de um cinema contemporâneo, que, por isso mesmo, tenha direito a receber um juízo crítico como qualquer outro cinema. Nesse caso, se o julgarmos digno de ser proclamado mau não será um gesto de reconhecimento maior do que o julgarmos bom por condescendência ou por amor ao folclore?

São questões graves, que formulo não como crítica direta aos ensaios que tentei apresentar aqui, mas como desdobramento do momento tumultuado em que vivemos de que o Patrimônio, prova-o sobejamente o livro, revela justamente seus impasses, contradições e dilemas mais entranhados.

Recebido: 21 de Maio de 2016; Aceito: 14 de Junho de 2016

Alcir Pécora é Professor Titular de Teoria Literária na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1A. Tem Mestrado em Teoria Literária, pela UNICAMP (1980) e Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP (1990). Livre-docente, pela UNICAMP, em 2000. Pós-doutorado no Dipartamento di Studi Romanzi della Università degli Studi di Roma “La Sapienza” (2004-5).

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Concelhos e organização municipal na Época Moderna | Joaquim Romero Magalhães

Nas últimas duas décadas é possível observar uma tendência cada vez maior entre os pesquisadores de divulgar seus trabalhos por meio de artigos. Isso se deve, em boa medida, ao acesso amplo e gratuito que a maior parte das revistas e periódicos online tem permitido, assim como à praticidade de se congregar os resultados de projetos de pesquisa em um único livro2. Se por um lado, essa modalidade de publicação é extremamente benéfica, por permitir um acesso mais conciso às ideias que cada autor quer transmitir, por outro, acaba estimulando a dispersão de suas contribuições historiográficas.

É tentando contornar esse problema e, ao mesmo tempo, articulando alguns resultados de 44 anos de carreira que Joaquim Romero Magalhães publicou pela Editora da Universidade de Coimbra o seu “Concelhos e organização municipal na Época Moderna”. Trata-se do primeiro volume de uma série prevista para três coletâneas intitulada “Miunças” (termo que, aludindo ao conjunto de produtos menos volumosos que compunham parte dos dízimos, explica o lugar que este trabalho tem na totalidade da obra do autor: um conjunto de miudezas que passam a ser agrupadas segundo alguma temática e que assim, ganha algum sentido mais amplo) que tem por objetivo reunir as publicações do autor sobre as temáticas dos Concelhos Municipais 3, da História Econômica do Algarve e do Regime Republicano em Portugal. Leia Mais

Baluartes da Fé e da Disciplina. O enlace entre a Inquisição e os bispos em Portugal (1536-1759) – PAIVA (LH)

PAIVA, José Pedro. Baluartes da Fé e da Disciplina. O enlace entre a Inquisição e os bispos em Portugal (1536-1759). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011. Resenha de: XAVIER, Ângela Barreto. Ler História, n.61, p.189-194, 2011.

1 O título deste livro propõe uma tese que é, por assim dizer, contraintuitiva: a de que se verificou um enlace – uma aliança? – entre os bispos e a inquisição no processo de controlo da ortodoxia (e, em concreto, de repressão da heresia) e de disciplinamento social que se pode identificar no Portugal da época moderna. Para quem defende a natureza jurisdicional da monarquia portuguesa, na qual cada «corpo» da respublica era demasiado ciente das suas prerrogativas, a ideia de um enlace entre inquisição e bispos não é, de facto, evidente. Partindo do conceito de campo forjado por Pierre Bourdieu, é o próprio José Pedro Paiva a lembrar, aliás, nas páginas introdutórias do livro, e cito, que a Igreja era «uma instituição heterogénea, um corpo pluricelular, formada por diversos grupos e uma multidão de indivíduos. Estes possuíam uma cultura heteróclita, uma formação moral e princípios religiosos com alguma margem de diferenciação» (p. 8). E é o próprio autor a afirmar que o surgimento da Inquisição em Portugal, em 1536, tinha originado uma situação inédita, obrigando a uma reorganização dos equilíbrios de poder no campo religioso.

2 Apesar disso – e é sobre esta situação improvável que o livro incide – a história da relação entre os bispos e a inquisição, dois incontornáveis protagonistas do campo religioso, seria, até 1745, uma história feliz, mais feita «de laços do que de limites» (p. 188). Contrapondo-se aos que têm atribuído quase exclusivamente ao Santo Oficio a missão de velar pela defesa da ortodoxia católica no Portugal da época moderna, José Pedro Paiva apresenta, ao invés, uma paisagem na qual esta missão era executada por esses dois baluartes da fé que eram o episcopado e o Santo Ofício.

3 Mas antes de passar aos conteúdos do livro, creio que, para o melhor podermos apreciar, ele deve ser situado, em primeiro lugar, na produção historiográfica do próprio autor. Os primeiros dois livros de José Pedro Paiva – Práticas e crenças mágicas. O medo e a necessidade dos mágicos na diocese de Coimbra (1650-1740) (Coimbra: Livraria Minerva, 1992), e Bruxaria e superstição num país sem caça às bruxas: 1600-1774 (Lisboa: Editorial Notícias, 1997) – incidiram, como é sabido, sobre temas sobre os quais pouco ou nada se escrevera em Portugal, mas que eram amplamente discutidos no contexto internacional. Dessa forma, José Pedro Paiva deu um contributo muito importante para o entendimento das práticas inquisitoriais a este nível, mas também, para um conhecimento mais aprofundado da sociedade portuguesa da época e, nomeadamente, a sua religiosidade. Com os capítulos de sua autoria publicados no 2º volume da História Religiosa de Portugal, os quais providenciam um excelente mapeamento de muitos aspetos da história institucional da Igreja da época moderna, nomeadamente na sua relação com o poder político, começa a configurar-se, com alguma visibilidade, aquilo que se poderia apelidar de projeto sistemático – para o qual os anteriores livros acabam por concorrer. Com a publicação, em 2006, de Os Bispos de Portugal e do Império – 1495-1777 (Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra), de Os Baluartes da Fé, em 2011, bem como de um outro projeto bibliográfico já na forja, parece tornar-se claro que José Pedro Paiva se constitui como um dos mais importantes renovadores da história portuguesa da época moderna – nomeadamente da sua história religiosa –, recolocando o fenómeno religioso, as instituições e os agentes religiosos, numa história mais geral, e, em concreto, na história política, da qual foram muitas vezes expulsos.

4 Este output historiográfico torna cada vez mais visível, importa dizer, a impossibilidade de se fazer uma boa história política, social, cultural, da época moderna, sem atender ao papel estrutural que a dimensão religiosa nela teve. Note-se, ainda, que este revisionismo historiográfico que em Portugal tem contributos essenciais de outros autores – Francisco Bethencourt, José Adriano Freitas de Carvalho, Maria de Lurdes Correia Fernandes, Federico Palomo, e mais recentemente Giuseppe Marcocci –, dialoga diretamente com o que de melhor se faz, a este nível, internacionalmente.

5 Dito isto, passe-se, então, a uma descrição muito sucinta do livro que se desenvolve em cinco longos capítulos.

6 Os primeiros dois capítulos privilegiam a dimensão institucional do diálogo entre bispos e Inquisição e o modo com ambos colaboraram na repressão da heresia.

7 A fundação da Inquisição, as alterações que necessariamente comportou para o campo religioso, potenciadas pelas estratégias desenvolvidas (com frequente proteção do poder político, nomeadamente do cardeal D. Henrique, e do poder papal) no sentido de aumentar as suas competências sobre matérias de jurisdição da fé, colidindo com áreas tradicionalmente reservadas à esfera episcopal (nomeadamente em matéria de confissão, de repressão das heresias, e até mesmo de censura), constituem as temáticas abordadas no primeiro capítulo.

8 Apesar das áreas de inevitável colisão entre ambos, e apesar da complexidade do processo, o autor mostra que o ajuste do episcopado em relação à nova situação jurisdicional, ocorreu desde muito cedo – a começar pelos bispos diretamente envolvidos no processo de fundação da Inquisição, ou nos que foram inquisidores, e continuando na «estrutura estável disseminada por todo o reino, que o esquadrinhava até ao nível da mais pequena paróquia» que os bispos dispunham, cujos agentes – párocos, vigários, curas –, e dispositivos – as visitas pastorais – reuniam um caudal de informação que desembocava na Inquisição, sugerindo, inclusive, matérias nas quais esta podia e devia intervir. Em suma, esse ajuste de objetivos permitiu que entre bispos e Inquisição houvesse uma relação de «grande harmonia, estreita colaboração e profunda complementaridade» (p. 140), relação que é atestada por um conjunto de documentação que Paiva utiliza de forma convincente.

9 Os dois capítulos seguintes incidem sobre «o enervamento de matriz ideológica» que impregnava a boa relação entre as duas instituições – objeto do terceiro capítulo –, o qual melhor se entende no contexto dos processos de disciplinamento social que caracterizaram os «estados confessionais» da época moderna, analisados no quarto capítulo.

10 Esse enervamento de matriz ideológica tinha no mal-estar em relação aos cristãos-novos o principal pólo unificador, expresso em sermonários, tratadística e catecismos. A sintonia ideológica de que nos fala José Pedro Paiva, fazia tanto mais sentido quanto era estruturante a convicção de que os cristãos-novos eram um perigo para a coesão da respublica, constituindo-se, por isso mesmo, como um obstáculo ao próprio poder político. Daí a relevância da aliança entre a coroa e a igreja – da qual a relação entre bispos e inquisição se constituía como mais uma, e muito importante, declinação.

11 No capítulo seguinte, uma excelente introdução à operatividade do conceito de «disciplinamento social» para analisar os processos políticos e sociais que ocorreram na época moderna, e o papel que bispos e inquisição aí tiveram, Paiva mostra que, e cito, «bispos e inquisição vigiaram espaços diferenciados, concentraram a atuação sobre estratos de populações distintos, puniram crenças religiosas e comportamentos de diferente tipo (…)» – apesar de os bispos terem julgado mais gente e de, no geral, terem uma severidade punitiva bastante menor, marcados pelo seu ethos de pastores, revelado, aliás, na opção por «estratégias mais pedagógicas, educativas e doces» (p. 292), em contraponto com a «severa e pública repressão das heresias» que caracterizava o trabalho dos «vigias», i.e., dos inquisidores.

12 Estes quatro capítulos visam demonstrar a tese central do livro: de que a relação entre estas duas instituições foi feita, nestes dois séculos, mais de laços do que de limites. Contudo, e de modo a complexificar a paisagem, o autor dirige a sua objetiva, no capítulo final, para dois pontos distintos: para o lado, e para o interior.

13 Na primeira parte do capítulo final, compara as experiências antes descritas, com os casos espanhol e italiano, para reiterar a ideia – antes enunciada – que a experiência portuguesa, fazendo jus ao tradicional provérbio dos «brandos costumes», tinha sido muito mais pacífica do que as vizinhas. Isto é, o «corporativismo institucional» – se é legítimo falar assim – seria muito maior naqueles territórios do que em Portugal, onde, no final de contas, as próprias instituições de disciplinamento eram disciplinadas…

14 Na segunda parte deste capítulo mostra que esse disciplinamento de ambas instituições – e repare-se que no livro fala-se, quase sempre de bispos e de Inquisição, e raramente de bispos e inquisidores – não silenciava posições dissonantes. Como em qualquer bom e duradoiro enlace, também no casamento entre o Santo Oficio e os bispos «existiram desconfianças, receios, problemas e até discórdias» (p. 322), e grandes conflitos. Ou seja, a harmonia entre as duas instituições também se construiu tensionalmente, no século XVIII, com a querela que opôs Inácio de Santa Teresa à Inquisição, prolongada na questão do sigilismo, cavar-se-ia um fosso inultrapassável entre Inquisição e bispos, os quais deixariam de se submeter, doravante, à hegemonia entretanto alcançada pela Inquisição. Ao mesmo tempo que se anunciavam os novos ventos da secularização. Ou seja, o enlace que caracterizara dois séculos de relação e que, para muitos, explicava esse Portugal «limpo de scismas e erros» (p.427) perderia agora a vitalidade que o caracterizara, nele passando a medrar, nas palavras do autor, «mais limites do que laços» (p. 418). Intui-se, pela leitura do livro, que no fim desse casamento vislumbrava-se, também, o fim de um sistema, cujos primeiros golpes surgiriam, logo, com a chegada do Marquês de Pombal ao poder.

15 Para além das inúmeras virtualidades que o livro encerra que se podem declinar das observações anteriores, e de outras que, por economia de espaço, não podem aqui ser desenvolvidas, algumas opções de caráter metodológico também devem ser salientadas. Desde logo, a sua amplitude geográfica e o jogo de escalas que permite, pois aí se contam, simultaneamente, uma história macro, uma narrativa maior – e não apenas portuguesa –, e várias histórias micro (e aí se pressente a lição de Ginzburg) que, de uma ou de outra forma, para ela concorrem. Por exemplo, ficamos a conhecer mais sobre a densidade e variabilidade das vidas no interior do reino, em vez de nos ficarmos por alusões ao que se passava nas grandes cidades, i.e., as cidades onde havia Inquisição. Esse pulsar da vida das gentes de Viseu até Évora, e daqui a Goa ou a Lisboa, é, a meu ver, muito enriquecedor. Ou seja, José Pedro Paiva consegue apresentar um elegante equilíbrio para as difíceis articulações entre o macro e o micro, entre estrutura e agency, entre análise e processo, o que, como é sabido, é extremamente difícil de alcançar.

16 Esta verificação convida a uma segunda observação: a dimensão sociológica (e a marca de Pierre Bourdieu é explícita) e antropológica de trabalhos anteriores do José Pedro Paiva, também aqui está bem presente. Não só na identificação de regularidades grupais (a Inquisição como bloco, os bispos), mas também no mapeamento das minudências da vida concreta, e ao modo como estas deram textura ao processo histórico, não se deixando domesticar completamente (não se deixam disciplinar?), pelo olhar, pelos modelos teóricos, pela escrita do historiador.

17 Ainda assim, a autora destas páginas não ficou totalmente convencida com o argumento desenvolvido por José Pedro Paiva. A meu ver, os Baluartes da Fé e da Disciplina permitem uma contraleitura. I.e., uma leitura igualmente densa da narrativa aí contada – assente na mesma documentação e nos muitos casos elencados pelo autor – pode suscitar mais dúvidas em relação à «grande harmonia, estreita colaboração e profunda complementaridade» (p. 140), que, segundo José Pedro Paiva, teria caracterizado a relação entre bispos e Inquisição nos séculos XVI e XVII, e para além das ambiguidades referidas pelo próprio. O exemplo de D. Gaspar de Leão, primeiro arcebispo de Goa, a quem coube estabelecer a Inquisição naqueles lugares é, a esse respeito, sintomático. A carta pastoral com que abre a tradução do tratado de Jerónimo de Santa Fé, publicado em Goa em 1565, expressa uma tendência, presente em vários outros prelados em optar pelas vias doces em vez de escolher as vias repressivas que a Inquisição corporizava na relação entre cristãos e judeus e/ou cristãos-novos. Mas outras situações, também exploradas por José Pedro Paiva, como as dificuldades dos anos iniciais, os conflitos de precedências no âmbito cerimonial, ou as discórdias mais substantivas às quais o autor dedica várias dezenas de páginas, podem também revelar que não foi com bons olhos que os bispos assistiram à implantação da Inquisição, e às suas tentativas desta – e dos seus inquisidores – em ser reconhecida como a principal instituição eclesiástica portuguesa. Mas estas minhas dúvidas são, também elas, ancoradas em posicionamentos historiográficos igualmente explícitos, os quais formatam, inevitavelmente, a interpretação deste livro incontornável para quem quiser compreender os processos políticos, institucionais, sociais e culturais do Portugal da época moderna, pelo que convido o leitor a, por si só, inquirir da natureza da relação entre estes dois baluartes da fé – bispos e inquisidores – e avaliar as suas características.

Ângela Barreto Xavier – ICS – Universidade de Lisboa

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Protecção Social em Portugal na Idade Moderna – LOPES (LH)

LOPES, Maria Antónia, Protecção Social em Portugal na Idade Moderna. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010. Resenha de: CASTELAO, Ofelia Rey. Ler história, n.60, p. 196-197, 2011.

1 La obra que comentamos merece toda la atención de los estudiantes universitarios a los que va destinada y a los que está dedicada por la autora junto a «todos os que sentem o fascínio da História». Publicada dentro de la serie Estudos: Humanidades de la Universidad de Coimbra, se presenta como una «guía de estudo e investigaçao» para los alumnos de los tres ciclos de enseñanza superior y para la formación de investigadores. Los objetivos de Maria Antónia Lopes son, por lo tanto, los esperables: aclarar conceptos, poner a la luz las fuentes documentales y sus problemas, explicar los métodos más adecuados en cada caso, mostrar la evolución historiográfica del tema e incitar a la reflexión crítica y a la renovación de perspectivas. Sin embargo, el libro resultante de estos objetivos académicos tan ajustados a las nuevos planes de estudios universitarios, ha conseguido mucho más y ha logrado hacer una excelente síntesis de una cuestión esencial de las sociedades de todos los tiempos – la protección de sus componentes más débiles – y de un tema central de la historia social.

2 Así pues, no se trata de un manual como tantos otros, sino que desde su propia experiencia como investigadora, la autora propone un recorrido general sobre los sistemas y fórmulas de asistencia social en el Portugal de los siglos modernos, haciendo un especial hincapié en la última parte del siglo XVIII y en el tránsito al siglo XIX, no en vano, desde el inicio del gobierno del Marqués de Pombal hasta la invasión francesa, se produjeron cambios trascendentales que modificaron el sistema de protección, intentando poner en práctica las ideas ilustradas al respecto.

3 La obra tiene un amplio preámbulo en el que se encuentras tres elementos importantes: el esclarecimiento de conceptos – pobreza, asistencia, filantropía, etc. – que por su ambigüedad o por sus diferentes interpretaciones pueden generar confusión en los lectores actuales; el contexto europeo en lo concerniente a la pobreza y sus soluciones y una síntesis del pensamiento portugués sobre esas cuestiones. Al final del libro se incluye una amplísima bibliografía con todo lo relativo al Portugal moderno, además de numerosas referencias sobre Brasil y sobre Europa; la autora ofrece este elenco organizado temáticamente, de modo que los estudiantes puedan tener una útil guía para sus trabajos y sobre todo, para que puedan localizar aquellos autores y obras a los que Maria Antónia Lopes hace referencia en los estados de la cuestión con los que abre cada capítulo.

4 Entre ambos extremos, la obra se organiza en dos partes. La primera y más extensa es una exposición sistemática de la organización de la protección social, empezando por las «misericordias» y abarcando todas la formas institucionales – hospitales, «rodas de expostos», colegios de huérfanos, cofradías- o institucionalizadas – dotes para casar doncellas, repartos de limosnas- que se encargaban de atender al amplio espectro de «pobres y pauperizables» que en el Portugal moderno, como en el resto de Europa, desbordaban a la propia sociedad; dentro de esta primera parte se dedica una especial atención a la acción de la monarquía de la Ilustración, decidida a intervenir en esas instituciones y a controlarlas dentro de un contexto más amplio de control sobre los grupos «ociosos» y de «aprovechamiento» útil de quienes los gobernantes consideraban una carga social. Esta parte cuenta con la ventaja de que los historiadores portugueses han investigado desde hace años esas instituciones, en especial las «misericordias», habida cuenta de la originalidad de su planteamiento, de su enorme número y de su indudable trascendencia. La segunda sección del libro – para la que hay menos bibliografía por problemas de fuentes – se ocupa de las personas, esto es, de quienes dirigían las instituciones – viendo cuáles eran sus verdaderos intereses de ascenso social, de rentabilidad económica, de ejercicio del poder –, de los trabajadores asalariados de esos centros y sobre todo de los beneficiarios del sistema en sus diferentes tipologías y sobre todo de las mujeres, a las que se dedica el último capítulo. Entre cada capítulo, la autora expone sus intenciones dirigiéndose a sus estudiantes, con una clara orientación pedagógica que es sumamente útil también para quienes leemos esta obra desde fuera.

5 La coherencia de este planteamiento se corresponde con una narración ordenada y de fácil lectura, con el apoyo constante en la comparación y en una cuidada referencia a los diferentes tiempos y ritmos. Si hubiera que matizar las evidentes calidades de esta obra, podríamos decir que se echa de menos alguna bibliografía española que le permitiría a la ver autora más similitudes entre los sistemas asistenciales ibéricos y coloniales que las diferencias que ella subraya en el libro; por otra parte, se obtiene la impresión de que el papel de la Iglesia en la asistencia era mayor en el ámbito portugués del que le reconoce Maria Antónia Lopes, o al menos, no parece que fuera menor del que tenía en los demás países de la órbita católica. Finalmente, convendría hacer algunas referencias a los hospitales especializados, no solo a las leproserías. Pero esto son solo puntos de debate que están abiertos en la investigación actual y de los que la autora es consciente en su condición de especialista en el tema. Consideramos que esta «guía» es mucho más que eso y que debería servir como modelo para las publicaciones docentes en España.

Ofelia Rey Castelao – Universidad de Santiago de Compostela

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Iberismos. Nação e Transnação, Portugal e Espanha, c. 1807-c. 1931 – MATOS (LH)

MATOS, Sérgio Campos. Iberismos. Nação e Transnação, Portugal e Espanha, c. 1807-c. 1931. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, 362 pp. Resenha de: GÓMEZ, Hipólito de la Torre. Ler História, v.74, p. 277-280, 2019.

1 Hoy ya no puede decirse que la historia de la relación entre Portugal y España en la época contemporánea sea asignatura pendiente de la historiografía peninsular. En poco tiempo, los libros de Juan Carlos Jiménez Redondo, José Miguel Sardica, César Rina, el coordinado por Sergio Campos Matos y Luis Bigotte Chorão, el que viene de editar en formato digital Luis Fernando de la Macorra y, en fin, éste que aquí se comenta –por no referirme a artículos y actividades de investigación colectiva– demuestran precisamente todo lo contrario. La historia de lo ibérico ha dado en el último lustro un salto muy notable, no solo en el conocimiento empírico, sino también en la renovación de enfoques y de perspectivas metodológicos.

2 Conociendo el fuste intelectual del profesor Matos, y su familiaridad con los estudios sobre cultura e imaginarios del nacionalismo portugués, la temática iberista le viene como anillo al dedo. Captar el Portugal y la España contemporáneos interactuando en sus percepciones e interpretaciones del otro, en sus proyectos para el conjunto –conservadores, correctores o superadores del dualismo político peninsular– tal es el meritorio empeño de esta importante obra. Su resultado es un dibujo amplio, rico y bien matizado de un flujo de pensamientos y prospectivas, transversales a todas las corrientes políticas (p. 315), sobre la naturaleza y las posibilidades convergentes de las entidades nacionales de la península ibérica. Eso, que se llamó y llamamos iberismo, tan manido y en apariencia tan simple en sus contornos intelectuales, cobra compleja vida en el inteligente y detallado análisis de sus variantes, como el que Sérgio Campos Matos lleva cabo en esta obra.

3 No pasó el iberismo al terreno de las realizaciones nacionales, como aconteció por ejemplo en Italia, porque carecía, explica el autor, de “base social, carácter orgánico y unidad programática”. No fue tanto un nacionalismo, como una “constelación de idearios relacionados con diferentes tendencias nacionalistas” (p. 18). Sirve, a mi juicio, en su incapacidad de realizarse, para mostrar la solidez de la construcción histórica portuguesa. Y sirve, en positivo, a un retrato de la historia del pensamiento y de los imaginarios nacionales peninsulares. O sea, a una mejor comprensión de las sustancias intelectuales, y hasta emocionales, de las naciones peninsulares. Incluyendo, con indudable acierto, la perspectiva temática, cuando rebasaba los marcos cronológicos dominantes, éstos se le imponen al lector con facilidad, y en todo caso facilitan la labor de reseñar un estudio tan rico y plural como lo es éste. Hay una alta edad contemporánea, de fuerte densidad iberista, que culmina en las décadas de 1850-1870; vienen luego, desde los años de entresiglos, un decaimiento y reformulación del iberismo ortodoxo; y sigue, en fin, un periodo, de tensión política y político-internacional entre los dos países que refuerza el nacionalismo hispanófobo de Portugal, y solo refluye –aunque aún provisionalmente– en la década de los años veinte.

4 El periodo de construcción liberal de los Estados asiste a un apogeo de los postulados iberistas que diríamos clásicos, bien en su vertiente unionista, bien en dimensión federal. Monárquicos los primeros; republicanos, los segundos. Se inscriben ambos dentro de la cultura liberal imperante, revolucionaria, que fundamenta las realidades nacionales sobre la libre expresión de las poblaciones, y muestra, en las unificaciones de Italia y Alemania, ejemplos atrayentes de grandes realizaciones estatales. Del lado de España, el iberismo no ofrece dificultades de monta porque agranda y fortalece siempre su entidad nacional. Precisamente por eso, en Portugal es mucho más problemático, y tiene como resultante el refuerzo de un nacionalismo teñido de prevenciones frente a las propuestas unionistas del vecino. La realidad acontecida demuestra la fragilidad social y política de la marea iberista. D. Fernando II rechazando el ofrecimiento del trono español vacante por la revolución de 1868; La Comisión 1º de Diciembre (grupo de presión, con significativos vínculos personales al poder, a la que el profesor Matos dedica una treintena de páginas muy bien documentadas) levantando la bandera del nacionalismo reactivo portugués.

5 En el último tercio del siglo, la polémica iberista decae de forma manifiesta. Nada puede extrañar, porque la revolución, dentro y fuera de la Península, había llegado a su término y, con ella, la pleamar del iberismo. Era el tiempo de una gobernanza realista (Cánovas; Fontes), y de un proyecto colonial que, en sus propias dificultades, internas e internacionales, canaliza desde fin de siglo un nacionalismo lusíada, tan exacerbado y popular, que arrastró –y hasta acabó por colocar en su vanguardia– al propio republicanismo. Decae, sí, el iberismo clásico, pero la cuestión ibérica se reformula. Hay que leer con atención las páginas sobre la generación del 70 para apercibirse de la crisis iberista. Pero hay que leer sobre todo el magistral estudio que el autor dedica a Oliveira Martins para captar esa reformulación en toda la hondura y alcance. Imposible reconstruir los atinados análisis del profesor Matos sobre tantos temas capitales como suscita el pensamiento de Oliveira Martins: la naturaleza polémica de la nación “española”; la especificidad de Portugal dentro del conjunto hispánico; la discusión sobre el apogeo y decadencia peninsulares –sus momentos históricos, sus factores.

6 Y, para evaluar el significado de cuanto defiende el insigne polígrafo portugués, siempre la oportuna referencia del profesor Matos a las coordenadas intelectuales externas: al concepto de civilización, extendido fuera (de Voltaire a Guizot) y dentro (Eugenio Tapia, Morón, Menéndez Pelayo, Altamira) de la Península; a la inextinguible leyenda negra, especialmente arraigada en el mundo anglosajón (W. Prescott, H.T. Buckle). Oliveira Martins –explica el autor– distanciado del providencialismo histórico y de la teleología positivista, fue “o primeiro historiador a adotar o conceito de uma civilização ibérica, correspondente ao todo peninsular” (p. 182). Y, apelando a grandes figuras del ensayismo lusitano del XX, puede afirmar que “foi mais longe do que qualquer outro autor português na sua indagação acerca de Portugal” (p. 183). Podría añadirse, sin exageración, que la fórmula del iberismo martiniano representó un antes y un después en las relaciones peninsulares: acabó por resolverlas.

7 Antes, las suspicacias que genera el célebre encuentro republicano de Badajoz (1893), las episódicas y epidérmicas repercusiones de solidaridad generada por las crisis del 90 y del 98, o la más que sospechosa campaña española de “armonía ibérica” (1917), apenas si revelan la defunción de la ortodoxia iberista. De sobra justificada por las iniciativas anexionistas de la España alfonsina en el escenario de la crisis interna portuguesa y la gran crisis mundial (1907-1919). España es el “peligro español”. Pero, entre tanto, la huella del pensamiento martiniano se hace patente en el avance de una metamorfosis de indudable calado, que tendrá su momento de arranque en la inmediata posguerra y constituirá política oficial de la dictadura del general Primo de Rivera. Los conceptos –aireados ya desde fines del XIX– de panhispanismohispanoamericanismoiberoamericanismo recogen, y amplían al mundo de estirpe portuguesa y española, la poderosa herencia del concepto de una civilización ibérica transcontinental (aunque en Portugal, João de Barros o Bettencourt Rodrigues postulasen la marca propia de panlusitanismo).

8 Y, sobre todo, esa reformulación martiniana halla su mejor expresión en la alianza peninsular de António Sardinha: dos naciones políticas, unidas en una proyección internacional común, como reflejo de identidad de civilización. El peninsularismo de António Sardinha, imbuido, como su propio autor, de ideología contrarrevolucionaria, tendría fraternal acogida entre sus homólogos españoles de la futura e influyente Acción Española. Cuando la contrarrevolución se hiciera realidad política en Portugal (tras el derrumbe de la democracia liberal) y en España (bajo la dictadura de Primo de Rivera, y más tarde, en el franquismo); cuando se liquidara el periodo de regímenes antagónicos que siempre estuvo en el origen de la desavenencia peninsular, la fórmula aliancista de Oliveira Martins, retomada en clave ideológica por Sardinha, tendría asegurado definitivo éxito. Resultó también muy importante que los autores de esa fórmula fueran portugueses, y no cualesquiera, sino portugueses ilustres convertidos por largas estancias en España (tanto Martins como Sardinha) y estrecha relación con intelectuales españoles “à lareira de Castela”.

9 No sé si, en la atracción fatal que inspiran tantas y tan complejas cuestiones como suscita este interesantísimo libro de Campos Matos, no habré dejado ya, con mi involuntaria huella, algunas observaciones críticas. Voy a ello. Pienso por ejemplo que hubiera valido la pena resaltar más los encuadramientos históricos –internos e internacionales– de la Península, porque son ellos los que condicionan y motivan en gran medida la intensidad de las pulsiones y la naturaleza de los planteamientos iberistas. Tampoco acabo de explicarme por qué el profesor Matos se detiene en 1931, en vez de abordar toda la década de los años treinta, que interrumpe, en el antagonismo político-ideológico de los respectivos regímenes, la fórmula de entendimiento descubierta por Oliveira Martins, y reforzada, con estratégicas y oportunas dosis de ideología conservadora por António Sardinha. Incluso veo el final de esta historia en el triunfo del franquismo, que reúne a mi juicio esas condiciones fundamentales de paz política peninsular, sintonía ideológica contrarrevolucionaria y homologación (desde 1945) de ambos países en un mismo sistema internacional.

10 Y ya un interrogante final. ¿Por qué no mantener iberismo, en vez de iberismos? En singular, como siempre se dijo, el término sugiere una sustantividad que en plural se pierde, tornándose circunstancial. Ahora bien, lo sustantivo es la persistencia del objetivo unionista final, que da sentido a sus variantes, vías estratégicas puntuales (ideológicas, económicas, políticas, etc.) generadas en la circunstancia histórica. El término iberismo debe entenderse, por tanto, como marco referencial finalista de todas y cada una de sus variantes (iberismos), a las que presta un norte conceptual y un recorrido de larga duración. Que es precisamente lo que hace el autor, contemplando con indudable maestría en cada árbol el conjunto del bosque. E incluso, si la terminología resultase problemática, ¿por qué no expresarla con el título de Iberismo(s)?

11 Nada de esto reduce en lo más mínimo el valor de este sobresaliente libro de Sérgio Campos Matos, no solo muy bien documentado en la abundancia de títulos, de fuentes archivísticas y hemerográficas, sino –lo que suele ser menos frecuente y desde luego mucho más complicado– escrito con erudición e inteligencia interpretativa. El resultado es una obra de altura, que reconstruye con éxito un capítulo fundamental de la historia intelectual portuguesa y española: la que reflexiona sobre el “ser” propio y del otro, mirando a una definición retrospectiva y prospectiva de cada uno y de los dos en el marco conceptual de lo ibérico.

Hipólito de la Torre Gómez – Universidad Nacional de Educación a Distancia, España. E-mail: htorre@geo.uned.es.

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