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O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX / Miriam Dolhnikoff
Professora de História e Relações Internacionais da USP e pesquisadora do CEBRAP, Miriam Dolnikoff publica livro que contraria interpretações consagradas sobre a história política do Brasil imperial.
Inserida na questão maior da organização política do Brasil Imperial, a obra busca entender a longevidade da influência das elites no Brasil, investigando a maneira pela qual estas estiveram presentes no processo de construção do Estado brasileiro, de modo a contribuir na determinação de seu perfil.
Podemos melhor avaliar a pesquisa da autora e sua posição de embate frontal à historiografia estabelecida, por breve análise da idéia cristalizada da “história da construção do Estado brasileiro na primeira metade do XIX como a história da tensão entre unidade e autonomia”.
Sabemos que a interpretação do Período Regencial como a fase do jogo político entre centralização e descentralização de poder surgiu ainda no século XIX. A pesquisa de Augustin Wernet rastreou o início desta interpretação e o localiza na obra de H. G.
Handelmann, de 1860.1 Nesta visão assiste-se ao revezamento de homens no cenário político nacional, sem as profundas mudanças (revolução) das estruturas herdadas do período colonial, tendo a primeira metade das Regências sido caracterizada pelo avanço liberal (descentralização), e a segunda pelo regresso conservador (centralização). A historiografia a seguir vai articulando a descentralização às forças provinciais e à desordem, e o Regresso, ao retorno da ordem.
Por exemplo, Sérgio Buarque de Holanda considerou as forças provinciais, defensoras de um projeto federalista, expressão das forças localistas arcaicas, apegadas aos privilégios coloniais, enquanto a centralização seria o projeto que trazia no seu bojo a possibilidade de modernização, já que ela seria a condição de construir o Estado e a unidade nacional. A defesa dos interesses regionais se limitaria, deste ponto de vista, à tentativa de preservar a herança colonial. Para Buarque, o federalismo não passava de um lema para sustentar o estado das coisas vindas da vida colonial.
Outros autores como Maria Odila Dias e Ilmar de Mattos, também atribuem a vitória sobre as forças centrífugas herdadas do período colonial à capacidade da elite articulada em torno do aparato estatal do Rio de Janeiro de se impor a todo o território nacional. Para eles, o acordo pela unidade, pela centralização política e direção administrativa nas mãos do Rio de Janeiro, teria sido resultado do movimento conservador de 1840, conhecido como “Regresso”, indicando o abandono da experiência de descentralização da Regência.
Entre as interpretações mais consagradas está a de Jose Murilo de Carvalho, segundo a qual, a unidade sob um único governo, teria sido obra de uma elite da Corte, cuja perspectiva ideológica a diferenciava das elites provinciais, comprometidas com seus interesses materiais e locais. A vitória da primeira teria significado a submissão dos grupos provinciais, que ficavam desta forma, isolados em suas províncias. Essa vitória se materializou na imposição de um regime centralizado que neutralizava as demandas localistas das elites provinciais.
Discordando desses autores, e particularmente, de José Murilo, para Míriam Dolhnikoff, a unidade sob hegemonia do Rio de Janeiro foi possível não pela neutralização das elites provinciais e centralização, mas sim à implementação de um arranjo institucional por meio do qual as elites se acomodaram, ao contar com autonomia significativa para administrar suas províncias e, ao mesmo tempo, obter garantias de participação no governo central por meio dos seus representantes na Câmara dos Deputados. Através do parlamento, as elites nele representadas participavam não só do orçamento, mas também das questões relevantes para a definição dos rumos do país como a escravidão, a propriedade de terras e para organização do Estado, como a legislação eleitoral. (p.14) A autora discorda da idéia de que foi o retorno à centralização – “projeto vencedor” do Regresso- o responsável pela unidade do Império e pela definição do modelo de estabilidade deste; ou seja, para ela, o projeto federalista não morreu em 1824, nem em 1840, ele foi o vencedor, embora tenha feito, no bojo da negociação política, algumas concessões.
Dolnikoff entende que o “Regresso” foi uma revisão centralizadora que se restringiu ao aparelho judiciário, sem alterar pontos centrais do arranjo liberal, que tinham caráter descentralizador. (p.130) Ao invés de destacar a atuação da elite da Corte, a autora conclui que foi a participação das elites provinciais a propiciadora das condições para inserção de toda a América Lusitana no novo Estado, atuação decisiva, que inclusive marcou a dinâmica do Estado brasileiro.
Para a defesa desta posição, a autora recorta para pesquisa três unidades da federação: as províncias de Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo. Examina o exercício da autonomia dos governos provinciais inclusive em fase posterior ao Regresso. Justifica sua seleção por serem essas províncias diversas entre si, nos aspectos regionais, nos distintos passados, e nas diferentes demandas e interesses. Busca demonstrar que os diferentes conflitos encontravam espaço de negociação dentro da organização institucional organizada.
Desse modo, as elites provinciais tiveram papel decisivo na construção do novo Estado e na definição da sua natureza. Participaram ativamente das decisões políticas, fosse na sua província, fosse no governo central. E, ao fazê-lo, constituíram-se como elites políticas.
O que a autora quer mostrar mais especificamente é que as elites provinciais (com raízes no período colonial, que defendiam a ordem escravista, a exclusão social e as franquias provinciais) estavam também atreladas ao projeto de construção do Estado nacional e não excluídas. Justamente porque conseguiram articular-se a um arranjo institucional consagrado nas reformas de 1830 e na revisão de 1840 é que a fragmentação da nação foi evitada.
O “preço pago” por esta unidade conseguida teria sido o fortalecimento dos grupos provinciais no interior do próprio aparato estatal, com o conseqüente estabelecimento das poderosas forças oligárquicas, que ao final do século XIX, reivindicaram mais autonomia.
A autora conclui que foi a participação destas elites no interior do Estado, com fortes vínculos com os interesses de sua região de origem e ao mesmo tempo comprometidas com uma determinada política nacional, pautada pela negociação destes interesses e pela manutenção da exclusão social, que marcou o século XIX e também o XX. (p. 285) Mesmo considerando o levantamento feito pela autora entre o número de medidas centralizadoras e descentralizadoras, concluindo pelo predomínio das segundas, ainda pensamos que o fundamental foi a direção e a finalidade da acomodação centro/províncias no momento considerado: – que foi justamente o sentido da centralização, da negociação em torno de “um sentido”, que garantisse a permanência da sociedade escravocrata e excludente.
Notas 1 Historiador alemão, H G Handelmann, Geschicht von Brasilien. Berlim: Springer, 1860, p. 935, conforme Augustin Wernet, Sociedades políticas (1831-1832). São Paulo: Cultrix, 1978, p 15.
Léa Maria Carrer Iamashita – Doutoranda em História Social-UnB.
DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo: Globo, 2005. Resenha de: IAMSHITA, Léa Maria Carrer. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.11, p.177-180, 2007. Acessar publicação original. [IF].