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Hitler’s Empire – How the Nazis ruled Europe – MAZOWE (Tempo)
MAZOWE, Mark. Hitler’s Empire – How the Nazis ruled Europe. New York: Penguin Books, 2008, 725 p. Resenha de: BERTONHA, João Fábio. O Império de Hitler. A “Nova ordem” nazista na Europa, 1939-1945. Tempo v.14 no.28 Niterói jun. 2010.
Vários mitos rondam a história da Alemanha nazista. A princípio, seria esta o Estado mais eficiente que já existiu, já que combinava a tradicional eficiência e organização alemã com o sistema político nazista, o qual seria completamente hierárquico e centralizado. Um super Estado, que funcionaria como um relógio, substituindo a anarquia da sociedade liberal democrática que ele vinha a substituir.
A pesquisa histórica dos últimos anos tem indicado como estas qualificações para o III Reich são, acima de tudo, mistificações, criadas, em parte, pela própria propaganda nazista. O Estado nazista, longe de ser hierárquico e centralizado, era uma verdadeira coleção de instituições, organizações e indivíduos disputando poder e influência. É evidente que Hitler detinha, no limite, o poder de decisão final, mas isso não implicava na formação de uma estrutura tão coesa e hierarquizada como se supunha.
Isso fica evidente, por exemplo, na produção de armamentos durante a Segunda Guerra. Estados Unidos e a Grã-Bretanha conseguiram articular a coordenação estatal com a livre empresa, enquanto a URSS adotou um modelo mais centralizado e com planejamento central. Todos estes países conseguiram aumentar significativamente sua produção bélica durante o conflito, enquanto a Alemanha, o suposto Estado mais eficiente do mundo, ficou muito atrás e isso ocorreu, em boa medida, pelas disputas sem fim de seus líderes e instituições.
Mark Mazower derruba mais um mito sobre a Alemanha nazista em seu novo livro. Em Hitler´s Empire – How the Nazis ruled Europe (New York: Penguin Books, 2008, 725 p.), ele demonstra como, ao contrário do que tradicionalmente se imagina, os nazistas não tinham nenhum plano definido e perfeito de como dominar o mundo e que ninguém mais do que eles se espantou com a enormidade de suas conquistas entre 1939 e 1941.
O autor, na verdade, não rompe com a análise tradicional que indica que, nas mentes dos líderes nazistas, haveria sim algumas prioridades e diretrizes gerais a seguir na busca do Império. Unificar todos os germânicos numa grande Alemanha, conseguir o controle da Europa e, especialmente, da Rússia européia, eram os estágios mais ou menos certos a serem seguidos. Um dia, no futuro, talvez, haveria um grande conflito com os Estados Unidos, mas isso estava apenas no campo das especulações, sem nenhuma indicação imediata de que iria ocorrer.
O que Mazower indica é que, na verdade, mesmo para os estágios iniciais, os nazistas não tinham muita segurança do que fazer. A unificação dos povos alemães dentro de um Estado nazista era algo mais ou menos simples de conceber e imaginar. No entanto, mesmo os passos posteriores, apesar de sempre pensados, nunca haviam se convertido em planos e diretrizes prontas a serem aplicadas. Assim, quando quase toda a Europa caiu sobre o controle alemão, entre 1939 e 1941, a ideologia nazista oferecia apenas alguns esboços gerais do a ser feito, sendo necessárias inúmeras adaptações e experiências para tentar delimitar o que fazer.
Assim, em pouco tempo, vários órgãos e instituições começaram a debater sobre como agir frente ao novo Império. A Ucrânia, por exemplo, era vista como o seu futuro celeiro. Mas seria ela um protetorado com algum grau de autonomia ou uma colônia? E a França, seria ela retalhada ou manteria alguma autonomia? E os países nórdicos, fariam parte de algum tipo de confederação germânica ou seriam anexados ao Reich? Essas e outras questões começaram a surgir naqueles anos em que parecia que a Alemanha tinha vencido a guerra e não havia resposta clara a elas.
Claro que algumas diretrizes centrais já estavam mais ou menos estabelecidas. Haveria uma hierarquização geral dos povos europeus com base na doutrina racial e todos os recursos desse espaço serviriam para manter a máquina de guerra alemã e, ao seu final, para o engrandecimento desse Império. Também está claro como haveria povos que seriam mais ou menos tolerados, como os europeus ocidentais, e outros destinados a escravidão, como os poloneses, além, é claro, da eliminação, pela emigração ou morte, dos judeus. Mas isso eram apenas idéias gerais, que, ao serem confrontadas com a realidade, levaram, muitas vezes, a improvisação e a experiências diversas.
Os nazistas tiveram que recorrer, assim, às únicas fontes de inspiração possíveis, ou seja, os velhos padrões colonialistas europeus, os tradicionais objetivos geopolíticos alemães na Europa do Leste e as suas obsessões raciais. Foi com base nisto que eles construíram suas políticas, numa combinação de tradição e novidade realmente notável.
Dessa forma, a ocupação da Polônia, por exemplo, refletia um histórico de luta entre alemães e poloneses que já vinha de séculos, mas os nazistas incluíram, na mesma, um padrão de guerra racial que implicava na impossibilidade de qualquer autonomia para a Polônia. Eles tendiam a ver, no Leste Europeu, um verdadeiro “Far West” nos moldes da conquista americana do oeste, no qual eles exterminariam os povos nativos, ou uma Índia, a ser dominada pela raça superior. Ou seja, eles seguiam padrões tradicionais para o colonialismo europeu, com o diferencial de estarem aplicando estes padrões no continente europeu e os combinando com a obsessão racial.
Estas tradições e obsessões, contudo, eram tão vagas que permitiam que o Exército, o Partido, os diversos ministérios civis, a SS e muitas outras instituições apresentassem a sua versão do correto a fazer, levando a reorganização do espaço europeu a se tornar mais um campo de disputa entre os pólos de poder nazista.
Assim, enquanto Rosenberg e outros líderes políticos queriam oferecer, aos ucranianos, sérvios e mesmo aos russos algum grau de autonomia para atraí-los ao campo do Eixo, a SS e o próprio Hitler preferiam uma política de terra arrasada, de repressão contínua, que acabou por ampliar cada vez mais a resistência.
Já muitos militares e burocratas do Ministério dos armamentos não se conformavam com a morte de milhões de prisioneiros de guerra soviéticos, ciganos e judeus enquanto a necessidade de mão-de-obra no Reich crescia a olhos vistos. Pessoas do Ministério do exterior, por sua vez, queriam oferecer algum tipo de recompensa mais palpável para os colaboracionistas em toda a Europa, enquanto a SS e outras forças se recusavam a compactuar com os racialmente destinados a obedecer.
Enfim, fica claro como havia um intenso debate a respeito da política a ser seguida. A idéia dos nazistas como monstros que só pensavam em matar e destruir nos faz perder a realidade de que aqueles eram homens que podiam defender, dentro de certos limites, propostas diferentes.
Mazower indica, além disso, como a própria experiência da guerra levou a política nazista a se radicalizar de forma expressiva. Assim, enquanto o “problema judeu” era uma constante no pensamento nazista, a idéia de exterminá-los fisicamente foi emergindo aos poucos, até a criação dos campos de extermínio, não previstos desde o primeiro momento.
Na verdade, tenho dúvidas se todas estas opções menos brutais, que o autor elenca com cuidado, tinham realmente chance de ser colocadas em prática. Em alguns momentos, aliás, Mazower dá a impressão de considerar que todas as várias propostas tinham chances iguais de serem transformadas em políticas, o que me parece complicado. Afinal, mesmo que reconheçamos que havia várias percepções nazistas sobre o mesmo assunto, fato é que o nazismo se caracterizava por uma idolatria à violência e à dominação e a vitória das propostas mais radicais, de dominação total e ostensiva, como as da SS, me parece quase lógica.
Um ponto interessante do livro, igualmente, é quando ele começa a discutir o significado de raça e política racial dentro do pensamento nazista e, especialmente, as inúmeras adaptações que a doutrina racial teve que se submeter para se tornar minimamente prática na organização do novo Império.
Assim, no afã de colonizar as partes ocidentais da Polônia, substituindo os poloneses por alemães, eles encontraram um problema demográfico insuperável. Não apenas os poloneses eram numerosos, como não havia germânicos em número suficiente para substituí-los. A solução, em boa medida, passou pela germanização forçada de muitos poloneses que tinham as características adequadas para serem assimilados, numa louca tentativa de encontrar alemães para os objetivos colonialistas do regime.
Duas questões de interesse emergem, a meu ver, dessa sua observação. A primeira é que o nacionalismo etno-linguístico do século XIX e a visão mais racialista do nazismo não eram completamente incompatíveis. As discussões sobre raças, na Europa do XIX, giravam sempre em torno de questões de língua e cultura, com a possibilidade de aculturação e assimilação do “outro” sempre presente. Mas havia também um tom racial, que identificava uma determinada cultura com determinada raça e nem sempre se aceitava que a assimilação desta ou daquela raça era aceitável e/ou desejável.
A Alemanha nazista inverteu esse padrão, absorvendo os ideais do racismo científico e levando a raça ao posto de divisor central entre povos e pessoas. Mas um tom etno-cultural também existia. Assim, havia eslavos mais próximos da cultura alemã, como parte dos tchecos, que poderiam ser assimilados, enquanto os poloneses, dado a histórica rivalidade entre os dois povos, só o seriam em mínima parte. O nazismo levou o racismo biológico ao seu máximo desenvolvimento, mas as idéias de assimilação cultural e lingüística também estavam presentes, sendo judeus e ciganos, provavelmente, os únicos aos quais essa possibilidade foi cem por cento negada.
O segundo ponto que me chama a atenção é a facilidade com a qual Estados quase totalitários, como a Alemanha de Hitler, planejaram e executaram projetos de engenharia populacional de uma magnitude inacreditável. Discutia-se a morte ou o deslocamento de dezenas de milhões de pessoas e a reorganização espacial de todo um continente com uma facilidade impressionante. Em um momento, chegou-se a imaginar até o envio de milhões de eslavos ao Brasil, o qual, em troca, devolveria a população de origem germânica ali emigrada (p. 209). Um total absurdo, mas que indica a facilidade com que estes projetos de reorganização espacial e populacional eram pensados e como, no caso nazista, eles foram colocados em prática ao menos em parte.
A ironia maior indicada pelo livro, contudo, é a de que o próprio estilo de administração alemã da Europa ocupada colaborou para o seu fim. Ao pilhar toda a economia européia (ao invés de permitir o seu desenvolvimento), desperdiçar a sua força de trabalho em massacres inúteis e não oferecer nenhuma opção aos povos dominados que não a dominação, o nazismo não conseguiu extrair, do continente, tudo o que poderia em termos de força militar, o que facilitou a sua derrota pelos Aliados. Na sua brutalidade, na sua violência gratuita, estava a semente da sua destruição. Uma conclusão não inédita, mas que ele consegue detalhar e explicitar em detalhes.
O livro de Mazower, assim, é uma leitura que vale a pena. Ele não explora fontes primárias e se baseia, em essência, na imensa bibliografia acumulada sobre o tema nas últimas décadas. Em alguns momentos, o esforço para absorver e reorganizar toda a massa de informação recolhida se transmuta em repetições e numa prolixidade que cansa o leitor. Mesmo assim, é um estimulante relato a respeito dessa história de idéias, adaptações, morte e construção imperial que merece ser lido não apenas pelos especialistas em nazismo ou em políticas imperiais, mas por todos os interessados em estudar o processo pelo qual idéias e (pré) conceitos se adaptam a realidade e, ao mesmo tempo, fazem a realidade se adaptar a eles.
João Fábio Bertonha – Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá/PR e Pesquisador do CNPq. E-mail: fabiobertonha@hotmail.com.