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Os Governos do Império: Vice-reis, governadores e capitães-mores no mundo português (séculos XVI-XIX) – Trajetórias | Revista Ágora | 2021
Referências desta apresentação
[Os Governos do Império: Vice-reis, governadores e capitães-mores no mundo português (séculos XVI-XIX) – Trajetórias]. Revista Ágora. Vitória, v. 32, n. 2, 2021. Acessar dossiê [DR]Poderes, trajetórias e administração no Império português (séculos XVI-XVIII) / Revista Maracanan / 2020
O presente dossiê tem como objetivo promover a produção científica e o debate sobre as relações de poder, as trajetórias e os conflitos entre os diversos representantes, oficiais e agentes régios no Império português entre os séculos XVI e XVIII. Relações essas que vão se dar a partir das dinâmicas presentes no âmbito das representações políticas, econômicas e socioculturais das instituições administrativas na América portuguesa.
Os estudos historiográficos acerca do estabelecimento de instituições (administrativas, religiosas, militares, etc.) e as relações de poder constituídas nas mais diversas escalas ganharam, nas últimas décadas, novos olhares a partir do constante diálogo com pesquisas desenvolvidas por historiadores estrangeiros, a incorporação de novas fontes documentais, aportes teórico-metodológicos e a constituição de bases de dados por grupos de pesquisas nas universidades brasileiras.[1] Desta maneira, este dossiê pretende aprofundar o debate sobre os poderes e as instituições constituídas na América portuguesa, enfocando: as redes de alianças políticas e econômicas, os espaços de poder, a fixação de instâncias administrativas, jurídicas e religiosas, regulação legislativa e a dinâmica local, comunicação e correspondência no império português, poder local e hierarquia administrativa, agentes coloniais / metropolitanos e suas trajetórias, poder e distinção social, disputas de jurisdição, fiscalidade e justiça. Estas temáticas estão presentes nas pesquisas que compõem este dossiê e nos permitem a compreensão dos múltiplos poderes constituídos a partir das diversas experiências particulares e coletivas vivenciadas no espaço colonial.
Neste sentido, o primeiro artigo do dossiê de autoria de Hugo André Flores Fernandes Araújo, “Casa, serviço e memória: origens sociais, carreira e estratégias de acrescentamento social dos governadores-gerais do Estado do Brasil (Século XVII)” propõe uma reflexão sobre as trajetórias sociais de sujeitos históricos que serviram a Coroa portuguesa em diversos territórios, problematizando o perfil característico deste grupo por meio das fontes e do diálogo com a historiografia.
As trajetórias sociais e administrativas também compõem o eixo de reflexão proposto por Tânia Maria Pinto de Santana para analisar a administração do Hospital de São João de Deus. A autora de “Império português, poderes locais e a administração do Hospital de São João de Deus da Vila de Cachoeira (Bahia, séc. XVIII)” investiga as práticas administrativas na referida instituição com vistas a perceber a importância deste espaço de poder para as elites locais.
Seguindo o eixo de análise acerca das trajetórias, o artigo intitulado “A trajetória de Pedro Barbosa Leal e as redes de conquistas no sertão da capitania da Bahia, 1690-1730” de Hélida Santos Conceição, evidência a trajetória do coronel e sertanista Pedro Barbosa Leal por meio do arrolamento de seus serviços prestados no processo de conquista dos sertões da Bahia. Ademais, a autora aponta o caso singular deste agente inserido nos espaços da nobreza e na atividade sertanista.
A constituição de um correio mensal entre São Luís e Belém por volta de 1730 é investigada por Romulo Valle Salvino em “Um correio pelo caminho de terra: as comunicações no estado do Maranhão e Grão-Pará nos princípios do século XVIII”. Para o autor, a instituição deste canal de comunicação pelo Governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará, Alexandre de Sousa Freire, desenvolveu-se como um pioneirismo. A análise deste caso particular é realizada a partir da historicidade do sistema de correios do período moderno.
O artigo, “A Restauração de A gola e os pedidos de mercês o século XVII”, de Ingrid Silva de Oliveira Leite finaliza a seção de artigos do dossiê. A autora busca analisar o processo de requisição de mercês a Coroa portuguesa no contexto da Restauração de Angola, objetivando compreender a prestação dos serviços no conflito frente aos holandeses, a solicitação das mercês, o mapeamento destes sujeitos e se os mesmos foram agraciados em suas demandas.
As entrevistas realizadas com o professor Dr. George Felix Cabral e com a professora Dra. Laurinda Abreu também compõem o presente dossiê. A primeira delas, realizada pelos organizadores desta edição com o professor de História da Universidade Federal de Pernambuco, procura debater as percepções da História e seus desafios na contemporaneidade. A segunda entrevista, realizada por Thiago Enes com a professora da Universidade de Évora, aborda a “A controversa trajetória de Diogo Inácio de Pina Manique, Intendente-Geral da Polícia da Corte e do ei o”, conforme título.
A seção Notas de Pesquisa é composta por três estudos. A publicação do excelente estudo de Wanderley de Oliveira Menezes sobre “Administrar a justiça d’El ei o ei o e no Ultramar: a trajetória do bacharel José Álvares Ferreira (1772-1810)” abre a seção dialogando com o eixo temático proposto neste dossiê acerca dos poderes, trajetórias e administração no Império português. Em seguida, os trabalhos de Sheila Hempkemeyer sobre “Cidades e corpos – Histórias e movimentos” e o de Amanda Peruchi, intitulado “Abelhas ou Zangões: as primeiras normas para o profissional da farmácia do Brasil o início do século XIX” finalizam as notas de pesquisa.
A seção artigos conta com alguns estudos de temáticas diversas e importantes para contribuir com essa publicação, a saber: “Visitando obras historiográficas do Império Lusitano na Oceania: Um recorte da história de Timor-Leste”, de Hélio José Santos Maia & Urânia Auxiliadora Santos Maia de Oliveira; “Os artífices do poder: mecanismos de ascensão social em Guarapiranga (MG), 1715-1820”, de Débora Cristina Alves; “No fio da navalha: a questão do tráfico internacio al de escravos o Conselho de Estado” de Ricardo Bruno da Silva Ferreira “Tráfico de escravos e escravidão na trajetória do Barão de Nova Friburgo – Século XIX”, de autoria de Rodrigo Marins Marretto “O que a cidade de Ipásia tem a nos dizer sobre pixação? Leituras possíveis de As Cidade Invisíveis, de Ítalo Calvino, e São Paulo / SP ”, de Bianca Siqueira Martins Domingos, Fabiana Felix do Amaral & Silva e Valéria Regina Zanetti; “Imagens em versos e acordes: a represe tação da cidade de Feira de Santana através do seu hino”, de autoria de Aldo José Morais Silva; “A cidade ‘perigosa’ e sua instituição ‘tranquilizadora’: o Recife no contexto da reforma prisional do Oitocentos”, de Aurélio de Moura Britto; e, “As cidades e suas contribuições para o do ativo do dote e paz”, de autoria de Letícia dos Santos Ferreira.
Por fim, a edição conta ainda com a resenha de Igor Lemos Moreira sobre o livro A formação da coleção latino-americana do MoMA: Arte, cultura e política (1931-1943), publicado em 2019 pela Paco Editorial. Boa leitura!
Nota
1. Cf.: FRAGOSO, J.; BICALHO, M. F.; GOUVÊA, M. de F. (orgs.). Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001; SAMPAIO, A. C. J.; ALMEIDA, C. M. C.; FRAGOSO. J. Conquistadores e negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos: América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. F. (orgs.). Na trama das redes: política e negócio no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010; FRAGOSO, J.; SAMPAIO, A. C. J. (orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso: Séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012; VENÂNCIO, R. P.; GONÇALVES, A. L.; CHAVES, C. M. D. G. (orgs.). Portugal e Brasil os séculos XVIII e XIX. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012; FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. (orgs.). O Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. 3 vols.; dentre outros
Referências
FRAGOSO, J.; BICALHO, M. F.; GOUVÊA, M. F. (orgs.). Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. (orgs.). O Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. 3 vols.
FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. F. (orgs.). Na trama das redes: política e negócio no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
FRAGOSO, J.; SAMPAIO, A. C. J. (orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso: Séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.
SAMPAIO, A. C. J.; ALMEIDA, C. M. C.; FRAGOSO. J. Conquistadores e negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos: América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
VENÂNCIO, R.P.; GONÇALVES, A. L.; CHAVES, C. M. D. G. (orgs.). Portugal e Brasil nos séculos XVIII e XIX. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.
Rafael Ricarte da Silva – Professor Adjunto do curso de História da Universidade Federal do Piauí, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros. Doutor e Mestre em História Social e licenciado em História pela Universidade Federal do Ceará; Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: rafa-ricarte@hotmail.com https: / / orcid.org / 0000-0003-4085-5401 http: / / lattes.cnpq.br / 1472762122361574
Reinaldo Forte Carvalho – Professor Adjunto do curso de História da Universidade de Pernambuco, Campus Petrolina. Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco; Mestre em História e Culturas pela Universidade Estadual do Ceará; Licenciado em História pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: reinaldoforte@yahoo.com.br https: / / orcid.org / 0000-0001-7930-8670 http: / / lattes.cnpq.br / 4435223781591585
SILVA, Rafael Ricarte da; CARVALHO, Reinaldo Forte. Apresentação. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, n.25, 2020. Acessar publicação original [DR]
Império Português em Perspectiva: Sociedade, Cultura e Administração (XVI-XIX) | Ars Historica | 2016
Para um pesquisador da história do império português é difícil imaginar um prazer maior do que fazer a apresentação de um dossiê de uma revista discente sobre o tema. E isso porque a própria existência desse dossiê é a comprovação cabal de como o estudo do “Mundo Português” se espraiou na academia, um quadro quase inimaginável há pouco mais de duas décadas atrás, quando surgiram os primeiros trabalhos realizados no Brasil. O próprio termo “império”, hoje absolutamente consolidado em nossa historiografia, foi por muito tempo objeto de questionamento.
Nesse número de Ars Histórica encontramos uma produção historiográfica extremamente diversificada, tanto em termos temáticos quanto geográficos e temporais, sinal inequívoco da vitalidade dessa área de pesquisa. Leia Mais
Império Português e comunicações / Revista Brasileira de História da Mídia / 2016
A Revista Brasileira de História da Mídia chega a sua nona edição. Nesse momento, ao publicar o dossiê temático Império Português e Comunicações, evidenciamos que o “brasileira” que traz em sua designação reflete o seu lugar, mas não limita suas reflexões. Se desde o primeiro número temos recebido e publicado artigos de pesquisadores estrangeiros e / ou que tratam de objetos empíricos da mídia de outros países, nesse nos voltamos, como perspectiva privilegiada, para aspectos históricos e historiográficos de outro país e de sua imprensa.
Para isso, pela segunda edição consecutiva, contamos com o apoio de editores convidados. Participaram desse número 9 os pesquisadores Filipa Subtil, da Escola Superior de Comunicação do Instituto Politécnico de Lisboa; Alexandra Santos, da Universidade Europeia; Chandrika Kaul, da Universidade de St. Andrews; e José Luís Garcia, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. O dossiê Império Português e Comunicações está bastante coeso e conta com sete reflexões importantes de diferentes aspectos do momento sócio-histórico a que se volta. Leia Mais
Aspectos do Império Português no Brasil / Revista Mosaico / 2014
A proposta do dossiê Aspectos do Império Português no Brasil tem como objetivo estimular o aprofundamento das reflexões no campo da história e da historiografia sobre o Império português no Atlântico Sul, através da compreensão a respeito da experiência colonial ocorrida especialmente na América Portuguesa, entre os séculos XVI e XIX.
Nas últimas duas décadas a historiografia sobre os impérios coloniais europeus tem passado por importantes reflexões e releituras, fruto do trabalho de estudiosos e pesquisadores que atuam nos mais variados centros de pesquisa e universidades situados na Europa, África, Ásia e Américas. A partir de então, o estudo sobre a expansão dos Impérios ibéricos e, sobretudo, os entrelaçamentos deste fenômeno com as transformações das sociedades no Novo Mundo sofreu o impacto promovido pelas recentes interpretações historiográficas, recolocando a temática dos impérios coloniais e, particularmente, do Império português, a partir de novas e variadas perspectivas. Assim, a compreensão renovada das formas de avaliar os diversos aspectos das colonizações modernas na América e na África portuguesas ocupa, atualmente, uma posição central na agenda dos estudiosos sobre o assunto.
No caso específico do Brasil, durante o chamado período colonial (que se estende, grosso modo, entre os séculos dezesseis e dezenove), trata-se de decifrar a história da expansão do Império português na América, em suas mais variadas vertentes, cuja consequência foi a constituição de um mundo novo, embalado por relações sociais complexas que definem as diversificadas estratégias pelos quais se assentaram os elementos fundamentais que marcaram os avanços da sociedade europeia ocidental moderna no interior dos sertões do continente americano.
Visando contribuir diretamente com este debate, cujos pressupostos têm estimulado a compreensão sobre a realidade do mundo moderno e contemporâneo, é que, por iniciativa dos editores a Revista Mosaico, colocamos o presente dossiê à disposição do público interessado no assunto.
O conjunto dos textos apresentados oferece a possibilidade de reflexões transversais que conectam aspectos distintos da história do Império português no Brasil. No primeiro artigo do dossiê Um lugar fora do mapa: a Colônia do Sacramento, Paulo Possamai reavalia a importância do papel e do lugar da Colônia do Sacramento no processo de colonização da região platina no contexto da América portuguesa, ultrapassando e problematizando as fronteiras de uma interpretação da história do Brasil fundamentada essencialmente na perspectiva dos Estados nacionais.
No segundo artigo, Culto Mariano no nordeste de Minas: uma herança do Império português nas representações dos romeiros da festa de Nossa Senhora da Abadia do Andrequicé, Maria Célia da Silva Gonçalves e Margareth Vetis Zaganelli tratam da perpetuação da identidade do homem do sertão através da expressão de sua religiosidade no nordeste de Minas Gerais, durante o século XIX. Através do estudo das representações associadas aos milagres atribuídos à Nossa Senhora da Abadia no vilarejo Andrequicé, festeiros e fiéis são percebidos como os guardiões da memória e da história local.
O terceiro texto, Deserções e privilégios: a guerra ao sul da América, retoma o ponto de partida geográfico do primeiro, para tratar de outro assunto: diante das novas diretrizes de organização e defesa militar inauguradas na segunda metade do século XVIII, Christiane Figueiredo estuda as resistências ao recrutamento militar no Brasil, durante as guerras que tiveram lugar no sul do continente americano. Ao fazê-lo, põe em evidência não apenas os limites dos poderes da Coroa portuguesa nos espaços coloniais, como também as estratégias adotadas pelos atores da sociedade colonial assentada, em sua escala local, em modelos de organização corporativos.
Mas a compreensão do Império português no Brasil passa pela percepção de suas dimensões oceânicas, cujos entrelaçamentos sociais e culturais transcendem o quadro de uma história interpretada tão somente a partir de suas fronteiras e limites territoriais. Assim, a importância do continente africano ilumina as reflexões do quarto artigo do dossiê. Em Jogo de reis: política internacional do Reino do Congo no Atlântico entre os séculos XVI e XVII, Frederico Ferreira apresenta a trajetória de contatos diplomáticos envolvendo embaixadores do Reino do Congo com portugueses, holandeses, espanhóis e representantes da Igreja Católica, revelando a necessidade de se estudar as interconexões entre os povos do Atlântico, ampliando o horizonte de debates ligados às histórias nacionais e / ou regionais.
No artigo seguinte, Bandeiras, mitos e história nos sertões da América portuguesa, José Roberto Bonome e Fernando Lemes, retomam o movimento dos bandeirantes paulistas associando-o ao processo de expansão econômica e às lutas ligadas ao imaginário, no interior de um universo cultural permeado por mitos indígenas, que envolvia, ao mesmo tempo, disputas políticas e ideológicas e a expectativa de enriquecimento rápido, num mundo de enfrentamento e aventura nos sertões desconhecidos da América portuguesa.
Em seguida, a importância da cidade colonial é destacada no estudo de Avanete Pereira Sousa em Trânsitos mercantis de uma cidade capital (Salvador, séc. XVIII). Importante núcleo urbano na Bahia do século XVIII e espaço privilegiado no processo de organização política, administrativa e econômica da América portuguesa, Salvador constitui-se em importante centro de convergência e articulação regional, mesmo após a perda da condição de capital da colônia, em 1763, com a ascensão do Rio de Janeiro. Neste aspecto, o texto ressalta a centralidade de Salvador ao dominar uma extensa rede de transações mercantis, demonstrando que a conectividade da cidade com os diferentes espaços se dá essencialmente através do campo econômico.
No último texto do dossiê, A “Vida da Madre Jacinta de São José”: uma reflexão em torno dos modelos hagiográficos, William de Souza Martins analisa o manuscrito «Vida da Madre Jacinta de São José» onde o frade carmelita João dos Santos registra as atividades de Jacinta Rodrigues Aires, nome de batismo de uma importante beata que viveu no Rio de Janeiro no século XVIII. Além de comparar relatos distintos sobre as atividades de Jacinta, o autor discute elementos ligados às narrativas de esquemas hagiográficos que ocupavam papel de peso nos escritos de vida de Jacinta e de outras mulheres que viviam nas regiões coloniais ou na Europa durante o século XVIII.
Os artigos livres que acompanham o dossiê tratam de temas distintos, mas igualmente interessantes. No primeiro deles, Quilombos brasileiros: alguns aspectos da trajetória dos negros no Brasil, Giselda Shirley da Silva e Vandeir José da Silva propõem pensar sobre as comunidades remanescentes de quilombos na contemporaneidade buscando entender historicamente a questão dos quilombos no Brasil e a sua reconfiguração a partir da Constituição de 1988. No artigo seguinte, Lila Spadoni e Ludimila Machado Jorge, no artigo Efeitos da estruturação da memória coletiva sobre a implicação pessoal: responsabilização por crimes cometidos no período da ditadura militar, procuram demonstrar, a partir de um estudo experimental, a influencia da estruturação da memória sobre a implicação pessoal relativa a acontecimentos contemporâneos na história do Brasil, como, no caso em questão, o periódo da ditadura militar. A análise dos resultados põe em cheque a suposta imunidade brasileira às tentações totalitárias ou sobre o preparo das gerações atuais para defender a democracia. Finalmente, Cláudia Glênia de Freitas, no último artigo da série, Uma abordagem teórica sobre a globalização e o Estado Nação, comenta aspectos teóricos sobre o processo de globalização, com ênfase nos aspectos jurídicos e sociais, indicando os modos através dos quais esse paradigma globalizador vem sendo incorporado pelo Estado Nação que, por sua vez, encontra-se, atualmente, em progressivo declínio.
Esperamos que os textos apresentados neste dossiê possam alargar a reflexão e o debate nos campos da história e da historiografia do Brasil e do Império português no Atlântico Sul. Desejamos a todos uma boa leitura!
Fernando Lobo Lemes – Professor Doutor. Universidade Estadual de Goiás – UEG
Christiane Figueiredo Pagano de Mello – Professora Doutora. Universidade Federal de Ouro Preto | UFOP Editores deste número
LEMES, Fernando Lobo; MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.7, n.2, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]
Circulação e conformações de saberes no Império português, séculos XVI-XIX / Revista Brasileira de História da Ciência / 2011
Porque os Portugueses, que navegam muita parte do mundo, onde vão nam procurão de saber senam como farão milhor suas mercadorias […] Não são curiosos de saber as cousas que ha na terra, e, se as sabem, nam dizem a quem lhas traz que lhe amostre o arvore, e, se o vêem, nam o compárão a outro arvore nosso, nem proguntao se dá frol ou fruto, e que tal he.
Esta sentença foi estampada em 1563, em Goa, por ninguém menos que Garcia de Orta em seus Colóquios dos simples e drogas he cousas mediçinais da Índia. O conde de Ficalho, editor de Orta para a Academia das Ciências de Lisboa em fins do século XIX, houve por bem reforçar o veredito, anotando no pé da página um comentário seco sobre essa passagem: “Reflexão perfeitamente sentida, e que ainda hoje tem cabimento”. Esse desinteresse, essa falta de curiosidade a respeito das “cousas que há na terra” são parte fundamental da legenda negra que envolveu – e ainda envolve – muito do que já se disse sobre os projetos coloniais dos impérios ibéricos. Os próprios portugueses não fizeram pouca coisa para disseminá-la, e a narrativa da decadência, da superstição religiosa e da irracionalidade se estabeleceu com toda força na época do reformismo ilustrado, acompanhando todo o século XIX e as primeiras décadas do XX.
No Estado Novo salazarista, esboçou-se uma reação. A singularidade da experiência colonial portuguesa foi louvada em múltiplos cantos; sua capacidade de adaptação, seu estar no mundo eminentemente prático e tolerante, sua missão civilizacional foram glorificados. De maneira paradoxal, no entanto, a produção de saberes sobre o Império permaneceu vista como uma excepcionalidade – excepcionalidade de gênios, bem entendido, homens como o próprio Orta, Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro ou Pedro Nunes, em torno dos quais se construiu uma tradição triunfalista e patriótica. Curiosamente, as primeiras reações a essa historiografia, que se começam a esboçar nos estertores do Império Colonial cinco décadas atrás, mantiveram a condição de exceção desses homens do século XVI, e acabaram por reforçar, de certa maneira, a parcela da legenda negra que afirmava que, por centenas de anos, os portugueses sustentaram um Império sobre o qual não se interessaram intelectualmente. Sentença ainda mais forte quando se comparava à experiência do colonialismo neerlandês, francês e inglês do período.
Esse movimento, afastado dos imperativos de certo lusotropicalismo e de ideologias congêneres, teve a salutar consequência de nos chamar a atenção para o papel fundacional da violência e do racismo na conformação da empreitada imperial lusitana por mais de quatrocentos anos, até bem entrado o século XX. Em lugar das narrativas da tolerância e da civilização, temos hoje a consciência aguda do lugar central ocupado pela força bruta em todo esse processo. Terá então Orta sido vindicado, estabelecendo-se que os portugueses só se interessaram por comerciar (inclusive com seres humanos como mercadorias)? Os últimos anos têm indicado que não.
A consciência da lógica econômica e da prática brutal tem convivido com uma percepção cada vez mais consolidada de que instrumentos intelectuais de controle dos espaços, de suas gentes e de sua natureza também foram largamente empregados pelos portugueses, em seu próprio território europeu e em todas as conquistas ultramarinas. Ao contrário do que denunciaram Orta e sucessivas gerações de portugueses, eles foram sim muito curiosos das terras que encontraram, e não só em casos excepcionais. Assim, o estudo da formação de corpos de saberes necessários à constituição da ordem imperial, envolvendo práticas e conhecimentos administrativos, tecnológicos, demográficos e de inventário da natureza, ocupa hoje lugar central no programa de investigação de muitos historiadores da ciência, mas não apenas.
De fato, até meados do século XVII, Portugal tinha sob seu controle a maior e mais extensa rede mundial de portos marítimos e entrepostos comerciais, indo da América do Sul ao Japão, passando pelas duas costas da África, pela Índia e por diversos pontos da Ásia Meridional. Entre os mecanismos de controle dos domínios ultramarinos, a produção de saberes sobre os lugares e sobre os povos teve um lugar de destaque desde os primórdios da expansão marítima e esteve presente no colonialismo até a primeira metade do século XX. Mesmo após a entrada em cena de potências imperiais concorrentes, cosmógrafos, matemáticos, engenheiros, naturalistas, médicos e geógrafos a serviço de Portugal estavam espalhados pelo mundo todo, ao lado de outros agentes sociais como mercadores, missionários, marinheiros, administradores e colonos. Esses atores estiveram envolvidos, desde o século XV, nos mais variados processos de coleta, organização e troca de informações, na forma de saberes sobre o mundo natural e o território, organização social, práticas religiosas, matéria médica e muito mais. Os diversos produtos deste imenso inventário, bem como seus meios de produção, circularam, de forma manuscrita ou impressa, em livros, cartas, memórias, roteiros, mapas e imagens, ou ainda se materializaram em instrumentos e outros artefatos.
A circulação de informações e saberes sobre o Império, dentro dele e através das suas fronteiras, interessa-nos especialmente aqui. Primeiro, cabe investigar as diferentes modalidades em que os próprios saberes se organizaram, sem projetar no passado categorias disciplinares modernas. Como, por exemplo, não desconsiderar o impacto da circulação de informações em forma manuscrita e não impressa durante a Época Moderna. Essas modalidades devem ser estabelecidas tendo-se em vista seu lugar na estrutura das lógicas imperiais que se sucederam e às vezes coexistiram, e devem ser pensadas em situações históricas concretas. A dimensão complementar é o estudo do conteúdo desses corpos de conhecimento, os usos que lhes foram dados e seu estatuto comparativamente a saberes da mesma natureza produzidos por outros atores. É então que se impõe a análise das formas de circulação: público, suportes materiais, obstáculos e alcance. Os hitoriadores das ciências têm reconhecido cada vez mais que a circulação é um processo ativo em que o conhecimento é muitas vezes transformado, ressignificado e “universalizado”, a partir de sua ancoragem sempre local na incepção. As ciências modernas, longe de serem uma dádiva de algumas pessoas e instituições da Europa Ocidental ao mundo, são fruto de processos circulatórios em diversas escalas – e a do Império Português é forçosamente uma delas.
Os artigos aqui reunidos pretendem, a partir de casos específicos, analisar saberes, ciências e práticas culturais que deram lastro aos processos imperiais de controle e transmissão a longa distância, tais como evidenciados nas formas de intercâmbio, nos objetos e nos mecanismos de visibilidade e comunicação empregados na circulação do conhecimento sobre o Império Português, ao longo de alguns séculos de sua existência. Outro eixo de reflexão é a própria relação entre os saberes e o modelo imperial português, com atenção especial aos processos de coleta, formalização e disseminação do conhecimento adquirido nas possessões ultramarinas e no Reino. Investigam ainda quais os aspectos relevantes da interação entre “eruditos” e comunidades ou informantes locais, quais eram os mecanismos de difusão e legitimação do conhecimento construído em situações de contato cultural e quais os efeitos da competição e colaboração intra- e inter-imperiais na conformação dos saberes em circulação.
Abrimos o dossiê com o artigo de Lorelai Kury, A ciência útil em O patriota (Rio de Janeiro, 1813-1814). O texto nos convida a refletir sobre as caracterísitcas do Ilumismo luso-brasileiro, sobretudo no que diz respeito ao papel da imprensa na difusão não apenas das ideias, mas também como meio de propagar as novas formas de aproveitamento dos recursos naturais e as inovações técnicas que deveriam auxiliar o trabalho. Visto como um movimento reformador, o Iluminismo, conforme apresentado por Lorelai Kury, “centrou suas propostas na racionalização do uso da terra, na busca de produtos agrícolas e de origem animal alternativos, na descrição e quantificação das populações e suas atividades, na listagem, classificação e utilização dos chamados três reinos da natureza.”.
Tema caro à historiografia das ciências e da tecnologia no Brasil e em Portugal, as Viagens Filosóficas, ocorridas durante a Ilustração, são aqui tratadas por Ermelinda Moutinho Pataca do ponto de vista de sua estruturação, teórica e prática, explorando as etapas de preparação, execução e sistematização dos dados coletados nos vários pontos do Império, processo fomentado pelo Estado e organizado a partir de instituições situadas em Lisboa, em especial o Real Museu e Jardim Botânico do Real Palácio da Ajuda. Em seu artigo, “Coletar, preparar, remeter, transportar – práticas de História Natural nas viagens filosóficas portuguesas (1777-1808)”, a autora nos mostrou como, embora os resultados não tenham sido publicados, o empreendimento não pode ser considerado um “fracasso”, uma vez que as “práticas”, “técnicas” e “representações” resultantes de todo o processo, inclusive a formação de uma rede de informações que surgiu durante a preparação e realização das viagens científicas no Império português.
O artigo seguinte, Censura e mercê: os pedidos de leitura e posse de livros proibidos em Portugal no século XVIII, traz uma contribuição que pode nos levar a novas interpretações sobre a Ilustração luso-brasileira, momento bastante estudado por historiadores da Ciência e da Tecnologia entre nós. Ao analisar os pedidos de licença enviados por homens públicos, professores e clérigos aos órgãos censores de Portugal, Cláudio DeNipoti e Thais Nivea de Lima e Fonseca nos mostram como esta elite letrada tinha acesso à posse de livros que tratavam de temas “perigosos” escritos pelos filósofos ilustrados de várias partes da Europa que constavam nas listas das leituras proibidas, demonstando, assim, como havia circulação de saberes e ideias, ainda que com acesso restrito, obedecendo à lógica do privilégio da sociedade do Antigo Regime. Entre os livros, havia obras e temas importantes da cultura científica da Ilustração.
Fechamos este dossiê com o texto de Thomás Haddad que nos leva ao período anterior ao Iluminismo e ao Império português observado pelo holandês Jan Huygen van Linschoten (c. 1563-1611), em seu livro Itinerário, publicado em 1596. O livro, além de conter roteiros de viagem, ficou famoso por tratar dos portugueses no Oriente. Além de uma apresentação sumária dos conteúdos tradicionais do “conhecimento colonial” que se constitui junto com a expansão europeia, Thomás Haddad explora, sobretudo, os aspectos de uma “etnografia implícita”, refletindo sobre o tema da miscigenação, tão caro à compreensão do império português e visto com olhos críticos pelo observador batavo.
Por tudo isto, vemos o conjunto de artigos aqui publicados não como ponto de chegada, mas, sobretudo, como estímulo a novas pesquisas e questionamentos que se atenham ao papel da produção de saberes articulados ao processo de expansão portuguesa desde os seus primórdios. Acreditamos que historiadores da ciência podem contribuir ainda muito para o estabelecimento de novas investigações sobre esta temática.
Heloisa Meireles Gesteira – Museu de Astronomia e Ciências Afins. MCTI PPGHIS-UNIRIO.
Thomás A. S. Haddad – Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. EACH / USP
GESTEIRA, Heloisa Meireles; HADDAD, Thomás A. S. Apresentação. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, jul. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]
Império português / História (Unesp) / 2009
Caros Leitores: É com muita satisfação que convidamos vocês, leitores, para navegarem pelas linhas dos artigos do presente dossiê IMPÉRIO PORTUGUÊS. Apresentamos um conjunto de dezesseis textos envolvendo temas entre as relações BRASIL-PORTUGAL. Nesse, encontram-se material de dois autores estrangeiros, um da Universidade John Hopkins – USA e o outro da Université de La Rochelle – Université Paris 3 – Sorbonne Nouvelle; quatorze nacionais provenientes de diversas universidades brasileiras. Tratam-se de textos inéditos feitos especialmente para o referido dossiê e que estão articulados às novas discussões historiográficas sobre o tema.
Na seqüência, há oito artigos de assuntos diversos e mais três resenhas de livros recentemente publicados.
Destacamos que após um ano de editoração da atual comissão editorial, a procura pela revista se acentuou consideravelmente, fato esse que demonstra nosso empenho na divulgação de pesquisas nacionais e internacionais tão importantes para a aquisição do saber histórico.
Assim, desejamos a todos uma leitura profícua e que continuem acompanhando nossos temas inéditos aqui registrados.
Margarida Maria de Carvalho
Wilton C. L. Silva
Editores da Revista História / São Paulo
SILVA, Wilton C. L.; CARVALHO, Margarida Maria de. Apresentação. História (São Paulo), Franca, v.28, n.1, 2009. Acessar publicação original [DR]
Império Português-Brasileiro-Espanhol (II) / Territórios & Fronteiras / 2008
Império Português-Brasileiro-Espanhol (I) / Territórios & Fronteiras / 2008
Trajetórias e redes sociais no Império Português / Revista Eletrônica de História do Brasil/2008
Homens e armas no império português / História – Questões & Debates / 2006
Acessar dossiê [DR]
Império português: ciências, poder e sociedade / História – Questões & Debates / 2002
Acessar dossiê [DR]