Lazos rotos. La inmigración, el matrimonio y las emociones en la Argentina entre los siglos XIX y XX | María Bjerg

La inmigración implica desafíos y esfuerzos que suelen redundar en una mejora para los inmigrantes y sus seres queridos; si bien esas historias suelen dejar espacios para momentos menos afortunados, en última instancia siempre se presume un final feliz. Sin embargo, la novedad de las historias de vida que se relatan en este libro radica justamente en que no son historias felices. Por eso, en la parte introductoria de la obra, su autora, María Bjerg, reconocida especialista en estudios migratorios de Argentina, propone recomponer algunas experiencias de familias cuyos vínculos se quebrantaron cuando uno de los cónyuges, por lo general el marido, decidió emigrar de Italia o España hacia el Cono Sur. El derrotero de estas familias de inmigrantes entre los siglos XIX y XX no tuvo el final más esperable, esto es, que la familia se reuniera en América, luego de que el esposo pudiera ahorrar, afincarse y acomodarse económicamente, o bien, que este regresara con ahorros para mejorar su calidad de vida en Europa. Al contrario, el reencuentro estuvo más bien marcado por la llegada de algunas mujeres que, por rumores de bigamia, decidieron afrontar solas el cruce del Atlántico sorteando las trabas judiciales y burocráticas para comprobar la veracidad de los dichos e iniciar denuncias por la ilegalidad del vínculo contraído por el esposo en Argentina. Otras en cambio, por la frustración y la miseria en la que vivían por los sueños de progreso truncado, al llegar al nuevo país, o antes de hacerlo, entablaban relaciones ilícitas con otros hombres, lo cual supuso para algunas terminar encarceladas y despojadas de sus ahorros, e incluso muertas por la violencia de sus esposos legítimos. Leia Mais

Imigração no tempo presente: experiências de vida e direitos humanos no Brasil/Revista Transversos/2022

A temática da imigração tem obtido grande repercussão nos meios de comunicação de massa, que, com frequência, têm noticiado esse fenômeno e seus desdobramentos no tempo presente. Embora o assunto remonte, no tempo e no espaço, a séculos anteriores, durante o período da grande imigração, na contemporaneidade, esse movimento tem se revestido de inúmeras preocupações. A grande mídia tem publicado matérias que aludem os impactos dos deslocamentos para o Brasil e suas implicações para a sociedade. Aponta-se para uma noção de crise migratória sem precedentes, motivada por questões que dizem respeito ao racismo e à xenofobia, além dos problemas que envolvem acolhimento a imigrantes, reconhecimento de cidadania e direitos humanos. Leia Mais

La Escuela en tiempos de migración: la voz de los actores educativos | D. Castillo, E. Thayer, R. Santa Cruz e C. Gajardo

Luis Eduardo Thayer La Escuela en tiempos de migración
Luis Eduardo Thayer | Imagem: Diario UChile

CASTILLO La Escuela en tiempo La Escuela en tiempos de migraciónLa Escuela en tiempos de migración: la voz de los actores educativos (2019) es una publicación que se enmarca en el proyecto Fondecyt Regular 1161606: “Inclusión y procesos de escolarización en niños, niñas y adolescentes migrantes que asisten a establecimientos de educación básica”. El propósito de esta publicación es analizar el proceso de escolarización de estudiantes migrantes para determinar cuáles son las dinámicas pedagógicas que favorecen su inclusión en el sistema escolar chileno.

La afirmación que abre esta investigación es la siguiente: “Chile es un país de inmigración” (Castillo et al., p. 7). Esta aseveración es corroborada mediante referencias estadísticas que reflejan el incremento de los ciclos migratorios que han afectado a nuestro país, a partir de la década del noventa. Desde entonces, la tasa de extranjeros residentes en Chile evidencia un crecimiento permanente, por ejemplo, en el periodo comprendido entre el censo de 1992 y 2002, la población migrante aumentó un 75%; mientras que en el recuento poblacional de 2012, estos índices se alzaron sobre un 160% (Castillo et al., p. 10). Según los datos que entregó el Instituto Nacional de Estadística en diciembre de 2018, en Chile habitan 1.200.000 extranjeros, es decir, la tasa migrante corresponde al 6,6% de toda la población (Castillo et al., p. 10). Leia Mais

Inmigración pensamiento y nación: 1880- 1930 | Aquiles Castro e Ana Félix (R)

De acuerdo con Maria Ligia Coelho Prado, la idea de unidad regional nace con la propia emancipación. Pugna por borrar las diferencias y rechazar los conflictos en pro de una identidad homogénea favorable al dominio político. La pregunta por quiénes somos estaba presente en la Carta de Jamaica (1815), la respuesta originales y autónomos. Este horizonte modeló las tradiciones nacionales e inspiró a políticos, intelectuales y artistas que se manifestaron sobre el futuro ideal y la legitimidad de la nación emergente (PRADO, 2008, p. 597).

El nacionalismo de finales del siglo XIX, presente en la historiografía, el periodismo, la literatura y el arte, procuró la adhesión social a un proyecto común de nación mediante símbolos e imágenes nacionales. La élite intelectual, blanca y letrada, consideraba que “los negros, los indios, los mestizos, los pobres, las mujeres, los no propietarios, los campesinos” eran incapaces de entender la dimensión del proyecto político (PRADO, 2008, p. 600). Lo no blanco era considerado inferior, y la pigmentación de la epidermis, sinónimo de barbarie. Leia Mais

Trofei e prigionieri: una foto ricordo della colonizzazione in Brasile | Piero Brunello

O livro Trofei e prigionieri: una foto ricordo della colonizzazione in Brasile, do historiador italiano Piero Brunello, publicado em 2020 pela Editora Cierre Edizione, tem muito a nos dizer sobre Santa Catarina, a imigração dos italianos no Sul de nosso estado (mais precisamente nas colônias de Urussanga, Grão-Pará, e Nova Veneza), o rapto de crianças indígenas e as expedições que massacraram a população dos Botocudos/Laklãnõ-Xokleng na região, durante o final do século XIX e início do século XX. Mas, essas não são afirmações genéricas do nosso passado, na tentativa de buscar responder ausências no que tange à região e que, muitas vezes, foram compartimentadas em temáticas pela nossa historiografia. A ideia aqui se apresenta muito mais do que fazer uma história da colonização, da imigração italiana ou da história de como os Botocudos/Laklãnõ-Xokleng foram perseguidos durante a colonização de Santa Catarina; já que é o encontro entre todas essas dinâmicas e temáticas que dá o tom do livro.

Piero Brunello é um historiador italiano e professor aposentado de História Social da Università Ca’ Foscari di Venezia. Durante sua trajetória profissional, pesquisou sobre diversos temas: emigração/imigração, escrita, história urbana, cultura popular, música e anarquismo. Entre as diferentes publicações de sua carreira, encontram- -se, principalmente, Pionieri: gli italiani in Brasile e il mito della fronteira (1994), Storie di anarchici e di spie: polizia e politica nell’Italia liberale (2009) e Colpi di scena: La rivoluzione del Quarantotto a Venezia (2018). Apesar de ter estudos sobre o Brasil e a emigração/imigração de italianos no nosso país, nenhuma de suas obras foi traduzida para o português. Por esta via, o interesse de um historiador italiano por Santa Catarina pode suscitar críticas, positivas ou desfavoráveis, uma vez que um olhar estrangeiro pode trazer tanto uma contribuição interessante às questões que não foram pensadas ou ditas pela historiografia catarinense, quanto assustar, por poder representar mais uma perspectiva europeia interessada no “excepcional”. Leia Mais

Perdas e ganhos: exilados e expatriados na história do conhecimento na Europa e nas Américas, 1500-2000 – BURKE (S-RH)

BURKE, Peter. Perdas e ganhos: exilados e expatriados na história do conhecimento na Europa e nas Américas, 1500-2000. São Paulo: Editora Unesp, 2017. Resenha de: SANTOS, Jair. O conhecimento sem pátria. SÆCULUM – Revista de História, João Pessoa, v. 25, n. 42, p. 222-226, jan./jun. 2020.

Todos os que acompanham a atualidade política sabem que um tema em particular está quase sempre presente no debate público, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos: a imigração. A polêmica discussão é animada não somente pelos jornalistas e atores políticos, com posicionamentos nem sempre apaziguadores, mas também pelos intelectuais. São inúmeros os acadêmicos – filósofos, historiadores, sociólogos, cientistas políticos, juristas – que tentam, através de uma análise mais serena e por meio dos instrumentos fornecidos pela ciência que professam, analisar a imigração como um fenômeno social complexo, com diferentes causas e diversas consequências para a sociedade. O último livro de Peter Burke, fruto de conferências proferidas na Historical Society of Israel em 2015, é um belo exemplo de como um historiador, de quem se costuma esperar apenas um olhar crítico sobre o passado, também pode enriquecer a reflexão acerca de problemas atuais. A obra Perdas e ganhos: exilados e expatriados na história do conhecimento na Europa e nas Américas, publicada em 2017, estuda um tipo específico de imigração: a dos intelectuais que deixaram seu país natal, de modo espontâneo ou forçado, e prosseguiram a sua produção intelectual em outras terras. A partir desse grupo seleto de imigrantes, o autor examina os efeitos do encontro – ou eventualmente do choque – entre duas culturas na produção e difusão do conhecimento. Este é o pressuposto central do livro: a imigração é um fato social de efeitos recíprocos, isto é, tanto os indivíduos que imigram quanto a sociedade estrangeira que os acolhe são de algum modo afetados e transformados pelo intercâmbio que se opera. Está claro, portanto, que o livro refuta o argumento, às vezes invocado em âmbito político, segundo o qual a influência estrangeira é necessariamente nociva para a cultura nacional. Leia Mais

Forbidden Passages. Muslims and Moriscos in Colonial Spanish America | Karoline P. Cook

El nuevo libro de Karoline Cook es más que bienvenido. Su razón es sencilla: hasta la fecha no existía una monografía sobre la inmigración morisca a las colonias hispanas en América durante los siglos XVI y XVII. Su justificación es más compleja, pero enriquecedora a la vez: el tema de los moriscos adquiere para la sociedad hispana y sus colonias de ultramar una relevancia específica, porque para entonces era deplorable tener un antepasado musulmán, judío, indígena o africano. Por tanto, las identidades se convertían en estrategias para camuflar, en la medida de lo posible, un pasado “impuro”. Un musulmán convertido al cristianismo se encontraba en la mira de la Inquisición por posible herejía, quedaba bajo la sospecha de impureza de sangre, lo que, a su vez, entorpecía el acceso al poder y lo hacía blanco de las redes de vigilancia de la Casa de Contratación que, de este modo, podía prohibir su migración a las colonias. El miedo fue el aliado más poderoso de este aparato normativo, que reducía a los moriscos a una categoría peyorativa equiparable con la desconfianza. Los musulmanes habían sido construidos como enemigos del pasado y presente a partir del espíritu medieval de las cruzadas. Con esta herencia, después de la Reconquista (1492), los levantamientos de las Alpujarras (1568-1571) y diferentes expulsiones fueron resignificados, también con ecos transatlánticos, como inasimilables, rebeldes y desleales. Se imaginaron como aliados del imperio otomano, cercanos a los bereberes del norte de África o, incluso, asociados con enemigos protestantes. Leia Mais

Lazos rotos. La inmigración/el matrimonio y las emociones en la Argentina entre los siglos XIX y XX | M. Bjerg

En las últimas décadas, la inmigración europea ha constituido un tópico recurrente en la historiografía local, especialmente en lo que refiere a los procesos de conformación del estado nacional en las postrimerías decimonónicas. Sendos abordajes pusieron de relieve la arista cuantitativa de la afluencia ultramarina, su impacto demográfico y el impulso en la modelización de una economía moderna a las puertas de la nueva centuria. Sin embargo, tanto la experiencia colectiva y subjetiva de la migración como la vida cotidiana de quienes emigraron no devinieron en igual objeto de interés para el campo de estudios históricos. Leia Mais

Raza Sí, Migra No: Chicano Movement Struggles for Immigrant Rights in San Diego – PATIÑO (THT)

PATIÑO, Jimmy. Raza Sí, Migra No: Chicano Movement Struggles for Immigrant Rights in San Diego. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2017. 356p. Resenha de: RODRÍGUEZ, Elvia. The History Teacher, v.52, n.3, p.533-535, may., 2019.

In his book, Jimmy Patiño analyzes how the United States’ immigration policies became a focal point for Chicano Movement activists, particularly in San Diego.

San Diego, being a borderland region, emerges as a site of unity between Chicanos and Mexican nationals, as both groups were often victims of brutality from Border Patrol agents and/or experienced the negative effects of immigration laws (family separations, wage suppression, etc.). This unity is a “raza sí, migra no” stance that propels social and political action.

Part I of the book addresses activism around immigration through the 1930s-1950s with groups like El Congreso del Pueblo que Habla Español (Congress of Spanish-Speaking People) and Hermandad Mexicana (Mexican Brotherhood). Chicanos’ activism in the 1960s and 1970s is the focus of Part II.

Here, readers learn about the efforts of organizations such as CASA Justicia and La Raza Unida Party to resist what Patiño calls the “deportation regime” and how individuals in these organizations bring about a shift in the Chicano Movement’s agenda, not only by taking on the issue of immigration, but in so doing, adopting a transnational identity that unites Chicanos and Mexicans. “Raza sí, migra no” activists then focused on appealing to both the United States and Mexico to address the root causes of illegal immigration. The final chapter in Part II momentarily moves away from immigration to look at another form of persecution that people of color encountered—police brutality. Part III deals with San Diego organizations, especially the Committee on Chicano Rights (CCR), protesting the Carter and Reagan administrations’ oppressive immigration procedures. Patiño uses Herman Baca, who headed many of those efforts, as a connecting thread throughout the narrative. For decades, Baca and his print shop served as the center of resistance against the deportation regime.

Raza Sí, Migra No is a book that could be assigned in an upper-division course dealing with American, immigration, or Chicano history. A discussion on labor history would also benefit from the information presented by Patiño. Chapter 2, one of the strongest sections of the book, would be a valuable addition to any women’s history class. Here, Patiño discusses how white Border Patrol agents asserted their dominance over the Mexican/Chicano community by sexually harassing and/or assaulting women of Mexican ancestry. Patiño also demonstrates the patriarchal norms of Mexican culture as women were usually seen only as wives and mothers. Due to its very specific scope, the best place for this book, however, may be in a graduate seminar. Students would certainly receive greater insights into the debates and aims of the Chicano Movement, such as organizations’ diverging stance on support for amnesty or who is a member of la raza and who is not (many Chicano individuals excluded Mexicans from this community). Raza Sí, Migra No could also be used in a seminar on social movements, as Patiño does a masterful job at tracing the evolution and sometimes collapse of organizations seeking rights for minorities. Aside from students, educators may also find the book useful, especially when discussing the Carter administration as well as immigration policies of the late twentieth century.

Patiño’s critical look at Chicano activism makes his book a fine addition to the field. He does not shy away from presenting fractures and even failures within the Chicano movement. Moreover, Patiño’s examination of the coalition between Chicanos and African Americans (against police brutality in San Diego) is not typically found in this scholarship, but is a welcome contribution. While Raza Sí, Migra No presents fascinating issues, in some instances, the reader is left wanting more. For example, in Chapter 7, Patiño brings up the Ku Klux Klan’s plan to start a patrolling program on the U.S.-Mexico border, and he goes on to discuss the press coverage the Klan received over their plan, but then readers do not get more information on this very intriguing matter. Similarly, Patiño raises the idea that “the amnesty provisions of [the Reagan administration’s] IRCA co-opted social movement forces that could have focused on uprooting the deportation regime” (p. 265), but does so in the conclusion and devotes only a few sentences to this assertion. These exceptions aside, Raza Sí, Migra No absolutely furthers the scholarship of Chicano activism, but in addressing immigration policies, this book also sheds light on a matter that is at the forefront of today’s political climate.

Elvia Rodríguez – California State University, Fresno.

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Inmigración, Trabajo y Servicio Doméstico en la Europa Urbana, Siglos XVIII-XX – ISIDORO DUBERT (LH)

ISIDORO DUBERT, Vincent Gourdon (org). Inmigración, Trabajo y Servicio Doméstico en la Europa Urbana, Siglos XVIII-XX. Madrid: Casa de Velázquez, 2017, 304 pp. Resenha de: ABRANTES, Manuel. Ler História, v.75, p. 288-291, 2019.

1 O estudo do trabalho doméstico tem florescido na última década, ganhando visibilidade em vários campos científicos. A contiguidade destes campos é tão evidente quanto os benefícios do diálogo interdisciplinar. Ao debruçar-se sobre o livro Inmigración, Trabajo y Servicio Doméstico en la Europa Urbana, Siglos XVIII-XX, um sociólogo que estuda as características contemporâneas deste sector de trabalho não tarda a recordar certas leituras iniciáticas ; e, assim impelido a abrir mais uma vez o extraordinário tratado de Wright Mills sobre a imaginação sociológica, reencontra as páginas nas quais o autor norte-americano propõe que “as ciências sociais são elas próprias disciplinas históricas” e que “precisamos da variedade disponibilizada pela história até para formular questões sociológicas de forma apropriada, quanto mais para lhes responder”.1

2 O livro aqui analisado, organizado pelos historiadores Isidro Dubert e Vincent Gourdon a partir de um colóquio que se realizou em Santiago de Compostela em 2013, é constituído por três partes encadeadas numa ordem lógica : de uma matriz mais geral (visões panorâmicas) para uma matriz mais particular (análises de casos específicos). A primeira parte é dedicada à relação entre a mobilidade populacional campo-cidade e os processos de urbanização e industrialização. O foco empírico incide sobre cidades da Europa que, tendo vivido estes processos em graus e ritmos diversos, têm em comum o facto de se distinguirem do paradigma de industrialização tout court privilegiado nos estudos anglo-saxónicos. Como se sublinha desde logo no capítulo introdutório do livro, os desenvolvimentos ocorridos em Paris, Turim, Santiago de Compostela, Lisboa ou Porto, ainda que difusos ou ambíguos, são exemplificativos de uma parcela substancial do fenómeno de urbanização no continente europeu.

3 Começamos por um texto de enquadramento, no qual Jean-Pierre Poussou sintetiza grandes tendências do século XVIII aos dias de hoje. De seguida, Teresa Ferreira Rodrigues e Susana de Sousa Ferreira concentram-se no período de 1850-1930 em Portugal, examinando as ligações entre migrações internas, sistema urbano e políticas de industrialização. Para este fim, tomam em consideração não só os fluxos demográficos mas também os padrões de comportamento em dimensões como a nupcialidade, a fecundidade, os quotidianos e os modos de apropriação do espaço urbano. São elementos importantes para compreender os desequilíbrios de um país que se movia a diferentes velocidades ; um país cuja população aumentou de 3,5 milhões em 1850 para 6,8 milhões em 1930, aumento absorvido em larga medida pelos movimentos migratórios que resultavam de assimetrias regionais de crescimento demográfico e desenvolvimento. Por outro lado, as autoras não deixam de salientar várias diferenças significativas em função do género (percursos de homens e de mulheres), da duração (migrações permanentes, temporárias e sazonais) e da distância geográfica (migrações internacionais, do interior para o litoral, e das zonas rurais para as zonas urbanas). As redes migratórias que na mesma época se desenvolviam em Madrid e Paris são estudadas por Rubén Pallol Trigueros e Manuela Martini, respetivamente.

4 A segunda parte do livro reúne trabalhos que procuram compreender a concomitante transformação dos mercados de trabalho rurais e urbanos, detendo-se com especial atenção nas dinâmicas associadas à composição familiar e ao ciclo de vida. Llorenç Ferrer-Alós dedica-se ao caso da Catalunha no século XIX e Isidro Dubert à cidade de Santiago de Compostela nos séculos XIX e XX, enquanto François-Joseph Ruggiu nos leva ao século XVIII em Charleville, actualmente Charleville-Mézières. Por último, os capítulos da terceira parte cruzam a análise estatística com a reconstrução de percursos de vida – a partir de fontes diversas como recenseamentos, registos fiscais ou testemunhos orais – para examinar a relação entre fluxos migratórios, mercados de trabalho e serviço doméstico ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX. Aprofundamos assim a compreensão de dinâmicas específicas do trabalho doméstico pago em Turim (por Beatrice Zucca Micheletto), Charlevillle (por Fabrice Boudjaaba e Vincent Gourdon), Granada (por David Martínez López e Manuel Martínez Martín) e Corunha (por Luisa María Muñoz Abeledo). O capítulo sobre Granada, por exemplo, mostra que nessa cidade as consideráveis flutuações na dimensão do sector do serviço doméstico dentro dos limites temporais do estudo – de 1890 a 1930 – não seguiram um padrão linear, antes acompanhando transformações culturais relacionadas com práticas e atitudes de classe, com a economia da prestação de cuidados e com a própria (des)valorização deste tipo de trabalho. A segmentação entre serviço interno e externo comporta uma clara marca de género que lança luz sobre desenvolvimentos posteriores do sector.

5 Se o capítulo de David Martínez López e Manuel Martínez Martín destaca a dimensão de género na organização do serviço doméstico, faz-nos falta o reconhecimento desta dimensão noutros momentos do livro, sob risco de se negligenciar a exploração das mulheres e o carácter estruturante da desigualdade entre mulheres e homens, tanto nas relações hierárquicas de classe como nas dinâmicas internas à classe trabalhadora e à burguesia. Esta perspectiva é fundamental para explicar as tensões e transformações do serviço doméstico – quer em retrospectiva, quer na actualidade. Como argumenta Rosemary Crompton, o género nunca deixou de ser, ao longo dos séculos XIX e XX, um elemento determinante na repartição de responsabilidades, na ideologia da vida privada e da vida pública enquanto esferas separadas, e nos modelos de divisão do trabalho daí decorrentes.2

6 A pluralidade dos estudos reunidos no livro, a par do diminuto conhecimento histórico do autor desta recensão, dificulta a elaboração de uma linha comum de leitura e interpretação. Certo é que o livro dá um contributo importante para se reconhecer a centralidade do serviço doméstico na História das sociedades europeias – seja de um ponto de vista económico, enquanto sector de trabalho volumoso, complexo e dinâmico, seja na estruturação das relações sociais e, por conseguinte, na organização das práticas quotidianas. Daqui decorre um convite claro a perscrutarmos as segmentações internas do serviço doméstico, das suas realidades mais públicas às dinâmicas mais íntimas e informais, estas últimas obscurecidas pela subalternização histórica das vozes e das experiências das mulheres – e, sobretudo, das mulheres da classe trabalhadora. Mas o desafio será também não perder de vista o quadro mais amplo ; não acantonar o serviço doméstico como objecto de investigação ; realçar as suas singularidades sem esquecer as interligações com outros sectores de trabalho e com outras componentes das relações de género.

7 Do ponto de vista metodológico, os organizadores do livro defendem consistentemente o potencial das genealogias e das análises de ciclo de vida para um entendimento mais fino das mudanças sociais. Propõem uma lente mesoscópica capaz de captar a agência dos indivíduos, as redes, as mediações, as relações com a cidade, as dinâmicas familiares. Rejeitando uma noção dos contextos de partida e de chegada como estanques, constatamos com efeito que a destruição das vidas e economias rurais esteve na origem de fluxos campo-cidade que pouco devem a aspirações pessoais. Ou seja, o aprofundamento do estudo das condições individuais não nos leva, de modo algum, a cair nas falácias de um individualismo metodológico : pode justamente ser um passo necessário para reduzir o factor individual à medida apropriada. Por tudo isto, o livro aqui recenseado é também um convite a reler o notável trabalho de Inês Brasão, que estuda a condição servil em Portugal entre 1940 e 1970 a partir dos processos de dominação e de resistência que a caracterizaram, baseando-se num conjunto amplo de fontes que vai de censos a testemunhos orais, de legislação a excertos de imprensa, de relatórios públicos a fotografias pessoais.3 A linha que pode unir as criadas de servir em épocas passadas e as empregadas domésticas do presente está por traçar ainda. O diálogo interdisciplinar é uma condição favorável para a concretização desta tarefa, bem como um elemento promissor para reforçar o diálogo entre as ciências sociais e a política pública relativa ao trabalho doméstico.

Notas

1 Charles Wright Mills, The Sociological Imagination. Oxford : Oxford University Press, 1959, pp. 1 (…)

2 Rosemary Crompton, Employment and the Family : The Reconfiguration of Work and Family Life in Con (…)

3 Inês Brasão, A Condição Servil em Portugal : Memórias de Dominação e Resistência a Partir de Narr (…)

Manuel Abrantes – SOCIUS/CSG, ISEG, Universidade de Lisboa, Portugal. E-mail: manuelabrantes@gmail.com

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Escolas italianas no Rio Grande  do Sul: pesquisas e documentos – RECH; LUCHESE (RHHE)

RECH, Gelson Leonardo; LUCHESE, Terciane Ângela. Escolas italianas no Rio Grande  do Sul: pesquisas e documentos. Caxias do Sul, EDUCS, 2018. Resenha de: FERNANDES, Cassiane Curtarelli. Escolas italianas no Rio grande do Sul: pesquisas e documentos. Revista de História e Historiografia da Educação, Curitiba, Brasil, v. 2, n. 6, p. 241-245, setembro/dezembro de 2018.

Escolas italianas no Rio Grande do Sul: pesquisas e documentos, é o título da obra composta pelos pesquisadores Gelson Leonardo Rech e Terciane Ângela Luchese, publicada em 2018, pela editora EDUCS. O escrito é fruto da continuidade das pesquisas empreendidas pelos autores em torno dos processos educativos entre imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul, assim como dos diálogos mantidos no Grupo de Pesquisa História da Educação,  Imigração e Memória (GRUPHEIM) da Universidade de Caxias do Sul/RS.

De uma forma acessível, Gelson e Terciane partilham seus empreendimentos de pesquisa com o público interessado na temática da imigração italiana no estado gaúcho. As páginas, escritas a quatro mãos, reúnem três movimentos: narram uma história das escolas italiano no estado, apresentam uma reflexão metodológica e transcrevem documentos primários, alguns até então inéditos para a área da História da Educação.

O livro, organizado em três capítulos, inicia com prefácio elaborado pelo Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara, que aborda brevemente o processo imigratório italiano no Rio Grande do Sul. Em seguida, há uma apresentação da obra pelos autores, desejando que “a leitura das páginas que seguem possa inspirar outros investigadores e interessados pela temática a pensarem os processos educativos étnicos como uma importante singularidade no contexto brasileiro” (RECH; LUCHESE, 2018, p. 12).

No primeiro capítulo intitulado O processo escolar entre imigrantes italianos e descendentes no Rio Grande do Sul (1875-1938), os pesquisadores apresentam os resultados das investigações realizadas nos últimos anos acerca do processo escolar entre imigrantes e descendentes de italianos no estado, nos anos finais do século XIX, mais especificamente nas colônias da Serra gaúcha e na capital Porto Alegre.

O texto inicia com um panorama histórico acerca do processo imigratório italiano no estado, apontando brevemente as causas da imigração, o interesse do governo brasileiro no fenômeno migratório, assim como a formação das diversas colônias estabelecidas a partir de 1870. Em seguida, apresenta o contexto educacional do Rio Grande do Sul entre o século XIX e o XX. Depois, direciona o olhar para o processo escolar entre imigrantes italianos e os seus descendentes, apontando que “diversas foram as iniciativas dos imigrantes na organização de escolas” (RECH; LUCHESE, 2018, p. 25). Entre estas iniciativas, os pesquisadores destacam as escolas étnico-comunitárias rurais, as escolas étnico-comunitárias mantidas por Associações de Mútuo Socorro e as escolas ligadas a congregações religiosas. Ainda, ressaltam que às escolas públicas – isoladas, grupos escolares e colégios elementares, foram também requisitadas pelos imigrantes. No entanto, ressaltam que:

Essa escola frequentada pelos imigrantes, seus filhos e netos, mesmo sendo pública, era marcada por elementos étnicos. O próprio prédio escolar e a terra onde estava localizada, muitas vezes, foram doados pela comunidade, assim como os móveis. As comunidades frequentemente interferiam na nomeação e/ou indicação do professor, como averiguou Luchese (2007). As práticas pedagógicas e o sotaque dialetal, bem como outros elementos culturais étnicos, marcavam presença nas salas de aula. (RECH; LUCHESE, 2018, p. 37).

Após, os autores apresentam algumas iniciativas de escolarização tendo como pano de fundo à capital Porto Alegre. Assim, evidenciam a organização do Instituto Médio Ítalo-Brasileiro que funcionou como um colégio-internato, entre os anos de 1917 a 1930, fundado pelo Professor Augusto Menegatti e sua esposa Linda Menegatti, como também a reorganização das escolas étnicas na capital.

Concluem este primeiro capítulo elencando algumas dificuldades encontradas para se manter as iniciativas das escolas étnico-comunitárias, bem como as influências do governo fascista de Mussolini a partir de 1922, sobre as escolas étnicas italianas e a preferência dos imigrantes e descendentes pela escola pública.

Análise documental histórica: considerações metodológicas sobre a história da escola entre imigrantes italianos e seus descendentes é o título do segundo capítulo organizado pelos autores, tendo como objetivo compartilhar considerações sobre os caminhos teóricos e metodológicos de suas investigações (RECH; LUCHESE, 2018). Sendo assim, destacam a utilização do aporte teórico-metodológico da História Cultural, a importância de tomar os documentos como monumentos nas pesquisas e o trabalho com a análise documental – organização e interpretação dos dados.

Nesta segunda parte do livro, os autores partilham com os demais pesquisadores da área, seis preocupações necessárias trabalho com a análise de documentos textuais, a saber: 1) as condições de produção do documento; 2) os procedimentos internos; 3) as condições de circulação do documento; 4) a materialidade do documento; 5) a apropriação; 6) a preservação. Da mesma forma, demarcam a importância do cruzamento das fontes selecionadas nas pesquisas, a diversificação das mesmas – textuais, orais e iconográficas, o diálogo com a teoria e o cuidado com as referências de localização dos vestígios com compõe o corpus documental da investigação. Desse processo, emerge “a tessitura da escrita”, nas palavras de Rech e Luchese (2018, p. 74). Para ambos:

Nesse jogo de vida e morte, de passado e presente, de documentos e monumentos, não podemos esquecer que as narrativas históricas da educação, derivadas das pesquisas que produzimos, são resultados de trabalho com questões de pesquisa possíveis no tempo em que vivemos e que, para respondê-las, construímos um corpus empírico. Destarte, indícios, rastros, sinais que são ordenados, montados, questionados na análise, na inter-relação e contextualização que procedemos para escrever história, escrever um possível sobre o passado educacional, reconhecendo a precariedade e a necessidade de revisitar documentos, munidos por novos questionamentos. É o movimento constante da pesquisa. (RECH; LUCHESE, 2018, p. 77).

No terceiro e último capítulo denominado Repertórios documentais, Gelson e Terciane, de forma generosa, compartilham quatro documentos que auxiliam na compreensão da história da escola entre imigrantes italianos e descendentes no estado do Rio Grande do Sul.

O primeiro documento apresentado pelos autores é um relatório elaborado pelo italiano Ranieri Venerosi Pesciolini, que em visita aos estados do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina, escreve no ano de 1912, sobre a vida nas colônias italianas, incluindo um tópico sobre a as escolas e a instrução. A segunda fonte também é um relatório e foi produzida em 1923, pelo professor italiano Vittore Alemanni que escreve sobre as escolas italianas no Brasil. O terceiro do-cumento é um recorte do texto apresentado no livro Cinquantenario della colonizzazione italiana nel Rio Grande del Sud (1875-1925) por Benvenuto Crocetta em 1925, onde o mesmo compõe um pequeno escrito sobre as escolas. O último vestígio é uma carta de Celeste Gobbato, intendente de Caxias do Sul, endereçada a Benito Mussolini, no ano de 1927, “pedindo a intervenção do Duce para que os padres salesianos implantassem um ginásio em Caxias do Sul” (RECH; LU-CHESE, 2018, p. 150). Os documentos disponibilizados são apresentados na sua versão original em língua italiana e acompanham as res-pectivas traduções realizadas pelos autores do livro.

A obra escrita por Rech e Luchese (2018) é uma importante contribuição para os estudos historiográficos em torno dos processos educativos nas colônias de imigrantes e descendentes de italianos. A partir das investigações dos autores é possível perceber que a escola foi alvo de desejo e de interesse por parte das famílias italianas desde os anos iniciais de formação dos núcleos coloniais.

Sendo assim, além de compartilhar os conhecimentos construídos sobre a temática do livro, os autores dividem com os jovens pesquisadores da área da História da Educação os seus modos de trabalhar com a análise documental e narrar uma história. Refletem acerca do problema de pesquisa e do uso de documentos, apontam autores dentro do referencial teórico-metodológico da História Cultural e sugerem caminhos para a metodologia da análise documental. Ao final, ainda nos brindam com a reprodução de quatro documentos que tratam sobre a escolarização. Escolas italianas no Rio Grande do Sul: pesquisas e documentos é uma publicação inspiradora e que merece nossa atenção.

Cassiane Curtarelli Fernandes – Doutoranda em Educação pela Universidade de Caxias do Sul, UCS (Brasil). Contato: cassianecfernandes@gmail.com.

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Italianos em Mato Grosso: fronteiras de imigração no caminho das águas do Prata (1856 a 1914) – GOMES (RTF)

GOMES, Cristiane Thaís do Amaral Cerzósimo. Italianos em Mato Grosso: fronteiras de imigração no caminho das águas do Prata (1856 a 1914). Cuiabá: Entrelinhas; EdUFMT, 2011. Resenha de: SILVA, Giuslane Francisca da. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 7, n. 1, jan.-jun., 2014.

Em Italianos em Mato Grosso: Fronteiras de imigração no caminho das águas do Prata: 1856-1914, obra resultante de sua tese de doutoramento em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP, Cristiane Thais do Amaral Cerzosimo Gomes se propõe a abordar as trajetórias de vidas, práticas e fazeres cotidianos de imigrantes italianos em Mato Grosso, enfatizando como estes, oriundos de diferentes partes da Itália, tiveram suas práticas culturais, incorporadas aos “sistemas de valores, ideias e formas institucionais do viver e fazer mato-grossense” (p.53). Tendo em vista a presença de imigrantes italianos em diferentes regiões da província, um dos eixos que move o trabalho da historiadora é destacar a importância desses imigrantes italianos e o que eles representaram para sociedade mato-grossense daquele período.

O recorte temporal da obra figura-se entre 1856 a 1914, O ano de 1856 liga-se ao Tratado de Aliança, Comércio, Navegação e Extradição, estabelecido entre Brasil e Paraguai, que possibilitou a abertura da navegação fluvial pelo rio Paraguai, facilitando a mobilidade de estrangeiros em terras mato-grossenses, assim como favoreceu a economia de importação e exportação entre Mato Grosso e os países do Prata (Paraguai, Argentina e Uruguai). 1914 refere-se ao momento em que a partir da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que ligava a região sul de Mato Grosso (Corumbá) ao litoral de São Paulo (Bauru) fez com que houvesse uma diminuição da entrada de imigrantes italianos no estado, mediante a navegação fluvial, pela conhecida rota do Prata, haja vista que as ferrovias se apresentavam como um recurso de transporte mais viável.

A obra é composta de quatro capítulos, considerações iniciais e finais. No que diz respeito as considerações iniciais, Gomes, enfatiza que os italianos ao dei-xarem suas terras de origem, entre o final do século XIX e princípio do XX, a maioria destes, antes de estabelecer-se em Mato Grosso, dirigiam-se aos países platinos, para posteriormente se lançarem à navegação pelos rios do Prata, Paraná, Paraguai e Cuiabá, até alcançarem as terras mato-grossense. Esse percurso fluvial, que nesse momento representava a principal via de comunicação entre Mato Grosso e os paí-ses do Prata, ficou conhecido como “rota do Prata” ou “caminho das águas”, (p. 22).

Através de um minucioso levantamento documental que a autora se apoia, tais como “memorialistas, depoimentos, jornais, relatos de viajantes, registros e relatórios oficiais” (p.36), a possibilitou identificar o fluxo de imigrantes italianos em terras mato-grossenses, que se constituíram enquanto espaços, nos quais esses sujeitos se estabeleciam, casavam-se, alguns inclusive tornavam-se famosos e bem sucedidos comerciantes, e em muitos casos jamais retornavam às suas terras de origem.

Uma característica marcante do processo de imigração a Mato Grosso, no período abordado, se constitui na predominância de imigrantes solteiros, oriundos da Itália Meridional, especialmente das regiões da Calábria, Campânia e Basilicata. Com base nos Autos de Habilitação Matrimonial e de Justificação do Estado de Solteiro, uma documentação que visava comprovar o estado civil dos imigrantes que almejavam contrair matrimônio, foi possível traçar vários casos de italianos que se casaram com mulheres mato-grossenses, passando a constituir famílias, dedicando-se principalmente às atividades comerciais. Tal documentação evidencia ainda as particularidades do processo imigratório em Mato Grosso no final do século XIX e início do XX, sendo “possível surpreender origens, trajetórias e destinos desses imigrantes, bem como de suas práticas matrimoniais (…) numa perspectiva de apropri-ação e reapropriação de espaços, constituídos por relações sociais e culturais de italianos (…)” (p.43).

No primeiro capítulo, Imigrantes italianos na fronteira de Mato Grosso, a auto-ra aborda o fluxo de imigrantes italianos, sobretudo de jovens solteiros para terras mato-grossenses, impulsionados pela abertura da navegação pelo rio Paraguai e pelas oportunidades de investimentos em terras mato-grossenses. São analisadas ainda as tentativas do governo em criar projetos de imigração e colonização na fronteira da província. O governo procurou criar mecanismos de aproximação e proteção aos povos indígenas que habitavam esta região fronteiriça, com o intuito de atrair nativos e deslocá-los para outros lugares, pois as terras indígenas eram vistas como pontos estratégicos para a colonização. No entanto, o projeto de colonização não obteve êxito, sendo empregados novos mecanismos de colonização, tendo como saída a criação de incentivos tais como a doação de faixas de terras a nacionais e estrangeiros, com o intuito de atrair imigrantes europeus, pois acreditava-se que com seus “braços civilizadores” viriam preencher os espaços “vazios” de Mato Grosso.

Através da abertura da navegação pelo rio Paraguai na segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1856, ocorreu uma espécie de encurtamento das distâncias que separavam as cidades de Cuiabá, Corumbá, Assunção e Buenos Ayres, haja vista que os contatos entre estas cidades passaram a ser mais constantes. O aumento de embarcações que percorriam esse trajeto, que levavam e traziam passageiros, grande parte deles imigrantes que viriam a se estabelecer em Mato Grosso, “propiciou a aproximação entre grupos e povos, com diferentes costumes, idiomas e modos de vida” (p.74).

No segundo capítulo intitulado Italianos e portugueses entre a guerra do Para-guai e o Caminho das águas, Gomes apresenta as estratégias políticas do governo de Mato Grosso em criar meios de comunicação com os Países do Prata, mediante a livre navegação pelo rio Paraguai. Pois segundo a autora, apesar da localização geográfica de Mato Grosso ser privilegiada, a província desde o período colonial até metade do século XIX, enfrentava problemas de comunicação com as demais regiões, devido ao longo e oneroso percurso terrestre que ligava Mato Grosso a outras cidades. Objetivava-se com a abertura da navegação, assegurar o abastecimento de mercadorias, que devido ao longo percurso terrestre em tropas de mula, acarretava no encarecimento destas mercadorias, assim como visava o escoamento mais acelerado de matérias- primas produzidas na região.

Em 1856, após longas conversações e missões diplomáticas juntamente com o governo paraguaio, foi assinado o tratado que propiciou a abertura da navegação pelo rio Paraguai, abrindo para Mato Grosso “uma nova fase de prosperidade econômica, social e cultural” (p.104), visto que a comunicação entre a província e as cidades litorâneas passou a ser feita pelo “caminho das águas”, o que proporcionou a Mato Grosso uma euforia econômica, devido a possibilidade de escoamento de matérias-primas com maior rapidez, assim como a importação tanto de pro-dutos nacionais como estrangeiros. Assim, correntes de imigrantes europeus especialmente de italianos, que aportavam em terras mato-grossenses, tornaram-se cada vez mais frequentes. Esse súbito desenvolvimento econômico que Mato Grosso experimentava foi abalado pela Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870), quando a província de Mato Grosso novamente foi posta em uma situação se semi-isolamento, pois a navegação via rio Paraguai foi interrompida durante o conflito.

Gomes aborda os impactos da Guerra do Paraguai sobre a população ma-to-grossense, destacando como este conflito foi vivenciado por imigrantes italianos que residiam na cidade de Corumbá. Nessa perspectiva, a autora apoia-se no Memorandum do comerciante português Manoel Cavassa, que juntamente com sua famí-lia, presenciou a tomada de Corumbá pelos paraguaios, em janeiro de 1965, para apresentar os conflitos e dilemas vividos pelos imigrantes durante a invasão.

Concernente ao terceiro capítulo- Italianos em tempos de livre navegação- discute-se que a partir da reabertura da navegação pelo rio Paraguai ao final da Guerra da Tríplice Aliança, em 1870, Mato Grosso voltou a conectar-se com os países do Prata, novamente os “caminhos das águas” vieram orientar a dinâmica comercial de Mato Grosso, assim como permitia a entrada de uma grande leva de imigrantes. Gomes apresenta as trajetórias e experiências vividas por imigrantes italianos em Mato Grosso, assim como destaca o desenvolvimento de importantes casas comer-ciais de propriedade de imigrantes, que comercializavam uma grande variação de mercadorias, que iam desde a importação de artigos de luxo, vindos de Paris, Londres, tais como tecidos, chapéus, perfumarias, e etc. Assim como atividades de ex-portação de matérias-primas. Além de atuarem como representantes bancários.

Gomes enfatiza o papel da cidade portuária de Corumbá, que passou por um súbito crescimento demográfico e urbano nesse período, o que se justifica devi-do ao fato de os imigrantes que aportavam na província primeiramente, desembarcavam em Corumbá, para posteriormente decidirem seus destinos, além do mais a estratégica localização geográfica fez com que a mesma se tornasse um importante entreposto comercial de Mato Grosso, movimentando a economia provinciana.

No entanto, Gomes nos adverte que não se pode pensar o porto de Co-rumbá somente a partir da dinâmica comercial, pois este, muito mais de ponto de embarque e desembarque de mercadorias e passageiros, se configurava como um “espaço de vivências e experiências de indivíduos de diversas nacionalidades e pro-cedências, tornando-se um local de passagem, onde ocorriam encontros, desencontros e entrosamentos de nacionais e estrangeiros” (p.141) até então jamais visto em Mato Grosso.

No quarto e último capítulo- Da Itália ao sertão mato-grossense: “vendendo, construindo e consertando de tudo um pouco”– através da utilização de depoimentos orais de descendentes italianos em Mato Grosso, a autora busca desvendar as experiências de seus antepassados. Gomes chama a atenção para o papel do imigrante, que através de suas experiências, valores e concepções, passaram a reconfigurar a cultura urbana de Mato Grosso, especialmente da capital Cuiabá, a partir de suas maneiras diversificadas de seu modo de fazer, viver e trocar experiências.

Através de um minucioso levantamento documental, tais como periódicos, relatos orais, assim como os “Autos de Justificação do Estado de Solteiro”, foi possível, mapear e reconstruir particularidades do processo de imigração em Mato Grosso, percebendo as relações de parentesco estabelecidas, bem como analisando as atuações destes imigrantes em diferentes espaços de sociabilidades. Cerzósimo Gomes aponta que a vinda de imigrantes solteiros para Mato Grosso, resultou em uniões matrimoniais entre italianos e mulheres residentes em diferentes regiões ma-to-grossenses, tais práticas, evidenciam uma forma peculiar de integração social desses imigrantes na sociedade do período.

Giuslane Francisca da Silva – Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-graduação em História Av. Fernando Corrêa da Costa, nº 2367 – Bairro Boa Esperança – Cuiabá – MT – 78060-900 E-mail: giuslanesilva@gmail.com.

Australians and Greeks: volume III: The later Years – GILCHRIST (PHR)

GILCHRIST, Hugh. Australians and Greeks: volume III: The later Years. Sydney: Halstead Press, 2004. 432p. Resenha de: ASHTON, Paul. Public History Review, v.12, 2006.

Hugh Gilchrist’s Australians and Greeks: the Latter Years is the third and final volume in a remarkable trilogy. The origins of this enormous project can be traced back to Greece. As Australia’s Ambassador in Athens in the later 1960s, Gilchrist was told the story of the Greek Countess, Diamantina Roma, wife of Sir George Bowen who was the first Governor of Queensland from 1859 to 1868, after whom the town of Roma and the Diamanatina River are named. Fascinated by the links her story signified, he embarked on a research project that literally took over his life. The publication of this handsome volume brings to fruition thirtyfive years of research in both countries into thousands of stories that lie behind the long association between Greece and Australia.

Volumes I and II have already earned Hugh Gilchrist critical praise and a special place within Australia’s Greek community: he was the recipient of the Niki Award by the Australian Hellenic Council and the Cross of St Andrew from the Greek Orthodox Church of Australia. His success as a writer comes not just from dedication but from a talent for selecting material and a very readable style.

The third and final volume reveals in detail neglected aspects of Australian history. There are the Australian who fought for years in Greece behind Nazi lines; and Australia’s leading role in the post-War diplomacy of Southeastern Europe, involving as it did people such as Dr H.V. Evatt and Prime Minister Chifley. Combined with ‘official history’ are intense and moving personal stories which will mean much to those who remember and to descendants of Greeks and Australians of those times.

Gilchrist’s book intersects with a number of different types of history: Australian, Greek and ‘official’ history – as I’ve just mentioned – and oral history which has informed many of the stories he relates. But the work also connects strongly with public history.

Everyday forms of history-making have both transformed and challenged the academic discipline of history. The late Raphael Samuel, a founder of the British History Workshop Journal, proposed that ‘history is not the prerogative of the historian, nor even, as postmodernism contends, a historian’s “invention”. It is, rather, a social form of knowledge; the work, in any given instance, of a thousand hands.’ The writing of books based on thorough research is the most traditional mode of history but it can also constitute public history. And Australians and Greeks can certainly be seen as a work of public history. It is clearly the product ‘of a thousand hands’: there are almost 300 individual acknowledgements in the back of the book. Its engagement with the Greek community also links it to public arenas where history is prized. Australians and Greeks is also an artefact of public history. An artefact is any object created with a view to subsequent use. And Gilchrist most definitely has his eye on the future in writing this and the other volumes.

Its first use relates to history and the community. The past, as we know, is inescapable; it is a vital part of our human existence. From it we derive our cultural identities, collective memories, social authority, mental maps, fond objects and special places. Every social group and movement – ethnic, green, black, nationalist, and so forth – creates its own history. These histories authenticate their stories and legitimate their world views and desires. They give communities a place in the sun. In the process, significant events, people, places and things become woven into individual and collective understandings of the past.

All this is true of this book. Australians and Greeks starts in 1939 just prior to the outbreak of World War II and finishes early in 1953 with the establishment of a full Greek diplomatic legation in Australia: there is a photograph on page 370 of Dimitrios Lambros, Minister of Greece, presenting his credentials to the Governor General, William McKell. The image and the time in which it was taken are significant: the resumption of migration from Greece, dealt with in chapter nineteen, and the extension of assisted passage to Greeks in 1952, marked the political and social rise of the Greek community in Australia. This trilogy, indeed, is in one way a product of this ascent.

A second ‘use’ of Australians and Greeks relates to its function as a documentary. It preserves within its pages images, memorabilia, original written sources, maps and other historical evidence for future generations. It also documents the beginnings of the ascent of the Greek community into mainstream society. Much of this involved ‘generational change in occupations’ which Gilchrist begins to chart in chapter twenty-four. Reflecting a hierarchy of parental aspirations for their children’s professional futures, we see the offspring of Greek migrants moving, in small numbers at first, into 1. Medicine, dentistry and pharmacy 2. Law and accounting 3. Science, engineering and architecture (in that order) 4. Teaching and then into 5. Trade and industry.

This is reflected in the chronology at the beginning of the book. For example, in the entry for 1945, Gilchrist notes: ‘Australian trade unions press Dr Evatt to urge for political reform in Greece… In Melbourne Anthony Shannos graduates in medicine.’ As an artefact, Australians and Greeks has a third use: as a work of reference. In his ‘Epilog’, Hugh Gilchrist quotes Samuel Johnson: Public History Review, vol 12, 2006 122 He who collects is laudably employed; for, though he exerts no great talents in the work, he facilitates the progress of others; and, by making that easy of attainment which is already written, may give some mind, more vigorous or more adventurous than his own, leisure for new thoughts and original designs. (p392) The extensive appendicies, exhaustive notes and sources, meticulous index, chronology and wealth of detail make this a very useful reference book. And Gilchrist has certainly been ‘laudably employed’ for the past thirty-five years. But he is far more than a collector. Australians and Greeks displays keen insights into the shared histories of these two nations and a fine sensibility to antipodean Greek aspirations and to Greek contributions to Australian society.

Paul Ashton – Associate Professor of Public History and Co-Director of the Australian Centre for Public History at the University of Technology, Sydney.

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Anarquismo, Estado e pastoral do imigrante. Das disputas ideológicas pelo imigrante aos limites da ordem: o caso Idalina – SOUZA (RBH)

SOUZA, Wlaumir Donizeti de. Anarquismo, Estado e pastoral do imigrante. Das disputas ideológicas pelo imigrante aos limites da ordem: o caso Idalina. Sn. Editora da Unesp, 2000. 243p. Resenha de: ALMEIDA, Vasni de. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.22, n.44, 2002.

Um bom estudo em ciências humanas, um estudo histórico em particular, ganha relevância ao primar por dois aspectos: a preocupação com as mudanças que marcam uma sociedade numa determinada trajetória histórica e a atenção redobrada com as alterações verificadas nas instituições inseridas e ativas nesse processo de transformação1. Um tratamento cuidadoso para com as redes de interdependências entre diferentes grupos no estabelecimento de uma nova ordem social e cultural e para com os rearranjos internos que acompanham cada um dos grupos envolvidos aponta para a eficácia de um estudo acadêmico transformado em publicação. Esse é o caso do livro de Wlaumir Donizeti de Souza, voltado para a imigração italiana para o Brasil, ocorrida entre a segunda metade do século XIX e os primeiros decênios do século XX. Transição da monarquia para o sistema republicano de governo, a imigração como fator de mudança cultural e social e os elementos sociais em conflito (Estado, catolicismo e anarquismo) formam o esteio da obra.

Procurando se desvincular das armadilhas que tendem a estreitar “o leito do rio”, o autor verificou e destacou a intrincada teia de interesses desse significativo período de mudanças políticas e culturais pelo qual passou o País. Seu olhar esteve atento para as ações da Igreja Católica em relação às forças sociais externas a ela e em relação aos “catolicismos” coexistentes na sua esfera interna. Da mesma forma, sua atenção se voltou para os movimentos anarquistas em suas relações com o poder social do catolicismo, notadamente no que tange ao trato com o imigrante. Completando as forças que se locomoviam ao redor do trabalhador imigrante, estava o agricultor contratador de mão-de-obra. Esses são os elementos básicos que compõem a trama tecida pelo autor.

Para Donizeti de Souza, a população imigrante italiana, contratada para trabalhar no Brasil a partir da segunda metade do século XIX, foi instrumentalizada pelo catolicismo ultramontano, com a Igreja Católica buscando influenciar a política imigratória num período em que se aproximava o rompimento formal e tardio entre essa religião e o Estado brasileiro. Na tentativa de estabelecer os critérios para a arregimentação de trabalhadores, o catolicismo romanizado estimulou a elaboração de pastorais voltadas para o enquadramento do imigrante, tendo em vista o seu projeto religioso e político. Aos scalabrinianos, instituição missionária fundada em 1887, por dom Giovanni Baptista Scalabrini, religioso com larga experiência no trato com os postulantes `a imigração nas suas cidades de origem, coube essa tarefa. Para sustentar sua análise, o autor se apega ao conceito de imigrante ideal, ou seja, um trabalhador lapidado para atender a interesses econômicos políticos dos grupos que pensavam no sentido de nação, que então se desenhava lentamente, tanto na visão de fazendeiros quanto na de políticos de linhagem conservadora. O imigrante ideal seria aquele comprometido com os laços culturais e religiosos propostos na perspectiva romana de sociedade e indivíduo, imagem idealizada também pela oligarquia que o contratava. Para os fazendeiros, o estrangeiro contratado deveria ser “dócil, ordeiro, familiar e trabalhador”, uma mão-de-obra com as marcas da “resignação”. Na visão do poder religioso ultramontano, caberia ao catolicismo a moldagem do imigrante que satisfizesse os requisitos dos contratantes. O autor aponta com acuidade a conexidade entre o ideal de trabalhador desenvolvido pelo catolicismo romano e o tipo de trabalhador procurado pelo coronel para ser empregado na lavoura. Os dois ansiavam por trabalhadores obedientes. Quais as pretensões de um catolicismo que se via ameaçado por intrincada e complexa rede de inimigos, dentre os quais podemos encontrar os anarquistas, os maçons, os políticos liberais e os protestantes? Donizeti de Souza responde sem mais delongas: ser fonte inspiradora da cidadania brasileira e fonte única de unidade nacional. Enquanto o chefe local buscava aumentar o lucro (com a devida ordem) na unidade agrícola, o catolicismo buscava forjar, sob seus auspícios, a unidade cultural e religiosa do País. O que um fazendeiro esperava de um padre era que este ressaltasse “as obrigações morais do empregado para com o patrão, seu dever de obediência, de humildade, de docilidade e resignação, aceitando sua situação como desígnio divino, uma vez que a ordem social era por ele estabelecida”.

Da sua parte, o ultramontanismo pretendia, além das prerrogativas políticas e econômicas, enquadrar religiosamente o colono do interior do País, pouco afinado com as doutrinas da Igreja, procurando “instar um tempo sem magia”. Sendo assim, os scalabrinianos foram os designados para acompanhar o homem católico, desde a partida até sua instalação definitiva na sociedade hospedeira, isso dada a experiência acumulada por esses religiosos na missão junto ao imigrante. Na visão dos scalabrinianos, a religião seria um fator de patriotismo e de princípios civilizadores para os imigrantes em terras brasileiras. No entanto, como acontece em todos os processos de incursões missionárias, o agente não fica incólume na sociedade envolvente, não tardando muito para que esses religiosos percebecessem os fatores complicadores de sua missão. Havia inúmeras dificuldades em implantar o projeto de pastoral de imigrante: falta de padres, custo das viagens de religiosos, descontinuidade na formação de trabalhadores contratados. Padres ávidos por lucros, ostentadores, boêmios, apresentavam-se também como percalços na organização de uma pastoral alicerçada no ultramontanismo.

Os scalabrinianos, assim, tencionavam atuar junto ao imigrante italiano com maior independência possível do clero local, dada a influência que esse exercia junto às populações interioranas e por serem poucos afeitos às exigências de um catolicismo disciplinador. A religiosidade praticada em regiões distantes dos grandes centros, com a complacência dos padres, poderia colocar em risco o projeto educacional que pretendiam implantar. As divergências entre os scalabrinianos e padres das paróquias logo emergiram e são reveladoras dos embates internos no seio de um catolicismo que atuava numa sociedade que passava por profundas transformações, tanto na esfera política quanto na cultural. Em determinado momento da missão dos scalabrinianos no Brasil, mais precisamente no período em que o padre Cansoni esteve no País, a ordem foi aconselhada a assumir paróquias, onde o sustento seria mais viável. Isso porque a inquietude entre o clero nacional e o ultramontano estava se tornando visível, com os primeiros cada vez mais resistentes à presença da ordem em sua área de atuação, já que esta tinha a liberdade de acompanhar os imigrantes em qualquer paróquia, mesmo sem estar comprometida com ela.

Uma proposta de Domenico Vicentine, substituto de Scalabrini na condução da ordem, restringia a missão dos carlistas à formação de quadros para o serviço junto aos imigrantes, cabendo aos bispos das dioceses a administração da política pastoral ao imigrante. Na verdade, o clero nacional pretendia enquadrar os scalabrinianos nas estruturas das paróquias, impedindo assim que a missão junto aos imigrantes invadisse a jurisdição das dioceses, o que contrariava a intenção da ordem, que era a de agir sem necessariamente estar vinculado às estruturas eclesiais vigentes. Percebendo as dificuldades em atuar na jurisdição das paróquias, os scalabrinianos fundaram um orfanato cujo objetivo seria o de amparar crianças órfãs que vagavam pelas ruas (esquálidas, tristes, fracas e miseráveis), preparando-as para o trabalho e para serem “bons cidadãos” e “cidadãs”. Utilizando como recurso de convencimento o fato de o orfanato ser um espaço de formação de crianças desvalidas, moldando-as para o trabalho, os scalabrinianos obtiveram dos fazendeiros o apoio necessário para a implantação do projeto, conseqüentemente, da estruturação da ordem no País. Lembra o autor que os orfanatos constituíam-se através de uma mentalidade tridentina, fato que mais uma vez denota a tentativa de romanização do imigrante por meio da ação educacional.Ao saírem em missão para angariar fundos para o orfanato, os padres scalabrinianos batizavam, ouviam confissões, faziam casamentos, enfim, atrelavam a proposta educacional à estruturação da ordem, funcionando o orfanato como um ponto estabilizador das missões.

O autor destaca que os scalabrinianos foram acossados, no final do processo imigratório, em três frentes: na primeira, pela oligarquia, já que o imigrante não mais se apresentava como um investimento seguro; na segunda, pelos párocos locais, temerosos de perder a arrecadação junto aos poucos imigrantes que ainda entravam no país; na terceira, sofria a concorrência dos anarquistas e dos maçons. Nessas frentes de combate, a que mais merecia atenção por parte do clero romano era a política desencadeada pelos anarquistas juntos aos imigrantes.

A celeuma entre a ordem scalabriniana e grupos anarquistas, na atuação junto aos imigrantes, mereceu por parte do autor um capítulo à parte. De posse de um documento desses religiosos sobre o desaparecimento de uma das internas do orfanato, Donizeti de Souza rastreou em publicações anarquistas o mesmo assunto. Nas leituras dos periódicos, percebeu com perspicácia a disputa que se travava entre o movimento político anarquista e o movimento religioso católico ultramontano pelo controle do imigrante. Tencionando alcançar o monopólio do acompanhamento ao imigrante em diversas regiões do País, as duas partes procuravam atingir a imagem do outro perante a opinião pública e perante o Estado. Não foi intenção do autor apontar o desenlace da trama envolvendo a menina Idalina, personagem central da discórdia, o que certamente o faria enveredar para um texto novelesco, tão em moda na historiografia atual. Antes, sua atenção esteve voltada para a distinção dos elementos em conflito, fazendo de sua obra uma possibilidade de compreensão dos interesses de instituições nas formulações ideológicas de um período que ainda carece de novos estudos.

Resta apontar os complicadores das considerações de Donizeti de Souza, que são de duas ordens: a primeira diz respeito à afirmação de que a intenção dos scalabrinianos era a de constituir, nas pequenas cidades em ascensão, dada a presença do imigrante italiano, “pequenas itálias”; o segundo complicador desse texto bem articulado reside na afirmação do autor de que no projeto dos religiosos estava embutido um projeto “neocolonial”. Não estariam essas responsabilidades aquém das forças de uma ordem religiosa que não se configurava entre as mais influentes dentre o escopo missionário católico, tanto no Império quanto na Primeira República?

Para além desse pequeno deslize (se é possível considerar como tal uma afirmação que não compromete o texto), essa obra é um alerta para quem reduz aos liberais, à maçonaria e ao protestantismo a capacitação de indivíduos voltados para uma sociedade ordeira e laboriosa, quesitos básicos para a consolidação da República. Em se tratando de moralização de condutas, as intenções de protestantes, católicos e maçons não eram tão díspares quanto podem parecer numa análise estreita. Os ultramontanos buscavam com disposição instilar o rigor disciplinar entre os trabalhadores imigrantes tendo em vista a composição de uma nova ordem social, um tanto quanto ameaçada pelos ideais políticos anarquistas, dos quais os italianos não estavam distantes.

Notas

1 Temos em mente, quando sinalizamos para a rede de interdependências em processos de mudanças (ou de desenvolvimento), as concepções teóricas de Norbert Elias sobre transformações sociais no processo civilizador. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993, vol. 1.

Vasni de Almeida – Doutorando em História-UNESP/Assis.

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O Brasil e a questão judaica: imigração, diplomacia e preconceito | Jeffrey Lesser

As sociedades conformam determinadas noções através das quais se identificam, reconhecem-se e são reconhecidas, conferem sentido e legitimidade a si mesmas, às suas estruturas, às suas instituições, às práticas e às relações dos indivíduos que as compõem. O processo de imposição e de generalização, de produção da adesão a essas noções, é concomitante ao de sua naturalização, isto é, de negação do seu caráter histórico e social. É como crenças, portanto, que elas se afirmam e operam, orientando as percepções e as ações dos indivíduos.

O que têm feito as ciências sociais, em boa medida, é relativizar algumas dessas noções, desencantá-las restituindo seus vínculos históricos, remetendo-as aos espaços e às relações sociais a partir dos quais são produzidas e que, ao mesmo tempo, contribuem para produzir. É preciso reconhecer, entretanto, que nem sempre este exercício de relativização se mostra possível, incorporando também o cientista social noções impostas que, desse modo, terminam por se constituir em obstáculos a uma efetiva compreensão dos processos sobre os quais se volta. Leia Mais

A crise da imigração japonesa no Brasil (1930-1934): Contornos diplomáticos – LEÃO (RBH)

LEÃO, Valdemar Carneiro. A crise da imigração japonesa no Brasil (1930-1934): Contornos diplomáticos. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), 1990. 360p. Resenha de ALMEIDA, Paulo Roberto de. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.11, n.197-213, mar.1991/ago.1991.

Paulo Roberto de Almeida

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