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Filosofia da cultura Grega – CESAR (RFA)
CESAR, Constança Marcondes. Filosofia da cultura Grega. São Paulo: Idéias Letras, 2008. Resenha de: NASCIMENTO, Sidnei Francisco do. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.21, n.29, p.599-603, jul./dez, 2009.
Mesmo para quem não possui uma visão muito sistemática sobre Filosofia, quando perguntamos a seu respeito, imediatamente relembramos e recorremos aos pensadores gregos, antigos, como Sócrates, Platão e Aristóteles. A Filosofia clássica, mesmo para os mais leigos no assunto, está contida nos manuais de Filosofia para consulta. Mas, quando queremos saber a respeito da Filosofia contemporânea, sobretudo dos trabalhos mais recentes, as respostas não são tão imediatas, até mesmo para um especialista. O livro Filosofia da Cultura Grega, de Constança Marcondes Cesar, preenche essa lacuna, sendo uma importante leitura para compreender a Filosofia atual por meio da retomada da Filosofia e cultura grega.
Segundo a autora, Moutsoupoulos reúne em sua obra grandes temas da Filosofia ocidental com amplitude, profundidade e originalidade. O seu trabalho de resgate da cultura e Filosofia grega é amplo quando adentra as áreas da Filosofia como a estética, ontologia, antropologia filosófica, história da Filosofia, axiologia, ética, Filosofia da cultura e Filosofia da ciência. Sua reflexão é desenvolvida com profundidade associada à erudição, pois desenvolve pesquisas a partir da leitura e interpretação dos textos em grego, latim, alemão, francês e espanhol. A originalidade de sua obra aparece amalgamada à noção de Kairós.
A Filosofia neo-helênica de Evanghélos Moutsopoulos se constitui pela retomada da Filosofia antiga e medieval e pelo resgate do helenismo cristianizado e conservado por Bizâncio. Num período de decadência a Filosofia e a cultura bizantina foram assimiladas pelos autores do século XIX. O que faz do “filósofo da kairicidade” talvez o mais fecundo e universal autor da Grécia contemporânea.
Moutsopoulos retoma a Filosofia e a cultura grega antiga. A síntese das filosofias platônica, aristotélica e neoplatônica, com a cultura e Filosofia oriental, é a base cultural e filosófica de seus estudos. Suas ideias se misturam ao mesmo tempo com as filosofias de Schopenhauer, Kant, Bérgson, Husserl, Bachelard, à Filosofia neo-helênica de Vaïlas-Arménis e Théodoracopoulos. A cultura e Filosofia europeia aparecem em suas reflexões como um prolongamento da cultura e Filosofia antiga helênica. Essa volta ao passado, o insere no rol dos pensadores contemporâneos que contribuíram para propagação e formação do pensamento neo-helênico.
O livro ressalta a relevância da contribuição de Moutsopoulos com testemunhos e um balanço crítico de sua vida e obra. De maneira sucinta e pontual é delineado um conjunto de obras que dá ao leitor a oportunidade de reconhecer o resgate que Moutsopoulos faz dos escritos platônicos, bem como, de temas recorrentes das filosofias antiga e contemporânea para compreender sua meditação filosófica. O trabalho de assimilação e síntese que o filósofo faz da cultura grega, antiga, para compreender a Filosofia atual, assinala o papel preponderante que a noção de Kairós possui em sua obra. Filosofia, ciência, pintura, música e religião são temas recorrentes que Moutsopoulos se utiliza para compreender a ideia matriz de Kairós.
Além de fornecer ampla referência bibliográfica sobre o assunto, Constança Marcondes Cesar escreve sobre o conceito chave de Kairós, reconhecendo-o como um ponto nevrálgico para consolidar um painel geral da cultura grega, desde a noção de tempo, espaço, estética, à abordagem epistemológica, ontológica, estruturalista, fenomenológica. Esse conjunto de abordagem fornece o que a autora considera como caráter polifônico da interpretação que Moutsoupoulos desenvolve da cultura clássica, antiga, imbricada à Filosofia contemporânea. Entre outras possibilidades de interpretações sobre a noção de Kairós que são desenvolvidas em Filosofia da Cultura Grega, chama atenção a abordagem desse conceito relacionado à noção de crise.
Em Filosofia da Cultura Grega, a autora afirma que Moutsopoulos desenvolve uma interpretação da história baseado na noção de Kairós. Referência essencial para o filósofo desenvolver suas teorias sobre momentos históricos referentes às transformações vivenciadas individual ou coletivamente, perpassadas por crises, bem como momentos de retomadas, de revalorização da tradição, de superação da crise ou de destruição. A apresentação do conceito de Kairós aparece como sinônimo de crise, que por sua vez, possui acepções diversas, como momentos de discernimentos, descontinuidade/continuidade, interrupção/ameaça de interrupção, período crítico, ponto crítico.1 Kairós, crise e sua superação convergem para a coexistência de elementos opostos, o que sugere ao leitor uma interpretação dinâmica da história.
Moutsopoulos reafirma a capacidade da natureza humana de tender para o bem. Num momento de crise a humanidade se volta para a tradição, revalorizando o passado à luz da ruptura ocorrida para compreender a crise atual. Alguns exemplos são destacados e comentados por Constança Marcondes Cesar e são ilustrativos para dar ao leitor uma ideia de como o filósofo contemporâneo da “kairicidade” desenvolve sua teoria sobre a história. A autora cita a crise na educação que o filósofo analisa. A educação passa por um período crítico porque se deve decidir sobre qual modelo de ensino é mais apropriado nesse momento. As universidades devem priorizar o incentivo à pesquisa ou a formação profissional? Devem privilegiar a teoria ou a prática? Suprir as necessidades do mercado de trabalho cada vez mais competitivo ou valorizar a pesquisa e o trabalho intelectual com qualidade? Substituir o espírito de investigação por um espírito profissionalizante? Não se trata nesse momento de encontrar respostas, mas de repensar esse período crítico como abertura às novas possibilidades.
A coexistência do tempo passado com o presente e o futuro em direção às possibilidades de oportunidades que aparecem em detrimento de sua concepção de tempo não linear é o que está no horizonte das análises do filósofo. Embora com possibilidades de se decidir em direção a um futuro ainda pior, Moutsopoulos admite um sentido positivo da noção de oportunidade, quando esta própria representa a confiança na capacidade da natureza humana em superar a crise, como um momento propício que possibilite a passagem da sociedade a um nível qualitativamente mais alto. Kairós também significa a “arte de viver” que permite prever os efeitos das decisões tomadas em direção à preservação do nosso mundo.2 Passado, presente e futuro não são momentos estanques, separados um do outro, mas se interpenetram e coexistem, por meio da intencionalidade da consciência. Rompe-se com a ideia de uma continuidade linear do tempo segundo as categorias do não-ainda e do nunca-mais.
Moutsoupolus recorre à ontologia e fenomenologia quando reconstrói a noção de tempo vinculada a uma concepção de ser como potencialidades de ser. Ele manifesta sua concepção de Kairós como um ponto de convergência, como um estado intermediário. O ser é o que se realiza como potencialidades. Entre as categorias do não-ainda e do nuncamais reside uma compreensão dinâmica do existente quando se abre um leque de capacidades e possibilidades de existir. Ontologia, epistemologia e axiologia constituem o campo filosófico para compreender a recepção que Moutsoupoulos faz da filosofia grega, clássica, antiga.
A dimensão ontológica de Kairós põe em relevo o caráter dinâmico do ser. Segundo a autora do livro Filosofia da Cultura Grega, a noção de tempo, espaço, maturação e corrupção, de estrutura e plenitude são apreendidas pela consciência intencional que capta os momentos do ser como possibilidades. Essa dimensão ontológica atualizada e antecipada pela consciência tem como capacidade a reestruturação da realidade, sendo o momento em que a consciência se situa entre as categorias do não-ainda e do nunca-mais.
A compreensão epistemológica do conceito de Kairós se refere à noção de tempo. Nesse momento o autor põe em relevo a apreensão pela consciência do instante crucial em que ocorre a mudança qualitativa das situações do ainda-não e do nunca-mais. O filósofo contemporâneo influenciado pelas filosofias de Husserl, Bergson, Heidegger e Jaspers altera as categorias lógicas da anterioridade e posterioridade operada pela consciência intencional. O sistema ternário que inclui os tempos, passado, presente e futuro são condensados num sistema binário que enfatiza o presente como um ponto crítico em direção ao futuro.3 A modificação que acontece por meio da consciência que atualiza e antecipa o presente se constitui como atividade reguladora e reestruturadora da realidade. A consciência intencional rompe ao mesmo tempo, com o determinismo temporal e a concepção tradicional de tempo. A autora também analisa, em Filosofia da Cultura Grega, a dimensão axiológica de Kairós como ponto de referência, que possibilita a consciência contemplar, viver e criar.4
Constança Marcondes César trata da dimensão humana de Kairós contida na obra de Moutspoulos em três momentos, que se completam: a dimensão intencional, pois a intencionalidade do ser humano é a dinâmica da consciência; a dimensão dialética, em que há uma interpenetração das estruturas de interioridade e exterioridade e a criativa, que consiste na instauração de valores que se realizam na existência. A autora escreve que Kairós é um catalisador da atividade da consciência, criação intencional desta, possibilitando-lhe a apreensão do significado de sua ação no mundo.5
O livro Filosofia da Cultura Grega reabre a discussão sobre o caráter sombrio de algumas filosofias contemporâneas (como a Escola de Frankfurt), para destacar a perspectiva otimista e humanizadora da Filosofia de Moutssoupolus, quando pensa as crises como momentos de rupturas e superações, mas que não representam, necessariamente, períodos de destruição ou ameaça, mas a síntese superadora, em direção à plena expressão do ser humano.6
Notas
1 CESAR, 2008, p.88.
2 CESAR, 2008, p.113.
3 CESAR, 2008, p.67.
4 CESAR, 2008, p.69.
5 CESAR, 2008, p.69.
6 CESAR, 2008, p.131.
Sidnei Francisco do Nascimento – Doutor em Filosofia e Professor da Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul (FUNEC), Santa Fé do Sul, SP – Brasil. E-mail: sidfran.nacimento@hotmail.com
[DR]Do Terror à Esperança: auge e declínio do neoliberalismo | Theotônio dos Santos
Se tivesse que recomendar a meus alunos de história três livros sobre globalização e neoliberalismo que eles devessem levar para uma ilha deserta, facilmente poderia incluir este último livro de Theotônio dos Santos, juntamente com Globalização em Questão, de Paul Hirst e Grahame Thompson (Ed. Vozes, 1998) e Globalization and its Descontents, de Joseph Stiglitz (W.W. Norton & Company, 2002). Hirst & Thompson desmistificam muitas das crenças infundadas sobre a globalização, provando que não é um fenômeno tão novo assim (os movimentos líquidos de capital em relação ao tamanho das economias eram maiores nas décadas do padrão-ouro, anteriores à Primeira Guerra Mundial, do que nas últimas décadas do século XX), nem tão “global” assim (a maioria das companhias ditas “transnacionais” tem claro centro decisório nacional; a maior parte de sua produção é realizada e vendida no país-matriz, o mercado de mão-de-obra absolutamente não é global, etc.).
Já a imperdível obra de Stiglitz me faz lembrar aqueles livros de ex-agentes da CIA que desnudam a Agência por dentro. Stiglitz, prêmio Nobel de economia em 2001, ex-Economista-Chefe do Banco Mundial, critica, com o conhecimento embasado de um insider, o funcionamento de organismos como o FMI, que, em seu afã “globalizante” de disseminar doutrinas de cunho neoliberal nos anos 1990, acabavam por condenar países em desenvolvimento a políticas recessivas. Quanto a este último livro, fica apenas o lamento de que, como as memórias de ex-agentes da CIA, as críticas geralmente vêm post factum, ou seja, após os atualmente criticados golpes de estado, promovidos pela CIA no Terceiro Mundo, ou políticas econômicas equivocadas para os países devedores terem sido implementadas… Leia Mais