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Imagética de Vasos Gregos / Tempo / 2015
Imagética de Vasos Gregos consiste em um dossiê da Revista Tempo composto por cinco artigos de pesquisadores interessados em decodificar os signos criados nos ateliês de artesãos domiciliados nas póleis.[2] As cenas pintadas no suporte cerâmico despertam o interesse de pesquisadores de várias disciplinas por conta da variedade de temáticas e de práticas sociais representadas. Tais artefatos são, para nós historiadores, um testemunho do imaginário helênico. Como observou Jean-Pierre Vernant, no prefácio da obra La Cité des Images, a imagética é uma construção. Trata-se de uma obra da cultura e a criação de uma linguagem própria expressada na teckné do artífice (Vernant, 1984, p. 5).
O interesse ou mesmo fascínio pelas pinturas nos vasos gregos pode ser constatado entre os visitantes de vários museus espalhados pelo mundo. As galerias e salas do Museu Arqueológico Nacional de Atenas, do Museu do Louvre ou do Museu Arqueológico de Amsterdã (Allard Pierson Museum) abrigam vitrines repletas de vasos confeccionados em várias regiões do antigo mundo helênico. Os espectadores dessas obras logo percebem a diversidade de cenas e de temas representados. Fica latente o olhar e a interpretação do artesão acerca das práticas religiosas, das divindades, dos mitos e das experiências de vida de mulheres e de homens que viviam mergulhados em uma mesma cultura. Crianças e adultos ficam, até hoje, admirados com as cenas de confronto de heróis, com as imagens de ritual de casamento ou mesmo com as belas representações de atletas no ginásio e na palestra.
Homens e mulheres na Antiguidade utilizavam os vasos em seu cotidiano. O objeto poderia ou não possuir imagem pintada em sua superfície e isso denotaria seu uso e também o seu valor. Em uma casa grega, as mulheres poderiam utilizá-los tanto na cozinha quanto no gineceu fazendo a “toilette”. No santuário, cultuadores poderiam libar um deus com taças ou dedicar vasilhames às divindades políades. Ou seja, os vasos e suas imagens circulavam em espaços privados e públicos de uma mesma pólis, transmitindo mensagens polissêmicas a todos que os vislumbrassem. As práticas relacionadas à fabricação, à manipulação e à comercialização dos vasos gregos estimularam estudiosos de diferentes disciplinas a desbravar uma instigante e fecunda área de pesquisa sobre a Antiguidade.
A imagética grega despertou o interesse na comunidade acadêmica principalmente na virada do século XIX para o XX. Os pioneiros em identificar os estilos de pintura, proveniência dos vasos e sua catalogação foram Ed. Pottier e J. D. Beazley. O Corpus Vasorum Antiquorum (CVA), idealizado por Pottier, e as obras de referência de cerâmica ática de figuras negras e de figuras vermelhas, bem como de cerâmica etrusca, organizadas por Beazley, proporcionaram um avanço significativo nos estudos científicos da cerâmica grega (Lissarrague, 2013). Dessa forma, arqueólogos e ceramólogos, ao longo do século XX, organizaram inúmeros catálogos de vasos a partir dos sítios onde eles foram encontrados, bem como elaboraram obras norteadas pelas temáticas pintadas (representação de peixes, imagens de caça, cenas de kômos, imagens ritualísticas de “bacantes”etc.). Atualmente, o grande público tem acesso, sem sair de casa, a banco de dados, catálogos e acervos de museus e de universidades por meio da rede mundial de computadores (CVA, Projeto Beazlev, Museu do Louvre).
Nós, historiadores, começamos, a partir da década de 80 do século XX, a trabalhar de fato com a documentação imagéticas em utilizá-la de forma ilustrativa, como anteriormente ocorria em livros e manuais escolares de história antiga grega (Schmitt Pantel, 2013). A preocupação em organizar um corpus imagético e tratá-lo de forma adequada, ou seja, utilizando métodos advindos da semiótica e da história da arte, proporcionaram uma verdadeira “revolução” nos estudos das imagens na cerâmica grega e de suas mensagens.2
Os debates entre arqueólogos, historiadores da arte e ceramólogos, nos últimos anos, foram registrados em obras coletivas, dossiês temáticos e anais, frutos de colóquios. Uma das preocupações constantes consiste no processo de criação dos oleiros e dos pintores. Em um ergasthérion (oficina), o artífice está conectado tanto com referenciais internos, de seu bairro e de sua comunidade,[3] quanto com trocas externas. Os estudiosos constataram intercâmbios de temáticas e de técnicas entre os próprios demiurgos. Um pintor de vasos poderia, por exemplo, se inspirar em uma criação de um escultor ou então de outro pintor de pintura parietal (Croissant, 1999; Snodgrass, 2004).
O presente dossiê tem como objetivo, portanto, proporcionar um tópos de diálogo e de debate sobre as possibilidades de estudos da imagética de vasos gregos. O encontro dos pesquisadores do Anhima,[4] precursores de uma “antropologia das imagens”, com os do Nereida tem possibilitado justamente mapear as trocas de técnicas artesanais, os usos de inscrições nas imagens, a circulação de vasos no Mediterrâneo, assim como os empregos de métodos para decodificar os signos criados pelos artesãos tanto na cerâmica ática quanto na coríntia. Espero que este dossiê estimule discussões e futuras pesquisas acerca das imagens, seus significados e suas mensagens elaborados pelos pintores gregos na Antiguidade.
Referências
BÉRARD, Claude. Iconographie-iconologie-iconologique, Études de lettres, Fasc 4, p. 5-37, 1983. [ Links ]
CROISSANT, Francis. La Peinture grecque et l´histoire des styles archaïques. In: VILLANUEVA PUIG, Marie-Christine et al. Céramique et peinture grecques: modes d´emploi. Paris: La Documentation Française, 1999. [ Links]
CVA.http://www.cvaonline.org/cva/ [ Links ]
DENOYELLE, Martine. Euphronios peintre (org.). Paris: La Documentation Française, 1992. [ Links ]
FRONTISI-DUCROUX, Françoise. Le Dieu-masque: une figure du Dionysos d´Athènes. Paris: Éditions la Découverte, 1991. [ Links ]
LISSARRAGUE, François. Ler e olhar a imagem: balanço e perspectivas de pesquisa sobre a imagética grega. In: LIMA Alexandre Carneiro Cerqueira (org.) História e imagem: múltiplas leituras. Niterói: Editora da UFF, 2013, 29-40. [ Links ]
Museu do Louvre, departamento das antiguidades gregas, etruscas e romanas – http://www.louvre.fr/departments/ [ Links ]
SCHMITT PANTEL, Pauline. Imagens e história grega. In: LIMA, Alexandre Carneiro Cerqueira (org.) História e imagem: múltiplas leituras, Niterói: Editora da UFF, 2013, 9-28. [ Links ]
Projeto Beazley.http://www.beazley.ox.ac.uk/archive/ [ Links ]
SNODGRASS, Anthony. Homero e os artistas, São Paulo: Odysseus, 2004. [ Links ]
]STEINER,Ann. Reading greek vases. Cambridge University Press, 2007. [ Links ]
VERNANT, Jean-Pierre. Préface. In: BÉRARD, Claude et al. La Cité des Images. Paris: Fernand Nathan, 1984. [ Links ]
Notas
2. A título de exemplo, podemos indicar os seguintes trabalhos que tiveram uma clara preocupação metodológica: Bérard, 1983, fasc. 4, p. 5-37;Frontisi-Ducroux, 1991; Steiner, 2007.
3. Os trabalhos apresentados no encontro sobre o pintor Euphronios,domiciliado no bairro do Cerâmico, nos ajudam a pensar sobre os intercâmbios entre artesãos de uma mesma pólis. Denoyelle, 1992.
4. O Anhima foi criado em 2010 e congregou pesquisadores dos seguintes centros, a saber: Centro Louis Gernet, Centro Gustave Glotz e Phéacie.
Acessar dossiê [DR]
Imagética de Vasos Gregos. Tempo. Niterói, v.21, n.38, jul. / dez., 2015.