Posts com a Tag ‘Imprensa’
La vejez en el Porfiriato (1876-1910). Representaciones en prensa y literatura mexicana | Juan Pablo Vivaldo Martínez
Como muchas investigaciones históricas, el libro que nos ocupa nace de preocupaciones del presente, vinculadas en este caso con el progresivo envejecimiento de la población mundial y con la situación, tanto material como de status, de los ancianos en la sociedad. Aunque la reflexión sobre la posición histórica de la población vieja no es nueva, la historia de la vejez en tanto campo historiográfico específico data mucho más recientemente de las décadas de los años ochenta y noventa del siglo pasado, gracias al impulso acordado a estos temas por historiadores de Gran Bretaña, Francia, Estados Unidos y, en menor medida, por otras historiografías europeas. La emergencia de este campo derivó en parte de los estudios de población, en particular la demografía, pero también de la historia de la familia, con su interés en las etapas de la vida humana como la niñez y la adolescencia y, de manera más tardía, la vejez. El retraso de los estudios históricos sobre vejez con respecto a las más convocantes historias de la infancia o de la juventud resulta más evidente en la producción latinoamericana en la que los estudios sobre el particular son aún muy escasos e incipientes. Leia Mais
The Press and the People: Cheap Print and Society in Scotland/ 1500-1785 | Adam Fox
The Press and the People | Detalhe de capa
Early modern Scotland was awash with cheap print. Adam Fox, in the first dedicated study of the phenomenon in Scotland, gives readers some startling figures. Andro Hart, one of Edinburgh’s leading booksellers, died in 1622. In his possession, according to his inventory, were 42,300 unbound copies of English books printed on his own presses. John Wreittoun, also Edinburgh based, had in stock at his death in 1640 what Fox estimates to be 7,680 ‘waist littell scheittis of paper’, printed up as ‘littell pamphlettis and balladis’, and averaging a sale price of just 3d Scots (pp. 70-2). The inventory of Robert Drummond, drawn up, again in Edinburgh, in 1752, recorded a quantity of printed ‘small phamphlets’ and ‘ballads’ that Fox estimates amounted to 174,000 separate copies ready to go to market (p. 107). While historians of early modern print are well aware that the number of works we know about was once far surpassed by those now no longer extant, Fox’s examination of the inventories of Scotland’s printers and booksellers confirms the scale of the loss. It shows that Scottish printers were not predominantly producers of books and exposes a ‘vastly’ larger market for cheap print ‘than has ever been realised’ (p. 11). Leia Mais
Revistas em revista – imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922) | Ana Luíza Martins
A utilização de jornais e revistas como fontes no trabalho de pesquisa é algo corriqueiro no fazer historiográfico. Vez por outra recorremos a eles para verificar dados, analisar discursos, relacionar idéias dominantes de um período ou personagem que buscamos conhecer. Poucas vezes, no entanto, vemos esses veículos de comunicação no centro da cena. A busca dos significados de sua criação e dos detalhes de suas relações com a cultura e sociedade da época não é tratada com o rigor necessário, sendo subdimensionada na pesquisa.
A historiadora Ana Luíza Martins resolveu inverter essa lógica. Centrando foco na imprensa periódica das quatro primeiras décadas da República, através do estudo específico das revistas, a pesquisadora acabou compondo um verdadeiro painel da cultura e dos meios literários e jornalísticos paulistanos entre os anos de 1890 e 1922. O resultado pode ser conferido em Revistas em revista – imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922), produto de sua tese de doutorado na USP. Leia Mais
La prensa de Montevideo, 1814-1825. Imprentas/ periódicos y debates públicos en tiempos de revolución | Wilson González Demuro
Neste livro, Wilson González Demuro analisa o papel da imprensa na criação de um espaço moderno de opinião pública em Montevidéu, integrado ao processo de desconstrução do Antigo Regime na América por suas independências e construção de Estados nacionais, assentados em governos representativos, baseados princípios liberais.
Um dos alvos de Demuro são as abordagens que consideram os meios de comunicação apenas como fontes ou testemunhos, e não objetos de análise. Colocando-se ao lado de outros historiadores como Noemí Goldman, Fabio Ares, Renán Silva e Fabio Wasserman, Demuro junta-se ao esforço por valorizar “la prensa como fuente histórica” e encará-la como “campo disciplinario”3. Leia Mais
Imprimir en Lima durante la colonia. Historia y documentos, 1584-1750 | Pedro Guibovich Pérez
Pedro Guibovich Pérez | Foto: En los bordes del Archivo
Bajo la rúbrica de Pedro Guibovich Pérez, reconocido historiador del libro en el ambiente limeño, ha aparecido esta obra, la cual, en pocas palabras, describe el funcionamiento de la imprenta en Lima y valora su impacto, en medio de las políticas reales y eclesiásticas, en dos rasgos: la localización del saber y el control por las autoridades virreinales.
Dos secciones componen esta publicación: “Estudio preliminar” y “Apéndice documental”. En la primera se nos presenta lo que se sabe y lo que falta por estudiarse de la historia de la imprenta —como fenómeno social y cultural— que funcionó en la capital del virreinato del Perú, desde las gestiones previas a su instauración hasta mediados del siglo xviii. Para ello, Guibovich hace uso de fuentes notariales, específicamente de contratos convenidos entre diferentes actores editoriales (corpus principalmente transcrito en la segunda parte), de los paratextos disponibles en impresos limeños y del desarrollo del estudio del libro en España. Luego de breves reflexiones en torno al corto y lejano eco que ha tenido la disciplina de la historia del libro en el Perú, narra el arribo y asentamiento en Lima de Antonio Ricardo, italiano radicado en Nueva España, destinado a ser el primer impresor en tierras sudamericanas. Su llegada se dio en 1581, antes del alza de la veda de impresión de textos en el virreinato andino. Una de las urgencias por dar la bienvenida a Ricardo era la adecuación de la evangelización a los rasgos culturales de las poblaciones indígenas, interminable empresa que vio en la prensa una aliada indispensable. Los misioneros —sobre todo los jesuitas, que tuvieron un rol clave en los primeros concilios limenses— debían disponer de material básico en lenguas nativas que no tuviese errores de composición. En ello resonaban las enseñanzas del Concilio de Trento, las cuales marcaron un cambio en la preparación y labor de los sacerdotes por medio de una formación estandarizada que, para el Perú, adquirió características locales gracias a la imprenta. Aquí sale a flote uno de los aportes de la imprenta: contribuyó a materializar y uniformizar un saber necesario para la instauración de planes prioritarios de los sectores dominantes del virreinato. Leia Mais
La prensa de Montevideo, 1814-1825 | Wilson González Demuro
Wilson González Demuro | Foto: Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación – Universidad de la República
Neste livro, Wilson González Demuro analisa o papel da imprensa na criação de um espaço moderno de opinião pública em Montevidéu, integrado ao processo de desconstrução do Antigo Regime na América por suas independências e construção de Estados nacionais, assentados em governos representativos, baseados princípios liberais.
Um dos alvos de Demuro são as abordagens que consideram os meios de comunicação apenas como fontes ou testemunhos, e não objetos de análise. Colocando-se ao lado de outros historiadores como Noemí Goldman, Fabio Ares, Renán Silva e Fabio Wasserman, Demuro junta-se ao esforço por valorizar “la prensa como fuente histórica” e encará-la como “campo disciplinario”[3].
Para essa renovação da área, Demuro debruça-se sobre uma rica documentação formada sobretudo por periódicos, mas também por memórias, correspondência e documentos oficiais com o propósito de contestar análises anacrônicas e atemporais de “tipos ideais” sobre o tema [4]. Ao tratar a imprensa como objeto de análise, e não um meio ou instrumento, o autor amplia a visão sobre esses veículos, incluindo a análise de sociabilidades associadas à imprensa, presente em sociedades literárias e tipografias, e leva em conta as formas de comunicação escritas e orais que incrementavam o impacto político e social das publicações periódicas. Nesta empreitada, dialoga com a Escola de Cambridge, a História Conceitual de Reinhart Koselleck, as análises de papéis públicos de Roger Chartier e o esquema de perguntas de Harold Lasswell para a definição de uma técnica filológica qualitativa que também tem função quantitativa [5]. Para o contexto ibero-americano, particularmente, os estudos de Fernández Sebastián lhe fornecem bases fundamentais para suas análises, não se esquiva de contribuir com a construção do conhecimento sobre os conceitos políticos publicado nos tomos do Diccionario político y social del mundo ibero-americano [6]. Leia Mais
Correio Para Mulheres | Clarice Lispector
O histórico meramente tradicionalista em vista das mulheres da elite brasileira entre as décadas de 1950 e 1960 era descrito por Clarice Lispector em colunas de aconselhamento feminino para os jornais Comício, Correio da Manhã e Diário da Noite. Desta maneira, a autora produziu colunas que eram direcionadas exclusivamente para as mulheres sob a perspectiva de três pseudônimos diferentes: Tereza Quadros, na coluna “Entre Mulheres”, pelo jornal Comício, em 1952; Helen Palmer, na coluna “Feira de Utilidades”, pelo jornal Correio da Manhã, em 1959; e Ilka Soares, na coluna “Nossa Conversa”, pelo jornal Diário da Noite, em 1960. No decorrer destas colunas, Lispector apresentava dicas, diálogos, inquietações e questionamentos antes muito proveitosos para as mulheres e que representavam perfeitamente as experiências femininas pertencentes à classe média alta da sociedade burguesa daquela época, nunca deixando para trás o seu estilo literário inconfundível e o senso de humor ácido clariciano. Leia Mais
Imprensa no Maranhão: Trajetória Bicentenária | Outros Tempos | 2021
Tipos móveis de chumbo | Imagem: Medium.com
Não obstante casos inexpressivos e de curta duração, foi apenas com a chegada da família real à sua colônia na América que se deu a instalação e o efetivo funcionamento de atividade tipográfica no Brasil, em 1808. No rol das transformações advindas da transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, ocorreu a instalação da Imprensa Régia, sob as ordens de D. João. Ainda que não restrita à publicação de documentos oficiais, a Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal impresso na colônia, passou a circular, em 10 de setembro de 1808, com finalidade de servir aos interesses da Coroa, publicizando atos do governo. Leia Mais
História da Imprensa em Imperatriz – MA: 1930-2010 | Thays Assunção
Thays Assunção | Foto: O Estado
Logo nas primeiras páginas, Thays Assunção faz o seguinte comentário: “Conhecer a história da imprensa é, assim, caminhar em direção ao nosso próprio passado” (REIS, 2018, p.11) A afirmação é o fio que guia a narrativa do livro, a autora constrói um caminho com o leitor até o mapeamento da história da imprensa na cidade de Imperatriz do Maranhão, atrelando os acontecimentos que marcaram as produções jornalísticas aos acontecimentos sociais da época. Parafraseando, entender a história da imprensa está submetido a conhecer a história da cidade, também, concordando com Marialva Carlos Barbosa (2016), os processos comunicacionais estão arraigados às questões de tempo e espaço, não é possível olhar para as páginas dos jornais sem antes verificar qual história eles têm a contar. Leia Mais
La prensa de Montevideo, 1814-1825. Imprentas, periódicos y debates públicos en tiempos de revolución | Wilson González Demuro
Neste livro, Wilson González Demuro analisa o papel da imprensa na criação de um espaço moderno de opinião pública em Montevidéu, integrado ao processo de desconstrução do Antigo Regime na América por suas independências e construção de Estados nacionais, assentados em governos representativos, baseados princípios liberais.
Um dos alvos de Demuro são as abordagens que consideram os meios de comunicação apenas como fontes ou testemunhos, e não objetos de análise. Colocando-se ao lado de outros historiadores como Noemí Goldman, Fabio Ares, Renán Silva e Fabio Wasserman, Demuro junta-se ao esforço por valorizar “la prensa como fuente histórica” e encará-la como “campo disciplinario”3. Leia Mais
A novela gauchesca de Eduardo Gutiérrez: prensa/discurso judicial y folletín en la génesis de una literatura popular | Carlos Hernán Sosa
“El porvenir es triunfalmente nuestro. Nos lo hemos
ganado con sudor de tinta y rechinar de dientes, frente a
la Underwood, que golpeamos con manos fatigadas hora
tras hora, hora tras hora. (…)
Y que el futuro diga”.
Roberto Arlt,
“Prólogo” a Los Lanzallamas (1931). Leia Mais
Lições de resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro | Ligia Fonseca Ferreira
Desde o século XIX, Luiz Gama insiste em nos provocar com Lições de resistência. Gama foi escravizado, conquistou a alforria, foi reconhecido como intelectual conceituado já no seu tempo, enquanto se tornava um dos principais personagens do movimento abolicionista. As suas ideias e o seu empenho como jornalista e rábula na defesa da liberdade dos escravizados o transformaram numa referência incontornável da luta pela igualdade racial ainda nos dias de hoje. Em tempos de aprofundamento das desigualdades, Luiz Gama, negro, abolicionista e republicano continua a ser um farol para quem aspira por justiça e, por isso, mantém-se entre os autores brasileiros mais lidos, seja como literato ou como ativista engajado no campo do direito. Leia Mais
Prensa y política en Iberoamérica (Siglo XIX) | Alejandra Pasino, Fabián Herrero
La presente obra recopila estudios sobre prensa y política rioplatense producidos en el marco del proyecto presentado por la Universidad de Buenos Aires al Programa Universitario de Historia Argentina y Latinoamericana (PUHAL) del Ministerio de Educación y Deportes de la República Argentina. Leia Mais
Rock cá/ rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa – 1970/1985 | Paulo Gustavo da Encarnação
Bichos escrotos saiam dos esgotos
Bichos escrotos venham enfeitar […]
Bichos, saiam dos lixos
Baratas me deixem ver suas patas
Ratos entrem nos sapatos
Do cidadão civilizado
(TITÃS, 1986).
Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da Nação
(LEGIÃO URBANA, 1987)
O primeiro fragmento citado compõe a letra da música “Bichos escrotos”, do álbum Cabeça Dinossauro da banda Titãs. Ainda que apresentada em shows desde o começo da década de 1980, a música foi gravada apenas em 1986. O motivo: a censura imposta no regime militar. Já o segundo excerto compõe o disco Que país é este, da banda Legião Urbana. Lançado no álbum de 1987, a música, igualmente intitulada “Que país é este”, rapidamente se transformou num hit da banda e embalou gerações. Ambas foram oficialmente lançadas nos anos iniciais do processo de redemocratização do Brasil. Contêm críticas profundas ao período e aos fundamentos da Nova República, denominação cunhada para tratar do período iniciado com o fim da ditadura militar (FERREIRA; DELGADO, 2018).
Elas foram (e são) entoadas por jovens de diferentes gerações como canções de protesto e contestação à ordem política vigente e à estrutura social. Embora trintonas, são extremamente atuais para pensarmos o cenário político brasileiro, as relações entre Executivo e Legislativo e, principalmente, as práticas políticas adotadas. Afinal, atualmente ainda sobram “bichos escrotos” que desrespeitam a Constituição, mas, apesar da dura realidade enfrentada pelo cidadão brasileiro, entoam fábulas encantadoras sobre o “futuro da Nação”.
Não obstante, as canções também possibilitam aprofundar a discussão acerca das complexas relações entre história, rock, mídia e política. E suscitam outras importantes indagações, tais como: O que é rock? É um gênero nacional ou estrangeiro? É popular ou elitista? É música de caráter alienante ou música de protesto? É expressão de posturas progressistas ou conservadoras? Como é comumente classificado por agentes do campo midiático?
Esses são alguns dos problemas argutamente debatidos pelo trabalho recém-publicado por Paulo Gustavo da Encarnação, doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e com estágio pós-doutoral realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Fruto da sua tese de doutorado, sob a orientação do professor doutor Áureo Busetto, e com estágio de pesquisa em Portugal, o historiador publicou o livro intitulado Rock cá, rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa (1970-1985).
A obra apresentada se inscreve no horizonte da chamada “história política renovada”, que, como formulado por René Rémond (1996), concebe a amplitude dos objetos enfocados pela história política. Toma o rock como objeto com potencial para o conhecimento de práticas políticas diversas e múltiplas dimensões da identidade coletiva — perspectiva que possibilita adentramos “terrenos que, mesmo aparentemente apresentados como paisagens desérticas e estéreis, são searas para serem trilhadas pelo historiador do contemporâneo” (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 32). O autor do livro observa a “relação rock/política como resultado de um feixe de relações sociais, cujos subsídios principais podem ser percebidos em discursos, nos comportamentos e, inclusive, nas aparentes ausências de elementos e ingredientes da política” (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 32).
Com tais preocupações, Paulo Gustavo da Encarnação procura demonstrar as proximidades entre o rock brasileiro e o lusitano entre as décadas de 1970 e 1980. Aponta semelhanças entre os países; por exemplo, os períodos de ditadura. Mas também cuida das particularidades. Munido de uma perspectiva comparativa, afasta-se de visões totalizantes, hegemônicas e uniformes para pensar os agentes e expedientes dos universos roqueiros brasileiro e português. Como bem lembrou Marc Bloch sobre o trabalho do historiador (2001, p. 112), “no final das contas, a crítica do testemunho apóia- se numa instintiva metafísica do semelhante e do dessemelhante, do Uno e do Múltiplo”.
Assim, o livro busca refletir comparativamente acerca das características do rock lusitano e do brasileiro. Para tanto, leva em conta parâmetros linguístico-poéticos e musicais na análise de canções com críticas sociais e políticas. Procura demonstrar como o gênero foi classificado, respectivamente, por agentes brasileiros e portugueses, ocupando-se especialmente das definições e dos estereótipos formulados pelos integrantes do universo midiático, assim como da constituição e atuação da crítica musical veiculada em cadernos jornalísticos específicos e/ou em revistas especializadas. Portanto, historiciza o rock e o modo como o gênero foi tomado pela imprensa nos universos brasileiro e português.
Com relação à imprensa, concebe as diferentes e, por vezes, antagônicas facetas que conferem existência a uma empresa midiática. Compreende o estatuto das suas fontes e explica, detalhadamente, os passos trilhados para a realização do estudo. Apresenta, por exemplo, o modo como constituiu quadros temáticos para realização da pesquisa documental e para o trabalho com a bibliografia — expediente que possibilitou estruturar uma narrativa fluente e pouco afeita apenas à exposição cronológica e linear dos fatos.
Com base nos dados obtidos em pesquisa documental de fôlego e a partir da consulta crítica e assertiva à ampla e diversificada bibliografia, o pesquisador expõe consistente tese sobre o tema:
O rock produzido em língua portuguesa, no Brasil e em Portugal, desde os anos 1950 vinha num processo de nacionalização que culminaria, a partir da década de 1970 e, com especial destaque, para os anos 1980, no denominado rock nacional. […] defendemos a tese de que o rock produzido durante o período de 1970-1985 expressou e lançou mensagens musicais e críticas políticas. Ele se tornou, por conseguinte, um catalisador e um difusor de anseios e visões de mundo de uma parcela da juventude que não estava disposta a ver suas expectativas com relação à vida cultural e à política encerradas nas dicotomias: nacional/ estrangeiro, popular/elitista, capitalismo/socialismo (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 25).
Além de fértil e sólida tese, o leitor terá a oportunidade de conhecer o trabalho de um pesquisador incansável que minerou e lapidou dados e elementos históricos. Ademais, o livro de Paulo Gustavo da Encarnação é leitura obrigatória para pesquisadores que apreciam a constituição de séries no trabalho de pesquisa documental, a organização do material e sua exposição numa narrativa envolvente, sem, contudo, renunciar ao enfretamento de densas e qualificadas questões teórico-metodológicas. Ao longo dos quatro capítulos, o leitor terá a chance de conhecer a história do rock e, também, uma potente análise sobre as relações desse gênero musical com a mídia e a política no Brasil e em Portugal.
Se, por um lado, o trabalho de Paulo Gustavo nos ensina sobre um objeto específico e a operação do historiador num recorte temporal definido, comparando práticas em dois espaços distintos, por outro lado, chama atenção para a importância de entendermos o universo político para além das leituras simplistas sustentadas por visões duais e dicotômicas de mundo. Essa não seria, aliás, uma necessidade da nossa frágil democracia? Que a leitura de Rock cá, rock lá fomente a reflexão e o debate. E que os leitores experimentem mais do que visões binárias e esquemáticas de mundo. Afinal, como o autor colocou, o rock “é uma miscelânea de difícil definição”, mas como “posicionamentos que buscam criticar os pilares da sociedade”, expressando, “muitas vezes, elementos, mensagens e linguagem contestadoras” (ENCARNAÇÃO, 2018, p. 267-8).
Referências
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
ENCARNAÇÃO, Paulo Gustavo da. Rock cá, rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa – 1970/1985. São Paulo: Intermeios; Fapesp, 2018.
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida Neves (Org.). O tempo da Nova República: da transição democrática à crise política de 2016 – Quinta República (1985-2016). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. v. 5.
LEGIÃO URBANA. Que país é este. In: LEGIÃO URBANA. Que país é este. Rio de Janeiro: EMI-Odeon Brasil, 1987. 1 áudio (2 min. 57).
RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996.
TITÃS. Bichos escrotos. In: TITÃS. Cabeça Dinossauro. Rio de Janeiro: Warner, 1986. 1 áudio (3 min. 17).
Edvaldo Correa Sotana – Mestre e doutor em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/Assis). Professor da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: edsotana11@gmail.com
ENCARNAÇÃO, Paulo Gustavo da. Rock cá, rock lá: a produção roqueira no Brasil e em Portugal na imprensa – 1970/1985. São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2018. Resenha de: SOTANA, Edvaldo Correa. Rock, mídia e política: história numa perspectiva comparada. Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 12, n. 24, p. 225-228, jul./dez., 2020.
Trabalhadores e trabalhadoras rurais boias frias: exclusão/ imprensa e poder | Antonio Alvez Bezerra
Antonio Alves Bezerra é graduado em História pela UNESP, mestrado pela PUC/SP e doutorado em História pela mesma universidade. É professor do curso de graduação e pós-graduação em História pela UFAL, como também, coordenador do laboratório de Ensino de História e líder do Grupo de Estudos: História, Ensino de História e Docência.
A obra intitulada Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Boias Frias: exclusão, imprensa e poder é um estudo sobre o avanço do processo de modernização do setor sucroalcooleiro com o resultante aumento da exclusão social e econômica dos trabalhadores rurais. O prof. Rodrigo Costa escreve um breve prefácio sobre a obra e observa que ela “oferece uma visão sob um grupo social cuja presença se faz notar e sentir no cotidiano das grandes áreas rurais do país, os trabalhadores rurais boias-frias”, que também, estão presentes no agreste alagoano e no sertão pernambucano. Existência historicamente negada nos discursos do poder público, da mídia e do poder econômico. Leia Mais
Uma editora italiana na América Latina – SCARZANELLA (Topoi)
SCARZANELLA, Eugenia. Uma editora italiana na América Latina: o Grupo Abril (décadas de 1940 a 1970). Campinas: Editora da Unicamp, 2016. Resenha de: NASCIMENTO, Aline de Jesus. A família Civita e a imprensa na América Latina. Topoi v.21 n.43 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2020.
Escrever acerca da trajetória dos fundadores até a consolidação da Abril é tarefa que exige fôlego. Em meados do século XX, os seus criadores remodelaram os nichos editoriais na América Latina, principalmente no que tange ao caso brasileiro. Além do tradicional almanaque e das mais diversas coleções de fascículos, os produtos foram diversificados em vários suportes impressos não se limitando apenas às revistas, destinadas aos mais diversos públicos. A Abril segmentou o mercado de impressos e levou às bancas o mais variado tipo de revistas, que iam do esporte à moda, do gerenciamento e decoração da casa à informação semanal, enfim, uma diversidade de conteúdos que acabavam por agradar diferentes leitores e interesses, o que permitiu à empresa construir um verdadeiro império no campo editorial e tornar as bancas de jornais locais de informação e entretenimento. Uma empresa com tal renome não passaria impune aos historiadores, há uma gama de trabalhos acadêmicos acerca das principais revistas produzidas pela empresa, cada qual com sua metodologia.
O livro da professora de História da Universidade de Bolonha, Eugenia Scarzanella, seguiu uma linha interessante ao se basear na trajetória dos italianos pertencentes à família Civita na segunda metade do século XX. Especialista em América Latina, o livro representa sua primeira investida na empresa Abril. Sem deixar de entrelaçar as publicações da editora com o contexto político vigente, Scarzanella esmiuçou, com maestria, uma análise que levou em conta a experiência da Abril na Argentina, no Brasil e no México. Portanto, apesar da editora Abril constituir-se objeto comumente pesquisado, a autora contribui para as relações internacionais de um empreendimento que não afetou apenas o campo econômico, mas também o cultural. Dessa maneira, o título da obra por si já fornece indícios do que o leitor irá encontrar ao se debruçar no texto: a experiência de uma editora italiana na América Latina.
Cabe destacar dois pontos: a data de lançamento da tradução em português foi oportuna, visto que o atual cenário da editora não é mais promissor como o das décadas anteriores; a edição brasileira foi publicada pela Editora Unicamp, renomada por disseminar grandes títulos na área acadêmica.
Além do obstáculo da escassez de estudos que contemplem a trajetória da editora nos três países, outro desafio da pesquisa concerne às fontes. A fragmentação de documentos da editora Abril, que se encontram espalhados em diferentes bibliotecas e arquivos históricos, elencados na apresentação do livro, exigiu o empenho da pesquisadora não apenas na recolha, mas também no estabelecimento de uma linha de raciocínio diante de tantas frações. Também, a ausência de indícios fez com que Scarzanella levantasse diversas fontes para cobrir possíveis brechas na história. As fontes orais foram contribuições relevantes para o trabalho da historiadora. Além de compartilharem lembranças dos membros da família Civita, os testemunhos dos funcionários da empresa forneceram informações que não puderam ser acessadas nos escassos documentos oficiais.
A obra privilegia os primeiros anos da editora na Argentina, ao evidenciar como ocorreu a investida da empresa e quais foram as obras de mais destaque naquele país. A questão das relações étnicas e de como os italianos ocuparam espaço desse empreendimento na Argentina foi delineado pela autora e representa um novo olhar acerca da empresa. O livro, desse modo, contribui para novas perspectivas acerca dessa grande empresa que não se limitou apenas a um espaço geográfico.
O Brasil aparece como pano de fundo, quando a Abril constituiu-se numa empresa autônoma, mas que soube se apropriar de determinadas publicações de sua vizinha. Ao México foram destinadas poucas páginas no final do livro. A partir da atuação da família Civita na América Latina, o livro está dividido em seis capítulos com títulos claros acerca do que cada componente irá abordar. Acrescenta-se dois recursos interessantes: o índice onomástico e o caderno de imagens, elementos pós-textuais de grande relevância para quem quer realizar uma rápida consulta de revistas citadas no decorrer dos capítulos.
Scarzanella abordou os passos iniciais dos fundadores das empresas, a família Civita, desde o momento que fizeram parte da estatística dos exilados que se espalharam nos territórios da América por causa dos regimes totalitários entre 1920 e da Segunda Guerra Mundial que eclodiram na Europa. Cabe lembrar que uma parcela desses exilados era pertencente à classe social média alta, com elevados recursos econômicos e culturais. A atividade editorial da família Civita dentro do território latino-americano iniciou-se na Argentina com Cesare, empenhado em publicações de revistas em quadrinhos. Uma rede de relações e parcerias, firmadas por Cesare, na qual estavam envolvidos contatos com a comunidade judaica e italiana na Argentina, possibilitou um leque de novos financiadores e leitores. Em 1944, a Abril argentina publicou uma revista em pequeno formato da Disney: El Pato Donald. Trabalhar nesse local não significou apenas um privilégio econômico comparado a outros empregos no setor, simbolizava a possibilidade de compartilhar um ambiente dinâmico, jovem, culto e divertido.
Vittorio seguiu o caminho do irmão e, com os direitos autorais da Disney, publicou no Brasil, em junho de 1950, o Pato Donald, marcando o momento inicial da empresa que dominaria as bancas em poucos anos. A sede da editora sempre foi São Paulo, estado que se destacava do ponto de vista econômico e que então contava pouco mais de dois milhões de habitantes. O mundo do jornalismo, assim como o da cultura e dos intelectuais, era largamente dominado pelo eixo Rio de Janeiro/São Paulo e a cidade foi uma aposta do fundador que acabou por se revelar bastante acertada.
Scarzanella estabeleceu os traços comuns entre os dois países, que não se limitaram apenas pela escolha do mesmo nome para a editora. O desenvolvimento paralelo da Abril no Brasil e na Argentina prosseguiu por todos os anos de 1950. O caso da revista de fotonovelas Capricho merece destaque nessa relação devido ao seu grande sucesso. Lançada em 1952, a revista foi dirigida por uma colaboradora da Abril argentina, a fim de contribuir para o lançamento de novas publicações nesse gênero. Após uma mudança de formato e o início da publicação de histórias completas em cada número, o periódico chegou a uma tiragem de 500 mil cópias e uma versão em espanhol passou a ser distribuída na Argentina.
O segredo da Abril consistia em colocar no mercado novos produtos com publicações diferenciadas e destinadas a determinadas faixas de consumidores, em uma velocidade imposta pelas nuances do mercado editorial. Assim, em 1959, foi lançada em São Paulo a primeira revista de moda, Manequim, que utilizava material fotográfico proveniente de Buenos Aires.
Ainda na década de 1960, Parabrisas na Argentina foi grande sucesso relacionada ao desenvolvimento da indústria automobilística no país. O êxito acarretou no aumento de sua periodicidade – de mensal para semanal – a fim de estar mais presente nas bancas. Foi rebatizada como Corrida (1966) e Raúl Horacio Burzaco foi convidado para dirigi-la. Em agosto de 1960, a Abril de São Paulo lançou a revista Quatro Rodas, sob direção do jornalista Mino Carta, nos moldes da publicação argentina, igualmente especializada em turismo e automóveis.
Em 1961 surgiu nas bancas Claudia, publicação homônima à argentina lançada em 1957. Seguindo os moldes de Marie Claire, Grazia e Ladies’ Home Journal, esse semanal feminino foi de imediato grande sucesso. Destinado a donas de casa, explorou o uso de fotografia e publicidade nas suas páginas. No caso brasileiro, foi a primeira revista feminina que trouxe no título o nome de uma mulher. Os periódicos renovaram o gênero e sempre estiveram em sintonia com o crescimento da urbanização e das camadas médias. Porém, progressivamente ambas as revistas, brasileira e argentina, se distanciaram, ao adequar-se aos poucos cada qual a sua realidade nacional. Com grande sucesso até os dias atuais, no Brasil, Cláudia, destinada à mulher casada, deu origem a subprodutos como Casa Cláudia.
A Abril firmou-se no mercado brasileiro em função de projetos grandiosos e inovadores. Para garantir maior eficiência na vendagem, a editora criou uma rede de distribuição própria, comprou bancas e financiou jornaleiros para os quais organizou também cursos de formação. A editora brasileira antecipou-se à argentina no mercado de enciclopédias e fascículos com A Bíblia mais bela do mundo (1965), Os pensadores (1974), Os economistas (1982).
Pode-se levantar hipóteses de que a Abril brasileira pôde usufruir da vantagem de melhores relações com o poder público, mesmo com as dificuldades ligadas à limitação da liberdade da imprensa, fator que não se repetiu com a ditadura na Argentina. O regime militar brasileiro foi provavelmente para os empresários um interlocutor mais estável e mais hábil na gestão da economia em relação ao regime militar argentino, que fez as empresas naquele país “navegar[em] em águas difíceis, adaptando-se à mudança brusca de governos, à pretensão recorrente dos militares de impor à censura (e com ela a moral católica e conservadora) e à hostilidade dos seguidores de Perón (de direita e de esquerda), em guerra permanente entre si” (p.113).
A irmã brasileira lançou Realidade, em 1966, e Veja, em setembro de 1968. A censura impediu a circulação da primeira durante dois anos devido aos conteúdos considerados ofensivos (sexo, aborto, divórcio). O momento de lançamento da última não foi feliz porque, em dezembro do mesmo ano, foi decretado o Ato Institucional nº 5, com o qual o regime militar suspendia as garantias constitucionais. Entre 1975 e 1976, Veja teve que se submeter à aprovação prévia da censura e evitar tratar de uma lista de temas proibidos. Inclusive, de acordo com a historiadora, a demissão do diretor da revista, Mino Carta, teria sido uma exigência da ditadura, informação contestada de acordo com a versão do Roberto Civita (ALMEIDA, 2009, p. 151). Veja conseguiu sobreviver à ditadura e quando a editora brasileira comemorou 50 anos foi a revista com mais exemplares vendidos no país.
A Abril argentina não teve a mesma sorte, seus semanários de atualidade foram alvos de forte censura, houve intimidação e violência contra jornalistas, proprietários e tipógrafos. Em 1975, a organização de direita Aliança Anticomunista Argentina (Triple A) explodiu, diante do prédio da editora, uma bomba lança-panfletos contendo ameaças aos funcionários e à família Civita. Uma contribuição interessante do livro, mas que é pincelada pela autora foi que o empresário Cesare decidiu deixar o país e tentar se instalar em São Paulo, mas Vittorio teria dito que não havia modos de utilizá-lo dentro da sociedade. Esse tema pouco explorado representa uma nova perspectiva sobre a relação dos dois irmãos e questionamentos acerca dos conflitos de interesse das empresas.
A partir dos anos de 1960, Cesare tentou se inserir no México, com a Mex-Abril. enviando o genro Giorgio de Angeli para gerir esse novo empreendimento. Claudia também recebeu uma versão nesse país, com ingredientes locais, com divulgação de material de escritores e comerciantes, assuntos sobre homens e roupas que podiam ser compradas em boutiques nacionais, além de belas mulheres da televisão e sobre o cinema do país. A Mex-Abril não se revelou tão próspera quanto as irmãs e, no livro de Scarzanella, não houve muitas páginas dedicadas a essa investida de Cesare.
O destino da Abril argentina não se mostrou feliz desde os anos de 1970, explorado no encerramento do livro. Scarzanella enfatizou que o “capital social” de Cesare não foi o suficiente para transformar a editora argentina, empresa essencialmente familiar, em um empreendimento internacional. Os políticos, militares e lobistas teriam conquistados a Abril, como a própria autora afirmou no título do último capítulo.
O caso brasileiro foi mais frutífero. No ano de 2000, em seu cinquentenário, a empresa contava com 219 títulos nas bancas. Destarte, uma obra que demonstra as relações sociais e os empreendimentos na imprensa latino-americano dentro da família Civita, se caracteriza como uma leitura imprescindível. Principalmente, ao se considerar o entrelaçamento da Abril argentina com o contexto político do país que influenciou a sorte da empresa. Para um leitor que busca conhecimento acerca da Abril no Brasil e no México, o livro não contempla um estudo detalhado, o título original justifica o motivo: Abril – De Perón a Videla: um editore italiano a Buenos Aires. O assunto está longe de se esgotar dentro da obra, sendo, dessa maneira, um instrumento interessante para multiplicar as pesquisas sobre o assunto na área de História.
O estilo de escrita e a divisão dos capítulos permitem uma leitura fluída, inclusive para aqueles que não são especialistas na área. A obra se destaca por ser o resultado de uma pesquisa intensa com grande diversidade de fontes, motivo que contribui para os debates em torno da editora Abril e também abre espaço para se pensar acerca das redes étnicas criadas pela família Civita.
Referências
ALMEIDA, Maria Fernanda Lopes. Veja sob censura: 1968-1976. São Paulo: Jaboticaba, 2009. [ Links ]
SCARZANELLA, Eugenia. Uma editora italiana na América Latina: o Grupo Abril (décadas de 1940 a 1970). Campinas. Editora da Unicamp, 2016. [ Links ]
Aline de Jesus Nascimento – Mestranda da Universidade Estadual de São Paulo / Departamento de História, campus Assis, Assis/SP – Brasil. Bolsista Fapesp, processo nº 2017/15451-9. E-mail: lini_nascimento@hotmail.com.
La prensa de Montevideo, 1814-1825. Imprentas, periódicos y debates públicos en tiempos de revolución | Wilson González Demuro
El libro del historiador Wilson González Demuro concentra su foco en la prensa durante los tiempos revolucionarios en el Río de la Plata para analizar qué y cómo se debatía durante ese tramo tan intenso en la región. ¿Qué ideas se debatían? ¿Qué circulaba en la prensa? ¿Quiénes escribían y para qué? son algunas de las preguntas que abren este trabajo. La pluma, la escritura de opinión formó parte de la contienda y en ese sentido puede decirse que la prensa ocupó un lugar como parte activa del proceso revolucionario. El libro se propone analizar la producción de impresos, sus condiciones, autores y tejer hipótesis acerca de sus lectores. Desde la Historia conteptual se propone recorrer las voces: libertad y opinión pública. Aunque esas sean sus opciones principales no descuida el análisis de otros conceptos relacionados como lo son revolución, independencia y orden.
En la introducción, el autor expone detalladamente el proceso recorrido, las opciones teóricas y metodológicas empleadas y propone un adecuado recorrido de los antecedentes sobre el tema. Dentro de la Historia que tienen por objeto los medios de comunicación, muchos de los trabajos se han ocupado más del soporte, su descripción y crecimiento que del estudio de las circulación de ideas y los debates allí producidos. El conjunto de impresos analizados revela su diversidad en cuanto a las formas, periodicidad y tamaño pero también en cuanto al lugar donde están actualmente. Los 24 periódicos estudiados fueron publicados en Montevideo entre 1810 y 1824. La mayoría de ellos están en Uruguay mientras que otros están fueron ubicados en Buenos Aires y en Madrid. Leia Mais
Imprensa estrangeira publicada no Brasil: primeiras incursões | Tania Regina de Luca e Valéria Guimarães
A internet proporciona a interessante experiência de romper as barreiras espaciais e estar, mesmo que de maneira virtual, em mais de um lugar ao mesmo tempo. Portanto, permite o rápido acesso a notícias de países estrangeiros tanto no seu idioma original quanto na quase imediata tradução compartilhada por outros sites. Essa é uma conjuntura diferente daquela experimentada pelas comunidades imigrantes dos séculos XIX e XX, que, antes da agilidade e do alto alcance dos meios digitais, tinham na imprensa periódica uma importante ferramenta de comunicação e integração com seu país de origem, sem estar indiferentes às vivências numa nova comunidade. Assim, jornais e revistas publicados em língua estrangeira no país imigrante atuavam como um “entre-lugar” de povos em movimento entre experiências e culturas (LUCA; GUIMARÃES, 2017, p. 9).
Tendo como foco as particularidades dessa imprensa que se comunica em outro idioma, exceto o português, o livro Imprensa Estrangeira Publicada no Brasil, sob organização das historiadoras Tania Regina de Luca e Valéria Guimarães, contribui para a composição de um quadro da história da imigração no Brasil por meio da análise de impressos em língua estrangeira que circularam no país e, ao mesmo tempo, proporciona um avanço nos estudos sobre o espaço da cultura midiática em perspectiva transnacional – debates proporcionados pela abordagem da história cultural que pensa conceitos de transferências culturais, agentes e mediadores. Leia Mais
“Maps in Newspaper: Approaches to Study and Practices in Portrayin War since the 19th Century” | André Novaes
Fazer a leitura de Maps in newspapers: approaches to study and practices in portraying war since the 19th century é, sem dúvida, percorrer uma obra ímpar. Primeiramente, por seu formato não tão comum na produção acadêmica do Brasil, trata-se de uma monografia que compõe o primeiro volume da coleção Brill Research Perspectives in Map History, da editora holandesa Brill, que propõe trabalhos aprofundados sobre uma determinada perspectiva da história da cartografia e suas abordagens.1 Em segundo, mas não menos importante, também se destaca a particular riqueza das abordagens metodológicas que o texto explora para a pesquisa e compreensão das construções cartográficas, particularmente aquelas da imprensa.
De ímpar, torna-se também uma obra necessária no sentido de colocar em diálogo as diversas abordagens para o estudo dos mapas em sua pluralidade de formas. Mais da metade de suas páginas são destinadas a essa densa discussão, que o autor desenvolve com fluidez, aportado em uma variedade de autores que nos faz sentir viajando entre ideias. Trata-se de uma espécie de confluência de todo trabalho que André Novaes vem construindo sobre o universo dos mapas na imprensa, desde seu mestrado, passando pelo doutorado, até seus mais recentes projetos de pesquisa. Leia Mais
Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (1822-1850) | Alain El Youssef
Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (1822-1850) é resultado da dissertação de mestrado de Alain El Youssef, defendida em 2010, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de São Paulo. Na obra, o autor analisa como a temática do tráfico negreiro foi abordada nos periódicos do Rio de Janeiro desde o ano de 1822, marco da proclamação da independência do Brasil, até a década de 1850, quando houve a aprovação da Lei Eusébio de Queirós e o tráfico no Império brasileiro foi legalmente abolido. Ao eleger o tráfico negreiro e a escravidão nos periódicos como seu objeto de estudo, Youssef se contrapõe a autores da historiografia brasileira que postularam a ausência de debates relativos a esses temas na imprensa do Rio de Janeiro até a década de 1870 [1]. A obra é, portanto, historiograficamente, uma afirmação desta presença.
Além de constatar essa existência, o autor procura demonstrar como diferentes grupos políticos se utilizaram da imprensa, desde o Primeiro Reinado, como estratégia e instrumento para a formação de uma “opinião pública” sobre questões, entre outras matérias, relativas ao fim do tráfico negreiro para o Império do Brasil. Segundo Youssef, essa estratégia tinha como intuito “preparar o terreno” para a discussão pública de determinados temas que estavam ou entrariam em voga no parlamento imperial. Por outro lado, o autor busca evidenciar como esses mesmos grupos políticos recorriam ao argumento da “opinião pública” para legitimar suas pautas.
Neste sentido, são importantes para a construção do argumento de Youssef as categorias de espaço público e opinião pública, adotadas a partir das perspectivas de François-Xavier Guerra [2] e Marco Morel [3]. Aqui, a imprensa é vista como um espaço público na medida em que se constituía como um lugar no qual ocorriam interações de diversas naturezas entre agentes históricos. Por sua vez, a opinião pública é “tratada como um conceito que os coevos dos séculos XVIII e XIX utilizavam para legitimar suas práticas políticas, principalmente aquelas que visavam influir a administração pública” (p. 30).
Embora a imprensa não seja apresentada na obra enquanto uma espécie de partido propriamente dito, menos ainda nos termos empregados no século XXI, Youssef procura chamar a atenção dos leitores para a importância que os periódicos, muito dos quais explicitamente partidários, tiveram na propagação dos ideais de moderados, exaltados e restauradores, luzias e saquaremas, liberais e conservadores, na complexa conjuntura política imperial. No que se refere ao tráfico negreiro em específico, o autor procura demonstrar como a imprensa teve um papel de suma importância na consolidação da política do contrabando negreiro no Brasil, empreendida pelos conservadores.
Segundo o autor, com o avanço do regresso, os conservadores passaram a fazer uma intensa campanha de defesa da reabertura do comércio negreiro em periódicos, tanto apresentando as vantagens econômicas da continuidade do negócio como publicizando as propostas de reabertura do tráfico transatlântico apresentadas ao parlamento brasileiro. Assim, para Youssef, a imprensa funcionou como uma espécie de elo de comunicação entre os políticos e proprietários de escravos interessados na continuidade do comércio negreiro, dando uma poderosa contribuição ao fortalecimento do contrabando e, consequentemente, ao aumento das cifras relacionadas a essa atividade.
Sobre a política do contrabando negreiro, é explícito o diálogo de Alain El Youssef com a leitura feita sobre o fim do tráfico por Tâmis Parron em suas produções recentes. Em certa medida, o livro de Youssef é complementar à dissertação de mestrado de Parron, reformulada em livro com o título A política da escravidão no Império do Brasil (1826-1865) [4] em 2011. Ambos buscam analisar o fim do contrabando negreiro através da história política, a partir das perspectivas de segunda escravidão de Dale Tomich [5], e de economia-mundo/sistema-mundo, de Immanuel Wallerstein [6], e procuram entender como os debates e interesses político-econômicos em torno da (des)continuidade do tráfico transatlântico de africanos escravizados para o Brasil estavam inseridos dentro de um contexto maior de transformações socioeconômicas mundiais no período. Partindo de tantos pontos em comum, é principalmente nas fontes que Youssef e Parron tomam caminhos diferentes. Enquanto os discursos parlamentares são os principais documentos históricos empregados na análise da narrativa de Parron, Youssef constrói sua narrativa a partir dos periódicos cariocas – o que confere complementaridade às duas obras.
Por pensar seu objeto a partir de uma perspectiva ampliada, Youssef procura entender a imprensa (assim como o tráfico negreiro) dentro das transformações ocorridas no mercado e na sociedade mundial no período. Dessa maneira, o autor busca demonstrar como a expansão do capitalismo, a queda de monarquias absolutistas, as revoluções de independência no Novo Mundo e a reconfiguração das áreas fornecedoras de importantes commodities para o mercado mundial, entre outros fatores, também contribuíram para a difusão de novas (ou modernas) formas de sociabilidades, que passam a conviver com as do Antigo Regime. No caso da imprensa, essas transformações teriam oportunizado a proliferação de impressos, a abolição/diminuição da censura, o surgimento de espaços de leitura e sociabilização das ideias presentes nestes impressos, e, como consequência, possibilitado a emissão de julgamentos por parte do público aos acontecimentos a ele contemporâneos.
Em termos de leitura histórica, outra produção historiográfica cuja influência sobre o livro de Youssef é notável é O Tempo Saquarema, de Ilmar Mattos [7]. Obra de referência sobre a história do Brasil Império, publicada pela primeira vez em fins da década de 1980, O Tempo Saquarema aborda elementos centrais contidos no livro de Youssef, como a relação entre expansão cafeeira, formação de projeto político imperial centralizador, continuidade do tráfico negreiro e o papel político-econômico britânico neste contexto. No entanto, Youssef distancia-se de Mattos em dois aspectos centrais do seu trabalho, a imprensa e a pressão inglesa. Enquanto Mattos, na perspectiva gramsciana, entende como secundário o papel da imprensa e das organizações civis consideradas privadas na construção da coalização entre proprietários do centro-sul e o grupo conservador na política imperial, Youssef apresenta a imprensa como tendo um papel central neste processo. Segundo o autor, a imprensa foi uma das principais responsáveis para que essa aliança, assim como a política do contrabando negreiro, tenha alcançado êxito.
Sobre o papel britânico nesse contexto, enquanto para Mattos os interesses internos da classe dirigente são vistos como predominantes, embora a pressão externa não seja ignorada, Youssef atribui protagonismo à pressão externa sobre as decisões relativas ao tráfico negreiro adotadas pelo governo imperial. Para o autor, a intensificação da pressão britânica pelo fim do comércio negreiro para o Brasil em meados da década de 1840 – e, inclusive, a iminência de um conflito armado entre as duas nações – por exemplo, não deixou alternativas aos Saquaremas senão a defesa do fim do contrabando. O grupo retornaria aos periódicos para preparar o terreno, desta vez para a abolição do tráfico.
A respeito disso, observa-se que Youssef também se distancia de recentes produções historiográficas brasileiras sobre o fim do tráfico negreiro que, embora não desprezem a importância que a pressão britânica teve sobre os rumos tomados por esta atividade, têm repensado como outros fatores influenciaram o fim do comércio proibido de escravos [8]. O autor procura demonstrar que fatores como o haitianismo, para citar um dos aspectos apontados recentemente pela historiografia, que também é mencionado pelo autor, não teve grande peso sobre o fim do tráfico transatlântico de africanos escravizados para o Brasil. Youssef avalia que o haitianismo foi utilizado na imprensa do Rio de Janeiro muito mais como argumento retórico do que como um temor real.
Na obra de Alain El Youssef, a imprensa é, ao mesmo tempo, fonte e objeto histórico, informações que o autor deixa explícitas já no princípio da obra. Sobre isso, nota-se que, ao adotar a imprensa também como objeto, o autor consegue ir além do texto publicado. Investigando, por exemplo, as vinculações partidárias dos editores dos periódicos que consultou, é capaz de acessar alguns dos interesses existentes por trás das notícias veiculadas. Assim, o autor não deixa de chamar atenção para o modo como parte da historiografia brasileira tem utilizado a imprensa. Ao analisar os periódicos pontualmente, muitas vezes sem levar em consideração as vinculações das publicações, a historiografia acaba por reproduzir um discurso enviesado. Neste sentido, chama a atenção para a necessidade de se observar o enviesamento existente nas publicações.
Ao fazer a leitura deste livro no ano de 2018, período indubitavelmente conturbado da política brasileira, não poderia deixar de mencionar a atualidade da obra. Através do livro de Youssef verificamos como o argumento político da “opinião pública” e a construção politicamente enviesada da “opinião pública” pela imprensa têm sido empregados ao longo do tempo para conformar os rumos da história do Brasil.
Notas
1. Cf. KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SOUZA, Christiane Laidler de. Mentalidade escravista e abolicionismo entre os letrados da Corte (1808-1850). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1994.
2. GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: Ensayos sobre las revoluciones hispánicas. México: Mapfre/Fondo de Cultura Económica, 1992.
3. MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.
4. PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
5. Cf. TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.
6. Cf. WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world system: capitalist agriculture and the origins of the European world-economy in the sixteenth century. Nova York: Academic Press, 1974. vol. 1. Idem. The capitalist world-economy. Nova York: Cambridge University Press, 1979. Idem. The modern world-system: mercantilism and the consolidation of the European world-economy, 1600-1750. Nova York: Academic Press, 1980. vol. 2.
7. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec; Brasília: INL, 1987.
8. Dentre as produções que repensaram o papel da pressão britânica destacamos os estudos de Sidney Chalhoub, Flávio Gomes, João José Reis, Jaime Rodrigues e Robert Slenes. Cf.: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX, ed. rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, ed. rev. e ampl., 1ª reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas, SP: Editora da Unicamp, Cecult, 2000. SLENES, Robert. “Malungu, Ngoma vem!”: África coberta e descoberta no Brasil. Revista USP, n. 12, 1992.
Referências
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX, ed. rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: Ensayos sobre las revoluciones hispánicas. México: Mapfre/Fondo de Cultura Económica, 1992.
KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec; Brasília: INL, 1987.
MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.
PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
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RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas, SP: Editora da Unicamp, Cecult, 2000.
SOUZA, Christiane Laidler de. Mentalidade escravista e abolicionismo entre os letrados da Corte (1808-1850). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1994.
SLENES, Robert. “Malungo, Ngoma vem”: África coberta e descoberta no Brasil. Revista USP, n. 12, 1992.
TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.
WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world system: capitalist agriculture and the origins of the European world-economy in the sixteenth century. Nova York: Academic Press, 1974. vol. 1.
WALLERSTEIN, Immanuel. The capitalist world-economy. Nova York: Cambridge University Press, 1979.
WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system: mercantilism and the consolidation of the European world-economy, 1600-1750. Nova York: Academic Press, 1980. vol. 2.
YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (Rio de Janeiro, 1822-1850). São Paulo: Intermeiros; Fapesp, 2016.
Silvana Andrade dos Santos – Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói – Rio de Janeiro – Brasil. Doutoranda, PPGH-UFF, bolsista do CNPq. E-mail: silvanaandradeh@gmail.com
YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (1822-1850). São Paulo: Intermeios; Fapesp, 2016. Resenha de: SANTOS, Silvana Andrade dos. Imprensa como partido: “opinião pública” e tráfico negreiro em periódicos cariocas. Almanack, Guarulhos, n.19, p. 331-337, maio/ago., 2018. Acessar publicação original [DR]
Palavras como balas: Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939) – OLIVEIRA (Topoi)
OLIVEIRA, Ângela Meirelle. Palavras como balas. Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939). São Paulo: Alameda, 2015. Resenha de: BEIRED, José Bendicho. Para compreender o antifascismo na América Latina. Topoi v.19 n.37 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2018.
Durante a Primeira Guerra Mundial, poucos imaginavam que estava em gestação um novo movimento político radical de direita capaz de alterar profundamente a política internacional. Ao tomar o poder na Itália, o fascismo foi a primeira experiência de extrema-direita a mostrar que era possível não só derrotar o status quo liberal mas também barrar a ascensão das forças de esquerda. Em seguida, outros movimentos de direita se alastraram pelo continente europeu, quer tomando o poder quer organizando-se em novos partidos. Para o filósofo alemão Oswald Spengler, vivia-se uma fase histórica em que se divisava a própria decadência do Ocidente. As reações foram tardias, pois apenas nos anos 1930 a direita radical deixou de ser combatida isoladamente pelas forças políticas de cada país e passou a ser objeto de luta de um movimento antifascista internacional que galvanizou um conjunto de forças formado por intelectuais, organizações e órgãos de imprensa.
O livro de Ângela Meirelles Oliveira constitui uma inovadora contribuição para a compreensão do papel da América Latina na cruzada internacional de combate ao fascismo. Com base em minuciosa pesquisa documental realizada em diversos países, o estudo oferece novos elementos a respeito dos movimentos antifascistas do Brasil, da Argentina e do Uruguai por meio de um recorte que privilegia o papel dos intelectuais e a atuação da imprensa. O título da obra, extraído de um verso emblemático – Palabras como balas hay que usar contra vosotros, enemigos! – da poetisa argentina Nydia Lamarque, por si só ilustra o espírito do engajamento que tomava os intelectuais empenhados na causa antifascista.
A metodologia empregada constitui um dos pontos altos da obra. Articulando o método comparativo e a perspectiva transnacional, a autora estabelece recortes criativos, reconstrói conexões e apresenta conclusões que permitem explicar as peculiaridades do antifascismo no Cone Sul e as suas relações com o movimento antifascista europeu. Um aspecto fundamental da abordagem reside no tratamento dos intelectuais como mediadores do processo de circulação de ideias entre os países do Cone Sul e entre estes e a Europa, em especial a França. Sob a vigilância metódica das autoridades policiais, os intelectuais sustentaram a luta antifascista por meio da fundação de entidades, criação de órgãos de imprensa, elaboração de artigos, troca de correspondência, promoção de campanhas e exposições de arte.
Uma tese basilar perpassa o livro pondo em xeque interpretações consagradas na historiografia: a despeito da relevância das organizações europeias e da URSS para o antifascismo latino-americano, este teria se desenvolvido com relativa autonomia em função dos contextos nacionais. Não obstante, a autora reconhece que as organizações criadas na Europa tiveram papel central no engajamento mundial dos intelectuais na luta contra o fascismo. Fundadas por militantes e simpatizantes de esquerda, as organizações europeias gravitaram, não sem tensão, em torno da Comintern e, consequentemente, dos interesses soviéticos em relação à política internacional, a exemplo do Comitê de Vigilância de Intelectuais Antifascistas e da Associação de Escritores e Artistas Revolucionários. Um papel de destaque coube ao Comitê Mundial contra a Guerra e o Fascismo por sua influência na Europa e na América, contando com a participação dos mais renomados intelectuais de então – Máximo Gorki, Bertrand Russell, Albert Einstein, John Dos Passos e André Gide entre muitos outros – sob a direção dos franceses Romain Rolland e Henri Barbusse.
A primeira parte do livro é dedicada ao exame das organizações, intelectuais e órgãos de imprensa antifascistas do Cone Sul. No Brasil, as primeiras a serem fundadas foram os Comitês Antiguerreiros de São Paulo e do Distrito Federal, de filiação comunista; e a Frente Única Antifascista, criada na sede do Partido Socialista Brasileiro, com a participação da Liga Comunista Internacionalista, de perfil trotskista. As tensões entre fileiras fascistas e antifascistas não eram pequenas. Em 1934, ambas confrontaram-se fisicamente quando as agrupações antifascistas se concentraram na Praça da Sé, centro de São Paulo, para protestar contra um comício organizado pela Ação Integralista Brasileira, deixando um saldo de seis mortos e dezenas de feridos dos dois lados.
Vinculado à Frente Única Antifascista foi criado o Clube dos Artistas Modernos, que promoveu a famosa conferência de David Alfaro Siqueiros a respeito da técnica muralista em São Paulo, por ocasião da sua passagem pelo Brasil ao retornar do Rio da Prata para o México. Outras experiências, o Clube de Cultura Moderna e o Centro de Defesa da Cultura Popular, associados à Aliança Nacional Libertadora, visavam ambos ao estabelecimento de contato entre os intelectuais e o grande público para a difusão das artes, da ciência e da literatura. Em busca de espaços alternativos para a promoção das artes, em 1935 o CDCP organizou a I Exposição de Arte Social no Brasil, com a participação de Portinari, Di Cavalcanti, Noêmia Mourão, Oswaldo Goeldi, Ismael Nery e Alberto Guignard. Tais entidades exemplificavam o esforço da geração modernista em conferir à arte um sentido ao mesmo tempo vanguardista, popular e comprometido com as questões políticas. Paralelamente, a imprensa foi outro veiculo fundamental de resistência política e cultural antifascista, cuja atividade esteve concentrada em órgãos tais como Revista Acadêmica, Diretrizes e Cultura, Mensário Democrático, além de jornais como Marcha e o diário A Manhã.
Uma das hipóteses da autora é que o funcionamento das entidades antifascistas dependeu das condições políticas de cada país do Cone Sul. No caso do Brasil, a dinâmica política da Era Vargas foi mais tolerante com as atividades da extrema direita, a exemplo do Integralismo, do que com as correntes de esquerda, objeto de sistemática vigilância, perseguição e prisões. A repressão subsequente ao levante de 1935 e ao golpe do Estado Novo apenas aumentou ainda mais as dificuldades do antifascismo, com o desmantelamento do PCB, prisões, fugas e exílio de militantes e intelectuais. A Argentina e o Uruguai foram os destinos mais procurados pelos exilados brasileiros, que transformaram Buenos Aires e Montevidéu nos seus principais centros de atuação no exterior, a exemplo de Carlos Lacerda na sua fase comunista.
A comparação permite constatar que a Argentina abrigou o movimento antifascista mais significativo da América Latina, traduzindo-se em uma maior quantidade de organizações, pessoas e órgãos de imprensa envolvidos do que em outros países da região. Em 1930 o general José Uriburu desferiu um golpe de Estado que derrubou o governo da União Cívica Radical presidido por Hipólito Yrigoyen e implementou uma ditadura filofascista apoiada pelo exército e por milícias uniformizadas, tais como a Legião Cívica Argentina. Carente de suficiente base política, o poder foi passado aos conservadores, que restauraram o antigo sistema de eleições fraudadas, primeiramente sob a presidência de outro militar, o general Agustín P. Justo, e depois o civil Roberto Ortiz, buscando-se manter uma posição de neutralidade diante da contenda entre o fascismo e o antifascismo. Apesar das perseguições contra militantes de esquerda, havia de qualquer modo mais condições que no Brasil para a atividade política, a organização de movimentos e o funcionamento da imprensa antifascista. Um papel relevante, embora fora do âmbito da pesquisa do livro, foi desempenhado pelas coletividades de estrangeiros, notadamente a italiana e a espanhola, cujas atividades antifascistas foram estudadas no Brasil por João Fábio Bertonha e Ismara Izepe de Souza, e na Argentina, por Mónica Quijada e Andrés Bisso.
A segunda parte do livro dedica-se à circulação internacional das ideias e dos intelectuais antifascistas. A autora confere especial atenção à Agrupação de Intelectuais, Artistas, Jornalistas e Escritores por considerá-la a mais importante associação em prol do antifascismo. Criada primeiramente em Buenos Aires, e em seguida em Montevidéu, tinha como objetivo declarado “lutar pela defesa da cultura”, em outras palavras, combater o obscurantismo embutido não apenas no fascismo internacional, mas também no autoritarismo e na corrupção política praticados pelos governos conservadores. A entidade argentina chegou a contar com 2 mil associados e diversas filiais no interior do país, tendo à frente figuras como Anibal Ponce, Sergio Bagú, Manuel Ugarge, Liborio Justo, Héctor Agosti e Arturo Frondizi, então jovem membro da União Cívica Radical e futuro presidente da nação. O boletim da entidade – Unidad por la defensa de la cultura – somou-se a várias outras publicações regulares que, embora não dedicadas exclusivamente ao antifascismo, o tomaram como causa própria, tais como Claridad, Hechos e Ideas, Sur e La Internacional.
Dois interessantes aspectos sobressaem. Em primeiro lugar, a diversidade ideológica das publicações mencionadas – respectivamente socialista, radical, liberal e comunista -, assim como das organizações antifascistas. A autora contesta enfaticamente a tese do caráter essencialmente comunista do antifascismo dos países estudados, assim como do papel determinante da Comintern na sua organização. No lugar disso, identifica a existência de uma matriz liberal no antifascismo argentino e, no caso do Uruguai, aponta uma forte politização, sem vinculação partidária. Em suma, a documentação sugere que o vigor do movimento antifascista nos três países estudados dependeu justamente da heterogeneidade das suas fileiras e da amplitude do arco progressista que reunia liberais, anarquistas, radicais, comunistas, trotskistas e socialistas.
Outro aspecto a destacar é o papel das redes de sociabilidade antifascista que se estabeleceram por meio da imprensa vinculando as publicações da Argentina, do Uruguai e do Brasil entre si e estas com as da França, epicentro internacional do movimento antifascista e sede de revistas como Clarté, Commune, Vigilance e Front Mondial. O intercâmbio ocorria pela reprodução de artigos e a notificação do recebimento de revistas de outros países, a exemplo de Commune, órgão da Associação de Escritores e Artistas Revolucionários, sediada em Paris, que recebia praticamente todas as revistas antifascistas sul-americanas. No Cone Sul, as revistas da Argentina e do Uruguai trocavam uma considerável quantia de matérias com as congêneres da França, o mesmo não ocorrendo com as revistas do Brasil, que apenas mantinham contato esporádico com as publicações estrangeiras. Quanto ao intercâmbio intelectual entre os países latino-americanos, apenas existiu de modo rarefeito. Parece ter ficado mais no plano das intenções que da sua efetivação material, apesar dos apelos da portenha Claridad e da baiana Seiva em favor do seu incremento.
O Uruguai merece um lugar especial em razão da relevância das atividades antifascistas em seu território. Em 1933, abrigou o Congresso Antiguerreiro Latino-americano de Montevidéu, que, vinculado ao seu homólogo europeu e à corrente comunista, congregou centenas de delegações sindicais, camponesas, estudantis, de artistas e intelectuais. Não deixa de ser notável a marca deixada por uma ilustre brasileira. Pelo prestígio pessoal e proximidade em relação ao PCB, Tarsila do Amaral foi uma das poucas intelectuais convidadas a proferir uma conferência, e, destoando do tom geral do evento, discorreu a respeito das “Mulheres e a guerra”. Encetando uma contundente crítica ao papel destinado às mulheres pelos governos capitalistas e imperialistas, terminou sob aplausos e conclamou-as à luta antiguerreira. A análise do congresso aponta, ainda, para as divisões intestinas da esquerda e os diferentes conceitos de frente política, evidenciados nas críticas aos trostskistas, na expulsão dos anarquistas e na condenação de figuras como Augusto César Sandino e Haya de la Torre.
Às vésperas da Segunda Guerra, Montevidéu acolheu outro importante evento, o Congresso Internacional das Democracias. Composto por delegações de intelectuais dos países americanos, foi patrocinado por um conjunto de partidos políticos uruguaios. Apesar da exclusão do Partido Comunista Uruguaio, a reunião contou com uma ampla participação de delegados de todas as correntes políticas das Américas comprometidas com o antifascismo, incluindo o comunismo. Estiveram presentes personalidades como Pablo Neruda e Juan Marinello, que se reuniram em dezenas de comissões para discutir assuntos políticos, econômicos, sociais e culturais. Também participou uma delegação brasileira não oficial composta por representantes da Universidade Nacional do Rio de Janeiro e das Mulheres Intelectuais do Brasil, além de brasileiros exilados perseguidos pelo Estado Novo, cujo governo buscou impedir sem sucesso a realização. Para a autora, o evento refletia a desilusão com a Europa e representou a inflexão do antifascismo latino-americano em vista do seu alinhamento às diretrizes da política externa norte-americana que enfatizava a boa vizinhança e a união das forças contrárias ao fascismo. O título do discurso do uruguaio Emilio Oribe era emblemático dessa guinada: “Por que a América imita os europeus? Cultura autóctone e universal.”
A autora dedica especial atenção à Guerra Civil Espanhola, conflito de enorme repercussão na América Latina e divisor de posições da opinião pública, que se mobilizou tanto a favor do governo republicano quanto dos rebeldes nacionalistas. Na Argentina e no Uruguai a solidariedade aos republicanos foi especialmente intensa em razão da elevada taxa de imigrantes espanhóis em relação ao conjunto da população. Por sua vez, tais imigrantes estavam organizados em uma vasta rede de entidades associativas e jornais comunitários que impulsionaram iniciativas em favor da República Espanhola. As remessas de alimentos, remédios, dinheiro e roupas constituíram as ações prioritárias da solidariedade aos republicanos, além da acolhida dos exilados e a pressão política pela não intervenção da Itália e da Alemanha no conflito espanhol.
São examinadas as atividades da Agrupação de Intelectuais, Artistas, Jornalistas e Escritores, cuja seção argentina criou a Comissão Argentina de Ajuda aos Intelectuais Espanhóis. As ações de solidariedade dessa comissão tiveram como ponto alto os protestos e as homenagens decorrentes do fuzilamento de Gabriel Garcia Lorca, ato covarde que foi transformado em símbolo da luta da cultura contra a barbárie fascista. Os intelectuais latino-americanos viam a si mesmos como legítimos partícipes das fileiras republicanas deste lado do Atlântico. A uruguaia Clotilde Luisi, perguntando-se quem formava essa retaguarda, esse verdadeiro exército, guardião da alma espiritual do povo, respondia: os homens de ciência, professores, artistas plásticos, atores, escritores e poetas.
Em contraste, para a autora, a solidariedade dos brasileiros aos republicanos espanhóis não contou com a formação de entidades dedicadas especialmente a tal finalidade. Contando com a permanente repressão do governo Vargas, a solidariedade republicana apenas pode tomar corpo por meio de matérias divulgadas na imprensa antifascista e assim mesmo com restrições em vista da censura. Segundo o escritor Álvaro Moreyra, a morte de Garcia Lorca foi noticiada pelos jornais brasileiros com seis meses de atraso em outubro de 1937. De qualquer forma, a Revista Acadêmica foi a publicação brasileira mais empenhada no apoio aos republicanos. Após a vitória dos nacionalistas, expressou a dor da derrota e a consciência dos limites do papel do intelectual por meio de um artigo de Emil Fahrat: “Nossa dor é maior do que a tua, Espanha, porque fomos vencidos sem termos entrado na luta. Perdão Espanha pelo que não fizemos por ti.”
Apesar de atestar o vigor do antifascismo dos países do Cone Sul, o livro se encerra com a melancólica constatação do fracasso do movimento. Por um lado, os intelectuais desmobilizaram-se em razão do Pacto Germano-Soviético e da sua subordinação à Política da Boa Vizinhança. Além disso, eles se mostraram incapazes de enfrentar as medidas autoritárias dos governos brasileiro, argentino e uruguaio. Talvez seja um quadro por demais pessimista que poderia ser repensado se relacionado ao processo mais amplo de construção da democracia na América Latina. Sabe-se que a formação de uma cultura democrática, pluralista e defensora de direitos humanos básicos nos países latino-americanos é um fato inegável da sua história contemporânea. Porém, sob inúmeros percalços, não se manifestou de forma linear e nem da noite para o dia, constituindo antes um processo ainda inconcluso.
O exame do movimento antifascista sugere que ele contribuiu decisivamente para desenvolver uma cultura democrática que serviu de suporte para combater o autoritarismo em suas várias modalidades depois da Segunda Guerra Mundial. Por sua vez, a cultura política frentista, por vezes tão mal compreendida, pode ter justamente no antifascismo uma das suas raízes mais fecundas na América Latina.
Referências
OLIVEIRA, Ângela Meirelles. Palavras como balas. Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939). São Paulo: Alameda, 2015. [ Links ]
2Como citar: OLIVEIRA, Ângela Meirelles. Palavras como balas. Imprensa e intelectuais antifascistas no Cone Sul (1933-1939). São Paulo: Alameda, 2015. Resenha de BEIRED, José Luis Bendicho. Para compreender o antifascismo na América Latina. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, v. 19, n. 37, p. 226-231, jan./abr. 2018. Disponível em: <www.revistatopoi.org>.
José Luis Bendicho Beired – Professor da Universidade Estadual Paulista. E-mail: jbbeired@assis.unesp.br.
Raízes do conservadorismo brasileiro: a abolição na imprensa e no imaginário social | Juremir Machado da Silva
Em linguagem ágil, narrativa vertiginosa, Juremir Machado da Silva, em 38 capítulos, leva o leitor às páginas de jornais que interpretavam os significados dados por autores de notícias acerca do dia da abolição definitiva da escravidão no Brasil, e também eventos variados que ajudariam a compreender o 13 de maio de 1888. Contudo, os capítulos, cuja organização não compreendi o sentido, falam de tudo um pouco em termos de notícias da defesa ou ataque ao regime escravista. Como o livro não tem uma hipótese a ser trabalhada, uma questão a ser respondida, então, o leitor se depara com um circuito aberto de idas e vindas a jornais do século XIX: notícias sobre escravidão e situações ocorridas em anos posteriores, como o golpe militar-empresarial de 1964, e a ditadura então instalada, constituem boa parte do estilo narrativo da obra. Comentários para lá de genéricos e senso comum completam o quadro, como o da abertura do capítulo dezesseis: Leia Mais
Entre a letra e a tela. Literatura, imprensa e cinema na América Latina (1896-1932) – GÁRATE (A-EN)
GÁRATE, Miriam. Entre a letra e a tela. Literatura, imprensa e cinema na América Latina (1896-1932). Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2017. Resenha de: MORALES, Hernán. América Latina em alguns itinerários e cruzamentos. Alea, Rio de Janeiro, v.20 n.1, jan./apr. 2018.
Yo evito el testimonio real, porque me desagradan los confesionarios y esa objetividad eclesiástica del periodismo acusete. Pero tampoco podría negar mi origen y lo evoco en la escritura, travestido, multiplicado en un tornasol engañador. La verdad no me interesa: es paja estancada y filosófica. Como dice Serrat: la verdad no tiene remedio. (LEMEBEL In: SCHAFFER, 1998, p. 58)
(…) Deve ser coisa importante, pois ouvi a campainha tocar várias vezes, uma a caminho da porta e pelo menos três dentro do sonho. Vou regulando a vista, e começo a achar que conheço aquele rostro de um tempo distante e confuso. Ou senão cheguei dormindo ao olho mágico, e conheço aquele rosto quando ele ainda pertencia ao sonho. Tem a barba. Pode ser que eu já tenha visto aquele rosto sem barba, mas a barba é tão sólida e rigorosa que parece anterior ao rostro. (BUARQUE, 1991, p. 7)
Em um artigo publicado sob o título de La crónica, una mirada extrema2, que poderia servir como preâmbulo a esta resenha, Martín Caparrós reflete sobre esse gênero que complexifica não somente a literatura – mas as artes em geral – e em especial a literatura latino-americana, em função de tensões e desencontros da Modernidade. América é crônica, sustenta Caparrós, vinculando seu olhar a tensões assinaladas por Cornejo Polar, Rama, Pizarro e Santiago a propósito de um espaço de definição que alterna a adaptação entre o conhecido e o não-conhecido, evidenciando matrizes conflituosas. A crônica é um exercício recorrente de estranheza que marcou o processo identitário dos habitantes destas latitudes. Por isso as vozes que nela se manifestam “não mostram mas, antes, evocam, refletem, constroem, sugerem”, gerando um estado de crise. Trata-se de textualidades polimorfas que evidenciam as vantagens de recriar modos de contar e formas singulares de perceber o entorno, em um exercício que tem a intenção de “despertar” o leitor. São discursos nos quais o olhar se detém em um objeto configurado como busca, porque a escrita converte-se numa prática dos limites que transcende o foco jornalístico e consegue trazer para o primeiro plano o que normalmente fica oculto, o que não se vê à primeira vista e necessita ser nomeado. Parece tratar-se de uma reinvenção do espaço latino-americano que em alguns narradores contemporâneos (como Alma Gillermopietro, Elena Poniatowska, Juan Villoro, Pedro Lemebel, Carlos Monsiváis, entre outros), torna-se uma obsessão, marcada pelo exercício político que supõe a confrontação entre o sujeito e seu entorno.
Por essa razão, não é estranho que Miriam Gárate recorra ao liminar expresso pela preposição “entre”, com o objetivo de estudar as relações fundadoras do cinematógrafo com a literatura e a imprensa na América Latina, propondo um olhar que se debruça sobre as crônicas que circularam no México, no Chile, no Brasil, no Peru e na Argentina, entre outros países, em finais do século XIX e princípios do XX. Ao longo de mais de 200 páginas, a autora oferece, por meio de uma ensaística impecável, sustentada com grande rigor crítico, uma abordagem das relações imbricadas no discurso de recepção do cinema, que privilegia o gênero crônica no período delimitado pelo título (1896-1932), evidenciando o interesse em revisar o impacto causado pelo novo espetáculo. A partir dessa perspectiva singular, Entre a letra e a tela conecta a literatura, a imprensa e o cinema revisitando o olhar perscrutador dos cronistas, reenviando ao endereçamento do olhar destacado por Caparrós enquanto característica fundamental da crônica por contraposição à notícia.
Através da “retórica do passeio” (RAMOS, 1989), o leitor é convidado a participar de um percurso que, na Introdução, demarca um posicionamento baseado no estudo minucioso da circulação dos modos de percepção do cinematógrafo, expressos em jornais e revistas das áreas geo-culturais recortadas. É um tipo de análise, segundo frisa Miriam Gárate, que toma distância a respeito da aproximação “literatura – cinema” com foco no problema da adaptação, tradicionalmente centrado no jogo entre “fidelidade/infidelidade”. Em vez disso, na viagem proposta, aborda-se um fenômeno que é simultaneamente jornalístico, estético e literário, cifrado pela crônica, esse gênero que, pode-se dizer, está na base do processo de formação cultural das nações americanas.
No primero capítulo, “Os escritores-cronistas vão ao cinematógrafo”, a forma de modelar os materiais se consolida através do substrato: retórica da viagem, por isso a referência a Ramos e o resgate de vozes centrais como as de Manuel González Prada (Peru), José Martí (Cuba), Manuel Gutierrez Nájera (México), Luis Urbina (México-Espanha), Coelho Neto (Brasil), Olavo Bilac (Brasil), Ruben Darío (Nicaragua), Amado Nervo (México), José Juan Tablada (México-EEUU), Enrique Gómez Carillo (Guatemala-França), João do Rio (Brasil), para mencionar somente alguns. Neles, Gárate observa a recriação de uma estilística que evidencia o deslocamento das crônicas do jornalístico para o literário, daí o entre-lugar, fato que também influi no nascimento de um novo profissional que se consolida ao mesmo tempo que os textos que recriam o impacto suscitado pelo cinematógrafo: o repórter. Destaca-se, nesse sentido, algo que já fora assinalado por outros estudiosos: “a cultura moderna foi ‘cinematográfica’ antes do cinema”; e talvez seja por esse motivo que o olhar dos cronistas pôde transitar rapidamente do assombro para a reflexão crítica.
Nas crônicas examinadas no primeiro capítulo, acompanhamos as primeiras viagens. “El cinematógrafo” (1896), de Urbina, e “Moléstia de época” (1906), de Olavo Bilac, descrevem a percepção do fenômeno cinematográfico por meio de construções discursivas que patenteiam o fascínio exercido, através de referências à “máquina milagrosa” ou ao “aparato prodigioso”, deslumbramento que se reitera na crônica do mexicano José Juan Tablada, “México sugestionado: el espectáculo de moda” (1906) e em “En el cine” (1913), de Ramón López Velarde. São essas considerações que desdobram, no segundo capítulo, as reflexões críticas sobre a linguagem cinematográfica, envolvendo relações com outros gêneros como o teatro e o romance.
Em “Os escritores-críticos se debruçam sobre o cinema”, segundo capítulo, Miriam Gárate enfatiza o interesse das primeiras críticas/crônicas pelo cinema narrativo e os diversos modos de lê-lo. Desponta, então, uma questão muito estudada – por isso a recuperação de vários teóricos do cinema, dentre os quais Béla Balázs -, de modo a desvelar como os filmes se constroem e as características da linguagem cinematográfica do período. Como afirma Gárate, “a linguagem cinematográfica transparente (Xavier, 1984) disputa com as outras artes a expressão de uma subjetividade inicialmente reservada [imaginariamente reservada] à palavra” (GÁRATE, 2017, p. 10). As relações com outras práticas artísticas como o teatro são evidencia disso. Em “Da ‘estética da ação’ à estética da subjetivação”, subtítulo de uma das seções do segundo capítulo, delineia-se um percurso que elucida as unidades imbricadas na linguagem em processo de construção e, simultaneamente, a individualização que afasta o cinema das outras artes: o primeiro plano, o enquadramento, a montagem. A autora contrapõe a visão preconceituosa de Urbina, para quem “o cinema jamais nutrirá a cultura nem aperfeiçoará o espírito como o faz o livro”, à perspectiva de Torres Bodet, para quem a câmera em A última gargalhada (1924) de Murnau é um “objeto pensante”, pois “sonha”, ou, nas palavras de Bálaz, dá forma a um “pensamento ótico”. O contraponto põe em cena o debate entre espetáculo/cultura e refrata as tensões descobertas nessa viagem.
O terceiro capítulo, “O retorno do pleito mimético”, recupera as discussões suscitadas a respeito das transformações nas práticas culturais e sociais produzidas pelo cinema. São relembrados aspectos negativos, percebidos pelos cronistas em relação à possível influência dos filmes que encenam crimes. Para alguns deles, “o efeito pernicioso do novo espetáculo reside na vivacidade das peripécias que mostram [ensinam] os meios e modos de delinquir” (GÁRATE, 2017, p. 99). Daí a proibição aos jovens de frequentar filmes que pudessem levá-los a copiar tais atos, defendida em numerosos escritos. As crônicas revelam em seus títulos essa crença arraigada. “Moralidad, criminología… Lo de siempre. La Razón contra el cinematógrafo” (1919). Repercutem, assim, frases dos próprios jornais, como: “Não acreditamos que a fita torne melhores ou piores os criminosos, mas sim acreditamos que lhes forneça lições e os prepare para o delito, dado que a exibição cinematográfica estimula e exalta a imaginação” (La Razón, 1919, apud GÁRATE, 2017, p. 100). Ao mesmo tempo, e com base no mesmo pressuposto mimético, o cinema se torna um meio de instrução através do qual se oferecem uma formação moral, uma escola do bom gosto e uma “educação pelo olhar”, como é possível ler na crônica de Horacio Quiroga, “El cine en la escuela: sus apologistas” (Caras y Caretas, 1920). Um fato que transforma algumas salas, como a Fémina, de Lima, em lugares destinados à instrução de garotas e senhoras, fenômeno referido em crônica recuperada por Ricardo Bedoya, estudioso do cinema peruano, citado por Gárate. Por outro lado, o cinema também se torna o espaço da sedução e das paixões, como atestam alguns escritos de Urbina (“El cine y el delito”, 1916), de Lima Barreto (“Amor, cinema e telefone”, 1920) ou de Francisco Zamora (“El cine y la moralidad”, 1919), todas amostragens dessa dúbia pulsão didática, que se evidencia ainda com mais clareza em “El cine y las costumbres” (1931), do argentino Roberto Arlt, ou nas menções aos “problemas entre os sexos” feitas pelo mexicano Carlos Nogueira Hope em “Vanidad de vanidades” (1919).
No capítulo “Os ‘latinos’ viajam a Hollywood”, a autora aborda a experiência de viagem à cidade cinematográfica por antonomásia como dado significativo que acompanha, entre os anos de 1920-1930, o desenvolvimento da cinematografia estadunidense. Para focar esse aspecto, são escolhidas as narrações “Una aventura de amor” (1918), publicada com o pseudônimo de Boy, “Miss Dorothy Phillips, mi esposa” (1919) de Horacio Quiroga, “Che Ferrati, inventor” (1923) de Carlos Nogueira Hope e “Hollywood: novela da vida real” (1932) de Olympio Guilherme. Sustenta Gárate:
são narrativas que se estruturam ao redor desse motivo [a viagem a Hollywood], assim como una série de outros tópicos comuns: o desvendamento das regras que vigoram nos grandes estúdios bem como de pormenores técnicos e truques de rodagem; o retrato de tipos que se consolidam por esses anos (a flapper, o latino sedutor, o rastaquera); a relação mimética das personagens com modelos propostos pelo cinema (aparência física, atitudes, sentimentos); o enredo amoroso (também ele estreitamente vinculado ao imaginário cinematográfico, o que resulta no entrelaçamento e no revezamento constantes dos registros da ‘vida’ e do ‘filme’); o vínculo afetivo espectador-estrela; o tema do doublê” (GÁRATE, 2017, p. 127).
Nos dois primeiros títulos (“Una aventura de amor” e “Miss Dorothy Phillips) , encena-se uma experiência que propicia o “cancelamento provisório da realidade imediata”, estabelecendo a viagem não apenas como deslocamento à capital hollywoodiana, mas como translação da vida diurna à da fantasia provocada pela escuridão da sala e pela construção da linguagem fílmica. Isso permite estabelecer uma analogia com o par vigília/sonho, desenvolvido pela autora com o auxílio das teorizações de Mauerhofer (1966), Jean-Louis Baudry (1970) e Christian Metz (1979).
As personagens que povoam esse conjunto de relatos cristalizam uma galeria de estereótipos que reenvia ao jogo instaurado entre ficcional e “real”. Nela, exibem-se os latinos que se lançaram à vida cinematográfica estadunidense: o pobre-diabo representado pelo argentino Guilhermo Grant, o mexicano Federico Granados no papel do latino fogoso, etc. Muitos deles são contemplados nesse quarto capítulo do livro, seguindo um percurso no qual a autora mostra como se configuram nas narrativas as operações que fazem parte da linguagem cinematográfica e implicam uma transferência de códigos para o texto escrito: o recurso gráfico à linha de pontos enquanto sucedâneo do corte/montagem invisível na narrativa de Quiroga, a fórmula fade in para intitular as palavras preliminares no romance de Guilherme, etc. Tais procedimentos são examinados ao longo de “Os latinos viajam a Hollywood” por meio de uma análise que evidencia a perspicácia com que Gárate consegue suturar ambas as linguagens.
Por fim, no quinto e último capítulo do livro, intitulado “Documentários de papel/Crônicas de celuloide”, a autora retoma a problemática demarcada inicialmente, com base na hipótese de que durante as últimas décadas do século XIX e princípios do XX, os escritores latino-americanos estabeleceram uma relação estreita e conflituosa com a imprensa tendo na crônica uma de suas manifestações mais significantes. Isso conduz Gárate a enfocar algumas realizações experimentais, entendidas como a cristalização vanguardista das relações exploradas ao longo de seu texto: as crônicas de Antônio de Alcântara Machado reunidas em Pathé-Baby (1926) e o filme de Alberto Cavalcanti, Rien que les heures (1926). A autora recupera, então, o eixo principal de seu percurso: a retórica do passeio, sustentando que a aparição do cinema propiciou uma triangulação entre imprensa, crônica e cinema, dando lugar ao nascimento de expressões híbridas tais como as Atualidades cinematográficas, as Cine-revistas e os Cine-jornais, por um lado, e a adoção de títulos como Kinetoscópio, Cinematógrafo, Vitascópio ou Cinema da vida em colunas cronísticas, por outro. Miriam Gárate também destaca o papel assumido pelo cinema clássico no século XX enquanto “máquina de contar histórias”, espécie de permutação ou troca de funções desempenhadas pela literatura do século XIX e pelo romance-folhetim. A exposição revela o interesse em desentranhar como se processa uma mudança radical nos textos da época, decorrente de deslocamentos nos âmbitos do jornalismo, da crônica, do romance e do cinema, sinalizando uma ruptura de categorias de gênero na qual primam as tensões. Por isso, compreende-se que Gárate se pergunte no final do volume, aludindo à imagem da “vendedora de jornais” estampada na capa do livro, e como um modo de ecoar sua reflexão, tentando descobrir o que está além da lente do olho mágico: “Rien que les heures: uma crônica de celuloide?”
Referências
BUARQUE, Chico. Estorvo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1991. [ Links ]
CAPARRÓS, Martín. La crónica: una mirada extrema. Diario La Nación, setembro de 2007. Disponível em: <http://www.lanacion.com.ar/943086-la-cronica-una-mirada-extrema>. [ Links ]
GÁRATE, Miriam. Entre a letra e a tela. Literatura, imprensa e cinema na América Latina (1896-1932). Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2017. [ Links ]
RAMOS, Julio. Desencuentros de la modernidad en América Latina. México: Fondo de Cultura Económica, 1989. [ Links ]
SCHAFFER, M. Pedro Lemebel. La yegua silenciada. Revista Hoy, n. 1072, fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.memoriachilena.cl/archivos2/pdfs/MC0044778.pdf>. [ Links ]
Notas
1 Resenha de: GÁRATE, Miriam. Entre a letra e a tela. Literatura, imprensa e cinema na América Latina (1896-1932). Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2017.
2 Em: <http://www.lanacion.com.ar/943086-la-cronica-una-mirada-extrema>.
Hernán Morales. Professor na Universidad Nacional de Mar del Plata. Seus temas de pesquisa são a música e a literatura hispano-americana e brasileira, com uma ampla participação em livros e revistas acadêmicas da área. E-mail: hhjjmorales@gmail.com.
[IF]
Imprensa e escravidão: Política e tráfico negreiro no Império do Brasil (Rio de Janeiro, 1822-1850) – YOUSSEF (RH-USP)
YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão. Política e tráfico negreiro no Império do Brasil (Rio de Janeiro, 1822-1850). São Paulo: Intermeios/ Fapesp, 2016. Resenha de: OLIVEIRA, Felipe Garcia de. A escravidão na imprensa: política antiescravista. Revista de História (São Paulo) n.177 São Paulo 2018.
O debate em torno das políticas e ações que levaram ao fim o tráfico negreiro e decretaram a abolição ainda é um tema caro aos historiadores da atualidade. Não à toa, nos últimos anos, foram publicados alguns livros que refletem sobre a importância da lei de 1831, a atuação dos abolicionistas, bem como sobre a pressão inglesa e a agência escrava no século XIX para o fim do tráfico por meio das revoltas e das ações judiciais.
É dentro destas discussões que o livro ora resenhado se insere. Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (Rio de Janeiro, 1822-1850), é resultado da pesquisa de dissertação de mestrado (de 2010) de Alain Youssef apresentado à Universidade de São Paulo (USP). O autor buscou, a partir do uso sistemático de jornais, panfletos e obras políticas, discutir e apresentar os embates que o trato negreiro e a escravidão ocuparam na imprensa do Rio de Janeiro no período entre 1822 e 1850. Defendendo que a imprensa se apresentou como lócus privilegiado para a questão, Youssef comprova que, ao contrário do consenso de que o tráfico e a escravidão não teriam sido temas nos periódicos, o assunto foi abertamente debatido. A questão não somente foi alvo de debate como também de atuação política, à medida que ideias eram apresentadas primeiramente no parlamento, depois amplamente defendidas e divulgadas na imprensa e, por fim, lidas e discutidas nos espaços de sociabilidade.
O livro é dividido em cinco capítulos, cuja narrativa é clara e demonstra os movimentos políticos e suas modificações. Os capítulos apresentam a exposição de muitas das fontes consultadas, o que permite ao leitor um contato maior com as mesmas.
No primeiro capítulo, o autor localiza seu objeto de interesse dentro de um cenário mundial de transformações que ocorreram na segunda metade do século XVIII e primeira metade do XIX, no sistema atlântico do noroeste europeu.2 O livro, de início, faz uma apresentação minuciosa, demonstrando as particularidades de cada unidade de análise e as conexões entre elas. Neste sentido, demonstra como na Grã-Bretanha, França, Espanha e Portugal, o questionamento acerca do trato negreiro e mesmo da escravidão, ainda que com suas particularidades, esteve vinculado ao desenvolvimento da imprensa e da emergência de novas formas de sociabilidade. Ele analisa, igualmente, como estas reverberaram nos espaços coloniais dos mencionados impérios – Estados Unidos, Haiti, Cuba e América portuguesa -, abordando, então, como os vários agentes sociais utilizaram a imprensa para colocar em pauta o tema da escravidão e do tráfico de africanos. O autor busca dar conta de um universo amplo de informações sem, contudo, desconectar os distintos processos históricos que ocorreram nos vários espaços que estavam interligados entre si e com a América portuguesa.
Ao focar sua análise em seu objeto de estudo propriamente dito, o Rio de Janeiro, o autor destaca que a imprensa não era “um corpo estranho” no espaço colonial (p. 56). Foi, no entanto, a partir do impacto que a chegada da família real trouxe para as práticas culturais de leitura e da criação da imprensa régia, ponto de mudança importante em sua análise, que ocorreu o desenvolvimento da mesma. Ainda naquele momento, a censura promovida pela imprensa régia impossibilitou a criação de uma opinião pública de tipo moderno (p. 66), algo que mudou com o constitucionalismo vintista português introduzindo a liberdade de imprensa em todo o Império. Assim, o número de periódicos passou a crescer tanto em Portugal como no território da América portuguesa, implicando em uma maior circulação de periódicos e de ideias dentro e entre estes espaços. A partir desse alargamento ocorreram condições para o emergir e a legitimação de uma opinião pública ainda que marcada pelo hibridismo. Somente a partir disso, a escravidão passou a ser politizada a tal ponto que a revolta de São Domingos foi utilizada e apresentada nos periódicos de forma diversa tanto pelos que eram favoráveis ao retorno do monarca português quanto por aqueles que queriam sua permanência.
O segundo capítulo tem o recorte que vai da independência do Brasil em 1822 até a promulgação da lei de 1831 (primeira lei de proibição do tráfico negreiro). O autor demonstra que o primeiro texto que abriu o debate defendendo que a escravidão deveria ser extinta de forma gradual foi publicado no final de 1822. Ainda naquele período era pequeno o número de periódicos que defendiam o fim do tráfico e da escravidão. Para Youssef, a explicação estaria na atuação política de José Bonifácio que, por meio da imprensa, buscava convencer e mesmo preparar o público para o debate em torno da escravidão que aconteceria na Assembleia Constituinte.
Novamente, ao buscar estabelecer conexões entre os espaços, o autor menciona o impacto da Revolta de Demerara (1823) levando os abolicionistas britânicos a defender no parlamento e na imprensa da Grã-Bretanha o fim da escravidão. Este momento de intensificação, por sua vez, reverberou no Brasil, culminando na assinatura do tratado antiescravista de 1826-1827. A partir das fontes, constata-se que os textos sobre este tratado tiveram amplo espaço na imprensa brasileira e que, se num primeiro momento foi visto com bons olhos, após sua assinatura passou a ser uma via de crítica contra d. Pedro I. Nesse sentido, os jornais passaram a estar cada vez mais imbricados com a política, acompanhando em suas publicações a “lógica interna do parlamento” (p. 101). Para o autor, até a abdicação, as diversas críticas direcionadas ao monarca, intensificadas após 1826, e as poucas publicações em sua defesa podem asseverar que a assinatura do tratado foi um dos motivos que contribuiu para sua perda de apoio político. Retomando um debate ainda importante da historiografia do século XIX, alinhado a autores como Beatriz Mamigonian e Tâmis Parron, o autor defende a impossibilidade em tomar a lei de 1831 como “lei para inglês ver”, pois, considerando que os periódicos passaram a colocar em pauta projetos que abordaram o que deveria ser feito após a extinção do tráfico e mesmo com o possível fim da escravidão, haveria uma certeza de que o tráfico acabaria.
O terceiro capítulo aborda o período pós abdicação até 1835. Os primeiros anos da regência são marcados pela euforia política e pelo alargamento dos espaços públicos, na medida em que ocorreu a fundação de várias associações e jornais fundamentais para os debates, para a conquista de público e mesmo para a definição de atuação política dos grupos de oposição ao monarca. Naquele momento, tais grupos eram os partidos dos liberais moderados, liberais exaltados e restauradores (caramurus). Ao assumirem o poder, os liberais moderados empreenderam medidas para dar fim ao tráfico e, embora não fossem capazes de acabar com ele, tais medidas não podem ser vistas como um fracasso completo. Uma delas foi a descentralização do Judiciário concedendo mais poder ao juiz de paz que passaria a dar liberdade aos africanos escravizados ilegalmente e a punir os responsáveis.
Reavaliando o impacto da Revolução de São Domingos no Brasil, Youssef destacou que, diferentemente dos efeitos que ocorreram em outros países escravistas – Estados Unidos e Cuba -, o haitianismo era muito mais uma retórica utilizada para fins políticos de defesa ou oposição aos moderados. Ao longo do capítulo, o autor tenta perceber o impacto de algumas revoltas do período. Analisando o levante dos malês (1835) conclui que, de fato, ele foi capaz de reacender as ideias antiescravistas, mas que foi por um período curto, não perdurando mais que quatro ou cinco meses (p. 168). No mais, este evento não teria servido como impulso político para que um grupo tomasse medidas eficientes contra o trato negreiro, ainda que propostas fossem apresentadas em âmbito municipal e nacional.
Para o autor, o levante dos malês e os boatos de várias revoltas escravas possibilitaram um temor mais concreto em relação ao haitianismo. No entanto, dado o clima político, estes eventos deram base para a formulação de críticas a uma ala dos moderados, pois a política empreendida por Feijó e Evaristo estaria, segundo os críticos, levando o país à ruina (p. 169). Vale ressaltar que não somente os adversários tiraram proveito da situação; os partidários utilizaram o discurso de medo do haitianismo para defender suas posições, o que fez com que os oposicionistas acabassem abandonando a retórica. Neste sentido, os eventos e mesmo o temor que era espalhado passou da crítica à propaganda política, sendo uma “peça no jogo político” (p. 174). O autor conclui, portanto, que a imprensa teve um peso importante para a propagação desse medo do haitianismo neste momento regencial, propagação esta que, segundo suas hipóteses, teria contribuído para a vitória de Feijó.
Até 1834, nenhum jornal defendia a continuidade do tráfico. Entretanto, o autor demonstra que a defesa do trato negreiro e da escravidão passou aos poucos a ocorrer quando o campo cafeeiro ganhou força, momento em que a economia mundial estava se reorganizando, e, também, com as dissidências e disputas políticas dentro dos partidos. No final de 1834, Feijó escreveu um artigo defendendo abertamente, pela primeira vez, a continuidade da escravidão e a revogação da lei de 1831, o que mais tarde ganhou força e ajudou em sua eleição. Neste sentido, as modificações na configuração econômica e política propiciaram o retorno da defesa do tráfico e da escravidão, ponto analisado com mais afinco na sequência.
O quarto capítulo aborda o período de 1835 a 1840, discutindo como a imprensa teve papel fundamental na propagação das ideias regressistas para a reabertura do tráfico. Após a posse de Feijó, as medidas contra a escravidão permaneceram baseadas na política moderada, apesar de este ter defendido a revogação da lei de 1831 durante a campanha. Os regressistas colocaram em pauta a reforma do código do processo criminal de 1832, a reinterpretação do ato adicional de 1834 e a revogação da lei de 1831. Segundo o autor, as duas primeiras questões incidiam em uma tentativa de maior centralização diretamente sobre o Judiciário.
Para conseguir suas pautas, parte dos regressistas atuou politicamente por meio da imprensa, principalmente na implementação de uma política do contrabando negreiro (p. 182). Neste sentido, articulados com os fazendeiros, defendiam a entrada de africanos e a proteção da posse ilegal dos que por lei eram livres. Foi na imprensa, como já mencionado, que a agenda dos regressistas trouxe a continuidade do trato negreiro a partir de 1835. Com a saída de alguns periódicos que eram contra a continuidade do tráfico e com o avanço das publicações a favor, a opinião dos regressistas aliados aos fazendeiros avançou, ao ponto de, após 1836, a oposição ficar em silêncio. Assim, eles utilizaram a imprensa para publicizar suas propostas de reabertura do tráfico e para informar medidas que relaxavam as punições contra os traficantes. Os periódicos teriam, segundo o autor, possibilitado que a letra da lei contra o tráfico fosse considerada morta. A lei, apesar de não ser abolida, não era obedecida. Desse modo, o contrabando passou a operar em nível sistêmico (p. 201).
O autor questiona a ideia historiográfica de que a continuidade do tráfico ilegal pode ser explicada a partir das políticas liberais de descentralização do Judiciário, à medida que muitas vezes os juízes de paz – eleitos – eram fazendeiros e, portanto, teriam atuado pela continuidade, ponto que tem sua origem entre os coevos do século XIX. Para o autor estas análises baseadas principalmente em âmbito local ou na atuação do juiz de paz não conseguem responder completamente à pergunta. Em sua perspectiva, um exame mais amplo das dinâmicas econômicas, sociais e políticas daria respostas melhores e ajudaria a entender porque o tráfico atingiu seu maior número logo após a medida de centralização dos conservadores. Desse modo, ele acredita que, apesar de não podermos deixar de lado a questão local, os processos amplos que possibilitaram o surto cafeeiro e a continuidade do tráfico precisam considerar a articulação na imprensa e no parlamento dos políticos regressistas com os fazendeiros.
Ao verificar a importante função que a imprensa possuía já no século XIX, Youssef questiona a noção historiográfica que colocou no Estado ou na Coroa o papel principal de conformador da sociedade Ele aponta que, apesar de não ter dados empíricos para verificar a formação de uma classe social de fazendeiros que usou a Coroa para seus fins, havia uma relação forte entre os políticos e plantadores do centro-sul do país que informou a continuidade do tráfico e sua defesa. Considerando a imprensa como “umas das organizações privadas” que constitui a sociedade, ele afirma que ela foi importante para a direção e defesa do Regresso.
O quinto e último capítulo aborda o papel da imprensa no período de 1841 até 1850. Discutindo o peso das posições acerca do tráfico negreiro na “diferenciação e na consolidação dos dois partidos durante os primeiros anos do Segundo Reinado” (p. 241), o autor aponta que as críticas feitas nos periódicos ajudaram na consolidação e na diferenciação, ocorrendo em um momento de crescimento maior da produção de café, ao mesmo tempo em que a pressão inglesa aumentou. O autor defende que a pressão britânica foi fundamental para que o debate do tráfico viesse à tona na década de 1840. Momentos como o vencimento de acordos feitos ainda no Primeiro Reinado (1840) fizeram emergir propostas e críticas contra a possibilidade de novos acordos com os ingleses; a bill Aberdeen (1845), apesar de eficaz no início, não conseguiu acabar com o tráfico e foi utilizada pelos saquaremas para retomar suas ideias escravistas; e, por fim, a abolição do tráfico reativou as discussões diplomáticas entre brasileiros e britânicos por conta da bill Aberdeen.
Em sua análise, o autor aponta que as revoltas e as conspirações escravas tiveram papel importante para reacender o debate acerca do tráfico na imprensa, ainda que por pouco tempo. Em vista disso, ele defende, reafirmando uma ideia já apresentada na historiografia, que não foi a agência escrava ou a febre amarela, mas “só a intensificação da pressão britânica foi capaz de impelir as Saquaremas rumo à abolição” (p. 279). Argumentou que um dos mais importantes jornais saquaremas publicou propostas para uma gradual abolição e para a regulamentação dos africanos escravizados ilegalmente após 1831, o que informava aos senhores de escravos que, com o fim do trato, o número de escravos não seria reduzido.
Neste momento próximo ao fim do trato, conservadores e liberais buscaram defender que suas ideias políticas contra ou a favor do tráfico e da escravidão fossem formuladas a partir da “opinião pública”. Ao postularem a ideia de “opinião pública”, os saquaremas acabaram despolitizando a defesa que faziam do contrabando, relegando a culpabilidade por quase 20 anos de escravidão ilegal à “opinião pública”, algo que foi acolhido pela historiografia do século XIX, mas que o livro, de forma incisiva, cuidadosa e brilhantemente matiza por meio dos jornais, demonstrando como os saquaremas tiveram papel na reabertura, no fim do trato negreiro e, mesmo, no projeto de um Brasil com sistema escravista, como permaneceu.
O livro é denso e muito bem escrito. Sua narrativa consegue apresentar a relação da sua unidade principal de análise com as outras. No mais, sua leitura evidencia o quanto a imprensa, desde há muito, é utilizada como palco político.
Referências
BERBEL, Marcia Regina; MARQUESE, Rafael de Bivar; PARRON, Tâmis. Escravidão e política. Brasil e Cuba, c.1790-1850. São Paulo: Hucitec, 2010. [ Links ]
2 BERBEL, Marcia Regina; MARQUESE, Rafael de Bivar; PARRON, Tâmis. Escravidão e política. Brasil e Cuba, c. 1790-1850. São Paulo: Hucitec, 2010.
Felipe Garcia de Oliveira – Mestrando em História pela Universidade Federal de São Paulo. Email: f.g.o.410@hotmail.com.
Armar el Bandido. Prensa, folletines y delincuentes en el Uruguay de la modernización: el caso de El Clinudo (1882 – 1886) | Nicolás Duffau
La investigación en la historia del delito y el castigo ha tenido notorios avances en las últimas décadas en buena parte de América Latina. Ello resulta particularmente notorio en países como Argentina, Chile y México. Especialmente desde los años noventa se registró un incremento de los trabajos que pusieron un fuerte hincapié en los estudios sobre las transformaciones de la prisión, el delito y la figura del delincuente. Sin embargo, en Uruguay estos estudios parecen seguir fuertemente vinculados a la historia más tradicional del derecho alejada de la historia social. Una “historiografía de corsarios”, por usar palabras de Pavarini, que llevó a que los estudios del delito y el castigo proviniesen esencialmente del “mundo jurídico” concentrándose fundamentalmente en el desarrollo de la administración de justicia o en las transformaciones legales. En consonancia son escasos los trabajos en Uruguay en la matriz que se ha venido desarrollando en el continente. El libro de Nicolás Duffau “Armar el bandido”, que toma la figura de Alejandro Rodríguez “El Clinudo”, rompe con las ataduras del enfoque jurídico convencional para concentrar sus preocupaciones en la historia social pudiendo ser incluido en lo que Carlos Aguirre ha llamado “Nueva historia legal”. Leia Mais
O sentido da luta contra o africanismo eurocentrista – OBENGA (CTP)
BITTENCOURT, Silvia. A cozinha venenosa. Um jornal contra Hitler. São Paulo: Três Estrelas, 2013. Resenha de: AGUIAR, Fábio Fiore. Münchener Post: o Periódico que Combateu o Nazismo. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 16, p. 80-82, maio/julho 2014.
Este livro de Silvia Bittencourt abre caminho para uma reflexão sobre a resistência alemã na imprensa contra o regime nazista. O livro trata do periódico Münchener Post, que durante as décadas de 20 e 30 do século XX combateu Hitler e seus correligionários durante a ascensão do regime nazista.
A autora conheceu o Münchener Post por meio do livro do jornalista Ron Rosenbaum, intitulado Para entender Hitler. Ela afirma que nesta obra, Rosenbaum faz um desafio para que algum alemão narre à história daqueles homens do Post. Ela aceita o desafio. Jornalista brasileira, mas morando a mais de 20 anos na Alemanha, Silvia Bittencourt realiza uma grande pesquisa nos arquivos do Münchener Post, e o resultado é o agradável livro A Cozinha Venenosa.
Em sua introdução, a autora chama atenção para o fato de ser uma história desconhecida, nunca relatada na história do jornalismo, sendo seu livro uma obra pioneira sobre os anos de resistência do Münchener Post ao regime nazista. A autora mostra que “a maioria dos netos e bisnetos dos redatores, colaboradores e advogados do jornal sabe muito pouco da atividade audaciosa, arriscada e persistente de seus avôs e bisavôsII”. Tal fato torna a pesquisa de Bittencourt ainda mais importante, pois muda a memória ou lacuna de esquecimento que se tinha sobre a resistência alemã em relação à ascensão nazista.
As décadas de 1920 e 1930 foram marcadas pela instabilidade política do pós-guerra, sendo uma época de radicalizações políticas, terreno em que Hitler e o NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães) encontrariam espaço para difundir suas ideias de ódio e seu antissemitismo. No entanto, ao contrário do que se sabia até o lançamento deste livro, o partido nazista encontraria forte resistência na imprensa, pela parte do jornal de esquerda, vinculado ao partido social-democrata, o Münchener Post.
Era um jornal local, circulava na cidade de Munique, tendo uma tiragem modesta. No início da década de 1920, chegou em sua melhor fase, “a rodar tiragens de 60 mil exemplares, com 12 páginas diárias. O Crash de 1929, entretanto, pôs tudo a perderIII”. O jornal foi empastelado, destruído pelos nazistas por duas vezes, na última, em 1933, após a tomada de poder pelos nazistas foi fechado de vez.
O Post foi o primeiro jornal a alertar sobre o perigo do discurso antissemita de Hitler e do NSDAP, e logo o elegeu como principal adversário político a ser derrotado. O Post estava ligado ao partido social-democrata, representando em suas páginas a luta e as bandeiras do partido. Da mesma forma, contudo, o partido nazista também utilizava a imprensa para divulgar seu programa de governo, através do periódico Völkischer Beobachter. Quando a SA (tropa de assalto nazista) destruiu a sede do Münchener Post, o jornal de Hitler noticiava: “A cozinha venenosa na Altheimer Eck foi demolidaIV”. Cabe dizer que o jornalismo deste tempo se difere em muito do praticado atualmente, que mesmo sendo influenciado por patrocinadores, não serve como plataforma política de um partido, ou ao menos não deveria.
Adolf Hitler se referia ao Münchener Post como Münchener Pest, ou “a cozinha venenosa”. “Cozinhar, no jargão da imprensa, é reescrever um texto já publicado. No caso do Post, Hitler dizia que o jornal preparava seus textos com venenoV”. E o Post era realmente sensacionalista, em uma época de extremos o mais importante é vencer o inimigo, os meios para isso não precisam ser os mais corretos. Assim, o Post publicava matérias sem realmente ter certeza de sua fonte de informação, de maneira sensacionalista o importante era flechar o golpe. Um caso citado por Bittencourt foi o ataque do Münchener Post a sexualidade do comandante da SA Ernst Röhm. Era de conhecimento geral que o líder das tropas de assalto nazista era homossexual, contudo não se haviam provas. No entanto chegaram às mãos do Münchener Post cartas que provavam a homossexualidade de Röhm. O Post se viu em um dilema, “era oficialmente a favor da descriminalização do homossexualismo. Para os jornalistas da Altheimer Eck, no entanto, a tentação de atingir uma das figuras mais próximas de Hitler falou mais alto do que o dilema moralVI”.
Após a tomada de poder pelos nazistas o Münchener Post foi destruído, e seus editores presos. Alguns conseguiram fugir da Alemanha e o regime nazista finalmente detinha exclusividade na divulgação de notícias. De acordo com Bittencourt, “até o final de 1936, entre quinhentas e seiscentas publicações desapareceram no país, fechadas pela horda nazistaVII”.
O livro traz um conjunto de fotografias da época e uma coletânea de algumas matérias publicadas pelo Post. Apresenta boa escrita, certamente uma leitura interessante e agradável.
O debate sobre a imprensa durante a Segunda Guerra é de interesse geral, assim como a obra de Silvia Bittencourt. Sua pesquisa pode clarear nosso presente, trazendo ao público uma história que ficou desconhecida, mas que sobremaneira não deveria. Atualmente não há no antigo prédio do Münchener Post uma placa ou homenagem aos jornalistas daquele jornal. O livro de Silvia Bittencourt vem fazer justiça àqueles homens que lutaram contra o regime nazista, um monumento em homenagem aos jornalistas do Münchener Post. É o tipo de história que vale a pena ser contada, que move o presente, e não só faz justiça aos jornalistas deste periódico, como acrescenta linhas de resistência à história alemã contra o regime nazista. “Quem passeia hoje pela Altheimer Eck, distraído, está desfrutando da herança deixada por aqueles homens, que nunca perderam a esperança na construção de uma Alemanha livre e pacífica”.8
Notas
2 BITTENCOURT, Silvia. A cozinha venenosa. Um jornal contra Hitler. São Paulo: Três Estrelas, 2013, pp. 9.
3 Ibidem, p. 16.
4 Ibidem, p. 144.
5 Ibidem, p. 13.
6 Ibidem, p. 232.
7 Ibidem, p. 238.
8 Ibidem, p. 308.
Referência
BITTENCOURT, Silvia. A cozinha venenosa. Um jornal contra Hitler. São Paulo: Três Estrelas, 2013.
Fábio Fiore de Aguiar – Mestrando em História pela UEL. Bolsista da CAPES.
Hipólito da Costa na Filadélfia (1798-1800) | Thais Buvalovas
Hipólito José da Costa é, sem sombra de dúvidas, fundamentalmente conhecido, lembrado e estudado por ter sido o fundador e editor do primeiro veículo de imprensa brasileiro. Apesar de intitulado Correio Braziliense, seu jornal mensal foi publicado em Londres, entre 1808 e 1822. Constitui uma espécie de depositário das ideias de seu criador e gestor, ancoradas essencialmente no liberalismo inglês. Por intermédio do Correio Braziliense, o autor mostrou-se contrário ao poder absoluto, militou pela liberdade de imprensa e de comércio e defendeu o trabalho livre.
A despeito de ter angariado fama com o jornal, as origens de algumas de suas práticas e ideias políticas (como as atividades maçônicas e os ideais abolicionistas) já estavam em desenvolvimento antes de sua atuação como periodista. Elas teriam emergido, ou ao menos se robustecido, durante uma viagem de três anos aos Estados Unidos, para onde partiu quando, aos 24 anos, acabara de se formar em Leis em Coimbra. É o que defende Thais Buvalovas, em Hipólito da Costa na Filadélfia (1798-1800), trabalho originalmente realizado como mestrado no Departamento de História da USP, em 2007, que agora a Editora Hucitec traz acertadamente a um público mais amplo, com sua veiculação em formato de livro.
A viagem de Hipólito aos Estados Unidos ocorreu como encargo da Coroa portuguesa, a mando de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Ministro da Marinha de Ultramar. Correspondia às funções de Hipólito da Costa reunir informações sobre a produção agrícola nos Estados Unidos, estudar métodos empregados na mineração, bem como observar a tecnologia usada na navegação dos rios e canais. Também foi incumbido de coletar exemplares da planta e inseto da cochonilha, para que fossem aclimatados no Brasil, mas para isso ele teria que viajar até a fronteira sul dos Estados Unidos e entrar clandestinamente em território mexicano.
A viagem estava situada no contexto da Ilustração, fonte de inspiração para as viagens científicas do século XVIII, por meio das quais estudiosos das nações europeias mais desenvolvidas buscavam investigar e catalogar os elementos da natureza em escala planetária. Também eram instigados por uma nova lógica de mercado, pautada pela busca de domínio comercial sobre importantes centros produtores de recursos naturais. Fazer parte do círculo das viagens científicas significava, de alguma maneira, integrar um processo de modernização que se espraiava pela Europa e que em Portugal vinha sendo fomentado na esteira das reformas pombalinas. Em suma, era preciso garantir o lugar neste circuito.
O périplo de Hipólito pelos Estados Unidos gerou uma gama de documentos, que constitui a base da pesquisa deste livro. Por ordem de importância, o principal documento utilizado é Diário de minha viagem para a Filadélfia, um caderno de anotações pessoais, no qual Hipólito da Costa narra sua estadia nos Estados Unidos, onde fixou-se na Filadélfia (então capital federal), passando também por outros lugares, como, por exemplo, Boston e Nova Iorque. O Diário narra a viagem de dezembro de 1798 a dezembro de 1799. Por razões ainda inexplicadas, não constam do documento as anotações relativas ao ano de 1800, período durante o qual ainda se manteve no país.
Além do Diário, a autora explora outras fontes, como as cartas de ofício, enviadas por Hipólito da Costa a autoridades de Lisboa, e um relatório sobre a viagem, intitulado Memória sobre a viagem aos Estados Unidos (1801). São documentos de naturezas distintas, ainda que todos se relacionem à viagem: o Diário é pessoal, uma escrita sem pretensões literárias ou acadêmicas; as cartas de ofício eram voltadas para superiores hierárquicos, assim como a Memória, ainda que esta guarde a peculiaridade de poder alcançar um público mais vasto.
Tal diversidade possibilitou a comparação entre os diferentes tipos de documentos, evidenciando contrastes nas informações, omissões e liberdades narrativas de um e outro lado, fato bastante enriquecedor numa investigação. Como mostra Luciana de Lima Martins, em O Rio de Janeiro dos viajantes (2001), a pluralidade da documentação contribui para que se obtenha como resultado de pesquisa uma visão menos homogênea, a que um acesso limitado a obras oficiais poderia levar. De acordo com esta autora, “anotações e imagens inacabadas” dos viajantes ajudam a trazer complexidade ao objeto estudado, mostrando diversificados ângulos, sobretudo por se tratarem de documentos “mais abertos e menos polidos”. (p. 38.) As discrepâncias identificadas por Thais Buvalovas nos documentos de Hipólito revelam os artifícios do autor para escolher o que podia ser publicado e relatado em âmbito oficial, e o que deveria ficar resguardado a um universo mais privado, pessoal.
Nesse sentido, um dos resultados centrais de Hipólito da Costa na Filadélfia foi evidenciar, por meio da análise das distintas fontes, que o autor não deu as mesmas informações sobre seus trajetos e ações nos diferentes papéis que produziu ao relatar a viagem. O confronto das fontes mostra certas inconsistências. O exemplo cabal disso se relaciona aos planos de viajar ao sul dos Estados Unidos e adentrar o território sob domínio espanhol. As cartas oficiais mostram uma pretensão nesse sentido, assim como a Memória, por meio da qual Hipólito afirma ter percorrido a região. Contudo, na leitura do Diário tal percurso parece não ter sido realizado. Isso leva a autora a desacreditar no roteiro oficial, que incluía tais viagens ao sul dos Estados Unidos e ao México. A consulta a catálogos de Botânica e a coleta de informações e espécimes na visita ao horto de um amigo naturalista da Filadélfia, teriam poupado o viajante de realizar este roteiro. Não se trata, entretanto, de um consenso. Segundo Neil Safier, em um capítulo sobre Hipólito da Costa em recente coletânea organizada por Bernard Bailyn e Patricia L. Denault (Soundings in Atlantic History, 2009, p.280), não é possível descartar totalmente a possibilidade de Hipólito da Costa ter cumprido tal trajeto, até que novas fontes sejam investigadas.
De qualquer maneira, a discussão que Thais Buvalovas faz em seu livro sobre as fontes é rica e interessante. A autora alerta que as inconsistências na Memória e nas cartas – documentos oficiais – “indicam que eles não refletiam a realidade dos fatos”. Por outro lado, o Diário revela “um esforço muito grande para encontrar alternativas e alcançar resultados em sua missão” (p.73). A despeito disso, a autora não trabalha com a perspectiva de que este seja mais “verídico” do que os primeiros. De acordo com Buvalovas, o Diário também “sonega dados” (p.24), não só em razão de ser uma escrita pessoal, não precisando, assim, esclarecer tudo, mas também porque tem intenção clara e deliberada de omitir nomes, fatos, opiniões, relacionamentos. Mesmo sendo um documento não oficial, está permeado por filtros, omissões e pela auto- censura (como as de motivações políticas).
Este exemplo é particularmente interessante para reforçar os questionamentos, presentes em trabalhos historiográficos contemporâneos, sobre a ideia de fidedignidade das fontes, independentemente do tipo de documento em questão. No caso específico da literatura de viagem, a relativização passa pela discussão do caráter extremamente ambíguo dessa documentação, que trafega entre a materialidade da experiência e a subjetividade do olhar. Para o estudioso que lida com esta fonte, tudo parece ser motivo para dúvidas, e o fato do viajante declarar ter visto, ouvido, sentido, experimentado, nem sempre é suficiente para garantir a credibilidade da narração. Com a viagem e o Diário de Hipólito da Costa não haveria de ser diferente.
Apesar de usar fontes diversificadas, o Diário pessoal de Hipólito da Costa é o documento primordial da pesquisa, que norteia o desenvolvimento dos capítulos, com exceção do primeiro – intitulado A serviço do rei – , que cumpre a função de apresentar as origens familiares e sociais do autor e o contexto histórico no qual se inseria. Neste primeiro capítulo a autora perfaz a trajetória do personagem desde o seu nascimento, na Colônia do Sacramento, em 1774, até se tornar agente da Coroa Portuguesa. Também procura analisar aspectos da história familiar de Hipólito, entremeada nos conflitos entre lusos e castelhanos. Em 1777, quando os portugueses foram expulsos de Sacramento, Hipólito da Costa tinha três anos. A família seguiu para o exílio em Buenos Aires e aí permaneceu até 1778, partindo para Rio Grande de São Pedro, onde Hipólito viveria até os 18 anos, antes de rumar a Portugal.
A respeito deste capítulo, cabe destacar a preocupação da autora em distanciar-se do modelo biográfico. Sua intenção não é saciar a curiosidade a respeito da vida do periodista (p.31-32). A pergunta norteadora no caminho que constrói para explorar as origens de Hipólito da Costa é de cunho social. A autora parece questionar a ideia, por demais geral e talvez banalizada, de que ele fazia parte da elite. Assim, tenta recompor historicamente as condições de vida de seus familiares: as dificuldades enfrentadas pelo lado materno da família, como primeiros lavradores na região da Colônia do Sacramento no início do século XVIII; as inseguranças e deslocamentos a que a família foi submetida em razão das disputas fronteiriças entre lusos e castelhanos, o que resultou na necessidade de exílio em Buenos Aires, onde aparentemente as condições também não foram nada satisfatórias. Uma situação mais favorável só se concretizaria com a mudança para a Vila de Rio Grande, região que se desenvolveu, a partir de fins do século XVIII, seja pela concessão de sesmarias, fruto do processo de demarcação de fronteiras, seja pelo comércio irregular de animais entre os dois lados da fronteira. Na parte referente à fase da vida de Hipólito da Costa como estudante em Coimbra aborda, sobretudo, o contexto de desenvolvimento das reformas ilustradas em Portugal, que acabaram dando ensejo à inserção no circuito das viagens científicas.
Os capítulos que se seguem são primordialmente marcados pela experiência da viagem aos Estados Unidos e calcados na análise das fontes desta viagem. Pode-se dizer que um dos intuitos da autora nos capítulos dois a quatro é identificar as diferentes “vozes” que ajudaram a compor as ideias de Hipólito da Costa e contribuíram para a construção de suas representações. Dessa maneira, temas como a maçonaria, a imprensa, a religião e a política perpassam estes capítulos.
No capítulo 2, intitulado a Aurora da Filadélfia, analisa a “profusão de papéis” que permeiam a construção do Diário de Hipólito da Costa. Segundo a autora, a imprensa fazia a “mediação entre a experiência e a representação da realidade” (p.61). Isto é, entende que o Diário “falava” também por intermédio dos impressos, não sendo compreendido como um tradutor fidedigno da realidade. A ênfase do capítulo é sobre a apropriação que Hipólito fez da gazeta Aurora General Advertiser no Diário. Fundada em 1790, por Benjamin Franklin Bache (neto de Benjamin Franklin), o jornal defendia os republicanos jeffersonianos, grupo no interior do qual alguns emigrados radicais que não tinham espaço na Europa vieram se instalar. Este foi o caso de Willian Duane, diretor do jornal após a morte de Fanklin Bache. A sobrevivência da gazeta se deveu a uma insistência do próprio Thomas Jefferson, que via nela uma chance para a perpetuação da causa republicana.
O contexto político é o da disputa entre os federalistas e republicanos. Ao descrever cada uma das tendências, talvez por forte envolvimento com sua fonte, a autora acaba por tecer um perfil mais simpático dos republicanos, entre os quais se envolveu Hipólito da Costa. De acordo com sua descrição, os federalistas advogavam pelo fortalecimento da União, reuniam grupos do norte, representantes da aliança entre o grande capital e o comércio. Os republicanos, por seu turno, eram adeptos do autogoverno e autonomia em relação ao poder central, concentrados mais ao sul do país e praticantes da agricultura e auto- suficiência da indústria doméstica, incluindo aí o sistema de plantation. Os jeffersonianos criticavam os federalistas pela centralização política, pela cobrança de novos impostos e formação de um exército permanente e apoiavam as liberdades e direitos individuais, o trabalho intelectual, a austeridade moral, o mérito e não os privilégios. A Aurora vinha nesta esteira, denunciando o perfil aristocrático dos federalistas com acusações de um desejo recolonizador. Há algumas questões neste rol de características que merecem ser evidenciadas. Como conciliar a crítica aos privilégios e o apoio às liberdades e direitos individuais com o sistema de plantation? Não haveria interesses concretos, defendidos pelos republicanos, ao criticarem, por exemplo, as propostas federalistas de especularem comercialmente com as propriedades rurais? Até que ponto o perfil assumido pela pesquisadora em relação aos republicanos não reproduz, com pouco distanciamento, a posição mantida por Hipólito no próprio Diário, que possivelmente não diferia da propaganda do próprio partido e os seus partidários?
O livro não trata apenas da política stricto senso. A política, na perspectiva da autora, está entremeada a questões de ordem cultural. É esta compreensão que permite trafegar entre temas como os ideais de limpeza, asseio, simplicidade, austeridade e trabalho, defendidos pelos quacres, entre os quais Hipólito circulou. Também explora temas correlatos, expressões dos republicanos jeffersonianos e da Aurora da Filadélfia, como a crítica ao luxo e ao ócio e a valorização da virtude em oposição à degeneração, ao mundanismo, ao exagero.
Todos estes elementos são recuperados no Diário e explorados pela autora que, recompondo uma trama delicada, consegue enxergar as articulações entre religião, política, partido e imprensa. Situa então o texto do autor num ideário próprio a denominações do protestantismo anglo-americano, entendendo, entretanto, que a leitura religiosa estava conectada com a política. O ideário de ordem, limpeza, trabalho e austeridade estavam presentes também no discurso republicano democrata da Aurora.
No terceiro capítulo explora a presença de uma tendência da maçonaria – a chamada Maçonaria Antiga – nas entrelinhas do Diário de Hipólito. Ele fora admitido entre os “Antigos” da Filadélfia em 1799. Esta ala da maçonaria surgiu em Londres, em meados do século XVIII, formada por irlandeses e ingleses dissidentes da Grande Loja da Inglaterra, que condenavam os “Modernos” por adulterarem antigos rituais da ordem. Do ponto de vista social eram constituídos por grupos menos favorecidos, como os artesãos urbanos, e politicamente eram mais combativos do que os “Modernos”. A corrente prosperou nos Estados Unidos – sobretudo na Pensilvânia –, que acolheu exilados políticos de diferentes partes da Europa (França, Escócia, Irlanda). Ali, associavam-se aos quacres e também aos políticos republicanos. Atuariam politicamente contra os federalistas.
A entrada na maçonaria propiciou a integração de Hipólito da Costa a uma rede de sociabilidades que reunia, além de maçons, republicanos, quacres e refugiados europeus. Sua participação nesta rede garantiu acesso a fontes privilegiadas para a realização de seus encargos. As viagens que faria in loco para estudos e pesquisas teriam sido, de acordo com a autora, poupadas pelo fato de ter conseguido pesquisar material já sistematizado por outros cientistas. No lugar de viajar para coletar espécimes, teria conseguido importá-las por meio de intermediários, para o que seus contatos sociais teriam sido muito úteis. O foco do capítulo é a rede de proteção que a maçonaria significava, que estava interligada aos emigrados, aos quacres e aos republicanos. Para cumprir a tarefa de investigar esta rede, teve que perscrutar as trajetórias dos personagens com quem Hipólito da Costa se relacionou, o que contribuiu, inclusive, para a compreensão de suas afinidades políticas.
Finalmente, o quarto e último capítulo está dedicado a analisar temas que continuariam a ter repercussão no trabalho periodístico de Hipólito da Costa, como o projeto de emancipação gradual dos escravos e a imigração. Nestes pontos, conclui que a experiência nos Estados Unidos foi uma referência importante para o autor, e é esta permanência que Thais Buvalovas busca explorar na análise que faz tanto do Diário, quanto das páginas do Correio Braziliense.
O Diário dá mostras de como o seu antiescravismo pode ter sido assimilado pela via do quacrismo, com a qual conviveu na Filadélfia. Dentre os registros sobre o tema destaca uma visita realizada à Penitenciária da Filadélfia, administrada por quacres. Ali, descreve o clima de relativa tolerância que se impunha como norma, entre brancos e negros, ainda que transparecesse um resquício de segregação. A explicação deste resquício a autora busca na visão de mundo quacre, segundo a qual, a despeito da convivência com a diferença, se mantinha um sentido de diferenciação e de valorização das próprias qualidades em relação à sociedade como um todo.
Ao analisar as ideias antiescravistas no Correio, elenca duas principais possíveis inspirações: uma, de origem quacre, segundo a qual a escravidão destruía a moral de seu senhor, transformando-o num déspota, e a outra, pautada na perspectiva iluminista, por meio da qual a escravidão era considerada um inimigo do Estado e da sociedade. A conclusão da autora é de que a primeira perspectiva pesou fortemente sobre a concepção do autor, o que confirma a sua hipótese em relação ao importante papel que a viagem jogou na constituição de sua ideias.
Por outro lado, parecem discrepar com isso as considerações do autor quando esteve em Nova Iorque. Nesta parte, curiosamente, Hipólito da Costa afirma que os negros eram mais bem tratados no sul do que no norte, onde a agricultura se encontrava decadente, as terras incultas e sem recursos para o cultivo. Afirmações como essa, de acordo com a autora, se deviam ao fato de Hipólito ter também como interlocutores os republicanos, que, além de se posicionarem contra o grande comércio do norte, eram aliados dos escravocratas do sul, que davam apoio a Jefferson. De qualquer maneira, o quacrismo parece ter sido preponderante nas defesas que faria posteriormente, de não sujeição e de abolição gradual da escravidão, nas páginas do Correio Braziliense.
Assim, se confirma a relevância do périplo pela América do Norte na formação do pensamento do autor. Para além disso, se atesta ainda um caminho circular percorrido por suas idéias, pois o Correio Braziliense foi escrito na Inglaterra, isto é, ambiente de origem do ideal de insubmissão defendido pelos quacres, que fora herdado de sua origem leveler. Um jogo interessante e não linear se constrói aqui: o exílio londrino está à frente, na escala cronológica e na biografia do autor estudado; contudo, no universo de pensamento esta viagem é retrospectiva, pois une, por caminhos espiralados e tortuosos, as duas pontas – norte-europeia e norte-americana – de um pensamento de tradição anglo-saxã. Uma curiosa aventura, boa para dar nós nas imagens muito lineares que se possa fazer da história.
Para retomar o título desta resenha, trata-se de uma viagem iniciática. Mas a quê, afinal de contas, a viagem de Hipólito da Costa aos Estados Unidos deu início? Entre a primeira fase da vida (capítulo um) e sua experiência nos Estados Unidos (capítulos três a quatro) parece haver um hiato. A leitura parece sugerir que suas origens luso-brasileiras, com o tempo, vão ficando para trás, num lugar recôndito, para o qual, aliás, o autor nunca mais voltou. Seguindo uma sugestão de Isabel Lustosa, Buvalovas afirma haver, em certas temáticas presentes no Correio Braziliense, como é o caso da escravidão, “pouca identidade [do autor] com o mundo luso-brasileiro”. (p.135).
A viagem, de acordo com esta interpretação, não parece ter sido só experiência cumulativa de conhecimentos. Indica também certo distanciamento em relação a sua origem luso-brasileira e uma incursão profunda numa diferente tradição; enfim, um exercício de resignificação das origens, que marcaria sua trajetória dali por diante. O livro propõe a importância de se entender os caminhos e descaminhos de Hipólito da Costa durante sua viagem aos Estados Unidos para melhor compreender as idéias do editor do Correio Braziliense.
Stella Maris Scatena Franco Vilardaga – Professora no Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH/UNIFESP – Guarulhos/Brasil). E-mail: stella.franco@unifesp.br
BUVALOVAS, Thais. Hipólito da Costa na Filadélfia (1798-1800). Imprensa, maçonaria e cultura política na viagem de um ilustrado luso-brasileiro aos Estados Unidos. São Paulo: Hucitec, 2011. Resenha de: VILARDAGA, Stella Maris Scatena Franco. Uma viagem iniciática. A experiência norte-americana na constituição do pensamento político de Hipólito da Costa. Almanack, Guarulhos, n.3, p.143-148, jan./jun., 2012.
História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder | Lúcia Maria B. P. das Neves, Marco Morel e Tânia M. Bessone Ferreira
NEVES, Lúcia Maria B. P. das; MOREL, Marco; FERREIRA, Tânia M. Bessone da C. (Orgs.). História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A / FAPERJ, 2006. Resenha de: CORRÊA, Maria Letícia. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.3, n.3, p.179-182, 2007.
As transformações dos espaços públicos, imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840) | Marco Moreil
A partir de meados da década de 1990, a historiografia luso-brasileira tem visitado o tema “da emergência e ordenação do império luso-brasileiro à definição do império do Brasil” assunto correlato surge nos estudos históricos hispano-americanos, sobretudo à luz da obra de François-Xavier Guerra. Neste prisma, o livro se insere como poucos e areja suas abordagens. Primeiro, por centrar-se nas agitadas décadas de 1820-1840 no Rio de Janeiro. De antemão, busca não projetar a corte para todo o Brasil, como se um fosse gêmeo do outro ou mera decorrência. Antes, considera o Rio de Janeiro uma cidade imperial. Esta acepção, nada ingênua, remete a uma geografia do poder, que se almeja centralizado-e-centralizador em um vasto território, conforme as inspirações literárias e históricas de então do Império Romano. As palavras, as ações e as propostas empreendidas na cidade imperial simultaneamente, corte da monarquia constitucional reverberavam com maior contundência na Europa, em especial em Portugal, e no próprio Brasil. Por outro lado, o debate internacional acerca do liberalismo constitucional, do ideário contra-revolucionário, das memórias e das narrativas sobre as experiências políticas nas Américas e na Europa encontrava aí alargada recepção, divulgação, (re)tradução e (re)apropriação. Neste sentido, o Rio de Janeiro gozava de um forte apelo junto às elites locais e regionais do Brasil, sem que isto, obrigatoriamente, implicasse uma posição unânime e coerente dos atores políticos. Morel logo esclarece: nesse período e nessa cidade, chegou-se, às vezes, a duvidar da pertinência e da necessidade de se lutar e manter a integridade e a unidade do território brasileiro. Em miúdos, não reafirma a idéia de que uma outra parte do Brasil por suposto, as regiões Norte, Nordeste e Sul postularia uma quebra ou uma reorganização do território político e uma redefinição da autonomia política de cada uma. Longe disto, tal possibilidade efetiva atravessava a pauta política no Rio de Janeiro. Em circunstâncias tão delicadas e específicas das décadas de 1820-1840, Morel estuda a emergência da modernidade política no Rio de Janeiro. Nessa medida, data o surgimento de tal modernidade e marca as balizas internas dessa periodização. Leia Mais
As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidade na cidade imperial (1820-1840) – MOREL (RIHGB)
MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidade na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005. 236p. Resenha de: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.167, n.431, p.297-302, abr./jun., 2006.
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves – Professora Titular de História Moderna (UERJ).
[IF]Revistas em revista – imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922) / Ana L. Martins
A utilização de jornais e revistas como fontes no trabalho de pesquisa é algo corriqueiro no fazer historiográfico. Vez por outra recorremos a eles para verificar dados, analisar discursos, relacionar idéias dominantes de um período ou personagem que buscamos conhecer. Poucas vezes, no entanto, vemos esses veículos de comunicação no centro da cena. A busca dos significados de sua criação e dos detalhes de suas relações com a cultura e sociedade da época não é tratada com o rigor necessário, sendo subdimensionada na pesquisa.
A historiadora Ana Luíza Martins resolveu inverter essa lógica. Centrando foco na imprensa periódica das quatro primeiras décadas da República, através do estudo específico das revistas, a pesquisadora acabou compondo um verdadeiro painel da cultura e dos meios literários e jornalísticos paulistanos entre os anos de 1890 e 1922. O resultado pode ser conferido em Revistas em revista – imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922), produto de sua tese de doutorado na USP.
Utilizando-se de uma narrativa prazerosa, a autora busca recompor para nós, como num quadro, as condições conjunturais que permitiriam o florescimento e consolidação das revistas. Um dos méritos do trabalho, aliás, é essa recomposição, pela riqueza em detalhes. O que vemos é uma São Paulo, em plena virada do século, no compasso do desenvolvimento de sua agricultura movida pelo café e de uma indústria e comércio emergentes. A velocidade das transformações no espaço urbano corria no ritmo de trens e vapores e, mais tarde, no das rotativas, de onde surgiriam, em cores, as páginas de dezenas de títulos de revistas.
Estas traziam em seus textos e ilustrações a idéia de progresso e “civilidade”, profundamente inspiradas pelo periodismo francês. Muitos dos títulos, nos primeiros tempos, eram produzidos por brasileiros da elite agrária em seus escritórios em Paris. Essa relação foi fundamental para a divulgação de hábitos e produtos em voga na França, através da publicidade. A realidade das casas reais européias, o embevecimento com os hábitos aristocráticos e a vida elegante e refinada da nobreza, em permanente lazer, serviam como alimento para o panorama Belle Époque vivido em São Paulo. A cidade era assim vendida como a “Capital Artística”, a “Paulicéia”. O papel couché e a arte, presente nas riquíssimas gravuras, procuravam dissipar os rastros de tensão entre as classes e os conflitos urbanos em um espaço que se pretendia saneado e ordenado.
Num país onde 80% da população ainda era analfabeta, São Paulo destacava-se pelos investimentos públicos na esfera escolar, embora para a maioria da população, isso não representasse mais que aprender a ler, escrever e contar. O “saber ler” era chave para a participação do “cidadão” nas decisões políticas e no mundo da informação. Sem a presença de uma indústria livreira e com a dificuldade de acesso e entendimento dos jornais, “paladinos da verdade”, a revista com seus textos leves, ligeiros e profusão de ilustrações e gravuras, depois fotografias, seduzia pelo encanto da leitura facilitada e atraente, feita para entreter. Não era à toa que as revistas eram chamadas de “sorriso da sociedade”.
Do ponto de vista da história da imprensa brasileira, a pesquisa de Martins é de fundamental importância por recuperar um momento de transformações no fazer jornalístico. Isso se dá tanto no plano das condições estruturais para o desenvolvimento industrial – produção de papel, formação de pessoal qualificado para o trabalho em oficinas gráficas, estratégias de divulgação e venda dos produtos – como também no campo das representações ideológicas sobre esse fazer.
As contendas entre literatos e jornalistas são situadas nesse contexto de mudanças. O trabalho nas redações feito, em grande parte, por escritores, exigia a adaptação a um regime mais rígido de horários e novas formas de texto. A figura do jornalista boêmio dava lugar ao profissional disciplinado, apto a responder às necessidades de produção de um mercado competitivo e, a partir dali, remunerado.
O debate estimulante entre jornalismo e literatura no Brasil pode encontrar ali o seu elo perdido, uma vez que estamos tão acostumados a pensar essa questão, através da bibliografia norte-americana. A autora relata como a mercantilização imposta aos jornais vai gerar um mal-estar entre os literatos.
Subjugados em sua arte pelo “vil metal”, estes vão procurar nas revistas a maneira de se expressarem com integridade, obtendo a qualificação e o reconhecimento desejados como artistas e não como “operários da notícia”.
O trabalho de Ana Luíza Martins também nos fornece pistas para pensar a questão da linguagem jornalística propriamente dita, a partir da contribuição literária das revistas aos campos da reportagem e opinião. Mas a forte presença dos escritores e poetas nas revistas não estava retratada apenas nos contos, crônicas e sonetos publicados pelas ilustradas. Está também na publicidade e propaganda que estabelecia relação direta do comércio e indústria com essas publicações, afinal “o reclame é a vida do comércio”.
Quem imaginaria Olavo Bilac como um dos nossos primeiros publicitários, divulgando em sonetos as vantagens do xarope Bromil? A revista era a embalagem ideal para a divulgação de bebidas, medicamentos e novidades tecnológicas da indústria em seu começo.
O papel das revistas como formadoras e mesmo educadoras da sociedade paulistana pode ser depreendida do escrutínio feito pela autora nas bibliotecas de três importantes colaboradores das revistas e agitadores culturais nesse momento: Eduardo Prado, Lima Barreto e Mário de Andrade. Imbuída dos instrumentos da história da leitura, ela esmiúça e analisa as várias formas de consumo e utilização dessas publicações para os interesses de grupos culturais diversos na cidade de São Paulo, nos dando uma idéia do ecletismo desse veículo de comunicação. Ficamos sabendo que, para muitos dos intelectuais da época, as revistas ocuparam um papel tão importante quanto os livros.
As várias imagens de São Paulo, unificadas pela idéia do progresso e modernidade, nas publicações destinadas à agricultura, ciência, comércio, agremiações literárias, ligas de operários e ao público feminino, são cuidadosamente analisadas na pesquisa. O livro nos brinda ainda com ilustrações de capas, anúncios e gravuras, retirados de algumas das publicações estudadas. Estes elementos gráficos e artísticos só vêm somar informações ao texto denso e bem trabalhado de Ana Luíza Martins nessa que, sem dúvida, pode ser considerada obra de referência na história da imprensa brasileira.
Ana Rita Fonteles Duarte – Universidade Federal do Ceará.
MARTINS, Ana Luíza. Revistas em revista – imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922). São Paulo: Edusp / Fapesp / Imprensa Oficial do Estado, 2001. Resenha de: DUARTE, Ana Rita Fonteles. Revista Trajetos, Fortaleza, v.1, n.2, 2002. Acessar publicação original. [IF].